Decisão Arbitral
Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs, (árbitro-presidente), Dr. Rui Rodrigues e Professor Doutor Vasco Valdez (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06 de março de 2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
1.1 A…, S.A., doravante designado por «Requerente», contribuinte n.º…, com sede na …, n.º…, em Lisboa, requereu a constituição de tribunal arbitral coletivo, ao abrigo das disposições conjugadas do artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por «RJAT») e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), doravante designada por «Requerida».
1.2 O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 22 de dezembro de 2017, tem por objeto a declaração de ilegalidade e consequente anulação da liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) com o n.º 2017…, emitido pela “AT” em 30 de junho de 2017, com referência ao ano de 2017, no montante total de 2 721 059,82 €.
1.3 Requer ainda a condenação da “AT” ao reembolso do montante pago respeitante à referida liquidação, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT) e 61.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
1.4 O Requerente optou por não designar árbitro.
1.5 O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 27 de dezembro de 2017.
1.6 Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
1.7 Em 14 de fevereiro de 2018, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
1.8 Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 06 de março de 2018.
1.9 A Requerida foi notificada, por despacho arbitral da mesma data, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.
1.10 Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (PA) referido no artigo 111.º do CPPT.
1.11 Em 23 de abril de 2018, a “AT” apresentou resposta, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e, por apelo ao disposto no artigo 280.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 72.º, n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional, requerendo a notificação ao Ministério Público do acórdão arbitral.
1.12 Por despacho de 25 de abri1 de 2018, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
1.13 Tendo as Partes declarado não pretender alegar, foi decidido que o processo prosseguisse para decisão final, sendo designado o dia 5 de setembro de 2018 como prazo limite para prolação da decisão arbitral, devendo até essa data, o Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.
1.14 Deste despacho foram as Partes notificadas em 26 de abril de 2018.
2. Posição das Partes
2.1 Do Requerente
Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:
É uma instituição de crédito cujo objeto social inclui, nomeadamente, a realização de operações financeiras, ao abrigo do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, pelo que, no âmbito da sua atividade, é proprietário de diversos prédios, incluindo prédios habitacionais, comerciais e terrenos para construção.
O legislador optou por excluir da incidência objetiva do AIMI “os prédios urbanos classificados como “comerciais, industriais ou para serviços” e “outros” nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código”, conforme disposto no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI.
Resulta, por exclusão, que apenas se subsumem às regras de tributação deste Adicional os prédios urbanos afetos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos no artigo 6.º do Código do IMI.
A Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 (Proposta de Lei n.º 37/XIII/2.ª, de 13-10-2016) viria a sofrer significativas alterações aquando da aprovação da Lei de Orçamento do Estado para 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro), resultantes das propostas apresentadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (“PS”) que, através da “Proposta de alteração à Proposta de Lei n.º 37/XIII/2.ª «Orçamento do Estado para 2017»” de 18 de Novembro de 2016, aprovada em Plenário da Assembleia da República, veio estabelecer que o n.º 2 do novo artigo 135.º-B do Código do IMI passaria a ter a redação legal atualmente em vigor.
Na Exposição de Motivos daquela proposta de alteração, referiu expressamente o Grupo Parlamentar do PS “Alterações ao Adicional do IMI decorrentes do debate público desde a apresentação da proposta, assegurando a ausência de impacto na atividade económica, maior progressividade do imposto e o reforço da tributação dos patrimónios imobiliários detidos por entidades residentes em paraísos fiscais”, revelando-se, assim, a intenção expressa de o AIMI representar um efetivo imposto sobre a fortuna imobiliária.
O legislador visou garantir que os prédios urbanos afetos às atividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, reconhecendo que a mera detenção desses imóveis não constitui (e não pode constituir) um fator demonstrador de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis.
Resulta evidente que a ratio legis que esteve na génese da regra de exclusão de incidência objetiva, consagrada no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, assentou, essencialmente, na intenção de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, por força das suas atividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respetivo objeto social.
Não pode o Requerente aceitar – ou compreender – que a AT, através do ato de liquidação ora controvertido, tenha feito incidir este novo AIMI sobre o património imobiliário por si detido.
E que tenha considerado, no apuramento do valor patrimonial tributário sujeito a AIMI, “terrenos para construção” cuja potencial utilização coincida com fins “comerciais, industriais ou serviços”.
Os prédios detidos pelo Requerente destinam-se à sua instalação e funcionamento bem como à prossecução do seu objeto social, designadamente a atividade creditícia no ramo imobiliário, consubstanciando verdadeiros elementos do processo produtivo do Requerente, nunca podendo ser comparados com elementos demonstradores da sua riqueza.
A detenção de imóveis pelo Requerente, ainda que em elevado número, nunca representará uma (acrescida) capacidade contributiva que possa legitimar a aplicação do AIMI, tal como pretende a AT, representando, antes, o substrato da sua atividade creditícia (ramo imobiliário), sendo inerente, necessária e indispensável, à sua prossecução.
Tributar os prédios detidos pelo Requerente significaria tributar diretamente uma “atividade económica” – algo que o legislador expressamente pretendeu evitar ao criar o AIMI.
Subsidiariamente, o Requerente defende que não pode ser considerado no apuramento do valor patrimonial tributário sujeito a AIMI os terrenos para construção que se destinem à edificação para fins comerciais, industriais ou serviços, sendo incompreensível que o imposto se encontre excluído em relação a prédios com essa destinação e não já no tocante a terrenos para construção com essa mesma potencial utilização.
Ainda subsidiariamente, a Requerente alega a inconstitucionalidade do regime de tributação do artigo 135.º-B do Código do IMI, por violação do princípio constitucional da igualdade e do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP, respetivamente, na medida em que promove um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, e, complementarmente, aponta a inconstitucionalidade à referida disposição quando interpretada no sentido de que a exclusão do adicional abrange os prédios comerciais, industriais ou para serviços e não já os terrenos para construção que se destinem a esses mesmos fins, por gerar uma situação de discriminação sem fundamento material.
Acresce que a titularidade da propriedade de imóveis, correspondendo ao substrato patrimonial da própria atividade económica do fundo, não pode ser entendida como um fator acrescido de riqueza ou de capacidade contributiva, pelo que a norma do artigo 135.º-B é ainda inconstitucional, por violação do princípio da igualdade fiscal, no ponto em que materializa uma discriminação injustificada em relação às entidades que detêm imóveis enquanto fatores produtivos para o exercício da sua atividade.
Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, e por via disso pela anulação da liquidação impugnada com todas as consequências previstas na lei.
2.2 Da Requerida
Na sua resposta a Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:
O AIMI tem natureza de tributação real e não pessoal, na medida em que a modelação do quantitativo a pagar abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como não atinge a totalidade do património líquido das entidades.
O legislador afastou da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros” mas, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada, pelo que não afastou da incidência todos os prédios afetos às atividades económicas.
A restrição foi efetuada atendendo à classificação dos prédios e não à sua ligação com determinada atividade económica.
Nada permitindo concluir, face à literalidade da lei, por uma interpretação ampliativa que permita excluir do âmbito de incidência os prédios que constituam substrato da atividade económica do sujeito passivo.
O Requerente pretende uma interpretação ab-rogante da norma, introduzindo-lhe um sentido que não foi consagrado pelo legislador na letra da lei, ainda que meramente de forma imperfeitamente expressa, ampliando, assim, o âmbito da exclusão de tributação de forma a abranger a totalidade dos prédios detidos pelo Requerente.
Por outro lado, o legislador pretendeu adotar um critério de delimitação negativa objetivo, por referência a certas tipologias de prédios, em detrimento de outros critérios que tivessem em conta o destino efetivo dos prédios através de uma verificação casuística, favorecendo assim uma maior uniformidade e igualdade fiscal.
Quanto à ratio legis, o AIMI visa atingir uma parcela do património dos sujeitos passivos do imposto, incidindo sobre os bens imóveis constitutivos de um património, reconhecível juridicamente como capital de uma determinada entidade (singular ou coletiva), mas optou-se no n.º 2 do artigo 135.º-B por uma delimitação negativa da incidência, excluindo do AIMI imóveis que, pela sua potencial afetação, podem ser economicamente reconhecidos como fatores de produção, a título de capital, ou seja, como bens intermediários que, conjugados com os demais fatores de produção, produzem novas utilidades – bens económicos que satisfazem necessidades.
No âmbito da sua liberdade conformadora, o legislador afastou da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais.
O critério escolhido pelo legislador - a classificação dos prédios urbanos como industriais, comerciais ou para serviços e outros – foi adotado em detrimento de outros que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efetivo dado aos prédios.
A intenção de pretender assegurar “a ausência de impacto na atividade económica”, não levou, no entanto, à exclusão da incidência do imposto das sociedades comerciais e de outras entidades equiparadas que, por terem por objeto a prossecução de atividades económicas seriam afetadas em maior ou menor grau pelo ónus do imposto.
A delimitação negativa de incidência foi consagrada na incidência objetiva e não na incidência subjetiva.
Os bens em causa e especialmente os terrenos para construção não são meramente instrumentais ao exercício da atividade da Requerente, são o objeto do comércio ou indústria, pois, destinam-se a revenda ou, no caso dos terrenos para construção, também à transformação em caso de neles serem erigidas construções para subsequente venda.
Os imóveis excluídos da sujeição ao AIMI, nos termos do n.º 2 do art.º 135.º-B do CIMI, é que desempenham uma função instrumental às atividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, na medida em que constituem edificações que servem de suporte ao funcionamento das referidas atividades, e não são por si mesmos geradores de rendimentos.
Por força do regime instituído pelo artigo 135.º-B não pode entender-se excluído da tributação os terrenos para construção, sendo irrelevante que tais terrenos se destinem no futuro à implantação de uma edificação para aqueles apontados fins de comércio, indústria ou serviços.
A interpretação do Requerente é claramente ab-rogante da lei, transvertida de impulso legiferante e, a ser acolhida, viola o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes, consagrado nos artigos 2.º e 111.º da CRP, constituindo-se o mesmo como referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cf. artigos 202.º e 203.º da CRP).
Quanto às questões de constitucionalidade, a Autoridade Tributária e Aduaneira considera que o legislador, ao delimitar negativamente o âmbito de incidência do imposto por referência aos imóveis que pela sua potencial afetação possam ser reconhecidos como fatores de produção, por contraponto a outos imóveis que constituem o património do sujeito passivo, está a agir dentro da margem de livre conformação com fundamento em razões económicas e sociais. E, tratando-se de um imposto que incide sobre determinadas manifestações de riqueza, não viola o princípio da igualdade fiscal ou da capacidade contributiva, nem visa especificamente certo tipo de empresas ou grupos económicos.
Não ocorre a inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não pode deixar de aplicar a lei com fundamento em inconstitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade.
Não são devidos juros indemnizatórios se se concluir pela inconstitucionalidade do regime legal do AIMI.
A Autoridade Tributária e Aduaneira também alude à incompetência do tribunal arbitral no que se refere aos pedidos de anulação dos atos tributários incidentes sobre terrenos de construção por considerar que, nalguns casos, a afetação desses é habitacional ou maioritariamente habitacional e não têm conexão com a questão concreta que foi submetida à apreciação do tribunal.
Termina pugnando pela total improcedência do pedido de pronúncia arbitral e absolvição da Requerida, uma vez que a liquidação controvertida consubstancia uma correta interpretação e aplicação do direito aos factos.
3. Saneamento
3.1 Questão da competência do Tribunal Arbitral
Nos artigos 88.º a 90.º da sua resposta, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca a incompetência do tribunal Arbitral para conhecer da questão da legalidade da tributação incidir sobre terrenos para construção cuja afetação potencial seja outra que não o comércio, indústria ou serviços.
A exceção da incompetência é de conhecimento prioritário, como resulta do disposto no artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é definida, em primeira linha, pelo artigo 2.º, n.º 1, do RJAT, que estabelece o seguinte:
“1 - A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) A declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) A declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais”.
Em segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é limitada pela vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira que, nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT, veio a ser definida pela Portaria n.º 112-A/2011, de 12 de Março, cujo artigo 2.º estabelece o seguinte:
“Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b)………………………………………………………………………………………………..;
c) ……………………………………………………………………………………………….; e
d)…………………………………………………………………………………………………;
Discutindo-se no presente pedido arbitral a questão de saber se a potencial utilização dos terrenos para fins comerciais, industriais ou serviços determina a sua exclusão do âmbito de incidência do adicional ao IMI, a Requerida conclui que o tribunal é incompetente para conhecer do pedido no que se refere aos atos tributários que não apresentam essa conexão.
No caso em apreço é impugnado um ato de liquidação do adicional ao IMI, que se enquadra no tipo de pretensão que à luz da referida disposição legal se encontra coberta pela jurisdição arbitral, cfr. alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, e cuja apreciação não é excluída por qualquer das normas da referida Portaria, tendo o Sujeito Passivo o direito de lhe imputar as ilegalidades que entender, mesmo que se venha a entender que não tem razão, sendo o Tribunal Arbitral competente para apreciar se elas afetam ou não a liquidação.
A circunstância de os fundamentos do pedido apenas se tornarem aplicáveis a alguns dos atos tributários em causa, e não a outros, apenas poderá ter como consequência que a causa de pedir será inconcludente nessa parte.
Por outro lado, o facto de, eventualmente, um dos terrenos se encontrar nas circunstâncias referidas pela Requerente, basta para concluir que todas as questões de inconstitucionalidade que tenham como pressupostos tais circunstâncias são questões de inconstitucionalidade concreta e não de inconstitucionalidade abstrata, pois a sua solução tem potenciais reflexos na liquidação impugnada.
O juízo de improcedência parcial do pedido não deixa, em todo o caso, de integrar os poderes de cognição do tribunal, no âmbito da sua competência jurisdicional, pelo que não se verifica a invocada exceção.
3.2 Poderes de cognição do Tribunal Arbitral
A Autoridade Tributária e Aduaneira, no artigo 110.º da sua resposta, invoca o princípio da separação e interdependência dos poderes como obstáculo aos poderes de cognição deste Tribunal Arbitral, nos seguintes termos:
“Sempre se diga, com o devido respeito, que sendo a interpretação do Requerente claramente ab-rogante da lei, transvertida de impulso legiferante, a ser acolhida, viola o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes, consagrado nos artigos 2.º e 111.º da CRP, constituindo-se o mesmo como referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cf. artigos 202.º e 203.º da CRP), o que aqui se deduz para todos os efeitos legais”.
Relativamente a idêntica questão, acompanhamos a decisão arbitral de 04-05-2018, proferida no Processo n.º 675/2017-T, do CAAD, na parte em que refere:
“Haverá, decerto, algum equívoco, pois, num Estado de Direito, é aos Tribunais e não a quaisquer outros órgãos, designadamente os que têm funções legislativas e executivas, que compete administrar a justiça, «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados» (artigos 202.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), para o que têm de interpretar e aplicar as leis para dirimir os litígios entre os cidadãos e a Administração.
E é também aos Tribunais que a CRP atribui o poder de controlar a constitucionalidade das leis, emitidas pelos órgãos com poder legislativo (artigo 204.º da CRP).
A presente decisão é proferida por um Tribunal, pelo que tem carácter jurisdicional, e no exercício do seu poder jurisdicional cabe-lhe aplicar a lei, segundo a sua interpretação, estando apenas sujeito à lei, tal como a interpreta, não estando obrigado a adoptar a interpretação adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou a que hipoteticamente adoptariam os órgãos com poder legislativo se lhes fosse atribuída a competência para a aplicação da lei aos litígios pendentes nos Tribunais.
Por outro lado, no exercício da sua actividade interpretativa o Tribunal Arbitral não está limitado pela letra da lei, devendo adoptar todos os critérios de interpretação previstos na lei, designadamente os indicados no artigo 9.º do Código Civil e 11.º da LGT: «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apenas não podendo considerar «o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal», que pode mesmo ser «imperfeitamente expresso»”.
3.3 As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
3.4 O processo não enferma de nulidades.
3.5 O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
3.6 Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
4. Fundamentação
4.1 Factos provados
Com relevo para a apreciação e decisão da questão de mérito suscitada, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
a) O Requerente é uma instituição de crédito cujo objeto social inclui, nomeadamente, a realização de operações financeiras, ao abrigo do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro;
b) No âmbito da sua atividade, o Requerente é proprietário de diversos prédios, nomeadamente prédios habitacionais, comerciais, industriais, para serviços e terrenos para construção;
c) Em Agosto de 2017, o Requerente foi notificado da liquidação de AIMl n.º 2017…, de 30-06-2017, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira ("AT") com referência ao ano de 2017, no montante total de 2 721 059,82 €, com prazo de pagamento no mês de setembro de 2017 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como integralmente reproduzido);
d) Dos prédios identificados na liquidação, os indicados no documento n.º 3, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como integralmente reproduzido, são terrenos para construção destinados à edificação de prédios industriais, comerciais e para serviços com o valor tributável, à data de 01-01-2017, de 50 998 746,01 €;
e) Em 27-09-2017, o Requerente pagou a quantia liquidada (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como integralmente reproduzido);
f) Na liquidação referida foi considerado o valor patrimonial tributável de 680 264 956,21 €, à data de 01 de janeiro de 2017 (documento n.º 1);
g) Os prédios detidos pelo Requerente destinam-se à sua instalação e funcionamento e à prossecução do seu objeto social, designadamente a sua atividade creditícia no ramo imobiliário; e
h) Em 22-12-2017, o Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
4.2 Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
4.3 Motivação
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607º, nº 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.
A Autoridade Tributária e Aduaneira não juntou processo administrativo nem questiona o que é afirmado pelo Requerente sobre a natureza dos prédios referidos na alínea d) da matéria de facto, pelo que se considera assente que se trata de terrenos para construção com os fins aí indicados.
4.4 Matéria de Direito
Como vimos, o SP imputa à liquidação objeto da presente impugnação vícios de ilegalidade, quer por a mesma assentar em errada interpretação dos preceitos em causa, quer por a interpretação da norma constante do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI (segundo a redação introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro), seguida pela Requerida, enfermar de diversas inconstitucionalidades.
Vejamos.
-
Quanto à ilegalidade da liquidação por erro de interpretação das normas aplicáveis
O SP defende que os prédios em causa se encontram diretamente afetos à atividade económica (ramo imobiliário) que desenvolve, pelo que não se encontram abrangidos pelo âmbito de incidência do adicional ao IMI criado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, através do aditamento dos artigos 135.º-A e segs. ao Código do IMI, pelo qual o legislador pretendeu instituir um novo tributo sobre a fortuna imobiliária.
Num outro plano de análise, o SP considera igualmente ilegal a tributação de terrenos para construção que se destinem aos fins de comércio, indústria ou serviços no ponto em que se trata de prédios potencialmente afetos a essas atividades económicas, e, como tal, cobertos pela cláusula de exclusão do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI.
O adicional ao IMI foi instituído pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017), que aditou ao Código do IMI o capítulo XV integrado pelos artigos 135.º-A a 135.º-K.
No artigo 135.º-A define-se a incidência subjetiva do imposto, estabelecendo-se que “são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português”, sendo “equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis”.
Por sua vez, o artigo 135.º-B define o âmbito de incidência objetiva, estatuindo o seguinte:
Artigo 135.º-B
Incidência objetiva
1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.
A remissão feita no n.º 2 do artigo 135.º-B para o artigo 6.º do Código do IMI tem em vista caracterizar o que se entende como prédios urbanos «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» para efeitos da exclusão do âmbito de incidência do adicional ao imposto.
Assim, o imposto municipal sobre imóveis (IMI) incide sobre o valor patrimonial tributário dos prédios rústicos e urbanos situados no território português, tal como resulta do artigo 1.º do Código do IMI, e os artigos subsequentes definem, para efeitos do imposto, os conceitos de prédio, de prédios rústicos, de prédios urbanos e de prédios mistos (artigos 2.º a 5.º).
Por seu turno, o artigo 6.º estabelece as espécies de prédios urbanos, estatuindo o seguinte:
“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.
Atento o exposto e quanto à primeira questão, diga-se, desde já, que a literalidade dos artigos 135.º-A/1 e 135.º-B/1 e 2 do CIMI é clara e não se presta a qualquer dúvida interpretativa. Sendo a letra da lei, ou elemento gramatical, o primeiro elemento a convocar na hermenêutica jurídica, e sendo de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil), não se mostrará necessário convocar outros elementos de entre os disponíveis na panóplia hermenêutica.
Com efeito, afigura-se claro que o legislador, ao definir a delimitação negativa da incidência do imposto por referência aos prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º» do Código do IMI, está precisamente a pretender remeter para essa tipologia de prédios de acordo com a própria caracterização que o Código lhe atribui.
Como ficou consignado no Acórdão Arbitral, proferido no processo n.º 664/2017-T, cuja jurisprudência passamos a seguir, por com ela concordarmos, “A exclusão do imposto abrange, por conseguinte, os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços, entendendo-se como tais os edifícios ou construções licenciados para esses efeitos ou que tenham como destino normal cada um destes fins. Abarca, para além disso, a espécie residual referida na alínea d) do n.º 1 desse artigo 6.º, aí se incluindo os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem prédios rústicos e ainda os edifícios e construções que se não enquadrem em qualquer das anteriores classificações.
“O âmbito de incidência objetiva, por efeito da remissão para aquele artigo 6.º, ficou assim definido não só por referência a uma certa espécie de prédios urbanos, mas também por referência ao procedimento administrativo através do qual foi efetuada a classificação ou, na falta de licença, à normal destinação desses prédios para os fins comerciais, industriais e serviços ou outros.”
É verdade que a preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».
No entanto, não foi com base na atividade a que estão os imóveis afetos que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redação que veio a ser aprovada, definiu-se, como vimos, a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ou não ao funcionamento das pessoas coletivas.
Assim sendo, como ficou consignado no Acórdão Arbitral n.º 675/2017-T, “se tivesse sido mantida, na redação final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afetos ao funcionamento das pessoas coletivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afetação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.
“(…), tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos ao funcionamento das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.
“«Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento. ( [1] )
“No caso em apreço, em face do afastamento da redacção proposta em que se dava relevância à afectação dos imóveis, não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.”
No mesmo sentido se pode ler-se no Acórdão Arbitral, relativo ao processo n.º 664/2017-T, atrás referido, que : “Tendo a lei definido o âmbito de incidência do imposto através de conceitos técnicos jurídicos utilizados noutros lugares do sistema é seguramente com esse sentido que tem de ser definido o âmbito aplicativo da disposição legal. As normas, por vezes, comportam mais do que um significado e então a função positiva do texto traduz-se em dar mais forte apoio ou sugerir mais fortemente um dos sentidos possíveis. Mas se o legislador recorreu a uma linguagem técnico-jurídica especial, para expressar com maior precisão o seu pensamento, cabe ao intérprete socorrer-se do significado técnico-jurídico das expressões utilizadas, dispensando-se de elementos circunstanciais que apenas poderiam conduzir a um resultado interpretativo não pretendido pelo legislador (cfr., neste sentido, Baptista Machado, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, 1993, pág. 182).
“Como se impõe concluir, a pretendida extensão da fórmula legislativa utilizada aos prédios afectos à actividade económica da empresa, independentemente da específica caracterização como prédios comerciais, industriais ou para serviços, não tem qualquer cabimento à luz dos critérios gerais da hermenêutica jurídica.”
Não assiste, desta forma, razão ao SP quando alega que terá sido intenção do legislador pretender excluir do âmbito de incidência do imposto os prédios afetos a atividades económicas, a pretexto de que o objetivo prosseguido seria não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que possuem imóveis por efeito do seu objeto social.
Com efeito, tal interpretação não tem qualquer apoio na letra da lei nem tão pouco decorre do elemento racional e sistemático. Resulta claro da leitura e interpretação das normas em causa que a opção do legislador não foi no sentido preconizado pelo SP. Uma tal opção pressuporia que o legislador, ao invés de ter delimitado o âmbito de incidência através de tipos caracterizados, tivesse optado por uma avaliação casuística em função da afetação do imóvel, em termos práticos, a uma atividade económica ou ao funcionamento de uma pessoa coletiva. O que se demonstra não ter acontecido.
Em suma, repete-se, o critério relevante eleito pelo legislador, no âmbito da sua ampla margem de conformação, foi a classificação dos prédios face ao artigo 6.º do CIMI e não a afetação dos mesmos à atividade económica da Requerente, quer como elemento do ativo fixo tangível ou do ativo circulante, como mercadorias (prédios destinados a venda) ou matéria-prima (terrenos destinado a construção). “Acresce que tal afetação não consta da lei nem da Proposta de Lei n.º 37/XIII/2.ª, de 13-10-2016, na redação introduzida pela Proposta de Alteração de 18-11-2016, constante da exposição de motivos dos partidos políticos, nomeadamente do Partido Socialista, não obstante na redação inicial da referida Proposta de Lei bem como do Relatório OE2017, de outubro de 2016 (Estratégia de Promoção do Crescimento Económico e de Consolidação Orçamental - IV.2.3. Orientações de Política Fiscal) e ainda do ponto 1.4.2.1 – “Medidas fiscais para 2017” da Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa, de 31-10-2016, estar prevista a afetação à atividade produtiva”.
Incidindo o AIMI sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular e dividindo-se estes, face ao disposto no artigo 6.º/1 do CIMI, em habitacionais; comerciais, industriais ou para serviços; terrenos para construção; e outros, e que, nos termos do artigo 135.º-B/2 do CIMI, apenas estão excluídos do AIMI os prédios classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º do CIMI. Donde resulta de forma inequívoca a conclusão de que os demais prédios, ou seja, os habitacionais e os terrenos para construção estão sujeitos ao AIMI.
Assim sendo, o facto de o SP deter os imóveis referidos nos autos no âmbito das suas atividades económicas não fasta a incidência do AIMI.
Também não assiste razão ao SP quando defende, a título subsidiário, que “Tendo sido clara a intenção do legislador em excluir, através do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, aplicação do AIMI a prédios afectos a actividades económicas, deve entender-se necessariamente que os “terrenos para construção” afectos àquelas mesmas actividades estão igualmente incluídos nessa regra de exclusão” (artigo 74.º do Pedido).
Acontece que o SP parte, desde logo, como já ficou demonstrado, do pressuposto errado quanto ao sentido e alcance do disposto no artigo 135.º-B, n.º 2, do AIMI, segundo o qual por ter sido intenção do legislador subtrair à tributação os prédios afetos às atividades económicas, deve considerar-se igualmente excluída do âmbito de incidência do adicional ao IMI os terrenos para construção cuja potencial utilização coincida com os fins “comerciais, industriais ou serviços”.
Constituindo a letra da lei o ponto de partida e limite da interpretação, não pode o intérprete chegar a um resultado que não tenha na letra da lei o mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (cfr. o n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil).
Esta tese, além de partir de um pressuposto errado (na pretensa intenção do legislador de desonerar os terrenos afetos à atividade económica), não tem na letra do preceito qualquer suporte. De facto, o artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI limitou-se a excluir do adicional os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros», remetendo para a caracterização que é efetuada no artigo 6.º desse Código quanto a essas espécies de prédios urbanos.
Como vimos, esse preceito distingue, no seu n.º 1, entre prédios “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços”, “terrenos para construção” e “outros” e define nos números subsequentes os critérios normativos de que depende a classificação de um prédio urbano em qualquer uma dessas espécies. Os terrenos para construção são, como resulta do n.º 3 desse artigo 6.º, os terrenos que tenham sido abrangidos por operação de loteamento ou licença de construção e não se destinem a outros fins de natureza urbanística, e não se confundem com os prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, que são aqueles que se encontrem licenciados para esses fins ou, na ausência de licença, tenham como destino normal cada um desses fins.
Como ficou consignado no Acórdão Arbitral, proferido no processo n.º 664/2017-T, “Tendo o legislador definido uma cláusula de exclusão por referência expressa e precisa a certas espécies de prédios urbanos, que são imediatamente identificáveis no contexto da lei, não é possível efectuar uma interpretação extensiva de modo a aí incluir outras tipologias que o legislador manifestamente não quis considerar. Não podendo sequer chegar-se a esse resultado interpretativo com base em meras considerações de ordem pragmática ou de identidade teleológica.
“Ainda que se justificasse, numa perspectiva de política fiscal, conferir aos terrenos para construção destinados a edificações para fins comerciais, industriais ou para serviços o mesmo estatuto que veio a ser atribuído aos prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, o certo é que não foi essa a opção legislativa, que se limitou a excluir do âmbito de incidência do imposto esses tipos de prédios e não aqueles outros que potencialmente pudessem ser utilizados para esses mesmos fins.”
Finalmente, esta interpretação não configura qualquer tratamento discriminatório e violador do princípio da igualdade porquanto estamos a falar de realidades diversas desde logo porque os terrenos para construção não são assimiláveis a prédios urbanos já edificados, como será analisado mais adiante.
Não assiste, assim, qualquer razão ao SP, devendo improceder o respetivo pedido.
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Quanto às questões de inconstitucionalidade
Finalmente coloca, ainda, o SP a inconstitucionalidade da disposição legal do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, por violação do princípio da igualdade fiscal e do princípio da capacidade contributiva, quando interpretada no duplo sentido de que o âmbito de incidência do adicional ao imposto abarca a titularidade da propriedade de imóveis quando estes correspondem ao substrato da própria atividade económica por si desenvolvida enquanto instituição de crédito, e de que a exclusão do âmbito de incidência abrange os prédios urbanos classificados como comerciais, industriais ou para serviços e não já os terrenos para construção que se destinem a esses mesmos fins.
O SP suscita, em segundo lugar, a inconstitucionalidade do regime de tributação do adicional ao IMI numa dupla vertente.
Considera, por um lado, que o adicional ao imposto promove um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em violação do princípio da igualdade fiscal (artigo 13.º da CRP), na medida em que não se exclua da tributação todos os terrenos para construção afetos a atividades económicas. Tributar prédios classificados como terrenos para construção com utilização potencial para indústria e não tributar um prédio edificado com essa utilização, além de consubstanciar uma situação absurda constitui uma situação discriminatória.
Defende, assim, o SP que a norma do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, quando interpretada no sentido de que a exclusão do adicional abrange os prédios comerciais, industriais ou para serviços e não já os terrenos para construção que se destinem a esses mesmos fins, por gerar uma situação de discriminação sem fundamento material.
Como ficou consignado no Acórdão Arbitral que temos vindo a seguir “o Tribunal Constitucional tem sublinhado, um dos objectivos essenciais constitucionalmente definidos do sistema fiscal, a par da satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas, é o da repartição justa dos rendimentos e da riqueza, como se depreende do artigo 103.º, n.º 1, da Constituição.
“É esta vinculação do sistema fiscal à ideia de justiça social e à diminuição da desigualdade na distribuição social dos rendimentos e da riqueza que exige que o mesmo seja progressivo. Essa exigência está expressamente consagrada no âmbito da tributação do rendimento pessoal: de acordo com o n.º 1 do artigo 104.º, o imposto sobre o rendimento pessoal visa «a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar».
“A progressividade fiscal requer que a relação entre o imposto pago e o nível de rendimentos seja mais do que proporcional, o que só pode alcançar-se aplicando aos contribuintes com maiores rendimentos uma taxa de imposto superior. Por outras palavras, há progressividade quando o valor do imposto aumenta em proporção superior ao incremento da matéria coletável.
“Consequentemente, a Constituição exige uma progressividade com a virtualidade intrínseca de contribuir para uma diminuição da desigualdade de rendimentos (sobre todos estes aspetos, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 187/13, n.ºs 97, 98 e 99).
“A progressividade do sistema fiscal constitui também uma exigência do princípio da igualdade material.
“Conforme refere Casalta Nabais, o princípio da igualdade fiscal tem ínsita sobretudo «a ideia de generalidade ou universalidade, nos termos da qual todos os cidadãos se encontram adstritos ao cumprimento do dever de pagar impostos, e da uniformidade, a exigir que semelhante dever seja aferido por um mesmo critério - o critério da capacidade contributiva. Este implica assim igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto (em termos qualitativos ou quantitativos) para os que dispõem de diferente capacidade contributiva na proporção desta diferença (igualdade vertical)» (Direito Fiscal, 5ª edição, Coimbra, 2009, págs. 151-152).
“Configurando-se o princípio geral da igualdade como uma igualdade material, o princípio da capacidade contributiva – segundo o mesmo autor - enquanto tertium comparationis da igualdade no domínio dos impostos, não carece dum específico e directo preceito constitucional. O seu fundamento constitucional é o princípio da igualdade articulado com os demais princípios e preceitos da respectiva “constituição fiscal” e, em especial, aqueles que decorrem já dos princípios estruturantes do sistema fiscal que constam dos artigos 103º e 104º da Constituição (ob. cit., pág. 152).
“Como pressuposto e critério da tributação, o princípio da capacidade contributiva – dentro da mesma linha de entendimento - «afasta o legislador fiscal do arbítrio, obrigando-o a que na selecção e articulação dos factos tributários, se atenha a revelações da capacidade contributiva, ou seja, erija em objecto e matéria colectável de cada imposto um determinado pressuposto económico que seja manifestação dessa capacidade e esteja presente nas diversas hipóteses legais do respectivo imposto» (ob. cit., pág. 154).
“Também o Tribunal Constitucional, mais recentemente, tem analisado o princípio da igualdade fiscal sob o prisma da capacidade contributiva, como se pode constatar designadamente no acórdão n.º 142/2004, onde se consigna que «[o] princípio da capacidade contributiva exprime e concretiza o princípio da igualdade fiscal ou tributária na sua vertente de uniformidade – o dever de todos pagarem impostos segundo o mesmo critério – preenchendo a capacidade contributiva o critério unitário da tributação».
“O reconhecimento do princípio da capacidade contributiva como critério destinado a aferir da inadmissibilidade constitucional de certa ou certas soluções adoptadas pelo legislador fiscal, tem conduzido também à ideia, expressa por exemplo no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, de que a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará «a existência e a manutenção de uma efectiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto, exigindo-se, por isso, um mínimo de coerência lógica das diversas hipóteses concretas de imposto previstas na lei com o correspondente objecto do mesmo».
“O Tribunal Constitucional tem vindo, portanto, a afastar-se de um controlo meramente negativo da igualdade tributária, passando a adoptar o princípio da capacidade contributiva como critério adequado à repartição dos impostos; mas não deixa de aceitar a proibição do arbítrio como um elemento adjuvante na verificação da validade constitucional das soluções normativas de âmbito fiscal, mormente quando estas sejam ditadas por considerações de política legislativa relacionadas com a racionalização do sistema.
“Em suma, o princípio da igualdade tributária pode ser concretizado através de vertentes diversas: uma primeira está na generalidade da lei de imposto, na sua aplicação a todos sem exceção; uma segunda, na uniformidade da lei de imposto, no tratar de modo igual os contribuintes que se encontrem em situações iguais e de modo diferente aqueles que se encontrem em situações diferentes, na medida da diferença, a aferir pela capacidade contributiva; uma última, está na proibição do arbítrio, no vedar a introdução de discriminações entre contribuintes que sejam desprovidas de fundamento racional (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 306/2010 e 695/2014)”.
Aplicando o exposto ao caso em análise, realça-se, em primeiro lugar, tal como se pode ler no do Relatório do Orçamento para 2017 (pág. 60), que a criação do adicional ao IMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, visou introduzir na tributação “um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados”, e, nesse sentido, compagina-se com o princípio da progressividade do imposto a que se reporta o n.º 3 do artigo 104.º da Constituição, que tem como corolário a imposição tendencial de uma maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.
Segundo a doutrina também se tem entendido, que a tributação do património, a par da tributação do rendimento, constitui uma projecção da capacidade contributiva, funcionando como um prolongamento do imposto pessoal sobre os rendimentos e como o reforço de discriminação qualitativa (Sérgio Vasques, “Capacidade contributiva, rendimento e património”, Fiscalidade – Revista de Direito e Gestão Fiscal, n.º 23, Coimbra, 2005, págs. 33 e 36).
Ora, neste contexto, não se vê que a tributação do património imobiliário do SP afronte o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva apenas porque a titularidade de bens imóveis constitui o próprio objeto da sua atividade económica.
Com efeito, os imóveis por si detidos estarão afetos a atividades livremente acessíveis à generalidade dos proprietários de imóveis e de quaisquer outras entidades, ainda que de natureza empresarial, que se dediquem à promoção imobiliária.
Como se pode ler no Acórdão Arbitral, proferido no processo n.º 664/2017-T, “A titularidade de um património imobiliário, para efeitos de venda e transformação, em vista à obtenção de resultados económicos, não deixa de constituir um activo patrimonial que é revelador de uma acrescida capacidade contributiva, que vai além do imposto que incide sobre o lucro tributável em razão da actividade económica desenvolvida. O que está em causa, por conseguinte, não é a tributação do rendimento real auferido por essas entidades através da actividade desenvolvida, mas a capacidade contributiva complementar que decorre da titularidade do património e que por si só pode facilitar a angariação de crédito ou o reforço da sua posição negocial na celebração de contratos (…)”.
Também como ficou consignado na Decisão Arbitral, proferida no processo n.º 675/2017-T, que incidiu sobre uma situação similar (terrenos para construção detidos por instituição de crédito), “A específica situação das entidades que desenvolvem actividade de concessão de crédito no âmbito imobiliário, não se afigura merecer um tratamento especial relativamente à generalidade dos cidadãos no que concerne a detenção de imóveis destinados a habitação.
“Na verdade, a titularidade de um património imobiliário de valor elevado evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI, e que «corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social» (Relatório do Orçamento para 2017, página 57).
“Por isso, a imposição à generalidade dos detentores de imóveis habitacionais ou terrenos para construção de prédios habitacionais não se afigura materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.”
Além de que, na linha do que se entendeu no Acórdão Arbitral, de 17 de março de 2016, proferido no processo n.º 507/2015-T, “haverá de estabelecer-se uma destrinça entre a titularidade de património imobiliário destinado a habitação que constitui, em si, um indício tendencialmente seguro de abastança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, e a titularidade de direitos sobre imóveis destinados ao exercício de actividades comerciais, industriais, prestação de serviços ou afins que possam ser reconhecidos como factores de produção e cuja dimensão e valor patrimonial constitui, não tanto uma manifestação de riqueza, mas um padrão de adequação ao funcionamento da empresa.
“Afigura-se assim existir fundamento constitucionalmente aceitável para a restrição da incidência do adicional ao imposto aos prédios habitacionais por confronto com os imóveis classificados como comerciais, industriais ou para prestação de serviços, ficando afastada a invocada inconstitucionalidade com base na violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.”
A Requerente alega, ainda, a inconstitucionalidade resultante da discriminação operada pela norma do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, no tocante aos terrenos de construção, por desconsideração da potencial afetação desses terrenos aos fins de comércio, indústria ou serviços, tomando como ponto de referência os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços que se encontram excluídos da tributação por força do estatuído naquela disposição.
Retomando de novo o consignado no Acórdão Arbitral, proferido no processo n.º 664/2017-T, “deve ter-se em linha de conta que estamos perante factos tributários diversos. Num caso, a lei sujeita a tributação terrenos urbanizáveis que constituem um activo económico por efeito da sua aptidão para a construção. Noutro caso, a lei exclui do imposto o património edificado que desempenha uma função instrumental relativamente à actividade produtiva.
“Não há uma necessária conexão entre essas duas realidades. O terreno para construção tem um valor patrimonial próprio que constitui, em si, um indicador de capacidade contributiva que é susceptível de ser objecto de um imposto autónomo sobre o património, independentemente da sua eventual e futura utilização através da implantação de edificio para fins comerciais, industriais ou serviços. O património já construído que se encontre classificado como imóvel comercial, industrial ou para serviços tem já uma função instrumental relativamente a uma certa actividade produtiva que o legislador, dentro da sua margem de livre conformação, pode pretender salvaguardar no quadro das suas incumbências de incremento do desenvolvimento económico e social, que têm assento constitucional (artigo 81.º da Lei Fundamental).”
Neste contexto, não faria qualquer sentido estar a isentar de AIMI os terrenos para construção, enquanto tais, que gozam de uma capacidade construtiva meramente potencial do tipo de prédio a edificar (para comércio, indústria ou serviços), pois estaria o legislador a incentivar a sua não edificação e utilização efetiva numa atividade produtiva.
Em suma, é possível descortinar um fundamento material bastante para distinguir entre esses diferentes factos tributários para efeito da tributação do património.
A Requerente faz, ainda, alusão, a propósito das questões de constitucionalidade, ao Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 250/2017, que julgou inconstitucional a norma da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, na redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, na medida em que impõe a tributação anual sobre a propriedade de terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, cujo valor patrimonial seja igual ou superior a € 1.000.000,00.
Recorde-se que tal acórdão, inflectindo a anterior jurisprudência constitucional sobre essa matéria (cfr. acórdãos n.ºs 590/215, 83/2016, 247/2016 e 568/2016), acentuou que não é possível comparar os edifícios habitacionais que correspondem a uma edificabilidade real definitivamente incorporada na esfera jurídica do titular e os terrenos para construção que correspondem a uma edificabilidade meramente potencial, ainda não materializada, para concluir que não é possível integrar na mesma previsão normativa de imposto edifícios de elevado valor patrimonial e terrenos para construção que valem essencialmente pelo seu futuro aproveitamento urbanístico.
Também aqui seguiremos o consignado no Acórdão Arbitral, proferido no processo n.º 664/2017-T, nos termos que se seguem: “Deve começar por dizer-se que o preceito aí em análise não tem o mesmo conteúdo normativo que a disposição que agora está em apreciação e que o entendimento jurisprudencial que veio a ser firmado não pode ser transposto directamente para a situação do caso vertente.
“O princípio da igualdade tributária foi mobilizado nesse aresto por se ter entendido que a inclusão no âmbito de incidência da norma de um terreno para construção a par de um prédio habitacional já edificado não reflecte a diferente capacidade contributiva dos respectivos proprietários, sendo essa a razão determinante do juízo de inconstitucionalidade. No caso vertente, ao contrário, para efeito da exclusão do adicional ao IMI, pretende-se estabelecer a equiparação entre terrenos para construção e prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços na perspectiva inversa de que os terrenos para construção potencialmente utilizáveis para esse fim não se distinguem dos prédios já edificados que se encontrem classificados como comerciais, industriais ou para serviços.
“Mas, como se deixou entrever, não existe, nessa circunstância, qualquer motivo para considerar verificada a violação do princípio da igualdade fiscal, visto que – como, aliás, se reconhece no acórdão n.º 250/2017 – os terrenos para construção e o património edificado correspondem a realidades distintas, e a exclusão do adicional ao IMI em relação aos imóveis classificados como comerciais, industriais ou para serviços mostra-se justificado pela sua função instrumental relativamente a uma certa actividade produtiva, o que não é aplicável aos terrenos que apenas poderão atingir no futuro essa potencialidade.
“O citado acórdão do Tribunal Constitucional n.º 250/2017 não traz, por conseguinte, qualquer novo argumento que possa fundar, na situação do caso, um juízo de inconstitucionalidade.”
Termos em que, ante o exposto, improcedem os pedidos principal e subsidiário do SP, sendo de manter a liquidação impugnada na ordem jurídica.
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Pedidos prejudicados
Face à solução jurídica do caso, fica prejudicado o pedido de reembolso das importâncias pagas a título de adicional ao IMI e a condenação no pagamento de juros indemnizatórios, bem como a questão suscitada pela Autoridade Tributária relativamente aos atos tributários que se referem a terrenos para construção afetos a fins habitacionais (artigo 608.º, n.º 2, do CPC).
**
5. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, por não provado, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos, nos termos peticionados, mantendo na ordem jurídica o ato impugnado.
6. Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 2 721 059,82 €.
7. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 34 884,00 €, nos termos da Tabela I, anexa ao RCPAT, a cargo do Requerente.
Notifique.
Lisboa, 16 de julho de 2018.
Os Árbitros,
(Fernanda Maçãs)
(Rui Rodrigues)
(Vasco Valdez)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
[1] BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.