Decisão Arbitral
A árbitro Raquel Franco, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 06-03-2018, decide nos termos e com os fundamentos que se seguem:
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Relatório
A sociedade “A..., S.A.”, contribuinte fiscal n.º..., com sede em ..., ..., n.º..., ...-... Porto Salvo, apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à anulação do ato de liquidação do Adicional ao IMI, respeitante ao exercício de 2017, com o número 2017..., a qual apurou um montante total a pagar de € 18.150,56 (dezoito mil, cento e cinquenta euros e cinquenta e seis cêntimos).
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27-12-2017.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular a signatária e notificou as partes dessa designação em 14-02-2018.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral ficou constituído em 06-03-2018, seguindo-se os pertinentes trâmites legais.
No dia 18.04.2018 o Tribunal notificou as Partes da dispensa da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e do prazo para produção de alegações escritas.
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Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão adequadamente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
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Posições das Partes
A Requerente defende que a liquidação de AIMI em causa padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, sendo ainda ilegal por violação do princípio constitucional da igualdade.
Em suma, entende a Requerente que:
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Ao criar o AIMI, o legislador salvaguardou os prédios afetos a atividades económicas;
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A ratio legis que esteve na origem da norma de exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI foi a de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, pela sua atividade económica, detêm imóveis para a prossecução do seu objeto social;
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A Requerente, em função da atividade que desenvolve, é proprietária de múltiplos imóveis – sendo esse o substrato da sua atividade económica e sendo os imóveis verdadeiros elementos do seu processo produtivo seja enquanto bens para arrendamento, seja enquanto bens que figuram no inventário para transformação futura;
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A detenção de imóveis por parte de uma sociedade como a Requerente não pode ser considerada uma demonstração de riqueza suscetível de levar à tributação em sede de AIMI;
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Por outro lado, a inclusão de imóveis que consubstanciam “terrenos para construção” e que estão afetos a atividades económicas no âmbito de incidência da tributação é ilegal porquanto o âmbito da tributação abrange apenas prédios afetos a habitação;
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A Requerente entende ainda que o regime do AIMI é contrário ao princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição e aos princípios da igualdade fiscal e da capacidade contributiva previstos no artigo 104.º, n.º 3, também da Constituição, se for interpretado no sentido de tratar todos os terrenos para construção de forma igual, sem distinguir entre aqueles que estão afetos a atividades económicas e aqueles que estão afetos a habitação;
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Por fim, a Requerente peticiona o pagamento de juros indemnizatórios sobre a quantia de imposto que entende ter sido paga indevidamente, sustentando esse pedido nas normas constantes dos artigos 43.º e 100.º da LGT.
A Requerida, por seu turno, sustenta o seguinte:
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O AIMI incide sobre os prédios classificados como habitacionais e como terrenos para construção — independentemente da sua afetação potencial - atento o facto de a lei remeter, sem mais, para o artigo 6.º do Código do IMI;
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O regime previsto permite a dedução do AIMI à coleta de IRC, sendo esta dedução limitada à fração correspondente aos rendimentos gerados por imóveis e sujeitos a IRC, no âmbito da atividade de arrendamento ou hospedagem, podendo, em alternativa, o encargo com o pagamento do AIMI ser considerado como gasto fiscalmente aceite para efeitos de determinação do lucro tributável (cfr. artigo 135.º-J do Código do IMI);
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No que concerne ao AIMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas coletivas e estruturas equiparadas (n.º 2 do art.º 135.º-A do CIMI) o imposto assume a natureza de imposto real, na medida em que a modelação do quantitativo a pagar abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como não atinge a totalidade do património líquido das entidades;
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Deste modo, não tem razão a Requerente quando qualifica o AIMI “como um tributo de natureza pessoal que incide sobre a riqueza imobiliária urbana”, pois, por uma questão de rigor conceptual importa dizer que não se está perante um imposto pessoal, na linha da construção da doutrina (cf., Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, Almedina 2011, pág. 193): “Dizem-se impostos pessoais os que ponderam a condição social do contribuinte (…) A distinção entre impostos pessoais e impostos reais prende-se, portanto, com a sua estrutura interna e com a respetiva adequação à força económica do contribuinte, à composição do seu agregado familiar e às despesas essenciais que este está obrigado a fazer e que diminuem a sua capacidade de pagar o imposto.”
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Quanto à ratio legis presente no artigo 135.º-B do Código do IMI, o legislador afastou da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros” mas, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada;
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Não foi legalmente garantido em todos os casos que “os prédios urbanos afetos às atividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI”, ao contrário do que é dito pela Requerente, pelo que, tendo as liquidações impugnadas sido efetuadas em conformidade com o disposto na lei, não se verifica o erro de facto e de direito que é imputado à AT;
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Em causa está apenas um imposto parcelar sobre determinadas manifestações de capacidade contributiva, pelo que, contrariamente ao que a Requerente pretende fazer crer, não pode a ratio legis da exclusão de tributação prevista no artigo 135.º B, n.º 2 do Código do IMI ter o alcance por si pretendido – isto é, abranger igualmente os prédios urbanos classificados como habitacionais e terrenos para construção aí não mencionados, quando constituíssem bens objeto da atividade económica dos sujeitos passivos, uma vez que o critério escolhido pelo legislador – a classificação dos prédios urbanos como industriais, comerciais ou para serviços e outros – o foi exatamente em detrimento de outros que apelassem a verificações casuística sobre o destino efetivo dado aos prédios;
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Na data da tributação em AIMI dos terrenos para construção, só cabe atender à própria realidade do terreno, tal como o mesmo é legalmente caracterizado, e tendo em conta o VPT constante da matriz, não uma edificação futura, com a consequente espécie de prédio urbano que venha a surgir subsequentemente, incluindo as frações autónomas ou andares suscetíveis de utilização independente que eventualmente venham a existir, as quais, verdadeiramente, são meras abstrações virtuais de situações não constituídas nem jurídica, nem factualmente;
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Quanto à alegada violação dos princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva, não só, como é uniformemente reconhecido pela jurisprudência, não pode a AT desaplicar normas legais com fundamento em inconstitucionalidade, como, de resto, também não ocorre o vício de inconstitucionalidade alegado pela Requerente;
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Nos termos do n.º 2 do artigo 266.º da CRP, a Administração está obrigada a atuar em conformidade com o princípio da legalidade, sendo tal princípio concretizado a nível infraconstitucional no n.º 1 do artigo 3.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), que por sua vez determina que: “Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins”. Assim, a AT não podia/pode recusar a aplicação de uma norma ou deixar de cumprir a lei invocando ou questionando a sua (in)constitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade, conforme estatuído nos artigos 266.º n.º 2 da CRP, 3.º n.º 1 do CPA e 55.º da LGT;
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No que respeita ao n.º 3 do artigo 104.º da CRP, previne a doutrina que o princípio da igualdade, no que concerne ao património, tem que ser interpretado com restrição, no sentido de que não envolve um particular e autónomo conteúdo jurídico do princípio da igualdade no âmbito da tributação sobre o património;
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Muito trabalhado, jurisprudencial e doutrinariamente, o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais (proibindo, inversamente, o tratamento desigual de situações iguais e o tratamento igual das situações desiguais) - cfr., entre tantos outros, e além do já citado acórdão nº 186/90, os acórdãos nºs. 39/88, 187/90, 188/90, 330/93, 381/93, 516/93 e 335/94, publicados no referido jornal oficial, I Série, de 3 de Março de 1988, e II Série, de 12 de Setembro de 1990, 30 de Julho de 1993, 6 de Outubro do mesmo ano, e 19 de Janeiro e 30 de Agosto de 1994, respectivamente.
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Por várias ordens de razão, das normas consagradas não resultam diferenças injustificadas de tratamento entre contribuintes ao arrepio daqueles princípios constitucionais. Vejamos:
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Da teleologia do imposto percebe-se que este visa, num primeiro momento, atingir uma parcela do património dos sujeitos passivos do imposto, incidindo sobre os bens imóveis constitutivos de um património, reconhecível juridicamente como capital de uma determinada entidade (singular ou coletiva), independentemente do mesmo estar afeto a qualquer processo produtivo ou gerador de rendimentos – crê-se ser este o propósito do n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI;
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Vindo depois o legislador, num segundo momento, delimitar negativamente a incidência do imposto, excluindo do AIMI imóveis que, pela sua potencial afetação, podem ser economicamente reconhecidos como fatores de produção, a título de capital, ou seja, como bens intermediários que, conjugados com os demais fatores de produção, produzem novas utilidades – bens económicos que satisfazem necessidades;
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A circunstância de um dado bem valer, como “fator de produção de riqueza" não é suficiente para contrariar a constatação de que o correspondente titular detém um imóvel apenas acessível a detentor de peculiar riqueza e, assim, capacitado para suportar uma contribuição adicional para a desejada consolidação orçamental;
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Não é nem pertinente, nem conforme com o princípio da igualdade fazer relevar, para efeitos de um juízo de conformidade constitucional do AIMI, a eventual componente da futura edificação em causa no terreno para construção, porquanto o único VPT constante da matriz nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis sobre que incide a tributação anual em AIMI é o VPT do próprio terreno para construção existente.
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Matéria de facto
4.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
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A Requerente é uma sociedade comercial cujo objeto compreende “a promoção imobiliária, compra e venda de imóveis, urbanizações e loteamentos, construção civil, gestão de imóveis.”
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A liquidação impugnada é referente ao Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), tem o n.º 2017..., é relativa ao ano de 2017 e incide sobre o valor patrimonial tributário dos seguintes prédios urbanos:
- Artigo matricial n.º..., da Freguesia de ..., concelho de ..., Distrito de Lisboa, inscrito na matriz como “terreno para construção” e tendo como tipo de coeficiente de localização “serviços”;
- Artigo matricial n.º..., da Freguesia de ..., concelho de ..., Distrito de Lisboa, inscrito na matriz como “terreno para construção” e tendo como tipo de coeficiente de localização “serviços”;
- Artigo matricial n.º..., da Freguesia de ..., concelho de ..., Distrito de Lisboa, inscrito na matriz como “terreno para construção” e tendo como tipo de coeficiente de localização “serviços”;
- Artigo matricial n.º ..., da Freguesia de ..., concelho de ..., Distrito de Lisboa, inscrito na matriz como “terreno para construção” e tendo como tipo de coeficiente de localização “serviços”;
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A Requerente efetuou o pagamento da liquidação impugnada na sua totalidade.
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Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
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Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, no processo administrativo e em factos enunciados pelas partes nas respetivas peças processuais relativamente aos quais não existe controvérsia.
Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que for alegado pelas Partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e não provada (cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT). Os factos são selecionados de acordo com a respetiva pertinência jurídica, a qual é determinada em função das várias soluções possíveis para a causa (cf. o anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, atual 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
Tendo em consideração as posições assumidas pelas Partes, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima enunciados, não existindo factos relevantes que não se tenham considerado provados.
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Matéria de direito
Tendo em consideração os pedidos apresentados pela Requerente e a oposição entre as Partes, importa analisar e decidir as seguintes questões:
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A exclusão de tributação prevista no artigo 135.º-B do Código do IMI inclui os terrenos para construção cujo tipo de coeficiente de localização seja “comércio, indústria ou serviços”?
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A norma em questão viola o disposto no artigo 13.º e/ou 103.º da CRP?
Comecemos pela primeira questão.
O “Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis” (“AIMI”), que entrou em vigor no dia 1 de Janeiro de 2017, tendo sido introduzido no CIMI pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, veio, em termos práticos, substituir a tributação que até aí vigorava em sede de imposto do selo (IS) sobre prédios de elevado valor (i.e., VPT igual ou superior a € 1 milhão), prevista na verba 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).
Depois de uma série de problemas causados pela interpretação e aplicação da verba 28 da TGIS, pretendeu-se, embora mantendo-se o princípio de uma tributação agravada de patrimónios imobiliários de valor elevado[1], eliminar algumas controvérsias suscitadas durante a vigência daquela tributação em sede de IS.
O regime do AIMI é composto de 13 artigos: 135.º-A a 135.º-M do CIMI.
Em matéria de incidência subjetiva, o artigo 135.º-A estabelece o seguinte:
1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.
2 - Para efeitos do n.º 1, são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal.
3 - A qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8.º do presente Código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.
4 - Não são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as empresas municipais.
No que respeita à incidência subjetiva, o artigo 135.º-B estabelece o seguinte:
1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.
O artigo 6.º do CIMI, por seu turno, estabelece o seguinte:
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
(Redacção dada pelo artigo 93.º da Lei 64-A/2008, de 31 de Dezembro)
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.
A Requerida sustenta que, em resultado da aplicação conjugada do disposto no artigo 135.º-B com o disposto no artigo 6.º do CIMI, estão sujeitos a AIMI os prédios urbanos afetos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos no artigo 6.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código do IMI.
Parece-nos, no entanto, que uma correta interpretação do disposto no artigo 135.º-B do CIMI implica que se vá um pouco mais longe do que a AT parece admitir ir. De facto, interrogamo-nos se não deverão entender-se abrangidos pela exclusão operada pelo n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI também os terrenos para construção cujos valores patrimoniais tributários foram determinados com base nos tipos de coeficiente de localização “comércio”, “indústria” e “serviços” – no fundo, à semelhança do que acontece com os prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços.
Com efeito, e como se refere no Acórdão Arbitral proferido no âmbito do processo 681/2017-T, com cujo sentido se concorda, não será coerente não aplicar o AIMI a edifícios destinados a comércio, indústria ou serviços e aplicá-lo a terrenos que se destinam à sua construção e cujo valor é incorporado no valor dos edifícios. Assim, remetendo para as palavras proferidas nesse acórdão: “(...) numa perspectiva que tenha em mente a unidade do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), que tem valor interpretativo decisivo, imposto pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica ( 2 ), deverá interpretar-se extensivamente a exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» como expressando uma intenção legislativa de excluir também da tributação os terrenos destinados à construção desses prédios. De qualquer forma, a adoptar-se uma interpretação literal desta norma, com o sentido de todos os terrenos para construção estarem abrangidos pela incidência do AIMI, ela será materialmente inconstitucional, sendo incompaginável com o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), ao considerar facto tributário a titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a comércio, indústria ou serviços e não a titularidade de idênticos terrenos com os prédios que neles forem construídos, por consubstanciar um tratamento desprivilegiado dos contribuintes que se encontram nas primeiras situações, sem justificação material, pois é necessariamente menor a capacidade contributiva indiciada pelo património imobiliário nessas situações, que terá de estar presente, e com aumento, na segunda.”
Do mesmo modo, considera este tribunal que o artigo 135.º-B do Código do IMI, quando interpretado no sentido de incluir no âmbito de aplicação do AIMI os “terrenos para construção” com fins de comércio, indústria, serviços ou outros - é manifestamente contrário ao princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado.
Pelo exposto, entendemos que é de considerar ilegal a liquidação impugnada, por incidir sobre o valor patrimonial dos terrenos para construção indicados na alínea b) da matéria de facto fixada, o que justifica a sua anulação, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
E quanto à questão da inconstitucionalidade?
Quanto ao argumento da inconstitucionalidade por tributação do substrato de uma atividade económica, entende a Requerente que deve ser atendida a natureza dos sujeitos passivos onerados com a tributação resultante do mesmo, em concreto o facto de serem abrangidas pelo AIMI entidades que exercem, enquanto atividade compreendida nos respetivos objetos estatutários, a atividade de compra, venda, construção e arrendamento de imóveis; – no caso de sociedades comerciais (ou outras entidades) que desenvolvam uma atividade daquela natureza, a propriedade de imóveis consubstancia o substrato patrimonial da própria atividade económica, sendo um meio essencial (quase único) para a prossecução da mesma, pelo que não se encontra verificado o pressuposto de tributação essencial, i.e., o pressuposto de que a propriedade daqueles imóveis constitui um indício de uma acrescida capacidade contributiva ou de riqueza.
A AT, além de divergir no entendimento acerca da inconstitucionalidade, defende-se dizendo que está obrigada a aplicar a lei, não podendo desaplicá-la com fundamento em inconstitucionalidade.
O artigo 13.º da Constituição prescreve o seguinte:
1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
O artigo 103.º da Constituição prescreve o seguinte:
1. O sistema fiscal visa a satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades públicas e uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza.
2. Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.
3. Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei.
O artigo 104.º da Constituição prescreve o seguinte:
1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.
2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real.
3. A tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos.
4. A tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo.
Entende a Requerente que o regime legal do AIMI, em concreto o artigo 135.º-B do Código do IMI – quando interpretado no sentido de incluir no âmbito de aplicação do AIMI os “terrenos para construção” com fins de comércio, indústria, serviços ou outros – é contrário ao princípio da igualdade constitucionalmente consagrado, quer por conduzir à tributação do substrato de uma atividade económica, quer pela desconsideração do critério legal da afetação do prédio. Como sobejamente tem sido notado pela jurisprudência do Tribunal Constitucional[2] e dos tribunais superiores, o princípio da igualdade tributária como limite à discricionariedade legislativa não proíbe toda e qualquer liberdade de opção por parte do legislador no sentido de tributar determinados factos tributários em detrimentos de outros. O referido princípio proíbe apenas o arbítrio, ou seja, a distinção sem critério racional entre potenciais factos tributários.
Ora, tal como se refere no Acórdão Arbitral proferido no processo 681/2017-T, “a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a actividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontra fundamento constitucionalmente aceitável na obrigação de o Estado promover o aumento do bem-estar económico, que pressupõe bom funcionamento das actividade produtivas e constitui uma das suas incumbências prioritárias no âmbito económico [artigo 81.º, alínea a), da CRP]. Para além disso, na linha do que se entendeu no acórdão arbitral de 17-03-2016, proferido no processo n.º 507/2015-T, deverá entender-se que, enquanto a titularidade de património imobiliário destinado a habitação de valor elevado é um indício tendencialmente seguro de abastança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, não se pode considerar que exista indício seguro de superior capacidade contributiva quando se está perante a titularidade de direitos sobre imóveis destinados ao exercício de actividades económicas (comerciais, industriais, prestação de serviços ou afins), pois eles têm de ser adequados ao funcionamento das respectivas empresas, não sendo a sua dimensão e correlativo valor indício de abastança. Assim, terá fundamento constitucionalmente aceitável a restrição da incidência do AIMI aos prédios habitacionais e terrenos para construção de prédios habitacionais, que veio a ser consagrada na redacção aprovada para o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, na interpretação que atrás se adoptou.”
A específica situação das sociedades que detenham património imobiliário destinado ao desenvolvimento da sua atividade, sendo o mesmo abrangido pela tributação agravada em sede de AIMI, não se afigura, tal como não se afigurou naquele caso relativamente aos fundos de investimento imobiliário, merecedora de tratamento especial relativamente a pessoas singulares, ou a outras sociedades que não desenvolvam atividades relacionadas com o setor imobiliário. A detenção, por parte dessas sociedades, de imóveis destinados a habitação de elevado valor revela uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI, e que «corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social» (Relatório do Orçamento para 2017, página 57).
Pelo exposto, a imposição do AIMI a sociedades, como a Requerente, cujo objeto social integre atividades imobiliárias relativamente ao seu património constituído por imóveis habitacionais e terrenos para construção destinados a habitação não se afigura materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.
Por fim, quanto ao pedido de juros indemnizatórios, a Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela AT acrescido de pagamento de juros indemnizatórios, enquanto a AT defende que, na qualidade de órgão da Administração Pública, não tem competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade e, consequentemente, aos serviços da AT não pode ser imputado qualquer erro de facto ou de direito, dada a obediência à lei que enforma toda a sua atividade.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão». Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea». Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias. Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.
Na sequência da ilegalidade total e parcial dos atos de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente, por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado». Assim sucede no caso concreto, em que se já se decidiu pela ilegalidade total do ato de liquidação de AIMI praticado.
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios, resulta do exposto supra que a ilegalidade da liquidação não resulta de inconstitucionalidade, mas sim de uma errada interpretação do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, pela qual a AT é responsável. Assim, não tem aplicação aqui a jurisprudência invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a inexistência de direito a juros indemnizatórios nos casos em que a ilegalidade da liquidação deriva de inconstitucionalidade.
A Requerente tem, pois, direito ao reembolso da quantia indevidamente paga e ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar. Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que a Requerente efetuou o pagamento da liquidação ilegal até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
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Decisão
De harmonia com o exposto, o Tribunal Arbitral decide nos termos que se seguem:
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Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação impugnada, o que determina a anulação da mesma liquidação,
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Julgar procedente o pedido de restituição da quantia de imposto indevidamente paga;
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Julgar procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios;
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Condenar a Requerida nas custas do processo.
A Requerida pede, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3 da CRP e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, que seja determinada a notificação ao Ministério Público da decisão arbitral. Uma vez que o Ministério Público não tem representação especial perante os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD (artigo 4.º, n.º 1 do Estatuto do Ministério Público), comunique-se esta decisão à Procuradoria-Geral da República, para os fins que tiver por convenientes.
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Valor do processo
De harmonia com o disposto no artigo 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 18.150,56 (dezoito mil, cento e cinquenta euros e cinquenta e seis cêntimos).
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Custas
Fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 (tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), ficando o respetivo pagamento a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira (artigo 22.º, n.º 4, do RJAT).
Lisboa, 24 de junho de 2018
A Árbitro
(Raquel Franco)
[1] Cujas receitas revertem a favor do financiamento da Segurança Social, nos termos do artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro.
[2] Podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional: n.º 143/88, de 16-6-1988, proferido no processo n.º 319/87, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 183; n.º 149/88, de 29-6-1988, proferido no processo n.º 282/86, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 192; n.º 118/90, de 18-4-90, proferido no processo n.º 613/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 396, página 123; n.º 169/90, e 30-5-1990, proferido no processo n.º 1/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 397, página 90; n.º 186/90, de 6-6-1990, proferido no processo n.º 533/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 81; n.º 155/92, de 23-4-1992, proferido no processo n.º 204/90, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 416, página 295; n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129; n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152; n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284; n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.