DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 6 de fevereiro de 2018, Dra. Alexandra Coelho Martins (presidente), Professor Doutor Rui Duarte Morais e Dra. Sofia Ricardo Borges, acordam no seguinte:
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RELATÓRIO
A…, S.A., adiante designada por “Requerente”, pessoa coletiva número…, com sede na …, n.º…, …-… Lisboa, veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 10.º, n.º 1, alínea a), todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
Pretende a Requerente a apreciação e declaração da ilegalidade, e consequente anulação, dos atos tributários de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e dos juros inerentes, respeitantes aos exercícios de 2013 e 2016, no montante global de € 120.728,22, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”). Peticiona, ainda, a restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento até ao respetivo reembolso, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.
O Conselho Deontológico designou como árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável, nos termos do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT.
As partes, oportunamente notificadas, não manifestaram vontade de recusar as designações e o Tribunal Arbitral Coletivo foi constituído em 6 de fevereiro de 2018, de acordo com o artigo 11.º, n.º 1 do RJAT e os artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
A Requerente alega, em síntese, dois vícios, um procedimental e outro material.
Em primeiro lugar, suscita o vício de forma relativo à duração alegadamente excessiva do procedimento inspetivo que antecedeu a emissão das liquidações adicionais objeto desta ação. Segundo a Requerente, a inspeção prolongou-se por mais de um ano, prazo que conta desde a data de início da ação inspetiva à sociedade dominada B…, S.A., em 24 de fevereiro de 2016, até à “transposição” das correções feitas na sociedade-mãe do grupo (a aqui Requerente), com a notificação das liquidações adicionais em 10 de agosto de 2017.
Assim, a Requerente enquadra como uma única ação inspetiva continuada a ação inspetiva de que a sociedade dominada foi alvo, com referência ao exercício de 2013, que terminou em 29 de março de 2016, e a ação inspetiva efetuada à Requerente, na qualidade de sociedade-mãe do grupo, que teve início em 1 de fevereiro de 2017 e termo em 31 de julho de 2017.
Esta ultrapassagem do prazo de seis meses previsto no artigo 36.º, n.º 2 do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”), na redação aplicável à data dos factos, compromete, no entender da Requerente, o direito à liquidação.
Argui, adicionalmente, não poder ser atribuída natureza interpretativa ao aditamento do n.º 7 ao mencionado artigo 36.º do RCPITA, operado pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro, que passou a prescrever que “[o] decurso do prazo do procedimento de inspeção determina o fim dos atos externos de inspeção, não afetando, porém, o direito à liquidação dos tributos”. O referido aditamento não pode ser aplicável a imposto relativo a períodos de tributação já concluídos quando da sua entrada em vigor, por atentatório do princípio da segurança jurídica e da tutela da confiança ínsito no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
Por outro lado, invoca o vício material por erro (nos pressupostos) de direito, em razão do incumprimento do princípio da especialização dos exercícios e da violação do princípio da justiça, derivados da não aceitação, por parte da AT, da dedução fiscal da variação patrimonial negativa, no montante de € 324.097,73, que visou corrigir uma indevida duplicação de rendimentos reconhecidos em excesso na esfera da Requerente em exercícios anteriores (de 2009 a 2011).
Segundo a Requerente, esta duplicação deriva da faturação ao Fundo E… de uma comissão de gestão, quando já haviam sido faturados os (mesmos) serviços às subsidiárias desse Fundo E…, situação que apenas em 2013 a Requerente pôde regularizar. Enquadra o caso em apreço no disposto no artigo 18.º, n.º 2 do Código do IRC, que configura uma exceção ao princípio da periodização.
Por outro lado, sustenta que uma interpretação do artigo 18.º, n.º 2 do Código do IRC no sentido que possibilitasse à AT assegurar uma indevida vantagem patrimonial pela duplicação da tributação sobre rendimentos auferidos em singelo seria inconstitucional, por violação dos princípios da justiça e da tributação do rendimento real consignados no artigo 104.º, n.º 2 da CRP.
Por fim, convoca os princípios do inquisitório e da justiça, proporcionalidade e imparcialidade (artigos 58.º e 55.º da LGT), nos quais fundamenta o dever de a AT efetuar o acerto correlativo, caso fosse devido o ajustamento [que a AT concretizou] à dedução efetuada em 2013, no exercício a que aquela [dedução] fosse imputável.
A AT apresentou resposta e juntou o processo administrativo. Preconiza a inexistência do “vício de caducidade” do direito à liquidação, que entende derivar de uma errónea construção argumentativa da Requerente, por falta de destrinça entre a esfera da sociedade dominada e dominante, os conceitos de ação inspetiva externa e interna e entre o encerramento de uma ação inspetiva e a emissão das liquidações em razão daquela. Relativamente ao exercício de 2013, houve duas ações inspetivas distintas, uma ação inspetiva à sociedade dominada e uma ação inspetiva à sociedade dominante (ora Requerente), nenhuma delas tendo excedido o prazo de seis meses.
A Requerida pugna pela inaplicabilidade do artigo 18.º, n.º 2 do Código do IRC, por falta de preenchimento dos respetivos pressupostos. Considera, neste âmbito, que o desreconhecimento de réditos contabilizados em exercícios anteriores a 2013 não visou corrigir um erro contabilístico, porquanto não se detetou qualquer irregularidade na relevação ou classificação das operações, nem foi despoletado por fatores externos não controláveis, pois as razões que a originaram encontram-se nas relações entre entidades intervenientes e na sua gestão.
Conclui pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com a consequente absolvição da Requerida de todos os pedidos.
Não houve lugar a diligências de produção de prova e não foram suscitadas exceções, pelo que o Tribunal Arbitral dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, atento o princípio da autonomia do tribunal na condução do processo (artigo 16.º, alínea c) do RJAT) e o princípio de economia processual, que reclama não ser lícita a prática de atos inúteis (artigo 130.º do CPC aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
A Requerente apresentou alegações, em 30 de abril de 2018, reiterando a posição constante do pedido arbitral no sentido de os atos tributários de liquidação de IRC serem anulados, a que se seguiram as alegações da Requerida, em 9 de maio de 2018, que mantém, na íntegra, o teor da Resposta inicialmente apresentada.
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SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto na alínea a), do n.º 1, do artigo 10º do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades, não tendo sido suscitadas questões prévias.
III. FUNDAMENTAÇÃO
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DELIMITAÇÃO DAS QUESTÕES DECIDENDAS
São duas as questões fundamentais que se suscitam na presente ação arbitral. A primeira, prende-se com o invocado vício procedimental de ultrapassagem do prazo legal de duração da ação inspetiva e do pretendido efeito invalidante sobre os atos de liquidação impugnados. A segunda, respeita ao erro de direito na aplicação do princípio da especialização dos exercícios vertido no artigo 18.º do Código do IRC, ao não enquadrar o caso em apreciação na exceção do seu n.º 2, ou, na hipótese de se considerar que este não comporta a interpretação preconizada, ao não o desaplicar no caso concreto, por inconstitucionalidade material, derivada de violação dos princípios da justiça, da proporcionalidade e da imparcialidade.
Importa, por fim, apreciar os pressupostos do pedido de juros indemnizatórios atento o disposto no artigo 43.º, n.º 1 da LGT.
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MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
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A sociedade A…, S.A., aqui Requerente, denominada, no exercício económico de 2013, a que se reportam os factos, C…, S.A, com o NIPC…, encabeça, na qualidade de sociedade dominante ou sociedade-mãe, um grupo económico enquadrado, para efeitos de IRC, no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), nos termos dos artigos 69.º e seguintes do Código deste imposto – cf. Relatório de Inspeção Tributária relativo a esta sociedade enquanto sociedade dominante do Grupo (“RIT Grupo”) e “RIT individual”, referente à sociedade dominada, B…, S.A., junto como Anexo I àquele, constantes do Processo Administrativo (“PA”) e juntos pela Requerente como Documento 4.
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No exercício de 2013 o perímetro fiscal do Grupo era constituído por três sociedades, a Requerente (sociedade-mãe) e duas subsidiárias integrais, a D…, S.A. e a B…, S.A., tendo o grupo declarado nesse ano o resultado fiscal de € 7.584.716,04 – cf. RIT Grupo e Documento 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa).
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Durante os anos 2009 a 2011 a B…, S.A. (sociedade dominada pela Requerente), na qualidade de sociedade gestora do Fundo E… (“Fundo E…”), prestou serviços de gestão relativos às sociedades F…, S.A. e G…, S.A., participadas (subsidiárias) do Fundo E… . A remuneração destes serviços de gestão estava abrangida pela faturação regularmente emitida a este Fundo sob o descritivo de “comissão de gestão de 1.8% do Fundo E…”, prevista na cláusula 23.º, n.º 2 do Regulamento de Gestão do Fundo E…– cf. Regulamento de Gestão do Fundo E… referido no RIT (http://web3.cmvm.pt/sdi/fundos/docs/983RG19062008.pdf) e Documento 7 junto com o ppa.
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Em simultâneo, e ainda com referência aos anos 2009 a 2011, a B…, S.A., faturou os mesmos serviços de gestão à F…, S.A. e G…, S.A. (sociedades subsidiárias do Fundo E…) – cf. RIT Individual, incluindo Anexos.
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Desde 14 de setembro de 2009, que o Fundo E… havia assumido a prestação de serviços de gestão às sociedades por si participadas (sociedades subsidiárias) F…, S.A. e G…, S.A. – cf. Documento 5 junto com o ppa.
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A prestação de serviços de gestão a cargo do Fundo E… às suas participadas teve origem num contrato de prestação de serviços de gestão (“Management Services Agreement”), celebrado em 23 de abril de 2008, entre a sociedade de direito belga, H… e a sociedade portuguesa F…, S.A., no âmbito do qual se previa a prestação de serviços de gestão por parte da H… à F…, S.A. com a finalidade de redução de custos desta última – cf. Documento 5 junto com o ppa.
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Em 14 de setembro de 2009, a H… celebrou o “Assignment of Management Services Agreement”, contrato através do qual cedeu parcialmente a sua posição contratual (de prestadora de serviços de gestão no Management Services Agreement mencionado na alínea anterior), ao Fundo E… e a I… (“I…”). Assim, a partir desta data, o Fundo E… assumiu a obrigação de prestação parcial de serviços de gestão à sociedade subsidiária (do Fundo) F…, S.A. – cf. Documento 5 junto com o ppa.
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A H… e os dois cessionários (o Fundo E… e o I…) eram, direta ou indiretamente, acionistas da F…, S.A., aqueles últimos por subscrição do aumento de capital da sociedade J…, SGPS, S.A. – cf. Documento 5 junto com o ppa.
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De acordo com este contrato de cessão parcial de posição contratual, a repartição da remuneração dos serviços de gestão fixou-se na proporção de 30% para a H…, de 51% para o Fundo E… e de 19% para o I…– cf. Documento 5 junto com o ppa.
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Em 4 de dezembro de 2009, a H…, o Fundo E…, e I…, por um lado; a F…, S.A. e a G…, S.A., por outro lado, celebraram um segundo contrato de cessão de posição contratual (“Assignment of Management Services Agreement”) relativo à prestação de serviços de gestão em apreço. Com este contrato, a F…, S.A. cedeu parcialmente a posição de beneficiária dos serviços de gestão à G…, S.A. (cessionária) que passou a ser também a ser destinatária dos mesmos serviços – cf. Documento 6 junto com o ppa.
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De acordo com este segundo contrato de cessão de posição contratual, a repartição dos encargos com os serviços de gestão fixou-se na proporção de 70% para a G…, S.A. e de 30% para a F…, S.A – cf. Documento 6 junto com o ppa.
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A sociedade B…, S.A. desreconheceu, em 2013, por contrapartida de Resultados Transitados, réditos no valor de € 324.097,73, em resultado da correção de comissões de gestão faturadas ao Fundo E… que, por um lapso de enquadramento, foram contabilizadas como proveitos/rendimentos nos anos 2009 a 2011. A par deste movimento contabilístico, foram transmitidos para o Fundo E… os créditos de que esta sociedade (dominada) era titular sobre as sociedades subsidiárias do Fundo, no âmbito de um Acordo de Cessão de Créditos – cf. RIT Individual e provado por acordo (artigo 49.º da resposta).
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O desreconhecimento dos réditos gerou, na esfera da sociedade B…, S.A., uma variação patrimonial negativa no montante de € 324.097,73, que foi deduzida para efeitos fiscais no quadro 07 da modelo 22 IRC do ano 2013, no campo 704 “Variações patrimoniais negativas não refletidas no resultado líquido do período (art.º 24.º)” – cf. RIT Individual.
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Na sequência da ordem de serviço OI2016…, com despacho de 18 de fevereiro de 2016, foi iniciado, em 24 de fevereiro de 2016, procedimento inspetivo de âmbito parcial – IRC, ao exercício de 2013, relativamente à sociedade B…, S.A., NIPC…, enquanto sociedade individual, para análise do valor de € 324.097,73, declarado no campo 704 – “Variações patrimoniais negativas não refletidas no resultado líquido do período”, da modelo 22 – cf. RIT Individual.
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Neste âmbito, a B…, S.A. foi notificada pelo ofício n.º…, de 24 de fevereiro de 2016, para apresentar elementos e justificações relativamente à dedução fiscal da variação patrimonial negativa no valor de € 324.097,73, tendo procedido à sua entrega em 7 de março de 2016, incluindo cópia dos movimentos contabilísticos, lista das faturas por si emitidas às sociedades F…, S.A. e G…, S.A., e extratos das contas destes clientes. Como justificação da dedução, refere que:
“O valor refletido no campo 704 da modelo 22 de 2013, da entidade K… diz respeito a correção de comissões de gestão efetuadas à F... e G…, S.A., participadas do Fundo E…, onde a entidade em causa é a sociedade gestora, desde 2007 até à presente data.
A origem deste rendimento diz respeito às comissões faturadas e não recebidas do Fundo E…, que inicialmente deveriam ter sido faturadas pelo próprio Fundo E… e não pela K… . Em virtude do exposto, em 2013 procedeu-se à respetiva correção, via capitais próprios. Deste modo, procedeu-se à reversão dos montantes em questão, referente ao exercício de 2009, 2010 e 2011 (…)”. – cf. RIT Individual e Anexos.
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Em 16 de março de 2016, foram solicitados elementos adicionais com o objetivo de validação das operações por parte da equipa de fiscalização, tendo aquela dado satisfação a esse pedido em 22 de março de 2016 – cf. RIT Individual e Anexos.
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Esta ação inspetiva terminou em 29 de março de 2016, e deu origem a uma proposta de correção da matéria coletável de IRC, por se considerar não dedutível fiscalmente a variação patrimonial negativa no referido montante de € 324.097,73, ao abrigo do artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 do Código deste imposto, consolidando-se no relatório final de inspeção notificado à B…, S.A. e à Requerente, com base nos fundamentos seguidamente descritos:
“III. 1.1.3. Correção proposta
O caso em análise respeita à dedução, no quadro 07 da modelo 22 do ano de 201[3], de uma variação patrimonial negativa no montante de 324.097,73 €.
Esta variação, tendo por base os elementos facultados pelo sujeito passivo, resulta de correções efetuadas a proveitos/rendimentos (comissões) que, por um lapso de enquadramento, foram reconhecidos nos anos de 2009, 2010 e 2011.
Com efeito, é referido que “A origem deste rendimento diz respeito às comissões faturadas e não recebidas do Fundo E…, que inicialmente deveriam ter sido faturadas pelo próprio Fundo E… e não pela K…”, ou seja, a A… considerou na sua contabilidade rendimentos que não eram seus.
Tendo em 2013 detetado tal situação, procedeu neste exercício à regularização do erro através da desconsideração dos proveitos na conta de resultados transitados (contas 561004, 561005 e 561006). Contudo, por força do princípio da periodização previsto no artigo 18º do CIRC, os proveitos devem ser (des)reconhecidos no(s) período(s) a que respeitam (artigo 18º, n.º 1 do CIRC).
O nº 2 do citado artigo prevê uma exceção àquele princípio, no entanto impõe que os factos – proveitos – sejam manifestamente desconhecidos ou imprevisíveis. Ora, sendo o Fundo E…, de acordo com o regulamento de gestão1, um fundo de capital de risco administrado pela A…, os rendimentos auferidos por aquele não são desconhecidos por esta, pelo que, deveriam ser reportados aos respetivos exercícios. (1 Regulamento de gestão do fundo de capital de risco denominado “Fundo E…” disponível em http://web3.cmvm.pt/sdi/fundos/docs/983RG19062008.pdf)
Com efeito, na correspondência eletrónica anexa ao segundo pedido de elementos, e em resultado do pedido de opinião da empresa ao advogado sobre qual a solução a adotar, foram apresentados dois cenários (Páginas 36 e 37 do Anexo I):
“Enquadramento
Segundo entendi, de 2009 a esta parte a A… tem vindo a faturar uma sociedade parcialmente detida pelo Fundo E…, por serviços diversos (v.g., serviços de gestão, consultoria, apoio técnico), na medida em que são os recursos humanos da A… que efetivamente os prestam e, naquela data, se concluiu não ser apropriado que fosse o Fundo E… a proceder a tal faturação (…)
Soluções equacionadas
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Reconstituição da situação hipotética
Uma primeira alternativa consistiria em reconstituir a situação que hipoteticamente teria existido caso a faturação tivesse sido processada pelo Fundo E… desde o início, assumindo-se, por conseguinte, que os serviços prestados pelos recursos humanos da A… se incluíam nos serviços de gestão já devidamente remunerados pela respetiva comissão.
Esta alternativa implicaria, para além de outras obrigações acessórias:
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anular as faturas emitidas pela A… desde 2009 (com a inerente correção das demonstrações financeiras);
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emitir faturas do Fundo E… imputáveis ao ano de 2009 e seguintes (com a inerente correção das demonstrações financeiras);
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substituir as declarações de IVA da A… desde 2009; e
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substituir as declarações de IRC da A… desde 2009.
Independentemente da complexidade e dificuldade inerentes à reabertura e correção de contas já encerradas, creio que a impossibilidade de levar a cabo os dois últimos procedimentos será suficiente para descartar esta alternativa. Uma vez que em ambos os casos a correção a efetuar seria favorável à A… (reduzindo a base tributável em ambos os impostos em causa, a entrega de declarações de substituição apenas é possível
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no caso do IRC, no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal, inviabilizando a substituição das declarações de IRC de 2009, 2010 e 2011;
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no caso do IVA, quer se assuma ter-se tratad[o] de faturas inexatas, que se considere haver lugar à correção de erros materiais ou de cálculo nas declarações periódicas, no prazo de dois anos, inviabilizando igualmente a substituição das declarações de IVA de 2009, 20[1]0 e 2011 (se não a totalidade, pelo menos quanto à maioria) e a consequente recuperação do imposto liquidado e entregue nos cofres do Estado.
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Compensação por crédito latente
Uma solução alternativa passa por constatar que a faturação a que a A… tem vindo a proceder desde 2009 não se encontra necessariamente “errada” e não deve ser anulada, mas que decorre de uma faculdade que o Fundo E… conferiu à A… sem que tenha sido devidamente compensado. Ou seja, as partes constataram que, embora tenham decidido em 2009 que, por razões administrativas, práticas, ou outras, deveria ser a A… a faturar os serviços efetivamente recebidos pela sociedade, nunca procederam à compensação do Fundo por esse facto – embora não fosse possível (por razões regulamentares) refletir essa faturação diretamente na comissão de gestão cobrada ao Fundo (reduzindo-a proporcionalmente), o Fundo deveria ter sido compensado por ter cedido à A… o direito de faturar à sociedade serviços que competiria ao Fundo faturar na medida em que já teria pago pelos mesmos através da comissão de gestão, não podendo a A…, naturalmente, ter uma duplicação de réditos. Duplicação essa que, afinal, acabou por existir e se evidenciar contabilística e fiscalmente.
Como tal, a recomposição da situação poderia passar pela celebração de um contrato de cessão dos créditos sobre a sociedade de que a A… é titular, por contrapartida da compensação ao Fundo que ficou por pagar em 2009 quando a A… adquiriu, sem pagar qualquer contrapartida, o direito de faturar a sociedade por serviços pelos quais, indiretamente, já era remunerada através da comissão de gestão.
O contrato de cessão de créditos exporia a situação nos seus considerandos e, relativamente à forma de pagamento do preço dos créditos cedidos, explicitaria que a mesma se processaria por compensação com o crédito do Fundo sobre a A… (ainda por reconhecer nas respetivas contabilidades, mas decorrente da operação de 2009).
Embora não sendo totalmente isenta de risco de a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”) poder considerar que o princípio da especialização dos exercícios não consente o reconhecimento integral em 2013 ou 2014 do gasto correspondente ao reconhecimento da conta a pagar ao Fundo pela operação de 2009, implicaria que a própria AT reabrisse aos anos transatos (não tendo limitações para tal, uma vez que as correções aos anos anteriores seriam favoráveis à A…, por contrapartida da liquidação adicional que fariam sobre o ano de 2013 ou 2014. Analogamente, é plausível que nenhuma correção fosse efetuada em sede de IVA, na medida em que nenhum imposto teria sido indevidamente deduzido ou insuficientemente liquidado.”
Pelo descrito verifica-se que a A… optou pela segunda solução, dado que pelo princípio da especialização dos exercícios, os prazos fiscais para substituição das declarações (IRC e IVA) já se encontravam esgotados.
No entanto, e tal como já referido, o CIRC estabelece regras próprias no que respeita à periodização das componentes positivas e negativa do lucro tributável. Neste sentido, e tendo por base os nºs 1 e 2 do artigo 18º do CIRC, a variação patrimonial negativa, no montante de 324.097,73 €, deduzida no quadro 07 da modelo 22 do ano de 201[3] não é aceite para efeitos fiscais” – cf. RIT Individual, Documento 4 junto com o ppa.
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Tendo a correção de € 324.097,73 efetuada à B…, S.A. reflexo no resultado do Grupo dada a aplicabilidade do RETGS, foi concretizado um procedimento inspetivo de âmbito parcial – IRC, na esfera da sociedade-mãe ou dominante (a Requerente), em cumprimento da ordem de serviço interna n.º OI2017…, com despacho de 1 de fevereiro de 2017, abrangendo o exercício de 2013, do qual resultou a repercussão no resultado tributável declarado pelo Grupo (calculado pela sociedade dominante) que de € 7.584.716,04 foi corrigido para € 7.908.813,77 – cf. RIT Grupo e Documento 4 junto com o ppa.
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Sobre o Relatório de Inspeção Tributária relativo ao Grupo, recaiu despacho concordante do Chefe de Divisão IV (por subdelegação da DFA), datado de 31 de julho de 2017, de que a Requerente tomou conhecimento em 1 de agosto de 2017 – cf. RIT Grupo e Documento 4 junto com o ppa.
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Em 11 de agosto de 2017, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2017…, de 7 de agosto de 2017, das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2017… e 2017…, e da demonstração de acerto de contas n.º 2017…, de 9 de agosto de 2017, todas relativas ao exercício de 2013, apurando o valor de € 120.728,22 a pagar, com data limite de pagamento em 6 de outubro de 2017 – cf. Documento 1 junto com o ppa e PA.
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Em consequência das correções efetuadas ao resultado fiscal do exercício de 2013, foi também emitido pela AT o ato de liquidação n.º 2017…, de 12 de julho de 2017, relativo ao exercício de 2016, notificado à Requerente em 20 de agosto de 2017 – cf. Documento 3 junto com o ppa e PA.
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O valor global de € 120.728,22 decorrente dos mencionados atos tributários de liquidação de IRC e de juros compensatórios foi pago pela Requerente em 29 de setembro de 2017 – cf. Documento 2 junto com o ppa.
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Em 20 de novembro de 2017, não se conformando com as liquidações adicionais supra identificadas, de IRC e de juros compensatórios, a Requerente apresentou pedido de constituição do Tribunal arbitral no sistema informático do CAAD.
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FACTOS NÃO PROVADOS E MOTIVAÇÃO
Com relevo para a decisão não existem outros factos que devam considerar-se não provados.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de Direito, nos termos do artigo 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.
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DO DIREITO
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Vício formal: duração do procedimento de inspeção tributária
O procedimento administrativo de inspeção tributária insere-se na função de controlo do credor tributário. Tal procedimento tem caráter preparatório e acessório dos atos tributários e visa a observação das realidades tributárias com a finalidade de verificação do cumprimento das obrigações por parte dos sujeitos passivos (artigos 54.º da LGT e 2.º e 11.º do RCIPTA).
A duração do procedimento de inspeção, dado o potencial de lesividade dos direitos e garantias dos sujeitos passivos inerentes à sua natureza intrusiva, é temporalmente limitada, em consonância com o princípio da proporcionalidade, pretendendo o legislador evitar intervenções longas e desnecessárias. De acordo com o artigo 36.º, n.º 2 do RCPITA: “[o] procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início”, sendo prorrogável por mais dois períodos de três meses nas circunstâncias especiais vertidas na hipótese do n.º 3 do mesmo preceito.
A Requerente parte da premissa da continuidade e do caráter unitário do procedimento inspetivo realizado na B…, S.A. (sociedade dominada) e na A…, S.A. (sociedade dominante ou sociedade-mãe), de onde conclui que, tendo esse procedimento tido início em 24 de fevereiro de 2016, na sociedade dominada, e as liquidações adicionais sido notificadas à sociedade dominante em 10 de agosto de 2017, teria decorrido mais de um ano e cinco meses, período consideravelmente superior ao limite máximo de seis meses previsto no artigo 36.º, n.º 2 do RCIPTA, com a consequente invalidade dos atos tributários controvertidos.
Este argumento enferma, todavia, de múltiplos vícios.
Desde logo, a tributação das referidas entidades ao abrigo do RETGS, nos termos da disciplina constante dos artigos 69.º a 71.º do Código do IRC, não suscita nenhum fenómeno de desconsideração da personalidade jurídica ou tributária, configurando um regime especial de determinação da matéria coletável que não prejudica a individualidade e autonomia jurídico-tributária das sociedades enquadradas no perímetro do Grupo.
No caso concreto, estão em causa duas sociedades que foram, cada uma delas, objeto de um procedimento inspetivo, no âmbito da relação jurídico-tributária específica e individualmente estabelecida com a administração tributária. Assim, ocorreram duas ações de fiscalização distintas, realizadas a duas sociedades distintas, dotadas de personalidade jurídico-tributária, pelo que o prazo de cada um dos procedimentos deve ser contado de forma autónoma.
No que se refere à sociedade dominada, o procedimento inspetivo durou pouco mais de um mês, de 24 de fevereiro de 2016 a 29 de março de 2016 (alíneas N e O da matéria de facto). Relativamente à Requerente, na qualidade de sociedade-mãe do grupo, o procedimento inspetivo interno iniciou-se em 1 de fevereiro de 2017, tendo o RIT do Grupo sido notificado em 1 de agosto, precisamente seis meses após o seu início (alíneas R e S dos factos provados). Em nenhuma destas situações foi ultrapassado o prazo legal de seis meses determinado pelo mencionado artigo 36.º, n.º 2 do RCIPTA.
Acresce que a conclusão do procedimento de inspeção não se verifica com a emissão ou a notificação de atos tributários de liquidação adicional, mas com a notificação ao contribuinte do relatório final, conforme estatuído no artigo 62.º, n.º 2 do RCIPTA. Deste modo, nunca seria de admitir a forma de contagem proposta pela Requerente, que toma como dies ad quem o da notificação das liquidações adicionais de IRC e juros.
Não tendo sido ultrapassado o prazo de seis meses ficam prejudicadas as demais questões suscitadas, designadamente a da possível natureza interpretativa (e efeito retroativo) do aditamento do n.º 7 ao artigo 36.º do RCPITA, operado pela Lei n.º 75-A/2014, de 30 de setembro (artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil – “CPC” – ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT). De qualquer forma, salienta-se que mesmo antes desta alteração legislativa, a ultrapassagem do prazo de duração do procedimento de inspeção não implicava a anulação do ato de liquidação posterior, conforme referido, entre outros, nos Acórdãos do STA nos processos n.º 103/08, de 4 de junho de 2008; 112/10, de 20 de outubro de 2010, e no Acórdão do TCA Sul no processo n.º 04311/10, de 24 de maio de 2011.
Deste modo, conclui-se que não assiste razão à Requerente quanto ao vício procedimental invocado.
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Vício material: erro de direito
Discute-se nestes autos a aplicação do princípio da especialização dos exercícios e o enquadramento da correção efetuada em 2013 pela B…, S.A., relativamente a operações que, por erro, foram faturadas em duplicado em exercícios anteriores (de 2009 a 2011), correção essa com repercussão no lucro tributável declarado pela Requerente na qualidade de sociedade dominante do grupo fiscal a que ambas as sociedades pertencem.
A referida duplicação derivou de os mesmos serviços de gestão prestados às sociedades subsidiárias do Fundo E… terem sido faturados àquelas sociedades (a F…, S.A. e a G…, S.A.) e, em simultâneo, ao próprio Fundo, neste último caso, estando compreendidos na comissão de gestão debitada de 1,8%.
Cabe referir que, de acordo com o artigo 24.º, n.º 1 do Código do IRC, as variações patrimoniais negativas não refletidas no resultado líquido do período de tributação concorrem para a formação do lucro tributável nas mesmas condições previstas para os gastos e perdas, ou seja, desde que observados os requisitos do artigo 23.º do mesmo diploma.
Como resulta da factualidade provada, esta correção deu lugar a uma variação patrimonial negativa na importância de € 324.097,73, que foi considerada dedutível pela B…, S.A., que a inscreveu no quadro 07 da modelo 22 de IRC do ano 2013, no campo 704, como componente negativa do lucro tributável, sendo que tal dedução se reporta, de forma incontestada, a exercícios anteriores àquele em que foi concretizada, pelo que o problema que se suscita é o da periodização.
Assinala a este respeito Freitas Pereira que “[o] objetivo da tributação do lucro real das empresas – que mereceu consagração constitucional em Portugal (artigo 107.º, n.º 2 da Constituição [atual 104.º, n.º 2]) – defronta-se com complexos problemas, dos quais se destaca, como nuclear, o da sua periodização. Com efeito, se é sempre difícil apurar um lucro real, essa dificuldade é acrescida quando – em consonância com o princípio da anualidade dos impostos – se pretende segmentar a vida das empresas em períodos de certo modo independentes entre si e atribuir a cada um deles determinado lucro para efeitos de cálculo de um imposto” – cf. A Periodização do Lucro Tributável, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (152), Centro de Estudos Fiscais, Lisboa, 1988, p. 11.
Nesta matéria, rege o artigo 18.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IRC, segundo o qual:
“Artigo 18.º
Periodização do lucro tributável
1 — Os rendimentos e os gastos, assim como as outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao período de tributação em que sejam obtidos ou suportados, independentemente do seu recebimento ou pagamento, de acordo com o regime de periodização económica.
2 — As componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis ao período de tributação quando na data de encerramento das contas daquele a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
(…)”
Assente que estamos perante uma componente negativa respeitante a períodos anuais anteriores a 2013, a sua dedutibilidade depende do preenchimento dos pressupostos do n.º 2 do artigo 18.º, isto é, da sua imprevisibilidade ou do seu manifesto desconhecimento. No caso em apreciação, as operações e movimentos a corrigir derivaram de um erro do próprio contribuinte, pelo que uma interpretação estrita da norma tenderia para um resultado coincidente com a posição perfilhada pela AT, no sentido de não abranger erros contabilísticos ou atos do próprio contribuinte e que este pode controlar.
Porém, quer a doutrina, quer a jurisprudência constante do STA não têm acolhido esta interpretação “rígida”, pela sua desconformidade ao princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da CRP.
Neste âmbito, refere o Acórdão do STA de 25 de junho de 2008, proc. n.º 0291/08 que, sem pôr em causa a relevância fiscal do princípio da especialização dos exercícios, deve permitir-se “a imputação de custos a exercícios anteriores, quando ela não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios”.
Considera, em linha com o comentário de Diogo Leite Campos, Benjamin Rodrigues e Jorge de Sousa, in Lei Geral Tributária Anotada, 3.ª edição, pp. 242-243, que “o contribuinte, em princípio, teria sido prejudicado pelo seu próprio erro ao declarar a matéria coletável, pois, abatendo um custo no ano seguinte àquele em que o deveria ter deduzido, deixou de ver diminuído o montante do imposto correspondente no ano em que tal diminuição deveria ter ocorrido, para só ver tal diminuição ocorrer no ano seguinte e, paralelamente, a administração fiscal não tinha tido qualquer prejuízo, pois recebera no ano anterior o imposto sem que fosse tido em conta esse custo que o deveria diminuir (…) o contribuinte, que já era o único prejudicado pelo seu erro, veria ainda agravada a sua situação, vendo-se impossibilitado de efetuar a dedução desse custo em qualquer dos anos. A administração fiscal, assim, reteria em seu poder um imposto a que manifestamente não teria direito”.
Prossegue o citado Acórdão no sentido de que: “Esta é uma situação em que o exercício de um poder vinculado (correção da matéria coletável em face de uma violação do princípio da especialização dos exercícios) conduz a uma situação flagrantemente injusta e em que, por isso, se coloca a questão de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos artigos 266.º, n.º 2, da Constituição, e 5[5].º da Lei Geral Tributária, para obstar à possibilidade de efetuar a referida correção.
Por outro lado, é de notar que numa situação deste tipo não se verifica sequer qualquer interesse público na atuação da administração fiscal, pois não está em causa a obtenção de um imposto devido, pelo que, devendo toda a atividade administrativa ser norteada pela prossecução deste interesse, a administração deveria abster-se de atuar.”
Tal entendimento foi reiterado em múltiplas ocasiões, destacando-se o Acórdão do STA, de 19 de novembro de 2008, no processo n.º 0325/08, e o recente Acórdão do STA, de 14 de março de 2018, no processo n.º 0716/13.
Refere este último que: “[c]om vista a evitar práticas de manipulação do cálculo do lucro tributável, nomeadamente o adiamento da tributação ou a sua concentração em exercícios onde a tributação possa resultar mais favorável, a lei fiscal consagra com grande rigidez este princípio da especialização de exercícios (Rui Duarte Morais, Apontamentos ao IRC, Ed. Almedina, pag. 69).
Testemunho dessa rigidez é, como sublinha Rui Duarte Morais (Ob. citada, pag. 70), o nº 2 do artº 18º do CIRC que dispõe que as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a exercícios anteriores só são imputáveis ao exercício quando na data de encerramento das contas daquele a que deveriam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas.
Constitui no entanto jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que a rigidez deste princípio tem de ser colmatada ou temperada com a invocação do princípio da justiça, nas situações em que, estando já ultrapassados todos os prazos de revisão do ato tributário e não havendo prejuízo para o Estado, se deve evitar cair numa injustiça não justificada para o administrado – vide, neste sentido, acórdãos da Secção de Contencioso Tributário de 19.11.2008, recurso 325/08, de 02.04.2008, recurso 807/07, de 19.05.2010, recurso 214/07, de 25.06.2008, recurso 291/08, de 09.052012, recurso 269/12 e de 02.03.2016, recurso 1204/13.
(…)
De facto, como ficou sublinhado no referido Acórdão 214/07, «no caso do referido art. 18, n.º 1, do CIRC resulta uma vinculação para a Administração, que, em regra, deve aplicar o princípio da especialização dos exercícios na sua atividade de controle das declarações apresentadas pelos contribuintes.
Mas, o exercício deste poder de controle, predominantemente vinculado, pode conduzir a uma situação flagrantemente injusta e, nessas situações, é de fazer operar o princípio da justiça, consagrado nos arts. 266, n.º 2, da CRP e 55 da LGT, para obstar a que se concretize essa situação de injustiça repudiada pela Constituição.
Na ponderação dos valores em causa (por um lado o princípio da especialização dos exercícios que é uma regra legislativamente arbitrária de separação temporal, para efeitos fiscais, de um facto tributário de duração prolongada e, por outro lado, o princípio da justiça, que reflete uma das preocupações nucleares de um Estado de Direito), é manifesto que, numa situação de incompatibilidade se deve dar prevalência a este último princípio.
Neste contexto haveremos de concluir que serão de considerar anuláveis, por vício de violação de lei, atos de correção da matéria tributável que, como no caso subjudice, conduzam a situações injustas deste tipo.
Pelo que é de aceitar, para efeitos fiscais, a contabilização efetuada pela recorrida já que não estão alegados ou provados factos através dos quais se demonstre que houve a intenção deliberada de proceder à transferência de resultados de exercício ou de fuga à tributação.
A sentença recorrida, que se moveu nestes parâmetros, não merece, pois, censura.”
Tomás Cantista Tavares aplaude esta construção jurisprudencial: “A tese atual (…) [r]ompe com o facilitismo do formalismo legalista. Procura a solução material e justa. Faz prevalecer um princípio estrutural (capacidade contributiva) sobre uma regra operacional (especialização de exercícios). O seu ponto de partida é irrepreensível: se a sociedade incorreu num verdadeiro custo, esse decaimento tem de modelar, obrigatoriamente, o rédito fiscal. A convenção formal da especialização não tem o condão de impedir o efeito material, nem de torná-lo excessivamente oneroso ou complexo. O mesmo se passa, mutatis mutandis, com os proveitos. Contribuem uma só vez para o lucro (…)” – cf. IRC e Contabilidade: da Realização ao Justo Valor, Coimbra, Almedina, 2011, p. 63.
A jurisprudência arbitral também faz eco desta conceção, como se pode verificar da leitura dos Acórdãos n.ºs 28/2012-T, de 30 de outubro de 2012; 367/2014-T, de 24 de novembro de 2014; 262/2015-T, de 22 de janeiro de 2016; 588/2015-T, de 29 de abril de 2016, e 609/2015, de 2 de maio de 2016.
Neste quadro, importa retomar a análise do caso concreto. Foram contabilizados e dados à tributação rendimentos em duplicado no decurso dos anos 2009 a 2011. Tal circunstancialismo ocorreu na esfera da sociedade dominada pela Requerente que se dedicava à prestação de serviços de gestão às sociedades (subsidiárias) detidas pelo Fundo E… . Constatado o lapso, impunha-se a sua retificação, o que foi feito pela sociedade dominada (naturalmente com reflexo no apuramento da matéria coletável do Grupo de que a Requerente é a sociedade-mãe).
À face das circunstâncias, não admitir a dedução fiscal da faturação duplicada que havia concorrido para o lucro tributável dos anos 2009 a 2011 do Grupo a que a Requerente pertence, implicaria a incidência (e uma prestação tributária) de imposto sobre rendimentos inexistentes, circunstância que, desde logo, confronta os princípios da capacidade contributiva e, bem assim, da legalidade, pois determina-se uma prestação ou encargo de imposto que é desprovido de base de incidência.
Acresce que a atuação descrita, a ter beneficiado alguma das partes da relação jurídico-tributária, foi favorável à AT que dispôs, durante um período considerável de tempo, de receita fiscal, à qual, em rigor, não tinha direito, porquanto a mesma incidiu sobre uma base que se demonstrou inexistente, não se suscitando nenhuma situação que indicie ter ocorrido intenção de transferência de resultados ou manipulação por parte do sujeito passivo, nem tal vindo alegado.
Mais, não tendo a AT procedido, a par da não aceitação da dedução no exercício de 2013, à correção da situação em qualquer outro exercício (i.e. ao desreconhecimento dos rendimentos em causa, que constatou terem sido declarados e dados à tributação em duplicado pelo sujeito passivo) torna-se evidente a antijuridicidade material decorrente da interpretação que faz do n.º 2 do artigo 18.º do Código do IRC.
Deste modo, a interpretação da AT – e correspondente aplicação que faz da lei – não se revelam conformes aos parâmetros constitucionais da justiça e da capacidade contributiva. Com efeito, não estando disponível, por decurso do prazo legal previsto para o efeito, a possibilidade de revisão da autoliquidação (v. artigo 78.º da LGT), a prevalência de um tal entendimento representaria uma indevida vantagem patrimonial atentatória dos princípios da justiça e da tributação do rendimento real consagrados, respetivamente, nos artigos 266.º, n.º 2 e 104.º, n.º 2 da CRP.
À face do exposto, e atenta a preconizada interpretação conforme à Constituição do artigo 18.º, n.º 2 do Código do IRC, conclui-se que os atos tributários impugnados enfermam de vício substantivo, por erro nos pressupostos de direito, pelo que devem ser anulados, em conformidade com o estatuído no artigo 135.º do Código do Procedimento Administrativo, na versão aplicável à data dos factos (atual artigo 163.º), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.
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Restituição das quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios
Quando está em causa uma errada interpretação e aplicação pela Requerida de norma de incidência tributária, tem sido pacificamente entendido que os Tribunais Arbitrais tributários têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos no processo de impugnação judicial, incluindo, portanto, as que derivam do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.
A Requerente comprovou o pagamento do valor constante dos atos tributários objeto desta ação, e peticiona, como decorrência da invocada anulabilidade dos atos de liquidação de IRC e de juros compensatórios, a restituição das importâncias pagas acrescidas de juros indemnizatórios, por erro imputável aos serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT que dispõe serem “devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Na situação dos autos concluiu-se que a Requerente suportou uma prestação tributária superior à legalmente devida, à face da norma constante do artigo 18.º, n.º 2 do Código do IRC, na interpretação preconizada, que permite alcançar um resultado conforme com os princípios constitucionais supra analisados.
O erro de interpretação da AT teve por efeito a cobrança com caráter indevido, por ilegal, da prestação tributária em apreço, e não pode deixar de lhe ser imputável, colidindo com a interpretação contrária que é a dominante.
Considera-se, assim, estarem verificados os pressupostos legais reclamados na previsão do artigo 43.º, n.º 1 da LGT, sendo devido o pagamento de juros indemnizatórios pela AT à Requerente.
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Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras.
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DECISÃO
Em face do exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar procedente o pedido de anulação dos atos tributários de liquidação de IRC e de juros relativos ao exercício de 2013, com a consequente restituição do valor pago de € 120.728,22;
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Julgar procedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, a calcular sobre a referida importância de € 120.728,22, contados desde a data em que foi efetuado o respetivo pagamento, em 29 de setembro de 2017, até integral reembolso da mesma.
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Fixa-se o valor do processo em € 120.728,22 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, este último ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Custas no montante de € 3.060,00 a cargo da Requerida, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Lisboa, 27 de julho de 2018
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1 alínea e) do RJAT.
Os Árbitros,
Alexandra Coelho Martins
Rui Duarte Morais
Sofia Ricardo Borges