Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Marcolino Pisão Pedreiro e Dr. José Coutinho Pires (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 07-03-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
-
A..., S.A., com sede na Avenida …, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva n.º ..., abrangida pelo Serviço de Finanças de …, notificada da liquidação n.º 2017 ..., datada de 30-06-2017, que apurou imposto a pagar no montante de € 47.059,80 (Documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido),
-
B..., S.A., com sede na …, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva n.º ..., notificada da liquidação n.º 2017 ..., datada de 30-06-2017, que apurou imposto a pagar no montante de € 4.025.291,53 (Documento n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido),
-
C..., S.A. - EM LIQUIDAÇÃO, com sede na Avenida …, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva n.º ..., notificada da liquidação n.º 2017 ..., datada de 30-06-2017, que apurou imposto a pagar no montante de € 132.916,90 (Documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido),
-
D..., S.A., com sede na Avenida …, com O número único de matrícula e de pessoa colectiva n.º ..., notificada da liquidação n.º 2017 ..., datada de 30-06-2017, que apurou imposto a pagar no montante de € 575.768,07 (Documento n.º 4, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido), e
-
E..., S.A., com sede na Avenida …, com o número único de matrícula e de pessoa colectiva n.º ..., notificada da liquidação n.º 2017 ..., datada de 30-06-2017, que apurou imposto a pagar no montante de € 7.208,56 (Documento n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido),
(doravante designados conjuntamente por "Requerentes") vieram ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou ”RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a declaração da ilegalidade dos referidos actos de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis ("AIMI").
Os Requerentes pedem ainda o reembolso das quantias pagas, com juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 29-12-2017.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 14-02-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 07-03-2018.
Em 04-05-2018, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente e que deve ser notificada ao Ministério Público a decisão final.
Em 08-06-2018, foi realizada uma reunião em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Questão da competência do Tribunal Arbitral
A Autoridade Tributária e Aduaneira, nos artigos 200.º a 205.º, alude a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer da questão da discriminação das Requerentes face a sociedades que comercializam imóveis para fins não habitacionais, por também os comercializarem.
O Tribunal Arbitral tem competência para apreciar a legalidade de actos de liquidação como resulta do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
No caso em apreço, são impugnados actos de liquidação e os Sujeitos Passivos têm o direito de imputar-lhe as ilegalidades que entenderem, sendo o Tribunal Arbitral competente para apreciar se elas afectam ou não as liquidações.
Nestes termos, não se verifica incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar qualquer questão suscitada.
3. Poderes de cognição do Tribunal Arbitral
A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca o princípio da separação e interdependência dos poderes como obstáculo aos poderes de cognição deste Tribunal Arbitral.
Haverá, decerto, algum equívoco, pois, num Estado de Direito, é aos Tribunais e não a quaisquer outros órgãos, designadamente os que têm competências legislativas e executivas, que compete administrar a justiça, «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados» (artigos 202.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), para o que têm de interpretar e aplicar as leis para dirimir os litígios entre os cidadãos e a Administração.
E é também aos Tribunais que a CRP atribui o poder der controlar a constitucionalidade das leis, emitidas pelos órgãos com poder legislativo (artigo 204.º da CRP).
A presente decisão é proferida por um Tribunal, pelo que tem carácter jurisdicional, e no exercício do seu poder jurisdicional cabe-lhe aplicar a lei, segundo a sua interpretação, não estando apenas sujeito à lei, tal como a interpreta, não estando obrigado a adoptar a interpretação adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou a que hipoteticamente adoptariam os órgãos com poder legislativo se lhes fosse atribuída a competência para a aplicação da lei aos litígios pendentes nos Tribunais.
Por outro lado, no exercício da sua actividade interpretativa o Tribunal Arbitral não está limitado pela letra da lei, devendo adoptar todos os critérios de interpretação previstos na lei, designadamente os indicados no artigo 9.º do Código Civil e 11.º da LGT: «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apenas não podendo considerar «o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal», que pode mesmo ser «imperfeitamente expresso».
É o exercício deste poder jurisdicional que é concretizado nesta decisão arbitral, à luz dos critérios de interpretação legais.
4. Matéria de facto
4.1. Factos provados
-
No dia 01-01-2017, a Requerente A..., S.A., NIF ..., era proprietária dos imóveis indicados na lista que consta do documento denominado «…_Listagempredios.pdf» junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a sua Resposta, cujo teor se dá como reproduzido;
-
No dia 01-01-2017, a Requerente B..., S.A., NIF ..., era proprietária dos imóveis indicados na lista que consta do documento denominado «…_Listagempredios.pdf» junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a sua Resposta, cujo teor se dá como reproduzido;
-
No dia 01-01-2017, a Requerente C..., S.A. - EM LIQUIDAÇÃO, NIF ..., era proprietária dos imóveis indicados na lista que consta do documento denominado «…_Listagempredios.pdf» junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a sua Resposta, cujo teor se dá como reproduzido;
-
No dia 01-01-2017, a Requerente D..., S.A., NIF ..., era proprietária dos imóveis indicados na lista que consta do documento denominado "…_Listagempredios.pdf" junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a sua Resposta, cujo teor se dá como reproduzido;
-
No dia 01-01-2017017, a Requerente E..., S.A., NIF ..., era proprietária dos imóveis indicados na lista que consta do documento denominado "..._Listagempredios.pdf" junto pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a sua Resposta, cujo teor se dá como reproduzido;
-
As 1.ª, 3.ª e 5.ª Requerentes são sociedades imobiliárias que têm por objecto a promoção imobiliária, nomeadamente a compra e venda de imóveis;
-
As 2.ª e 4.ª Requerentes são instituições de crédito a actividade bancária que se dedicam a actividade bancária e de locação financeira de imóveis;
-
As 2.ª e 4.ª Requerentes adquiriram no exercício da sua actividade de concessão de crédito os prédios que não estão afectos a operações de locação financeira, na quase totalidade, através de processos de recuperação de crédito (depoimentos das testemunhas G... e H...);
-
As 1.ª e 5.ª Requerentes detêm imóveis que integraram o GRUPO F… por dação, num processo em que o banco em vez de receber outros activos recebeu estas sociedades (depoimentos das testemunhas G... e H...);
-
Em Junho de 2017, os DEMANDANTES foram notificadas dos seguintes actos de liquidação de Adicional ao IMI com referência ao ano de 2017, indicando-se como data limite de pagamento o termo do mês de setembro de 2017 (documentos n.ºs 1 a 5, juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos):
– a A..., S.A., foi notificada da liquidação n.º 2017 ..., datada de 30-06-2017, que apurou imposto a pagar no montante de € 47.059,80;
– a B..., S.A., foi notificada da liquidação n.º 2017 ..., datada de 30-06-2017, que apurou imposto a pagar no montante de € 4.025.291,53;
– a C..., S.A. - EM LIQUIDAÇÃO foi notificada da liquidação n.º 2017 ..., datada de 30-06-2017, que apurou imposto a pagar no montante de € 132.916,90;
– a D..., S.A., foi notificada da liquidação n.º 2017 ..., datada de 30-06-2017, que apurou imposto a pagar no montante de € 575.768,07;
– a E..., S.A., foi notificada da liquidação n.º 2017 ..., datada de 30-06-2017, que apurou imposto a pagar no montante de € 7.208,56;
-
As Requerentes A..., S.A., B..., S.A., C..., S.A. - EM LIQUIDAÇÃO e D..., S.A., pagaram as quantias liquidadas em 26-09-2017 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
A Requerente E..., S.A., pagou a quantia liquidada em 27-09-017 (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
-
Em 2017, nenhum dos imóveis subjacentes aos actos impugnados estava afecto ao uso pessoal dos titulares do capital social dos DEMANDANTES, dos membros dos órgãos sociais ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização ou dos respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes (depoimentos das testemunhas G... e H... e documentos n.ºs 1 a 5, juntos com o pedido de pronúncia arbitral dos quais resulta as liquidações terem sido emitidas ao abrigo do número 1, do artigo 135.º F do Código do IMI, inexistindo valores liquidados ao abrigo do número 3 do mesmo artigo);
-
Nenhum dos imóveis sujeitos a tributação está afecto directa, ou indirectamente, à actividade corrente dos sujeitos passivos, encontrando-se contabilizados como “activos não correntes detidos para venda”, no caso das instituições financeiras, ou como “existências/inventários” ou “activos fixos tangíveis”, no caso das restantes (depoimentos das testemunhas G... e H... e documentos n.ºs 1 a 5 juntos com o 1.º Requerimento apresentado pelas Requerentes em 23-03-2018, cujos teores se dão como reproduzidos);
-
Os contratos de locação financeira celebrados pelas Requerentes B..., S.A. e D…, S.A. estão registados como “crédito concedidos a terceiros”, não estão registados no activo no “activo fixo tangível” destas instituições por se tratar de leasing financeiro (Depoimento da testemunha H...);
-
Os contratos de locação financeira celebrados com particulares respeitam em regra a imóveis com valor patrimonial tributário inferior a € 600.000, rondando em média os valores de € 100.000 a € 110.000 (depoimento da testemunha G...);
-
O registo contabilístico dos imóveis tributados, à exceção dos afectos a operações de locação financeira, das Requerentes que são instituições financeiras, obedece à Norma Internacional de Relato Financeiro 5 “Ativos Não Correntes Detidos para Venda e Unidades Operacionais Descontinuadas”, aprovada pelo Regulamento (CE) nº 1126/2008, da Comissão, de 3 de novembro de 2008 (depoimento da testemunha H...);
-
Os imóveis em causa que não estão afectos a operações de locação financeiras têm como destino a venda (depoimentos das testemunhas G... e H...);
-
Em 29-12-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
4.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Não se provou que qualquer dos imóveis estivesse em situação de isenção ou não a tributação em IMI no ano de 2016. Designadamente, para efeitos do artigo 9.º, n.º 1, alínea e), do CIMI, não se provou que qualquer dos prédios figurasse nos inventários das Requerentes há tempo inferior ao que aí se indica como determinando o início da tributação em IMI.
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e pela Autoridade Tributária e Aduaneira e nos depoimentos das testemunhas G... e H....
As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos sobre que se pronunciaram.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
5. Matéria de direito
A Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2017) aditou ao CIMI o capítulo XV, com os artigos 135.º-A a 135.º-K, de que consta o regime do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI).
No Relatório desse Orçamento refere-se:
As medidas de aumento de receita, além da atualização dos IECs e ISV em 3%, centram-se na introdução de duas novas tributações: um adicional progressivo sobre o IMI e um alargamento da base do IABA aos refrigerantes. As duas medidas representam em conjunto apenas cerca 0,5% do total da receita fiscal. Em ambos os casos a receita é consignada.
A consignação da tributação progressiva do património imobiliário ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema.
(...)
A tributação progressiva do património imobiliário
O adicional ao imposto municipal sobre imóveis introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados, com uma taxa marginal de 0,3% aplicada aos patrimónios que excedam os 600.000€ por sujeito passivo.
Para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística, permitindo-se ainda às empresas a isenção de prédios afetos à sua atividade produtiva até 600.000€. A possibilidade de dedução do montante de imposto pago à coleta relativa ao rendimento predial constitui adicionalmente um incentivo ao arrendamento e utilização produtiva do património.
Este imposto substitui o anterior imposto do selo de 1% sobre o valor do imóvel acima de 1 milhão de euros. Com uma taxa muito inferior (0,3%) é também mais justo por ter em conta o valor global do património imobiliário e não, isoladamente, o valor de cada prédio.
No artigo 135.º-A define-se a incidência subjectiva deste imposto, estabelecendo-se que «são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português», sendo «equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis».
O artigo 135.º-B define a incidência objectiva deste imposto adicional estabelecendo o seguinte:
Artigo 135.º-B
Incidência objectiva
1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.
Na redacção que constava da proposta de Orçamento este n.º 2 tinha a seguinte redacção:
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino.
O artigo 6.º do CIMI estabelece o seguinte:
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.
As Requerentes sintetizam as suas pretensões na conclusão 2.ª das suas alegações dizendo que «requerem a anulação dos atos de liquidação do Adicional ao IMI contestados, com referência ao ano de 2017, com fundamento na inconstitucionalidade material das normas dos artigos 135.º-A e seguintes do Código do IMI, especialmente da norma dos n.ºs 1 e 2, do artigo 135.º -B, na interpretação adotada nos atos contestados por violação dos princípios da igualdade, da proporcionalidade, da capacidade contributiva, e da habitação consagrados nos artigos 13.º, 18.º, 65 e 104.º, n.º 3 da Constituição».
5.1. Não exclusão do âmbito de incidência do AIMI dos imóveis afectos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas colectivas no âmbito da sua atividade económica
As Requerentes defendem que «ao não se excluir, expressamente, do âmbito de incidência do Adicional os imóveis afetos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas coletivas no âmbito da sua atividade económica criou-se a referida situação de penalização dos imóveis detidos para estes fins por sociedades no exercício da sua atividade, sem qualquer fundamento, que lhe permita passar o teste da constitucionalidade».
No entender das Requerente, «a detenção destes imóveis não é reveladora da especial capacidade contributiva que justifica a tributação em sede deste imposto, das pessoas singulares; por outro, a sua aplicação afeta a atividade económica das sociedades quando esta seja exercida através de imóveis destinados à habitação ou terrenos para construção, que foi precisamente o efeito que o legislador procurou acautelar».
A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».
No entanto, não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ao funcionamento das pessoas colectivas.
São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI.
Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.
Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos à actividade das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.
«Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento. ( [1] )
No caso em apreço, em face do afastamento da redacção proposta em que se dava relevância à afectação dos imóveis, não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.
Por isso, é de concluir que a afectação dos imóveis às actividades económicas de pessoas colectivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º-B do CIMI). [2]
A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afectação ou não a actividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações.
Porém, não resultam explicitamente do Relatório do Orçamento para 2017 nem da sua discussão parlamentar as razões que estarão subjacentes à distinção, para efeitos de tributação em AIMI, entre os valores patrimoniais dos prédios classificados como habitacionais ou terrenos para construção (independentemente da sua efectiva afectação a esses fins) e os dos prédios urbanos que têm outras classificações, à face do artigo 6.º do CIMI.
Relativamente aos prédios que têm a classificação de «outros» à face do artigo 6.º, n.ºs 2, alínea d), e 4, do CIMI, poderá ver-se uma razão para distinção no facto de se tratar essencialmente de prédios que não têm como finalidade actividades geradoras de rendimentos, designadamente os terrenos situados em aglomerados urbanos que não reúnem os requisitos necessários para a sua classificação como terrenos para construção nem estão a ser utilizados para fins agrícolas ou silvícolas e os edifícios destinados a espaços ou infra-estruturas ou equipamentos públicos. ( [3] )
No que concerne ao afastamento da tributação relativamente aos prédios destinados a comércio, indústria ou serviços poderá entrever-se uma explicação na finalidade invocada para a criação desta nova tributação, que é ao financiamento da Segurança Social, assegurado através da consignação de receitas do AIMI ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, prevista no n.º 2 do artigo 1.º do CIMI, na redacção da Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro.
A subsidiação do sistema de segurança social é uma das incumbências constitucionais do Estado, prevista no artigo 63.º, n.º 2, da CRP e a sua sustentabilidade e estabilidade é uma preocupação permanente, como é facto notório, o que tem justificado plúrimas iniciativas, bem evidenciadas nas Grandes Opções do Plano para 2017 (Lei n.º 41/2016, de 28 de Dezembro,) e para 2018 (Lei n.º 113/2017, de 29 de Dezembro) ( [4] ) entre as quais se inclui a diversificação das fontes de financiamento, que constitui um princípio há muito adoptado nas Leis de Bases da Segurança Social (artigo 78.º da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, artigo 107.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro). A essência do princípio da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social consiste na ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros, tendo em vista, designadamente, a redução dos custos não salariais da mão-de-obra (artigo 79.º da Lei n.º 17/2000, artigo 108.º da Lei n.º 32/2002, e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), o que pode explicar que não seja aplicada a nova tributação do AIMI às pessoas colectivas detentoras de prédios destinados a actividades comerciais, industriais e serviços, por a detenção de prédios desses tipos por pessoas colectivas estar normalmente associada ao exercício dessas actividades, com o correspondente pagamento de contribuições para Segurança Social, como entidades empregadoras [artigo 92.º, alínea b), da Lei n.º 4/2007, e artigos 3.º, alínea a), e 14.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de Novembro].
Desta perspectiva, poderá vislumbrar-se razão para distinguir entre a titularidade de património imobiliário por pessoas que, presumivelmente, desenvolverão actividades conexionadas com o financiamento da Segurança Social e a detenção de imóveis não destinados a essas actividades, cujos titulares, tendencialmente, não estarão associados da mesma forma a esse financiamento, pelo menos com a mesma intensidade.
O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa proclama o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. Como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções arbitrárias, desprovidas de justificação objectiva e racional. ( [5] )
Pelo que se referiu, não será completamente desprovida de explicação objectiva e racional a criação de uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social limitada ao património imobiliário gerador de rendimentos que não estará já tendencialmente conexionado com esse financiamento
Por outro lado, a criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados» (Relatório do Orçamento para 2017, página 60), compagina-se com o objectivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.
A capacidade contributiva das pessoas colectivas empresariais, relevante a aferição da aplicação do princípio da igualdade tributária, não é evidenciada apenas pelos rendimentos, designadamente pelos resultados da actividade a que se destinam os imóveis. Na verdade, «o património proporciona ao seu titular uma capacidade contributiva especial, vantagens que pela sua natureza escapam ao imposto sobre os rendimentos pessoais: assim, a titularidade do património facilita a angariação de crédito, reforça a posição negocial do seu titular na celebração de contratos vários, torna mais fácil multiplicar a riqueza permitindo-lhe arriscar aí onde em princípio não o faria. Nesta óptica, o imposto sobre o património é visto como algo mais do que um prolongamento do imposto sobre os rendimentos pessoais - não se trata de sobrecarregar aqui rendimentos que já lhe estão sujeitos mas de atingir manifestações de capacidade contributiva que na verdade lhe escapam» (...) Os impostos sobre o património justificar-se-ão por permitirem transferir recursos em benefício da classe trabalhadora, instituindo uma "progressividade qualitativa" complementar da progressividade em quantidade dos impostos sobre o rendimentos pessoais». ( [6] )
Por outro lado, se é certo que os diferentes destinos dos imóveis não implica necessariamente distinção de nível de capacidade contributiva, a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a actividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontrará outra justificação (para além do já referido presumível maior contributo destas actividade para a Segurança Social por via das contribuições), pois reconduz-se, em última análise, a favorecimento destas actividades, que se harmoniza (e, por isso, terá fundamento constitucionalmente aceitável) com a obrigação de o Estado promover o aumento do bem-estar económico, que pressupõe bom funcionamento das actividades criadoras de riqueza e constitui uma das suas incumbências prioritárias no âmbito económico [artigo 81.º, alínea a), da CRP]. Sendo esta uma incumbência constitucionalmente considerada prioritária, a primeira elencada nesta norma, decerto que não será incompatível com a CRP dar-lhe protecção preferencial quando confrontada com os deveres constitucionais do Estado em matéria de habitação indicados no artigo 65.º da CRP, que, obviamente, também são protegidos através do bom funcionamento das actividades criadoras de riqueza.
A referida capacidade contributiva acrescida em relação à que resulta de rendimentos, que é inerente à própria titularidade do património, não deixa de existir quando os titulares dos direitos sobre os imóveis celebram contratos de locação financeira, pelo que nenhuma especificidade se coloca a nível de constitucionalidade, nos casos em que estes contratos sejam celebrados.
No que concerne à alegada inconstitucionalidade alegada pelas Requerentes traduzida em «a dedução à coleta, em sede de IRC, só é admitida na fração correspondente aos rendimentos gerados por imóveis, sujeitos a Adicional ao IMI, no âmbito de atividade de arrendamento ou hospedagem, gerando uma distinção na tributação entre sujeitos passivos sem fundamento que a justifique (conclusão lxxii das alegações das Requerentes), trata-se de hipotético vício que não pode constitui ilegalidade das liquidações de AIMI impugnadas, podendo ser relevante em hipotéticas liquidações de IRC, que não são objecto do presente processo.
Pelo exposto, a tributação do AIMI não é incompaginável com os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva, invocados pelas Requerentes, com base nos artigos 13.º, 18.º e 104.º, n.º 3, da CRP, nem com o dever de protecção do direito à habitação, que emana do seu artigo 65.º.
6. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.
Não sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, não se pode concluir pela existência de pagamentos indevidos e, consequentemente não sem justifica a anulação das liquidações nem o pagamento de juros indemnizatórios, nos teros do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
7. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 4.788.244,86.
9. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 60.282,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo das Requerentes.
Lisboa, 23-07-2018
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Marcolino Pisão Pedreiro)
Com declaração de voto anexa
(José Coutinho Pires)
Declaração de Voto
do árbitro Marcolino Pisão Pedreiro
Voto vencido a presente decisão arbitral pelas razões que passo a expor.
1.Resulta da matéria provada que, relativamente às 1ª, 3ª e 5ª Requerentes os imóveis em causa estão contabilizados como “existências/inventários” ou “activos fixos tangíveis”.
As “existências/inventários” são ativos:
“a)Detidos para venda no decurso ordinário da actividade empresarial;
b)No processo de produção para tal venda; ou
c)Na forma de materiais ou consumíveis a serem aplicados no processo de produção ou na prestação de serviços”[7]
Os “activos fixos tangíveis” são, também, ativos por natureza afetos à atividade económica empresarial[8].
No que respeita às 2ª, e 4ª Requerentes, dos imóveis em causa, uns estão afetos a contratos de locação financeira e os demais resultam, na quase totalidade, de processos de recuperação de crédito e destinam-se a venda.
Os imóveis afetos a atividades de locação financeira e os resultantes de processos de recuperação de crédito são, também, bens intrinsecamente ligados à atividade económica normal destes sujeitos passivos uma vez que, como é bom de ver, para proceder à atividade de locação financeira de imóveis as Instituições de crédito têm necessariamente que ser titulares do direito de propriedade sobre imóveis e, por outro lado, a concessão de crédito implica inevitavelmente a ocorrência de incumprimentos, com a consequente necessidade da sua recuperação que, até por via das garantias reais normalmente associadas aos contratos de mútuo para aquisição de imóveis se concretiza, tipicamente, através da aquisição de imóveis propriedade dos mutuários inadimplentes. Nesta medida, estes imóveis estão, também, intrinsecamente ligados à atividade económica normal das empresas.
Estes imóveis, tal como os pertencentes às 1º, 3º e 5ª Requerentes estão, pois, afetos à atividade empresarial compreendida no objeto social das empresas.
Assim, discordo da seguinte asserção da alínea N) do probatório:
“Nenhum dos imóveis sujeitos a tributação está afecto directa, ou indirectamente, à actividade corrente dos sujeitos passivos”.
Por um lado, afigura-se-me tratar-se de matéria conclusiva e não de facto e, por outro, porque a conclusão não encontra sustentação na matéria de facto provada e, ao invés, se encontra em contradição com a mesma na medida em que dos imóveis que são existências/inventários detidos para venda, os que fazem parte do ativo fixo tangível, os decorrentes de processos de recuperação de crédito e os adquiridos em função da celebração de contratos de locação financeira imobiliária estão intrinsecamente relacionados com a atividade normal dos Requerentes e mesmo com a sua atividade operacional.
2. O legislador do AIMI, no âmbito dos seus poderes de livre conformação legislativa, excluiu da tributação[9] os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros». Assim sendo, as empresas que sejam titulares deste tipo de imóveis não estão sujeitas a tributação em sede de AIMI.
A questão que se pode colocar no caso que nos ocupa é se face àquela exclusão e ao princípio da igualdade tributária será legitima a tributação de imóveis propriedade de sociedades que têm por objeto social a promoção imobiliária, nomeadamente a compra e venda de imóveis, não excluídos da tributação por aquela disposição, destinados a serem vendidos, ou então integrantes do seu ativo fixo tangível e, por outro lado, de imóveis propriedade de instituições de crédito afetos a operações de locação financeira imobiliária ou adquiridos por estas entidades em processo de recuperação de créditos e que se destinam a ser vendidos.
3. A exclusão tributária em causa foi concedida a imóveis que estão, tipicamente, afetos a atividades económicas empresarias.
Qual a ratio legis da norma?
Na decisão do processo 664/2017-T[10] refere-se, relativamente aos imóveis objeto da exclusão “uma função instrumental relativamente a uma certa actividade produtiva que o legislador, dentro da sua margem de livre conformação, pode pretender salvaguardar no quadro das suas incumbências de incremento do desenvolvimento económico e social, que têm assento constitucional (artigo 81.º da Lei Fundamental).”
Na presente decisão avança-se que:
“A essência do princípio da diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social consiste na ampliação das bases de obtenção de recursos financeiros, tendo em vista, designadamente, a redução dos custos não salariais da mão-de-obra (artigo 79.º da Lei n.º 17/2000, artigo 108.º da Lei n.º 32/2002, e artigo 88.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro), o que pode explicar que não seja aplicada a nova tributação do AIMI às pessoas colectivas detentoras de prédios destinados a actividades comerciais, industriais e serviços, por a detenção de prédios desses tipos por pessoas colectivas estar normalmente associada ao exercício dessas actividades, com o correspondente pagamento de contribuições para Segurança Social, como entidades empregadoras [artigo 92.º, alínea b), da Lei n.º 4/2007, e artigos 3.º, alínea a), e 14.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 367/2007, de 2 de Novembro].”
Parece claro que o legislador pretendeu desonerar os imóveis normalmente afetos a atividades produtivas em linha com o que, essencialmente, ocorria com a extinta verba 28 da Tabela Geral de Imposto de selo, sobretudo na sua redação originária, afigurando-se-me corretas e complementares as razões da opção legislativa indicadas na presente decisão e na decisão do processo 664/2017-T.
Mas estas razões são, também, plenamente aplicáveis às empresas Requerentes, uma vez que se tratam de bens indispensáveis à prossecução das suas atividades económicas, por um lado e, por outro, as empresas comercializadoras de bens imóveis e as instituições de crédito são empresas que, como as demais, estão tipicamente associadas ao exercício de atividades que implicam o correspondente pagamento de contribuições para Segurança Social como entidades empregadoras.
4. Os imóveis propriedade de empresas que têm como objeto social a sua comercialização e que fazem parte dos seus inventários/existências, não só estão afetos à atividade produtiva das mesmas, como o estão até com grau de indispensabilidade superior à generalidade dos imóveis destinados ao exercício de atividades comerciais, industriais e de serviços, porquanto a sua existência na esfera jurídica destas empresas constitui condição sine qua non do exercício das respetivas atividades, enquanto as demais empresas poderão optar por não ser proprietários de imóveis utilizando esse tipo de bens através de outros instrumentos jurídicos (como o arrendamento ou a locação financeira).
O mesmo acontece com os imóveis propriedade das Instituições de crédito em função da celebração, como locadoras, de contratos de locação financeira imobiliária e dos imóveis que adquiriu em processos de recuperação de créditos e que detém para venda.
A titularidade destes imóveis constitui uma consequência inevitável do exercício da atividade económica destas empresas.
Nesta medida, cabe apurar se estas empresas não são negativamente discriminadas, em termos que lesem o princípio constitucional da igualdade por os imóveis em causa embora indispensáveis à prossecução da sua atividade ou consequência inevitável da mesma, não serem excluídos da incidência pelo artigo 135º-B, nº 2, do CIMI.
5. Como considerou o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 232/2003 de 13 de Maio de 2003, proferido no Proc. nº 306/03[11]:
“O princípio da igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição da República (…), proíbe diferenciações de tratamento, salvo quando estas, ao serem objectivamente justificadas por valores constitucionalmente relevantes, se revelem racional e razoavelmente fundadas. Tal proibição (…) deve considerar-se que inclui ainda as chamadas “discriminações indirectas”, em que, e sempre sem que tal se revele justificável de um ponto de vista objectivo, uma determinada medida, aparentemente não discriminatória, afecte negativamente em maior medida, na prática, uma parte individualizável e distinta do universo de destinatários a que vai dirigida.”[12] [13]
Afigura-se-me ser o que ocorre no caso dos autos.
Tendo em conta que no 135º-B, nº 2, do CIMI, é o elemento objetivo de incidência que é relevante para a não tributação, aparentemente inexiste discriminação mas, na prática, face à ratio da norma, partes individualizáveis e distintas do universo de destinatários a quem é dirigida é afetada negativamente e entre estas estão os grupos de que as 1ª, 3º e 5ª, por um lado e as 2ª e 4ª por outro, fazem parte.
A natureza destas empresas poderia justificar, face às demais, uma discriminação positiva, à semelhança do que ocorre em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis[14] e de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis[15], nunca uma discriminação negativa[16] que, manifestamente, carece de fundamento material bastante, sendo, consequentemente, arbitrária.
Na verdade, os bens imóveis propriedade deste tipo de empresas, quando integrem o património das mesmas como consequência ou condição necessária ao exercício duma atividade económica, não constituirão, necessariamente, indício de capacidade contributiva, pelo menos nos mesmos termos em que ocorre quando na titularidade de outro tipo de empresas.
Esta razão explicará os regimes favoráveis de que gozam, face às demais empresas, estabelecidos nos artigos 9º, nº 1, al. e), do CIMI e 7º e 8º, do CIMT.
Emergindo do artigo 135º-B, nº 2, em termos práticos um regime de sentido oposto, no que respeita ao imóveis aí não previstos, afigura-se-me haver, também, desvio ao princípio da coerência do sistema que, segundo de José Casalta Nabais “não provoca a invalidade das leis fiscais, já que apenas constitui um indício de afectação dos princípios constitucionais, sobretudo do princípio da igualdade, sendo a desigualdade de tratamento fáctico que decide no caso concreto se a mesma se verifica ou não.(…).
Não obstante esta sua falta de autonomia (para conduzir à in constitucionalização das leis) e as demais limitações em que se move, o princípio da coerência do sistema sempre se apresenta como um auxiliar importante no desencadear da operacionalidade prática dos princípios constitucionais, de que vimos falando, mormente do princípio da igualdade fiscal que, perante a uma assistematicidade, mais facilmente se pode concluir pela sua violação”[17].
É o que se verifica no caso em apreço, no meu modo de ver. A violação do princípio da igualdade, resulta do tratamento desigual, acima exposto, sem fundamento material que o justifique. Mas tal violação é, ainda, mais intensa e nítida pela violação, em simultâneo, do princípio da coerência do sistema.
6. Por outro lado, em linha com a decisão que subscrevi na decisão proferida no processo 603/2017-T, (referente apenas a uma sociedade comercializadora de imóveis) também carece, no meu entender, de fundamento racional, a discriminação entre estas empresas que comercializam lotes de terreno e prédios de habitação e as que comercializam outro tipo de imóveis não sujeitos ao imposto (o que também não se harmoniza com o princípio da liberdade de gestão) e mesmo em relação à generalidade das empresas que se dedicam à compra e venda de outro tipo de bens (cujas mercadorias podem também ter valor patrimonial de muito significativo) tributando as primeiras e não as segundas.
7.Termos em que, pelas razões que ficam expostas, considero materialmente inconstitucional o artigo 135º-B do CIMI, na medida em que sujeita a tributação em AIMI os imóveis com as afetações económicas mencionadas e não excluídos da tributação pelo número 2 daquele artigo, propriedade de empresas que têm por têm por objeto a promoção imobiliária, nomeadamente a compra e venda de imóveis e de instituições de crédito que se dedicam a atividade bancária e de locação financeira de imóveis, pelo que, entendo que as pretensões anulatórias das Requerentes deveriam proceder.
Lisboa, 23-07-2018
O árbitro
(Marcolino Pisão Pedreiro)
[1] BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.
[2] Situação em que se poderão encontrar os prédios a que alude a alínea e) do n.º 1 do artigo 9.º do CIMI.
[3] Sobre os prédios urbanos integráveis na categoria «outros» pode ver-se ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDOM JOSÉ MARTINS BRÁS, Tributação do Património, Almedina, 2015, página 47.
Sinteticamente, terão a classificação de «outros»:
– terrenos que estejam situados dentro de um aglomerado urbano e que não possam ser considerados terrenos para construção, designadamente que, por imperativo legal, só possam ter utilização geradora de rendimentos agrícolas e não estejam, de facto, a ter essa concreta afectação ou que se destinem a zonas verdes, ou áreas protegidas, ou a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos;
– edifícios e construções licenciados para fins diferentes dos habitacionais, comerciais ou de serviços ou não licenciados mas afectos a esses fins.
[4] Como se vê pelas Grandes Opções do Plano para 2018, a consignação da receita do AIMI ao Fundo de Estabilidade Financeira da Segurança Social foi uma entre várias medidas: «têm vindo a ser desenvolvidas pelo Governo várias iniciativas no plano da sustentabilidade e estabilidade do sistema, designadamente: a reposição do mecanismo de atualização de pensões e garantia de não alteração das regras de cálculo das prestações já atribuídas a título definitivo; a definição do fator de sustentabilidade para 2017 em cumprimento da legislação em vigor e que veio estabelecer a idade normal de reforma para 2018; a reavaliação de todo o regime das pensões antecipadas por flexibilização, com discussão em sede de concertação social, tendo-se avançado em 2017 com o regime de proteção das muito longas carreiras contributivas através da eliminação das penalizações; a convergência do regime da Caixa Geral de Aposentações (CGA) com o regime geral de Segurança Social (RGSS) - para reforço desta convergência foram estabelecidas as condições de acesso e o cálculo das pensões do pessoal militar e militarizado e do pessoal com funções policiais».
[5] Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
– n.º 143/88, de 16-6-1988, proferido no processo n.º 319/87, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 183;
– n.º 149/88, de 29-6-1988, proferido no processo n.º 282/86, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 192;
– n.º 118/90, de 18-4-90, proferido no processo n.º 613/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 396, página 123;
– n.º 169/90, e 30-5-1990, proferido no processo n.º 1/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 397, página 90;
– n.º 186/90, de 6-6-1990, proferido no processo n.º 533/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 81;
– n.º 155/92, de 23-4-1992, proferido no processo n.º 204/90, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 416, página 295;
– n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129;
– n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152;
– n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284;
– n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.
[6] SÉRGIO VASQUES, Capacidade Contributiva, Rendimento e Património, em Fiscalidade, n.º 23, página 36.
[7] Nos termos do parágrafo 6 da Norma contabilística e de relato financeiro 18.
[8] De acordo com Norma contabilistica e de relato financeiro 7:
“Activos fixos tangíveis: são itens que:
-
Sejam detidos para uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços, para arrendamento a outros, ou para fins administrativos; e
-
Se espera que sejam usados durante mais do que um período”
Escrevem António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues que o activo fixo tangível “integra os elementos tangíveis, móveis ou imóveis, que a entidade utiliza na sua actividade económica, que não se destinam a ser vendidos ou transformados, com carácter de permanência superior a um ano” (Elementos de contabilidade geral, Áreas Editora, 26ª edição, 2014, pag. 771)
[9] Escreve Nuno Sá Gomes que “(…) Devem considerar-se, porém, como verdadeiras norma de isenção as que, formal e sistematicamente, sejam exclusões tributárias por estarem incluídas no capítulo da incidência mas que claramente caiam no âmbito genérico desta, afastando a respectiva aplicação, nos casos excepcionais previstos(…)”(Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa, 1991, pag. 118)
[10] Disponível em “https://caad.org.pt/tributario/decisoes”
[11] Disponível in “http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/”
[12]Pode ainda ler-se no acórdão em causa a seguinte citação de Maria da Glória Ferreira Pinto:“[E]stando em causa (...) um determinado tratamento jurídico de situações, o critério que irá presidir à qualificação de tais situações como iguais ou desiguais é determinado directamente pela 'ratio' do tratamento jurídico que se lhes pretende dar, isto é, é funcionalizado pelo fim a atingir com o referido tratamento jurídico. A 'ratio' do tratamento jurídico é, pois, o ponto de referência último da valoração e da escolha do critério” (cf. Princípio da igualdade: fórmula vazia ou fórmula 'carregada' de sentido?, sep. do Boletim do Ministério da Justiça, nº 358, Lisboa, 1987, p. 27).”
[13] Sobre a discriminação indireta escrevem J.J. Gomes Canotilho-Vital Moreira:
“A violação do princípio da igualdade enquanto proibição de discriminação tanto pode resultar de uma norma que proceda directamente a uma diferenciação injustificada de tratamento, como indirectamente, na medida em que a norma, embora sem estabelecer directamente nenhuma discriminação, a vai causar de facto, na medida em que os seus efeitos sejam substancialmente desiguais para diferentes categorias de pessoas (discriminação indirecta). E para isso é irrelevante que se tenha querido tal discriminação ou sequer figurado a possibilidade dela; basta que ela ocorra necessariamente, isto é, como consequência necessária da aplicação da norma.(…)” (Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4ª Edição revista, 2007, Vol. I, pag.341)
[14] Com as empresas comercializadoras de imóveis (artigo 9º, nº 1, al. e), do CIMI).
[15] Com as empresas comercializadoras de imóveis (artigo 7º do CIMT) e com as instituições de crédito (artigo 8º do CIMT)
[16] É certo que decorre da conjugação do artigo 9º, nº 1, al. e), do CIMI com o disposto artigo 135º-C, nº 3, do CIMI, na redação à data dos factos, alguma consideração pela situação especifica das empresas que têm por objeto social a comercialização de imóveis. Todavia, com a limitação temporal decorrente da solução encontrada (o que a torna em muitos caso já inaplicável, como será o caso dos autos), não deixa de verificar-se uma discriminação negativa destas empresas.
[17] O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, Coimbra, 2004, pags. 600-601.