ACÓRDÃO
I RELATÓRIO
Em 19-11-2013, a sociedade A3… –, SGPS, S.A. (adiante designada por A…), contribuinte fiscal n.º …, com sede na …, submeteu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação dos atos tributários de liquidação de retenções na fonte de IRS de 2010 n.º 2013 … no valor de 326.908,56€, da liquidação de juros compensatórios n.º 2013 … no valor de 32.063,90€, da liquidação de retenções na fonte de IRS de 2012 n.º 2013 … no valor de 99.961,98€, e das liquidações de juros compensatórios n.º 2013 … e n.º 2013 … no valor de 3.307,28€.
A Requerente pede a anulação das liquidações de retenção na fonte acima identificadas, com fundamento:
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Na aplicação indevida da cláusula geral anti-abuso;
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Na errónea qualificação do facto tributário e vício de fundamentação legalmente exigida;
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E na violação da lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em 24-02-2014, justificando a aplicação da cláusula anti-abuso e defendendo que a constituição da SGPS Requerente e os contratos efetuados com a acionista B… teve como único objetivo permitir transferir para a esfera pessoal da acionista os rendimentos gerados pela empresa de que era acionista sem que, por isso, ficasse sujeita à devida tributação em sede de IRS. A AT em conclusão refere que a as liquidações objeto do pedido estão legalmente conformes e pede a improcedência do pedido arbitral.
Foram designados árbitros o Exmo. Sr. Juiz José Poças Falcão (como árbitro-presidente), a Ex.ma Sra. Dra. Suzana Fernandes da Costa e o Exmo. Sr. Dr. Júlio Tormenta.
Em conformidade com o previsto no artigo 11º n.º 1 alínea c) do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 21-01-2014.
Realizou-se em 17-03-2014 a reunião (única) do tribunal arbitral, nos termos e com os objetivos previstos no artigo 18º do Regime de Arbitragem Tributária. Não havendo correções a efetuar às peças processuais nem exceções a conhecer, designou-se o dia 07-04-2014 para a produção de prova testemunhal e a realização das alegações orais.
Em 07-04-2014 realizou-se a inquirição de testemunhas, C… (depoimentos relativos à matéria de facto alegada nos pontos 46 a 55 e 63 do pedido), D… e E… (depoimentos relativos à matéria de facto alegada nos pontos 37 a 45 do pedido de pronúncia arbitral).
A AT prescindiu da testemunha arrolada, F…, inspetora tributária.
Após inquirição das testemunhas as partes apresentaram as suas alegações orais, concluindo, no essencial, pela forma preconizada nos respetivos articulados.
Foi ainda designada a data de 16-06-2014 para a prolação da decisão final do presente pedido arbitral.
Saneamento/pressupostos processuais
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias.
II FUNDAMENTAÇÃO
Matéria de facto
Factos provados:
Analisada a prova documental e testemunhal produzida, bem como os factos admitidos por acordo, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:
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A Requerente adquiriu, em 22-12-2009, à sua acionista B… 325.954 ações representativas de cerca de 93% do capital social da A2…, SA, pessoa coletiva n.º … [Cfr contrato junto com o processo administrativo instrutor].
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A compra das ações foi feita ao preço unitário de 100 € por ação, que corresponde ao preço total de 32.595.400 € [Cfr contrato junto com o processo administrativo instrutor].
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A Requerente ficou devedora a B… da quantia correspondente ao preço de aquisição.
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À minuta do contrato promessa de venda, pelo valor nominal de €100,00 e com plano de pagamento do preço em 16 prestações anuais sucessivas, com início em 10 de junho de 2011, foi dado parecer favorável do fiscal único e Revisor Oficial de Contas, D… [artigo 397º-2, do Código das Sociedades Comerciais], com declaração de que as ações se destinavam a “(…)integrar a conta de participações financeiras de acordo com o objeto da sociedade (…)” e que aquela minuta “(…) assim como as condições e preço estabelecido são da única responsabilidade do conselho de administração da empresa (…)” [Cfr processo administrativo instrutor – anexo 6, fls 148].
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A A1… Lda iniciou atividade em 1977.
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Em 22-12-2003, foi celebrada escritura de transformação dessa sociedade, até aí por quotas, em sociedade anónima bem como de aumento do respetivo capital, [Cfr cópia da escritura junta com o processo administrativo instrutor].
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Eram, então, sócios C… e C1… (mulher daquele), B… (de ora em diante B…) e B1… (filhos do casal primeiramente referido) e, ainda B2… (marido de B…).
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A sócia B… ficou detentora de 34.916 ações, com um valor nominal de €5,00 e um valor total de €174.580,00, representativas de 9,9% do capital social
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Os pais de B… doaram-lhe 139.644 ações, a que foi atribuído um valor de €698.220,00 (valor unitário de € 5,00), ficando ela, nessa data, a deter 49,98 % do capital social
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Em 2006-11-29, B… adquiriu (por permuta) ao irmão (o referido B1…) 46.278 ações, a que foi atribuído um valor de € 231.311,84 (valor unitário de € 4,998), passando a deter 63,24 % do capital social.
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Em 2007-04-12, B… comprou ao irmão 105.200 ações, por um valor unitário de €24,08, num valor total de €2.533.216,00, ficando nessa data titular de 326.038 ações, com um valor nominal de €5,00, representativas de 93,36% do capital social da A2…, SA [Cfr contrato junto com o processo administrativo instrutor].
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Em 2007-04-12, B… vendeu a B3…, seu filho, 10 ações, por um valor unitário de €30,00, num total de €300,00, ficando detentora de 326.028 ações, representativas de 93,36% do capital social da A2…, SA [Cfr contrato junto com o processo administrativo instrutor].
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B… era administradora da A2…, SA desde 1986.
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A Requerida, em 2008, procedeu à distribuição de dividendos aos seus accionistas.
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E reteve na fonte IRS no valor de €200.000,00.
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Em 2009-10-14, B…, o marido (doravante designado B2…), os filhos, B3… (acima referido) e B4…, e o pai (o já mencionado C…), constituíram a sociedade ora Requerente, A3… -, SGPS, S.A. (doravante designada A3… SGPS), com o capital social de €50.000,00, representado por 2.500 ações, com o valor nominal de € 10,00 cada [Cfr contrato de sociedade junto com o processo administrativo instrutor].
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B… ficou a deter 2.460 ações da A3… SGPS, representativas de 98,40% do respetivo capital social, [Cfr contrato de sociedade junto com o processo administrativo instrutor].
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O pai, o marido e os dois filhos de B… ficaram com 10 ações cada.
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Nos anos a que respeitam as liquidações, nenhuma entidade (singular ou colectiva) alheia à sua família detém ações na Requerente bem como na A2… SA.
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No ato de constituição da requerente [cfr supra, 16.], foram eleitos administradores, para o triénio 2009/2011, o marido e os filhos da sobredita acionista B… [Cfr anexo 8, fls 151, do processo administrativo].
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E nesse mesmo ato foi eleito presidente da assembleia-geral da A3… SGPS também para o triénio 2009/2011, o pai de B… (C…).
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Em 2009-12-22, B… alienou 325.954 das ações da A2… SA, à recém-constituída A3… SGPS, conforme contrato junto com o processo administrativo.
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A A3… SGPS não pagou o preço de compra das ações à B….
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A A3… SGPS registou um crédito a favor de B… no referido montante de €32.595.400,00.
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Não estipulando o contrato o pagamento de qualquer juro pela empresa.
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A A3… SGPS passou, então, a deter um - e único - activo, constituído por essa participação na A2… SA.
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Ainda na referida data de 2009-12-22, B… alienou à filha 10 ações da A2… SA, conforme contrato junto com o processo administrativo.
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ficando, consequentemente, a deter, apenas, 64 ações dessa sociedade, que representam uma participação (directa) de 0,018 % do respectivo capital social
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E manteve a qualidade de administradora da A2… SA.
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Na sua declaração de IRS de 2009, B… declarou uma mais-valia de €29.888.363,20, que considerou estar excluída de tributação.
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Em 2010 a A2… SA pagou à A3… SGPS, a título de adiantamento de dividendos de 2010, €1.495.504,93.
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A A2… SA não procedeu à retenção aquando dessa distribuição de dividendos.
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Ainda a título de dividendos de 2010, e como acerto, pagou-lhe, já em 2011, €3.924,68.
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Em 2012, a A2… SA pagou à A3… SGPS dividendos de 2011 no montante de €399.847,90.
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Nas mesmas datas em que recebe os dividendos, a A3… SGPS reencaminha-os para a B….
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À data dos factos a A3… SGPS não dispõe de qualquer património, meios humanos ou estruturais próprios.
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Desde o início da sua existência, em 2009, a A3… SGPS não incorreu em despesas, designadamente relacionadas com custos com pessoal, consultadoria, trabalhos especializados ou ao pagamento de quaisquer rendas relativas à sua sede social.
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Sendo que a referida sede social se situa numa sala da sede da A3…, SA.
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Os administradores da Requerente não eram remunerados.
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A Requerente foi notificada da demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR de 2010 n.º 2013 … e da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2013 …, no valor total de 358.972,46 €, conforme liquidação junta aos autos com o pedido arbitral pela Requerente.
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A Requerente foi também notificada demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR de 2012 n.º 2013 … e da demonstração de liquidação de juros compensatórios n.º 2013 …, no valor total de 103.269,26 €, conforme liquidação junta aos autos com o pedido arbitral pela Requerente.
Factos não provados:
Analisada a prova documental e testemunhal produzida, consideram-se como não provados os seguintes factos:
- Não se considera provado que a A3… - SGPS, S.A., tenha sido constituída com o propósito de gerir as participações sociais das empresas do Grupo A3… (entre as quais a A2…, S.A.), nem com a intenção de, no momento oportuno, adquirir um conjunto alargado de participações sociais, nomeadamente nas seguintes empresas:
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A4… -, Lda, com sede em Angola e com o contribuinte nº …,
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A5… -, Lda, com sede em Moçambique e com o contribuinte nº …, detida pelos sócios B…, que detém 50% do capital social e o sócio B3…, que detém 50%;
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G… -, Lda, sociedade de direito português, com o contribuinte n9 …,
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H… -, S.A., sociedade de direito português,
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J…, S.A., sociedade de direito português, com o contribuinte n9 …,
- Não ficou provado que a requerente tenha sido constituída para ser a empresa-mãe e dirigir a concentração de um grupo empresarial com diversas empresas, detidas por vários sócios, e com sede e atividade em vários países
- Não ficou provado que dividendos tenham sido utilizados na atividade económica da Requerente.
- Não se considera provado que a Requerente tenha sido notificada do despacho decisório que autoriza a aplicação da cláusula anti-abuso.
Motivação
No tocante aos factos provados, a convicção do Tribunal fundou-se no processo administrativo instrutor, nos documentos juntos pela requerente e pela requerida, nos depoimentos prestados em audiência pelas testemunhas arroladas, tudo analisado de forma crítica.
Relativamente à não comprovação dos factos assim considerados pelo Tribunal, revelaram-se especialmente decisivos e fundamentais os depoimentos prestados pelo fiscal único da requerente e revisor oficial de contas e do fundador da sociedade comercial por quotas que esteve na origem da constituição da requerente e que não foram capazes de criar no Tribunal a convicção, ainda que ténue, da subsistência de razões válidas e legais para a constituição da requerente como SGPS, designadamente de estratégia empresarial, conforme previsto no regime da constituição das SGPS contido no citado Dec-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, ou seja, que a constituição da SGPS tivesse por fito incentivar a criação de grupo económico, enquanto instrumento adequado para contribuir para o fortalecimento do tecido empresarial português e de criação de empresas participadas com gestão centralizada e especializada [cfr preâmbulo do citado Dec Lei nº 495/88], tendo como único objeto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades [cfr. art.º 1.º, do citado diploma].
Na verdade e conforme se verá melhor infra, na fundamentação jurídica da decisão, o que aqui se verifica foi unicamente uma poupança fiscal tendo a Administração Tributária provado que não existiu qualquer racionalidade económica na constituição e intervenção da requerente que não fosse ou se reconduzisse a uma poupança fiscal (abusiva), para o sujeito passivo de IRS e acionista, B….
II FUNDAMENTAÇÃO
O Direito
Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber se deveria ter ocorrido retenção na fonte em sede de IRS nos pagamentos efetuados pela Requerente à acionista B…, por aplicação da cláusula geral anti-abuso.
A Requerente pretende em sede arbitral impugnar o ato de liquidação de retenção na fonte de IRS, nº 2013 … no montante de €326.908,56 (trezentos vinte seis mil novecentos oito euros e cinquenta seis cêntimos) e correspondente liquidação de juros compensatórios n.º 2013 … no montante de €32.063,90 (trinta dois mil sessenta três euros e noventa cêntimos), respeitante a 2010, bem assim como o ato de liquidação de retenção na fonte de IRS, nº 2013 … no montante de €99.961,98 (noventa nove mil novecentos e sessenta um euros noventa oito euros) e correspondentes liquidações de juros compensatórios n.º 2013 … e n.º 2013 … no montante de 3.307,28 (três mil trezentos e sete euros vinte oito cêntimos), respeitante a 2012, num montante total de €462.241,72 (quatrocentos sessenta dois mil duzentos quarenta um mil setenta dois cêntimos) com o fundamento de que não estavam reunidas as condições previstas na previsão do artigo 38.ºda LGT que deram origem às referidas liquidações, cfr. artigos 12.º e 13.º da Resposta.
Argui a Requerida (AT), que a Requerente fundamenta a sua posição no seguinte:
“(…)
i) Porque, alegadamente, estaríamos perante uma “lacuna consciente de tributação” (que é a questão em causa na alínea a) da parte III do r.i. que a requerente intitula “as operações realizadas não constituem a utilização de meios fraudulentos ou artificiosos, nem o abuso de formas jurídica” (itens 56 a 83 do r.i.)).
ii) Porque, alegadamente, a motivação das operações não teria sido fiscal, mas a criação de um grupo empresarial alavancado e coordenado por uma SGPS (que é a questão em causa na alínea b) da parte III do r.i. que a requerente intitula “as operações realizadas não foram realizadas com objectivo, único, principal ou determinante de evitar tributação de imposto sobre dividendos” (itens 84 a 91 do r.i.).
iii) Em terceiro lugar, sustenta a requerente que, mesmo que se concedesse quanto à aplicação do artigo 38º, nº2 da LGT à situação sub judice, “as liquidações impugnadas deveriam ter sido emitidas contra” a A2… S.A. e não sobre a requerente (questão em causa na alínea c) da parte III do r.i. que a requerente intitula “o negócio economicamente equivalente não é uma distribuição de dividendos por parte da Contribuinte” (itens 92 a 101 do r.i.)), por fim,
iv) Sustenta, ainda, que deveriam ter sido aplicadas as normas procedimentais previstas no artigo 63º do CPPT “na versão em vigor até 31-12-2011” (questão em causa na alínea d) da parte III do r.i. que a requerente intitula “o procedimento de autorização da aplicação da disposição anti-abuso violou regras procedimentais de defesa dos direitos e garantias da contribuinte, tendo incorrido em vício de nulidade” (itens 102 a 114 do r.i.)).”
Questões decidendas
Tendo em conta o regime do artigo 124.º do CPPT, aplicável ex vi artigo 29.º do RJAT, o tribunal vai apreciar as questões seguintes e segundo a respetiva ordem:
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Alegada violação de regras procedimentais de defesa dos direitos e garantias do Requerente [cfr. artigos 2 a 114 da petição inicial];
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Pressupostos de aplicação da cláusula geral antiabuso que correspondem aos itens i) e ii) supra referidos e que correspondem, respetivamente, aos artigos 56 a 83 e 84 a 91, todos, da petição inicial;
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Errónea notificação das liquidações impugnadas na pessoa da A3… SGPS, cfr. artigos 92 a 101 da petição inicial.
A – A questão da alegada violação das normas procedimentais
A Requerente argui que a AT incorreu num vício de cariz procedimental devido ao facto de toda a tramitação prevista no artigo 63.º do CPPT relativamente à aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso ter sido efetuada de acordo com a redação vigente no momento em que se iniciou o procedimento, isto é, 26/10/2012 e não ao abrigo da redação vigente até 31/12/2011.
Em concreto, a Requerente afirma ter sido notificada, nos termos do artigo 63.º do CPPT, para efeitos de exercício do direito de audição prévia no que concerne à aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso ao abrigo do n.º2 do artigo 38.º da LGT; mais afirma ter exercido esse direito tempestivamente, mantendo no entanto a AT a intenção de aplicar a referida Cláusula Geral Anti-Abuso.
No entanto, por força do n.º 7 do artigo 63.º do CPPT, a AT para aplicar a Cláusula Geral Anti-Abuso, precisa de uma autorização por parte do dirigente máximo do serviço ou do funcionário em quem o dirigente máximo delegou essas competências. Ora, acontece que a Requerente só tomou conhecimento do despacho decisório do Diretor Geral dos Impostos e do Subdiretor-Geral para a área da Inspeção Tributária aquando da notificação do relatório da inspeção tributária e por isso em sua opinião estamos perante um vício procedimental, pelo facto de a AT não a ter notificado autonomamente do despacho decisório onde o dirigente máximo autorizava a aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso, negando por isso a possibilidade de o contribuinte impugnar autonomamente tal despacho, ofendendo “garantias legitimas constituídas”.
Conforme é referido pela Requerida[1], a autorização dada pelo dirigente máximo do serviço (leia-se Diretor Geral dos Impostos) ou por funcionário em quem tiver sido delegadas essas competências para se aplicar a Cláusula Geral Anti-Abuso, poderia ser sindicada judicial e autonomamente através de ação administrativa especial[2] (“recurso contencioso autónomo”), por força do n.º10 do artigo 63.º do CPPT. Assim, estava-se perante um ato destacável para efeitos de impugnação contenciosa, o qual se inseria no procedimento de liquidação e que antecedia o ato de liquidação propriamente dito. Este regime foi alterado pelo artigo 152.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2012) ao abrigo do qual o n.º 10 do artigo 63.º do CPPT foi revogado, tendo-se adotado o principio da impugnação unitária[3] ao abrigo do qual os administrados podem impugnar a decisão final do procedimento tributário com fundamento em qualquer ilegalidade incluindo a referente a qualquer ato interlocutório do procedimento.
A partir de 1/1/2012 (por força da Lei do Orçamento de Estado para 2012) a decisão de autorização de aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso por parte do dirigente máximo continuou a ser sindicável judicialmente mas só aquando da impugnação do ato final do procedimento, leia-se da liquidação de imposto resultante da aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso. Deixou de haver a possibilidade de haver impugnação autónoma da decisão administrativa de aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso por parte do dirigente máximo dos serviços ou de funcionário com competências delegadas.
Pode-se concluir que esta alteração operada por força da Lei do Orçamento de Estado para 2012, em sede de direitos e garantias do procedimento tributário dos contribuintes relativamente à aplicação das normas gerais anti-abuso, não sofreu alterações, mudando apenas o “timing” quanto ao exercício das garantias por parte dos contribuintes. Até 31/12/2011, a decisão administrativa de aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso podia ser sindicada judicialmente, de forma autónoma, através de ação administrativa especial logo após a autorização administrativa para aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso, enquanto que, a partir de 1/1/2012 a sindicância judicial dessa mesma decisão administrativa, só poderá ser efetuada em sede de impugnação judicial da liquidação de imposto. Em conclusão, pode afirmar-se que a mudança de paradigma ocorrido por força da Lei do Orçamento de Estado para 2012 (Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro) quanto aos direitos e garantias dos contribuintes não foram minimamente beliscados mantendo-se intocáveis antes e após 1 de janeiro de 2012.
Por outro lado, refira-se que a aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso prevista no artigo 38.º da LGT obedece a uma determinada tramitação cujo regime se encontra plasmado no artigo 63.º do CPPT. Ora, as normas do artigo 63.º do CPPT são normas de cariz processual, conforme reconhecido pela jurisprudência. De facto, em sede de arbitragem tributária na Decisão Arbitral n.º 123/2012-T[4] relativamente às normas do artigo 63.º do CPPT afirma-se “ (…) Apesar das alterações que o artigo sofreu desde a sua introdução, manteve sempre um conjunto de normas de natureza procedimental”.
“(…)I - De acordo com o disposto no nº 10 do artº 63º do CPPT, o interessado podia deduzir recurso autónomo do ato de autorização de aplicação das disposições antiabuso.
II - Aquele nº 10, todavia, foi revogado pelo artº 153º da Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2012.
III - Esta norma é de natureza processual, pelo que, atento o disposto no artº 12º, nº 3 da LGT, é de aplicação imediata, não sendo de ter aqui em consideração o prejuízo dos direitos e garantias anteriormente atribuídos aos recorrentes, uma vez que estes haviam deduzido, entretanto, impugnação judicial em que invocaram relativamente ao citado ato de autorização os mesmos vícios invocados nos presentes autos (…)” [Acórdão do STA de 26-2-2014, Proc nº 1088/13].
De acordo no n.º 1 do artigo 12.º da LGT sob a epígrafe “Aplicação da lei tributária no tempo” estatui-se que “As normas tributárias aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor, não podendo ser criados quaisquer impostos retroactivos” e adicionalmente no n.º3 do mesmo artigo da LGT, se estabelece que “As normas sobre procedimento e processo são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos dos contribuintes”, pelo que se impõe analisar face ao material probatório carreado para os autos, se a atuação da AT em sede de procedimento inspetivo, violou a lei vigente à data dos factos controvertidos inquinando a validade das liquidações controvertidas em sede IRS.
Importa ainda referir que a Requerente reconhece, e bem, que nos “termos do n.º3 do artigo 12.º da LGT, as normas sobre procedimento e processo (tributário) são de aplicação imediata, sem prejuízo das garantias, direitos e interesses legítimos dos contribuintes“[5] assim como “No nosso entendimento, e salvo melhor opinião, o procedimento de aplicação da cláusula anti-abuso, plasmado no artigo 63.º do CPP, contém normas de carácter procedimental, mas que estabelecem garantia e direitos legítimos de defesa dos contribuintes”.
Como corolário do acima referido, a validade dos atos praticados pela AT devem ser aferidos com base na lei em vigor no momento em que são praticados.
Como acima referido, o n.º10 do artigo 63.º do CPPT, era uma norma de cariz procedimental, tendo a mesma sido revogada com efeitos a partir de 1/1/2012 por força do Lei do Orçamento de Estado de 2012.
Uma vez iniciado o procedimento inspetivo em 26/10/2012 e tendo sido exaurido por despacho do Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira e Subdiretor-Geral para a área da Inspeção Tributária, de 18/6/2013 e 7/6/2013, respetivamente, autorização para aplicação da disposição anti-abuso constante do n.º2 do artigo 38.º da LGT, nos termos do n.º7 do artigo 63.º do CPPT, constante na Informação n.º …/2013 de 23/4/2013, da Direção de Serviços de Planeamento e Coordenação da Inspeção Tributária[6], não pode proceder a posição da Requerente de que lhe foram restringidos direitos que já se encontravam constituídos pela não aplicação da lei na redação anterior de 2012 por lhe ter sido cerceado o direito à impugnação contenciosa autónoma.
E porquê?
Pela razão de que a norma que previa esse tipo de impugnação contenciosa autónoma - n.º 10 do artigo 63.º da CPPT – estava revogada à data do ato administrativo praticado pelo dirigente máximo dos serviço. Assim, este tribunal acompanha a fundamentação expressa no artigo 158.º da Resposta aduzida pela Requerida.
Por outro lado, os direitos e garantias de defesa da Requerente não foram restringidas pela ausência de impugnação contenciosa autónoma operada pela Lei do Orçamento de Estado para 2012, porque em respeito ao paradigma do principio de impugnação unitária prevista nos artigos 66.º da LGT e 54.º do CPPT, a Requerente pode arguir em sede de impugnação contenciosa a ilegalidade do ato de liquidação de imposto ou de qualquer ato interlocutório (por exemplo da autorização por parte do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira com o fundamento de qualquer ilegalidade constante desse ato administrativo), não havendo por isso qualquer restrição quanto às suas garantias e direitos de defesa face à AT.
A Requerente igualmente argui, apelando ao disposto no n.º4 do artigo 12.º da LGT, que as normas do artigo 63.º do CPPT são normas de desenvolvimento de normas de incidência tributária, pelo que as alterações ao artigo 63.º do CPPT por força da Lei do Orçamento de Estado para 2012, não se aplicavam ao caso controvertido. Assim, o procedimento inspetivo deveria ter sido efetuado ao abrigo da redação da lei vigente a 21/12/2011, isto é, ao abrigo do n.º19 do artigo 63.º do CPPT e consequentemente a decisão do Diretor Geral de Impostos de 1876/2013 a autorizar a aplicação da Cláusula Geral anti-abuso, deveria ter sido objeto de recurso através de ação administrativa especial.
A Requerente não tem razão, uma vez que as normas contidas no artigo 63.º do CPPT são normas procedimentais/adjetivas que vêm regular a forma de procedimento que a AT deve adotar na aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso quanto ao seu n.º2. Aliás, na letra do n.º1 do artigo 63.º do CPPT, na redação dada pela Lei 64-B/2011 de 30 de dezembro (Lei do Orçamento de Estado de 2012), retira-se esse carácter procedimental ou adjetivo quando é referido “ 1- A liquidação de tributos com base na disposição anti-abuso constante do n.º2 do artigo 38.º da lei geral tributária segue os termos previstos neste artigo”.
Pelas razões supra, é improcedente o pedido arguido da Requerente quanto à errada aplicação das normas procedimentais previstas no artigo 63.º do CPPT introduzidas pela Lei n.º 64-B/2011 de 31 de dezembro, pelo que o procedimento levado a cabo pela AT não enferma do vício que lhe é imputado pela requerente.
B – A questão da alegada violação dos pressupostos de aplicação da cláusula geral antiabuso.
Relativamente a esta questão controvertida, é imperativo averiguar se estamos perante uma situação de planeamento fiscal legítimo ou ilegítimo.
Sobre esta matéria e por economia, este Tribunal manifesta a sua adesão, no essencial, aos fundamentos expandidos no Acórdão Arbitral proferido no processo n.º 70/2013-T, do CAAD[7].
Aí se afirmou designadamente, quanto ao conceito de planeamento fiscal legítimo ou ilegítimo, que, segundo a Doutrina [SALDANHA SANCHES, Os limites do planeamento fiscal, Coimbra Editora, 2006, pág. 21], o planeamento fiscal legítimo "consiste numa técnica de redução da carga fiscal pela qual o sujeito passivo renuncia a um certo comportamento por este estar ligado a uma obrigação tributária ou escolhe, entre as várias soluções que lhe são proporcionadas pelo ordenamento jurídico aquela que, por ação intencional ou omissão do legislador fiscal, está acompanhada de menos encargos fiscais". Por outro lado, o planeamento fiscal ilegítimo "consiste em qualquer comportamento de redução indevida, por contrariar princípios ou regras do ordenamento jurídico-tributário, das onerações fiscais de um determinado sujeito passivo". “
Ainda segundo o Acórdão acima referido, dentro do quadro do planeamento fiscal podemos, assim, distinguir as situações em que o sujeito passivo atua contra legem, extra legem e intra legem.
Existe atuação “contra legem”,quando a atuação é frontal e inequivocamente ilícita, pois infringe diretamente a lei fiscal, e configura uma fraude fiscal passível, inclusive, de ser objeto de censura contraordenacional ou criminal.
A atuação “extra legem” ocorre quando o sujeito passivo aproveita de forma abusiva a lei para chegar a um resultado fiscal mais favorável, pese embora este não a violar diretamente. Este adota “um comportamento que tem como finalidade exclusiva ou principal contornar uma ou várias normas jurídico-fiscais, de modo a conseguir a redução ou a supressão do encargo fiscal", conforme salientam JÓNATAS MACHADO e NOGUEIRA DA COSTA, Curso de Direito Tributário, Coimbra Editora, 2009, pág. 340.
Sendo que, como refere SALDANHA SANCHES, na obra supra citada, pág. 181, dessa ou dessas normas jurídico-fiscais se deve detetar uma tentativa de contornar "uma clara intenção de tributar afirmada pelos princípios estruturantes do sistema".
Este tipo de atuação é comummente designada de ''fraude à lei fiscal", conforme alerta ainda SALDANHA SANCHES, pretendendo melhor ilustrar e distinguir estas situações das de fraude fiscal, também designada de "evitação abusiva de encargos fiscais", "evitação fiscal abusiva" ou ainda "elisão fiscal".
Só se afigura legítima - e, assim, planeamento fiscal legítimo ou não abusivo - a atuação intra legem. Com efeito, a obtenção de uma poupança fiscal não constitui um comportamento proibido pela lei, desde que a atuação não se enquadre na supra referida atuação extra legem.
Assim sendo, a questão colocada a este tribunal, na sequência do procedimento de aplicação da cláusula geral anti-abuso - um dos mecanismos legais a que o legislador recorre para dar resposta aos comportamentos de planeamento fiscal abusivo - reside em saber se a atuação do sujeito passivo se situa intra ou extra legem, ou seja, se o planeamento fiscal que adotou é legítimo ou ilegítimo, se é não abusivo ou abusivo. Ora para isso é necessário socorrermo-nos na questão controvertida do artigo 38.º da LGT.
A cláusula geral anti-abuso está prevista nos n.º 1 e 2, ambos, do artigo 38.º da LGT. O n.º 2 do artigo 38.º da LGT na redação dada pela Lei n.º 30-G/2000 de 29 de dezembro dispõe “São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas”.
Esta norma é complementada pelo artigo 63.º do CPPT[8], que contém um conjunto de disposições que concretizam os parâmetros conformadores do procedimento de aplicação das disposições anti-abuso.
No referido n.º2 do artigo 38.º da LGT, estão identificados os factos – atos ou negócios jurídicos – que sejam praticados com o objetivo de se obter uma vantagem fiscal. Assim sendo, há que analisar em que situações se está perante uma vantagem fiscal que seja suscetível de ficar abrangida pelo regime previsto no n.º2 do artigo 38.º da LGT.
Perante um caso concreto terá que se analisar se uma determinada estrutura criada pelo contribuinte teve como fim determinante e único evitar a tributação, sendo por isso abusiva e abrangida pela disciplina do n.º2 do artigo 38.º da LGT, comparativamente a outra estrutura que dum ponto de vista de racionalidade económica, pudesse atingir o mesmo fim económico. Nessa análise terá que se fazer apelo aos institutos da fraude à lei e abuso das formas ou configurações jurídicas.
Fazendo uso da teoria da fraude à lei na questão controvertida, há que verificar se a atuação da B… constituiu fraude à lei e por esse motivo obteve uma vantagem fiscal.
Vejamos:
Para se estar perante uma situação de fraude à lei ter-se-á que estar perante uma situação de facto que sendo tributada foi substituída por outra situação de facto por razões exclusivamente tributárias sem qualquer racionalidade económica, obtendo-se desta maneira uma vantagem fiscal, mas que as mesmas tenham as mesmas consequências económicas na esfera do contribuinte.
Na questão controvertida, está em causa a alínea h) do n.º2 do artigo 5.º do Código do IRS que dispõe “2 - Os frutos e vantagens económicas referidos no número anterior compreendem, designadamente:
(…)
h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20º (…)”.
Por força do n.º1 do mesmo artigo (artigo 5º do Código do IRS), os lucros distribuídos aos titulares de capital (sócios/acionistas) são rendimentos de capitais sujeitos a IRS.
A questão que se levanta é saber se a constituição formal da SGPS ora requerente se destinou apenas a servir de veículo ou instrumento para defraudar o disposto no artigo 5º, nº 2/h), do CIRS, ou seja, dar uma “roupagem” ou aparência de pagamento de preço de cessão de participação social e não a um real pagamento de dividendos ou por conta de dividendos.
Segundo Gustavo Courinha[9], “a actuação do contribuinte, para ser fraudulenta, tem, como tal, de permitir substituir as situações de facto tributadas, por outras que, gerando as mesmas consequências práticas e económicas, resultem numa vantagem fiscal (em sentido amplo)”.[10]
“(…)as formas indirectas de atingir tal resultado económico-prático, de revelar a manifestação de riqueza ou capacidade contributiva pretendida tributar, devem ser objecto de tratamento tributário semelhante”.[11]
Subsunção
Descendo ao caso dos autos, não pode deixar de se concluir que com a estrutura criada se evitou a tributação, na esfera jurídica de B… e em sede de IRS, do montante total de €426.870,54[12] correspondente respetivamente a 2010 e 2012 nos montantes de €326.908,56[13] e € 99.961,98, no total de €426.870,54, correspondentes a rendimentos tributáveis, com a natureza de dividendos relativos a 2010 e 2012 de € 1.520.504,93 e € 399.847,90, respetivamente.
Vejamos porquê.
Antes da constituição da A3… SGPS em 2009, B… era detentora de 93,3% do capital social da A2… SA e por esse facto, caso recebesse dividendos, os mesmos seriam tributados em sede de IRS na categoria “E” através de retenção na fonte, o que veio a acontecer em 2008[14]. Caso não existisse a A3… SGPS e a A2… SA distribuísse dividendos em 2010 e 2012 nos mesmos montantes que foram distribuídos e pagos pela A3… SGPS à sua acionista B… a título de pagamento de dívida, os mesmos seriam objeto de tributação em sede de IRC através de retenção na fonte com taxas liberatórias respetivamente de 21,5% e 25%[15], assumindo-se mutatis mutandis que não havia alteração de datas quanto à distribuição de dividendos.
A criação da SGPS e a sua interposição entre a A2… SA e a ex-acionista desta, B…, permitiu converter dividendos em pagamento de dívida e assim evitar a tributação na esfera jurídica de B… durante um período significativo de tempo (16 anos). Conforme consta dos autos (Contrato de Venda das Ações)[16], a dívida de €32.595.400,00 contraída pela A3… SGPS correspondente à alienação à A3… SGPS da participação de 93,3% que B… detinha na A2… SA, seria paga pela A3… SGPS àquela (B…) ”… em 16 prestações de € 2.037.212,50, vencendo-se a primeira no dia 10 de junho de 2011 e as seguintes em igual dia dos anos subsequentes…”, o que permitia à B… receber indiretamente através da A3… SGPS dividendos provenientes da A2… SA sem qualquer tributação. Após a interposição da A3… SGPS, B… detinha indiretamente 91,85%[17] do capital social da A2… SA tendo ficado administradora da A2… SA enquanto o seu marido B3… era administrador da A3… SGPS, juntamente com os filhos. Assim, estamos perante entidades em situação de relações especiais tal como vem definido no artigo 63.º do CIRC e da Portaria n.º 1446-C/2001 de 21 de dezembro, quer a nível da relação inter-societária (A3… SGPS/A2… SA), quer a nível dos acionistas. No entanto B… quer como acionista da A3… SGPS, quer como administradora da A2… SA tinha uma preponderância significativa no seio deste grupo económico de âmbito familiar (Grupo A3…).
Tendo em conta o supra referido, é convicção deste tribunal que a estrutura criada teve o intuito de converter dividendos em pagamento de dívida da A3… SGPS a B…, subscrevendo a posição da Requerida quando esta afirma “(…)sendo, ainda de considerar que a prática dos factos atrás descritos facultou a B… ficar como credora da SGPS num valor total “acordado” de €32.595.400,00, valor que lhe permitirá, nos anos vindouros, continuar receber da participada A2… SA, por intermédio da SGPS, dividendos e adiantamento por conta de dividendos futuros também em fraude citada alínea h) do nº2 do artigo 5º do Código do IRS, ou, até, poder vir a alienar esse crédito a terceiros, obtendo ganhos próprios.”
À mesma conclusão se chega através da aplicação da Teoria do Abuso de Formas ou Configurações Jurídicas na interpretação do n.º2 do artigo 38.º da LGT.
Com efeito e segundo Gustavo Lopes Courinha[18] [“esquema abusivo” é aquele que não corresponde aos usos e costumes da actividade comercial ou à opção própria de um bom pai de família para atingir o fim económico pretendido], o que significa que para além da vantagem fiscal deve estar-se perante uma estrutura “anómala” resultante de atos e negócios jurídicos que não têm explicação face aos usos e costumes comerciais existentes num determinado ordenamento jurídico tributário.
Como referido supra, a criação da SGPS serviu como instrumento ou veículo para converter dividendos, que antes eram tributados em sede de IRS quando colocados à disposição e pagos[19] à acionista B… por parte da A2… SA, em pagamento de uma dívida da SGPS para com a sua acionista maioritária B….
Ficou provado que em 2010, a A2… SA pagou à A3… SGPS, a título de adiantamento de dividendos, o montante de €1.495.504,93, não tendo procedido a retenção na fonte para efeitos de IRC, aquando dessa distribuição de dividendos. Ainda a título de dividendos de 2010, e como acerto, a A2… pagou, já em 2011, à A3… SGPS, o montante de €3.924,68. Ficou igualmente provado que em 2012, a A2… SA pagou à A3… SGPS dividendos de 2011 no montante de €399.847,90, não tendo procedido a retenção na fonte para efeitos de IRC, tendo a A3… SGPS nas mesmas datas em que recebe os dividendos, reencaminhados para a B… sob a forma de pagamento de dívida resultante da cessão da participação que a mesma detinha na A2… SA à A3… SGPS, sem qualquer tributação na esfera da B….
Do acima descrito, constata-se que B… é a “pivot” e beneficiária da estrutura criada. Por outro lado, segundo a Requerente[20], devido à dinâmica e crescimento empresarial do Grupo A3…[21], quer a nível do mercado português quer africano, em especial Angola, era necessário dotar o grupo A3… de uma estrutura organizacional com uma gestão mais profissional e especializada. Decorrente desta necessidade, foi constituída em 2009 a A3… SGPS, com esse objetivo. Da factualidade e prova produzida, constata-se que a A3… SGPS não desenvolveu o seu objeto social até final de 2012 de acordo com o estatuído no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 495/88 de 30 de dezembro ao abrigo do qual este tipo de sociedades, SGPS, “têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas.”, pois desde a sua constituição em 2009, a única participação social detida é a referente à A2… SA. Adicionalmente, também desde 2009 não prestou serviços técnicos de administração e gestão assim como concessão de crédito, que o seu regime jurídico permitia, pelo menos com a única subsidiária que detinha – A2… SA[22]. No caso controvertido, a A3… SGPS serviu de mero “cofre de participações sociais” pois não desenvolveu qualquer atividade dentro do seu escopo social, não se vislumbrando nenhuma razão de ordem económica para a sua constituição, a não ser a obtenção duma vantagem fiscal associada à estrutura criada e daí o seu carácter anómalo numa ótica tributária. Como a Requerida refere[23] “não está em causa a validade e a licitude da constituição da A3… SGPS” mas sim o objetivo e utilidade da criação da A3… SGPS atendendo à factualidade presente nos autos.
Houve de facto para efeitos fiscais uma utilização abusiva e indevida duma figura societária prevista na lei jus-societária - SGPS – que deu origem a uma estrutura sem qualquer racionalidade económica e daí a sua anormalidade cuja motivação fiscal foi preponderante.
A Requerente, citando Saldanha Sanches, apela igualmente ao conceito de “lacunas conscientes de tributação”[24] como sendo aquelas situações (exemplo: transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima e a posterior mais-valia fiscal apurada na alienação das ações estar excluída de tributação) em que o legislador não quis sujeitar as mesmas a tributação e por isso às mesmas não pode ser aplicada a a Cláusula Geral Anti-Abuso para justificar a não motivação fiscal na venda das ações da A2… SA à A3… SGPS.
Ora salvo melhor opinião, a situação invocada pela Requerente como exemplo de “lacuna consciente de tributação”, não pode ser comparável à situação controvertida.
Não existe qualquer “lacuna consciente de tributação” porque na lei substantiva fiscal em sede de IRS, não existia à data dos factos controvertidos qualquer norma de exclusão tributária relativamente a lucros recebidos pelos sócios/acionistas singulares, estando os mesmos sujeitos e não isentos a IRS. Houve sim a utilização de uma estrutura artificiosa e fraudulenta à alínea h) do n.º2 do artigo 5.º do Código do IRS, através do uso indevido duma figura societária chamada SGPS.
Pelas razões supra, improcedem as razões apresentadas pela Requerente nos artigos 56 a 91 da petição inicial, pelo que a AT fez bem em proceder à liquidação de IRS através da aplicação da cláusula geral anti-abuso prevista no n.º2 do artigo 38.ºda LGT.
Os pressupostos de aplicação da cláusula geral anti-abuso encontram-se plasmados no artigo 38.º da LGT e a fundamentação dos mesmos no artigo 63.º do CPPT mais especificamente no seu n.º3. A AT tanto na proposta de aplicação da cláusula geral anti-abuso[25]como no Relatório final de inspeção[26] deram cumprimento ao estatuído no artigo 63.º do CPPT.
Quanto ao n.º 2 do artigo 38.º da LGT na redação dada pela Lei n.º 30-G/2000 de 29 de dezembro dispõe “São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas” a doutrina[27] e jurisprudência[28] tem identificado 5 elementos na letra da norma.
Relativamente à norma supra – artigo 38.º da LGT- o Acórdão do TCAS (Tribunal Central Administrativo do Sul) de 15/2/2011 Processo 4255/10 refere que “(…)a previsão da norma em análise consagra quatro pressupostos da sua aplicação, os quais são:
1-O elemento meio - o qual tem a ver com a forma utilizada, portanto, com a prática de certos actos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos;
2-O elemento resultado - o qual visa a vantagem fiscal como fim da actividade do contribuinte, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos;
3-O elemento intelectual - o qual tem a ver com a motivação fiscal do contribuinte, portanto, com o facto dos actos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal;
4-Elemento normativo - o qual tem a ver com a reprovação normativo -sistemática da vantagem obtida, portanto, o contribuinte actua com manifesto abuso das formas jurídicas (cfr.art°.63, n°,2, do C.P.P. Tributário).
Na estatuição da norma vamos encontrar o elemento sancionatório que se traduz na ineficácia, no âmbito tributário, dos actos ou negócios jurídicos em causa, os quais passam a ser inoponíveis à A. Fiscal (cfr. J. L. Saldanha Sanches, Os limites do Planeamento Fiscal, Coimbra Editora, 2006, pág.169 e seg.; Gustavo Lopes Courinha, A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário - Contributos Para a Sua Compreensão, Almedina, 2004, pág.165 e seg.).
O elemento sancionatório corresponde, por isso, à estatuição da norma em apreciação, dependendo a sua aplicação da verificação cumulativa dos pressupostos consagrados na sua previsão (…)”
No exercício do contraditório em sede de Resposta, a Requerida analisou especificamente o elemento intelectual e o elemento normativo remetendo para o Relatório de Inspeção a análise dos outros elementos que constam da letra do n.º2 do artigo 38.º da LGT.
Quanto ao elemento intelectual, este tribunal acompanha na íntegra a fundamentação por parte da AT contida nos artigos 255.º a 310.º na Resposta para aplicação da cláusula geral anti-abuso tendo em conta toda a factualidade e prova carreada para os autos assim como o que acima foi mencionado quanto à inexistência de atividade característica de uma SGPS no desenvolvimento do seu escopo social por parte da A3… SGPS, o fluxo financeiro entre a A2… SA/A3… SGPS/B… e o papel preponderante desta neste fluxo financeiro.
Quanto ao elemento normativo, este tribunal igualmente acompanha na íntegra a fundamentação por parte da AT contida nos artigos 311.º a 377.º na Resposta para aplicação da cláusula geral anti-abuso tendo em conta toda a factualidade e prova carreada para os autos assim como o que foi acima mencionado.
De facto, conforme a Requerida menciona, terá que se conjugar a leitura do n.º2 do artigo 38.º da LGT com a alínea h) do n.º2 do artigo 5.º do CIRS e verificar se a estrutura criada através da constituição de uma SGPS nos moldes descritos, não visou apenas uma vantagem fiscal que se traduziu na não aplicação da alínea h) do n.º2 do artigo 5.º do CIRS.
Ainda relativamente ao elemento normativo e como bem refere a Requerente, não está em causa o regime de exclusão de tributação para efeitos de IRS sobre a mais-valia fiscal apurada por B… no montante € 29.883.363,20[29] na transmissão das ações da A2… SA para a A3… SGPS mas sim com a constituição da A3… SGPS: “(…)O contorno da lei permitiu que se atingissem efeitos económicos equivalentes sem se ser tributado, ocasionando uma poupança fiscal, e isso sem que, como se comprova, exista qualquer racionalidade económica na constituição e intervenção da SGPS, que não a referida poupança fiscal(…)”.[30].
Por outro lado, este tribunal acompanha a fundamentação da Requerida no sentido de que devido à artificialidade do negócio jurídico controvertido, o mesmo conflitua com os princípios da legalidade, igualdade e capacidade contributiva pelos motivos expostos nos artigos 361.º a 376.ºda Resposta.
Quanto aos elementos meio e resultado, este tribunal acompanha a fundamentação da Requerida de que os mesmos estão preenchidos pelos motivos expostos em fls 260 a 261 verso do PA cujo teor se dá por inteiramente reproduzido.
O elemento sancionatório concretiza-se pela ineficácia de atos e negócios jurídicos para efeitos fiscais, estando expresso na parte final do n.º2 do artigo 38.º da LGT nos termos do qual “(…)são ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios jurídicos n.º (…) efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas(…)”.
Uma vez que o elemento sancionatório depende da verificação cumulativa dos restantes elementos – o que se verifica pelas razões supra – considera o tribunal arbitral que estão preenchidos todos os elementos para se aplicar a cláusula geral anti-abuso na situação vertente.
C – A questão da errónea notificação das liquidações impugnadas na pessoa da A3… SGPS - cfr. itens 92 a 101 da petição inicial.
Em síntese, a Requerente argui que, por mera hipótese académica, caso houvesse legitimidade para aplicação da cláusula geral anti-abuso e descaraterização da operação de pagamento do preço das ações à B…, nunca o negócio economicamente equivalente seria uma distribuição de dividendos por parte da A3… SGPS àquela, mas sim, da A2… SA à B…, fundamentando a sua posição com base no que foi referido na página 14/40 do Relatório de Inspeção (cfr. artigo 96 da petição inicial). Como consequência, as liquidações impugnadas deveriam ter sido emitidas contra a A2… e não contra a A3… SGPS.
Por sua vez a Requerida, tem opinião contrária no sentido de que a notificação na A3… SGPS da liquidação impugnada é legal, pois é a esta entidade que compete fazer a retenção na fonte para efeitos de IRS dos rendimentos colocados à disposição e pagos à B… uma vez que foi ela que procedeu aos pagamentos das quantias em causa que devem ser considerados dividendos incluídos na categoria “E” do CIRS. Fundamenta a sua posição no Acórdão do TCAS de 2012-02-14 Processo n.º 5104/11 onde se afirma [o momento relevante é o termo dos actos desenvolvidos “os quais funcionam como um todo, já que só nesse momento se encontram preenchidos todos os concretos actos que fundam o direito à liquidação” ][31] e por isso só com os pagamentos efetuados pela A3… SGPS à B… é que se deu o incremento patrimonial na esfera desta. Por outro lado, devido à desconsideração para efeitos tributários desses pagamentos como amortização de dívida mas sim como pagamento de dividendos, por força da cláusula geral anti-abuso, é que se encontram preenchidos todos os atos que fundamentam a liquidação impugnada efetuada à B…, SGPS.
Pelas razões expostas, estão reunidos os pressupostos para aplicação da cláusula geral anti-abuso plasmada no artigo 38.º da LGT. O elemento sancionatório estatui a ineficácia para efeitos tributários, traduzindo-se no facto de ter de se reconstituir para efeitos tributários a situação, caso não se tivesse operado a ineficácia. O que no caso presente se traduz na desconsideração do ato jurídico da constituição da A3… SGPS para efeitos tributários, significando que, para efeitos fiscais se desconsidera a distribuição de dividendos da A2… SA à A3… SGPS. É como se não existisse para efeitos tributários, o fluxo financeiro entre estas duas sociedades comerciais mas sim entre a A2… SA e B…. Ora, sendo assim, como é que se fará tributação dos rendimentos distribuídos pela A2… SA a B…?
A resposta a esta pergunta encontra-se na parte final do n.º2 do artigo 38.º da LGT que dispõe “(…) efectuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens referidas” o que nos leva a ter que considerar que os rendimentos distribuídos pela A2… SA a B… devam ter a natureza de dividendos sujeitos a tributação para efeitos de IRS por se enquadrarem na categoria “E”. Este tipo de rendimentos por força das disposições previstas no CIRS são tributados sob a forma de retenção na fonte assumindo a taxa de retenção na fonte a natureza de taxa liberatória. Pelo facto de se estar perante uma situação de substituição tributária, compete ao substituto, A2… SA, efetuar a retenção de imposto.
Questão igualmente relevante será saber-se quando é que se deve dar à tributação os rendimentos resultantes da aplicação da cláusula geral anti-abuso.
A resposta está na parte final do n.º1 do artigo 38.º da LGT que dispõe ”(…) no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes” o que na questão controvertida coincide com o momento em que se efetua a distribuição de dividendos da A2… SA à A3… SGPS.
Do supra exposto, em síntese, conjugando o n.º1 e n.º 2 do artigo 38.º da LGT, pode concluir-se que:
-
A constituição da A3… SGPS é ineficaz para efeitos tributários;
-
Devido à desconsideração tributária da A3… SGPS por força da ineficácia tributária, os rendimentos distribuídos pela A2… SA devem assumir a natureza de dividendos e considerar-se que o beneficiário efetivo dos mesmos é B…;
-
Por força de b), esses rendimentos assumem a natureza de dividendos estando sujeitos a tributação em sede IRS enquadrados na categoria E;
-
A tributação desses rendimentos opera-se sob a forma de retenção na fonte sujeita a uma taxa liberatória devendo ocorrer no momento em que são colocados à disposição ou pagos ao beneficiário efetivo, o que no caso controvertido coincide com o fluxo financeiro entre a A2… SA e a A3… SGPS em 2010 e 2012 devendo ser considerado beneficiário efetivo não a A3… SGPS mas sim B… por força da ineficácia tributária.
Do supra exposto, a Requerente tem razão quando afirma que, “(…)mesmo que por mera hipótese académica, se considerasse haver legitimidade para aplicação da cláusula geral anti-abuso, desse facto não resultaria que o negócio economicamente equivalente devesse ser considerado uma distribuição de dividendos por parte da A3… SGPS a B…, mas sim, distribuição de dividendos da A2… SA a B… (…)”.
Ora, sendo assim, a quem competia efetuar a retenção na fonte para efeitos de IRS era a A2… SA e não A3… SGPS, como substituto tributário, pelo que as liquidações impugnadas são ilegais uma vez que quem foi notificado foi a A3… SGPS e não a A2… SA.
A Requerida tem razão quando afirma:
“(…)Repare-se que a lei não invalida ou anula os actos ou negócios praticados com intuito fraudatório, apenas os torna ineficazes para efeitos tributários, estatuindo a reposição daquela que seria a tributação típica que pesaria sobre a verdadeira substância dos actos ou negócios.”[32]
Só que a Requerida não concretizou de forma plena e correta a estatuição do n.º2 do artigo 38.º da LGT plasmado no seu elemento sancionatório – ineficácia tributária – pois devido às razões supra descritas, as liquidações em sede de IRS relativamente a retenções na fonte deveriam ter sido efetuadas na pessoa da A2… SA e não na da A3…, SGPS.
Face ao supra exposto, não existiu por parte da AT qualquer erro de aplicação de normas procedimentais previstas no artigo 63.º do CPPT, pelo que improcede o pedido de vício de nulidade por parte da Requerente.
Embora seja convicção deste tribunal estarem reunidos os pressupostos para a aplicação da cláusula geral anti-abuso quanto aos elementos: meio, resultado, intelectual e normativo, quanto ao elemento sancionatório, pelas razões supra, deve proceder o entendimento da Requerente de que as liquidações impugnadas deviam ter sido efetuadas na pessoa da A2… SA e não à A3… SGPS, pelo que as liquidações impugnadas são ilegais.
III DECISÃO
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral:
- Julgar procedente o pedido de declaração da ilegalidade das liquidações de IRS objeto do presente pedido de pronúncia arbitral [liquidação de retenções na fonte de IRS 2010 n.ºs 2013 … de 22-7-2013 e n.º 2013 … – no montante de € 326.908,56 e juros compensatórios no montante de €32.063,90 respetivamente e liquidação de retenções na fonte de IRS 2012 nºs 2013 … de 2013-07-22 e nºs 2013 … e 2013 …, que fixou o IRS a pagar em 2012 no montante de € 99.961,98 e juros compensatórios no montante de € 3.307.28, respetivamente] no montante global de €462.241,72 (quatrocentos e sessenta e dois mil duzentos e quarenta e um euros e setenta dois cêntimos).
Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 462.241,72
Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 7.344,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária ( [33] ), a cargo da requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique-se.
Lisboa, 14 de junho 2014
Os Árbitros
José Poças Falcão
Suzana Fernandes Costa
Júlio Tormenta
[1] Cfr. artigo 138.º da Resposta.
[2] Cfr. alínea a) n.º2 artigo 46.º, artigo 50.º e 58.º n.º1) e 2) alíneas a) e b) do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) por força do disposto no n.º2 do artigo 97.º do CPPT.
[3] Previsto no artigo 54.º do CPPT e artigo 66.º da LGT.
[5] Cfr. artigos 104 da petição inicial.
[6] Cfr. fls 223 e 224 do PA (Processo Administrativo).
[7] Disponível em www.caad.org.pt.
[8] A redação atual é a que resulta das alterações introduzidas pela Lei nº 64-B/2011, de 30-12.
[9] Gustavo Lopes Courinha, “A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário. Contributos para a sua compreensão”, Almedina, p.142.
[10] Cfr. item 196 da Resposta.
[11] Cfr. 197 da Resposta.
[13] Em 2010, a taxa de retenção na fonte para efeitos de IRS era de 21,5% por força da Lei n.º 12-A/2010 de 30/6; em 2012 foi alterada com efeitos a partir de 1/2/2012 até outubro desse ano parta 25% por força da Lei n.º 64-B/2011 de 30/12.
[15] Cfr. artigo alínea c) n.º1 do artigo 71.º do CIRS.
[16] Cfr. fls 147 verso do PA.
[17] 91,85% = 98,4% (participação da A3… SGPS detida por B…) x 93,349% (participação da A2… detida por B… alienada à A3… SGPS).
[18] Gustavo Lopes Courinha, “A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário. Contributos para a sua compreensão”, Almedina, p.152.
[19] Cfr. n.º1 do artigo 98.º do CIRS.
[20] Cfr. artigos 46 a 54 da petição inicial.
[21] Cfr. artigos 38 a 40 da petição inicial.
[22] Cfr. se pode constatar através das declarações anuais da IES (Informação Empresarial Simplificada) da A3… SGPS relativas aos anos de 2009 a 2012, onde em termos de demonstração de resultados por natureza do lado dos rendimentos o que é relevado é o montante de dividendos que recebe da A2… SA, enquanto, do lado dos gastos os mesmos são imateriais devido à inexistência de qualquer tipo de estrutura humana e técnica – constantes do PA.
[23] Cfr artigo 229 da Resposta.
[24] Cfr. artigos 67 a 70 da petição inicial.
[25] Oficio n.º 79639/0504 de 2012-12-10, cfr. fls 134 do PA.
[26] Oficio n.º 43930/0504 de 2013-07-08, cfr.fls 250-288 do PA.
[27] Gustavo Lopes Courinha, “A Cláusula Geral Anti-Abuso no Direito Tributário. Contributos para a sua compreensão”, Almedina.
[28] Acordão do STA de 15-02-2011 Processo 4255/10 disponivel em www.dgsi.pt; Decisão Arbitral 123/2012 de 2013-05-09; Decisão Arbitral 124/2012 de 2013-07-06; Decisão Arbitral 138/2012 de 2013-07-12; Decisão Arbitral 34/2013 de 2013-10-28; Decisão Arbitral 47/2013 de 2013-12-20; Decisão Arbitral 70/2013 de 2013-11-04.
[29] Cfr.fls 254 verso do PA.
[30] Cfr artigo 328.º da Resposta.
[31] Cfr. artigo 385.º da Resposta.
[32] Cfr. artigo 382.º da Resposta
[33] O valor foi calculado com base em € 4.896,00, correspondentes ao último escalão tabelado (até € 275.000,00), acrescidos de € 2.448,00, correspondentes ao produto de € 306 por cada 8 fracções de € 25.000,00 acima de € 275.000,00.