Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 462/2017-T
Data da decisão: 2018-06-22  Selo  
Valor do pedido: € 77.594,21
Tema: IS – contratos de cash-pooling (gestão centralizada de tesouraria).
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Raquel Franco e Prof. Doutor Diogo Feio (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do CAAD para formarem o Tribunal Arbitral Coletivo, constituído em 09-11-2017, acordam o seguinte:

 

  1. Relatório

 

1. A..., Lda., com o NIPC..., com sede na Rua ..., ..., n.º..., ...-... Carnaxide (doravante designada “Requerente”), veio ao abrigo dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), apresentar pedido de pronúncia arbitral em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente pede a anulação do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa n.º ...2016..., da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, apresentada contra as liquidações de imposto de selo, do ano de 2012, no montante global de € 67.570,80, acrescido de juros compensatórios no montante de € 10.023,41, cuja anulação consequentemente requer.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 01-09-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 17-10-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral ficou constituído em 09-11-2017.

 A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu a improcedência do pedido.

Por despacho de 01-01-2018, foi dispensada a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT por não ter sido invocada matéria de exceção nem haver prova a produzir.

Neste despacho foram as partes notificadas para, no prazo de quinze dias, produzirem, querendo, alegações escritas com carácter sucessivo e designou-se o dia 9-05-2018 como prazo limite para prolação da decisão arbitral, devendo, até essa data, a Requerente proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente.

Ambas as partes apresentaram alegações escritas, reiterando as respetivas posições jurídicas.

Nos termos do n.º 2 do artigo 21.º do RJAT, foi proferido despacho, e 05-05-2018 a prorrogar por 2 meses o prazo a que alude o n.º 1 do mesmo artigo e a indicar como data limite para ser proferida a decisão o dia 9-07-2018.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente.

As partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do CPPT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março). 

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas exceções.

 

2. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

  1. É uma sociedade comercial por quotas cujo objeto social consiste na atividade de comércio de equipamentos hospitalares e de produtos de electromedicina, cuja denominação inicial era “B..., Lda.”;
  2. Em 1-06-2006, celebrou um contrato de gestão centralizada na tesouraria (cash pooling) com várias sociedades do Grupo C..., do qual faz parte;
  3. Ao abrigo deste contrato, os saldos bancários credores e devedores de cada uma das sociedades contratantes eram transferidos, diariamente, para uma única conta bancária denominada “cuenta centralizadora”, detida pela D..., S.A (atualmente denominada E...), que funciona como entidade centralizadora; 
  4. Do contrato decorre que os diversos saldos bancários representativos da tesouraria de cada uma das sociedades aderentes são colocados a zero, por via da transferência dos montantes excedentários para a conta centralizadora, sendo os saldos deficitários cobertos por um movimento de transferência em sentido inverso, da conta bancária centralizadora a favor da conta bancária da sociedade deficitária de fundos;
  5. Assim, apesar de estas transações aparecerem a zero no extrato bancário da Requerente, tal não é evidenciado na contabilidade, pois à data em que os saldos são transferidos já foram efetuados novos lançamentos na conta cash pooling da Requerente;
  6. Da agregação de saldos, cuja gestão cabe aos Bancos outorgantes do contrato em questão, surge um único saldo global que corresponderá à tesouraria consolidada do grupo F... e sobre o qual são debitados ou creditados juros, consoante o caso de situação excedentária ou deficitária do saldo;
  7. Em 1 de junho de 2006, foi outorgado entre a Requerente e a D..., S.A. (atualmente denominada E..., S.A.U.) um contrato de mútuo em descoberto bancário;
  8. Neste contrato foi acordado que a D..., S.A. (atualmente denominada E..., S.A.U.) colocava à disposição da Requerente um montante máximo de € 10.000.000,00 (dez milhões de euros) e que sobre as quantias mutuadas eram devidos juros à taxa de juro Euribor a três meses, acrescida de um spread de 0,65%;
  9. Dispunha alínea h) do número 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, à data dos factos, que estavam isentas de imposto “as operações, incluindo os respetivos juros, referidas na alínea anterior, quando realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham directamente uma participação no capital não inferior a 10% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da entidade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período”;
  10. A alínea g) do número 1 do artigo 7.º do Código de Imposto do Selo referia, à data dos factos, que estavam isentas deste imposto “as operações financeiras, incluindo os respetivos juros, por prazo não superior a um ano, desde que exclusivamente destinadas à cobertura de carência de tesouraria (…)”;
  11. Para que esta isenção pudesse ser aplicada, tinham que se verificar, cumulativamente, as seguintes condições: (i) Crédito concedido por prazo não superior a um ano; (ii) Crédito destinado exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria e (iii) crédito concedido por detentores de capital social a entidades nas quais detenham diretamente uma participação no capital não inferior a 10% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo;
  12. Relativamente ao (i) requisito a Autoridade Tributária e Aduaneira não coloca em causa que a Requerente e a E..., S.A.U. (à data denominada D..., S.A.) pertencem ao mesmo grupo empresarial podendo beneficiar da isenção em análise;
  13. No que concerne ao (ii) requisito o facto de o contrato de cash pooling celebrado entre as sociedades do grupo B... e os Bancos, na qualidade de entidades gestoras, ter um prazo indefinido não significa que o prazo de reembolso das quantias mutuadas seja superior a um ano ao que acresce que a Autoridade Tributária e Aduaneira não fundamentou o motivo pelo qual considerou ser o prazo do contrato de financiamento superior a um ano;
  14. O Loan Agreement tinha, à data dos factos, isto é, em 2012, a duração de um ano, com a possibilidade de renovação por iguais períodos caso não fosse denunciado por nenhuma das partes;
  15. Durante o ano de 2012, a Requerente recebeu fluxos financeiros no montante global de € 27.190.887,07 e amortizou € 39.704.059,08, traduzindo-se o saldo credor final da conta (€ 13.850.750,60) na diferença entre o total amortizado e o saldo acumulado do ano anterior (€ 26.363.922,61), pelo que o montante total dos influxos financeiros durante o ano em questão foi compensado pelos respetivos exfluxos financeiros durante o mesmo ano, cumprindo-se o requisito (i);
  16. As operações de tesouraria que estão abrangidas pela isenção do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo são apenas as operações de carência de tesouraria passiva, ou seja, aquelas que se destinam a cobrir carências de tesouraria da entidade que apresenta uma tesouraria deficitária;
  17. A Requerente esteve sempre numa situação de devedora, em 2012, face à entidade espanhola, o que a Autoridade Tributária e Aduaneira ignorou, sujeitando a tributação a totalidade dos fluxos financeiros concedidos a favor da Requerente, carecendo essas correções de fundamentos;
  18. Estando perante um contrato de cash pooling “zero balancing” com base no qual o saldo bancário deficitário da Requerente é colocado a zero, por via da cobertura mediante uma transferência da conta bancária centralizadora a favor da conta bancária da Requerente, pelo que a totalidade das quantias mutuadas à Requerente, no âmbito do contrato de gestão de tesouraria celebrado se destinam a suprir carências de tesouraria da Requerente e como tal estão isentas de imposto ao abrigo da alínea h) do número 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo;
  19. Em 31 de dezembro de 2012, a situação financeira da Requerente era de tal forma deficitária que na ausência de fundos recebidos em virtude do contrato de cash pooling (€ 13.850.750,60) esta entidade apresentou uma tesouraria negativa de € 12.733.341,47 (€ 13.850.750,60 - € 1.117.409,13), impossibilitando-a de prosseguir os seus compromissos financeiros;
  20. Acresce que, de acordo com cálculo definido pela Autoridade Tributária e Aduaneira como sendo adequado para cálculo do quantum de imposto que excedendo a cobertura das carências de tesouraria da Requerente deveria ser sujeito a tributação, chega a Requerente ao montante de imposto de € 1.511,71;
  21. Para alcançar estes valores foram utilizados saldos médios de cash pooling tal como apurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira no âmbito do procedimento de inspeção tributária, pelo que nunca poderia ser de € 67.570,80.
  22. Assim, quer o Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, quer o Relatório de Inspeção Tributária são totalmente omissos quanto aos motivos que levaram a Autoridade Tributária e Aduaneira a considerar, por um lado, que as operações financeiras em questão têm prazo superior a um ano e, por outro, que as mesmas não se destinam a suprir as carências de tesouraria, não podendo desta forma beneficiar da isenção descrita;
  23. Bem como, são os atos administrativos omissos quanto à fórmula utilizada pela Autoridade Tributária e Aduaneira para cálculo do montante do crédito sujeito a Imposto do Selo, ou seja, para cálculo do quantum do crédito que, excedendo a necessidade de cobertura de carências de tesouraria da Requerente, deveria ser sujeito a Imposto do Selo;
  24. Face ao exposto, conclui a Requerente pela ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2016... e do ato de liquidação de Imposto do Selo no montante global de €67.570,80 e das liquidações autónomas de juros compensatórios no montante de €10 023,41, do ano de 2012, pelo que tais atos deverão ser anulados. Para além da quantia referente ao imposto indevidamente liquidado, a Requerente entende que deve ser ressarcida através do pagamento de juros indemnizatórios, até efetivo e integral pagamento.

 

3.A Requerida apresentou resposta pugnando pelo indeferimento do pedido deduzido pela Requerente, alegando sucintamente que:

  1. Relativamente ao dever de fundamentação da Autoridade Tributária e Aduaneira, o artigo 77.º, número 1 da Lei Geral Tributária refere que “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram (…)”;
  2. Nos termos do número 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”;
  3. Daí que, à Autoridade Tributária e Aduaneira incumbia fazer prova da existência de uma operação de utilização crédito tributável em sede de Imposto do Selo, por sua vez, à Requerente incumbia a prova dos pressupostos de que depende a isenção de tal tributação, com fundamento na alínea h) do número 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo;
  4. Quer no Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, quer no Relatório de Inspeção Tributária, constam os pressupostos de facto e de direito em que se fundamentou a liquidação impugnada, i.e., o enquadramento e a incidência da operação em questão em sede de Imposto do Selo.
  5. Estamos perante uma concessão de crédito em que a entidade mutuária é a Requerente, com sede em Portugal, e a entidade mutuante é a E..., S.A.U. com sede em Barcelona, pelo que a realização do crédito (disponibilização dos fundos) ocorre em território nacional, tratando-se assim de uma operação sujeita a Imposto do Selo, de acordo com o princípio da territorialidade instituído no número 1 do artigo 4.º do Código do Imposto do Selo, pelo que foi tributado pelas taxas previstas na verba 17.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo;
  6. Para efeitos de aplicação das taxas previstas na verba 17.1 e uma vez que o crédito é utilizado sobre a forma de conta corrente, a obrigação tributária considera-se constituída no último dia de cada mês, sendo a taxa a aplicar, a referida na verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, ou seja, 0,04% que, de acordo com o descritivo inscrito nesta verba, incide “sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante um mês, divididos por 30.”;
  7. No que concerne aos juros pagos pela A..., Lda. À E..., S.A.U., estes não estão sujeitos a Imposto do Selo, uma vez que não se enquadram no ponto 17.2 da Tabela Geral do Imposto do Selo “Operações realizadas por ou com instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas e quaisquer outras instituições financeiras”;
  8. A A..., Lda. e a E..., S.A.U. pertencem ao mesmo grupo empresarial, podendo as operações em questão beneficiar da isenção consagrada na alínea h) do número 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, desde que sejam cumpridas cumulativamente as seguintes condições: (i) sejam operações financeiras com prazo não superior a um ano; (ii) se destinem exclusivamente à cobertura de carências de tesouraria; (iii) sejam realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham diretamente uma participação não inferior a 10% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade por um período mínimo de um ano consecutivo ou desde a constituição da sociedade participada, contando que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele;
  9. No caso em apreço, não se verificam o primeiro e segundo pressupostos e uma vez que não são cumpridas cumulativamente as condições acima indicadas, as operações em questão não podem beneficiar da isenção prevista na alínea h) do número 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo;
  10. De acordo com o disposto nas alíneas c) e d) do número 1 do artigo 2.º quando o credor é um não residente que não exerça atividade em regime de prestações de serviços no território português e quando as operações de crédito não tenham sido intermediadas por instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades legalmente equiparadas, o sujeito passivo é a entidade mutuária, assim compete à A..., Lda. liquidar o imposto e entregar nos cofres do Estado conforme a alínea d) do número 1 do artigo 2.º conjugado com os artigos 23.º e 41.º do Código do Imposto do Selo.
  11. O imposto deveria ter sido pago até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que a obrigação tributária foi constituída, por força do estipulado no número 1 do artigo 44.º do Código do Imposto do Selo, pelo que não tendo a A..., Lda. procedido à entrega do Imposto do Selo devido, foi o mesmo calculado pela aplicação da taxa de 0,04% sobre o saldo médio em dívida apurado em cada mês, relativo ao exercício de 2012, nos termos da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo; 
  12. Improcede, então, a invocada falta de fundamentação do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária e do Relatório de Inspeção Tributária pelo facto de dos mesmos não constarem suficientemente demonstradas as razões pelas quais a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou não verificados dois dos pressupostos do direito à isenção do Imposto do Selo, porquanto o ónus de demonstrar que se encontravam verificados os pressupostos do direito à isenção, conforme resulta do número 2 do artigo 14.º e do artigo 74.º da Lei Geral Tributária, era da Requerente.
  13. Dispõe o número 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo que “O imposto do selo incide sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, livros, papéis, e outros factos previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.
  14. Assim, por remissão do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo para a Tabela Geral do mesmo diploma, estão sujeitos a Imposto do Selo todos os factos na mesma previstos e que tenham ocorrido em território nacional;
  15. Resultava da verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo sob epígrafe “operações financeiras”, que se incluíam no âmbito da incidência do Imposto do Selo a concessão de crédito, qualquer que seja a natureza da entidade concedente e do utilizador, a par de um conjunto de operações financeiras, de que resultem juros e comissões, que apenas ficam sujeitas a tributação em Imposto de Selo se forem realizadas por instituições de crédito, sociedades financeiras, outras entidades a elas legalmente equiparadas e quais outras instituições financeiras;
  16. Cabia, por isso, à Requerente o ónus da prova do preenchimento dos pressupostos da isenção através da demonstração de que, por um lado, as operações financeiras não tinham um prazo superior a um ano e, por outro lado, que foram exclusivamente destinadas à cobertura de carências de tesouraria;
  17. O facto de um contrato ter uma duração indefinida, não importa que o mesmo seja superior a um ano, então, muito menos, e por maioria de razão, equivale a dizer que o prazo de duração do mesmo é inferior a um ano;
  18. Assim, mesmo que do contrato constasse expressamente que o mesmo teria a duração de um ano, ou inferior, o que não se verifica in casu, daí não decorreria, de per si, que o cumprimento desse prazo tivesse efetivamente ocorrido na realidade, pelo que sempre haveria que demonstrar;
  19. O que se exige é que a operação financeira seja de duração não superior a um ano, ou seja, que os capitais mutuados sejam reembolsados em prazo não superior a um ano, independentemente do que figure no contrato; 
  20. O mesmo é válido para o loan agreement, ainda que constando do contrato que este tem a duração de um ano, consta também do mesmo que este se renova automaticamente caso não seja denunciado por nenhuma das partes;
  21. O loan agreement constante dos autos data de 1 de junho de 2006 e contém uma adenda de abril de 2009, não tendo sido apresentada prova documental de que o mesmo tenha sido denunciado por alguma das partes, pelo que, continua em vigor em 2012, ultrapassando largamente o período de um ano;
  22. Para se verifique o preenchimento do requisito da operação financeira ser de prazo não superior a um ano, há que demonstrar para cada operação financeira que os fundos foram mutuados numa determinada data e foram reembolsados dentro de um prazo não superior a um ano;
  23. Por cada um influxo financeiro terá de existir o correspondente exfluxo, sendo que este deverá ser realizado no prazo máximo de um ano para que este pressuposto da isenção se mostre verificado;
  24. Analisados os valores acumulados – a débito e a crédito –, bem como os saldos mensais da conta 26600000 não se torna possível extrair qualquer conclusão sobre o prazo de permanência dos valores que integram o saldo inicial da conta em 1-01-2012 e, bem assim, dos valores entrados durante o ano de 2012.
  25. Por outro lado, quanto ao requisito relativo à cobertura de carências de tesouraria, um contrato de cash pooling (um contrato de gestão de unidades de tesouraria), pode servir múltiplas finalidades, desde gerir a disponibilidade de recursos, por forma a que o grupo retire vantagens materiais anulando saldos devedores e saldos credores, e assim obter uma redução de juros associados a contas devedoras, além de evitar comissões de descoberto e similares, com a consequente redução do nível de empréstimos e consequente nível de endividamento junto da banca, até, igualmente, cobrir necessidades de tesouraria ou de fundo maneio de empresas do grupo;
  26. A mera invocação de que as transferências de saldos são efetuadas no âmbito de um contrato de gestão centralizada de tesouraria não constitui prova suficiente para a demonstração de que os créditos concedidos se destinam a suprir carências de tesouraria da beneficiária;
  27. O clausulado do contrato da Requerente não permite concluir que as quantias mutuadas se destinam na totalidade a suprir carências de tesouraria, pelo contrário a única intenção expressa no contrato – “comporta la conveniência para las mismas de una liquidación centralizada de sus cuentas con objeto de optimizar sus liquidaciones de interesses y reducir sus costes de administración e que com base no cuanto antecede, ambas las contratantes, ortogan el presente Contrato de Centralización diária de los apuntes entre España y Portugal” – nem é de supressão de carências de tesouraria, e muito menos exclusiva;
  28. O próprio contrato nada dispõe sobre a situação de tesouraria da Requerente aquando do início da sua implementação, o que sempre seria de um dado relevante para aferir se os fluxos financeiros verificados ocorriam ou não num quadro de carência;
  29. Não é, por isso, correto afirmar que, só por si, um Contrato de Gestão de Operações de Tesouraria, em virtude do mecanismo de zero balancing implique que só ocorram fluxos financeiros exclusivamente em situações de carência de tesouraria;
  30. Existe carência de tesouraria quando os fundos de curto prazo disponíveis numa empresa (ativos) são insuficientes para fazer face aos compromissos/obrigações (passivo), com referência ao mesmo horizonte temporal, ou seja, quando o fundo de maneio existente é inferior às necessidades de fundo de maneio;
  31. Havia que demonstrar relativamente a cada um dos fundos recebidos que estes se destinaram a fazer face a determinados pagamentos, cujas obrigações se venceram naquele período temporal, o que não aconteceu;
  32. Pois a querer-se demonstrar insuficiência de fundos, na data a que se reporta o balanço teria de estabelecer-se uma comparação entre fundos circulantes – ativos correntes – e os passivos correntes e, no caso em análise verifica-se, na referida data, que a diferença é largamente positiva;
  33. Relativamente ao alegado erro na quantificação do imposto, a Autoridade Tributária e Aduaneira não fez o apuramento diário da situação de tesouraria da A..., Lda. e respetiva comparação com o saldo médio mensal dos fundos concedidos, porquanto a informação necessária não foi disponibilizada pela Requerente, quer durante o Procedimento de Inspeção Tributária quer durante a Reclamação Graciosa;
  34. No que concerne à prova, os factos apresentados pela Requerente (prazo não superior a um ano e carências de tesouraria) não podem ser provados por outra prova que não a documental, por resultar do 364.º do Código Civil que “quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior”;
  35. E por sua vez, do número 1 do artigo 393.º do Código Civil que “se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admissível prova testemunhal”.
  36. Conclui, por isso, a Requerida pela improcedência do pedido formulado pela Requerente.

 

 

  1. Do Mérito

 

II.1. Matéria de facto

 

  1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente, anteriormente designada B..., Lda. tem como principal atividade o comércio de equipamentos hospitalares e o comércio de produtos de electromedicina;
  2. A sociedade tem a natureza jurídica de sociedade por quotas, tendo atualmente um capital social no montante de € 47.000.000,00, pertencente a E..., registada em Portugal com o NIPC...;
  3. Em 1-06-2006, a Requerente celebrou um contrato de gestão centralizada de tesouraria (cash pooling) com várias sociedades do grupo C..., de duração indeterminada (doc n.º 1, junto pela Requerente);
  4. Ao abrigo deste contrato, os saldos bancários credores e devedores de cada uma das sociedades contratantes eram transferidos, diariamente, para uma única conta bancária denominada “cuenta centralizadora”, detida pela “D..., S.A. (atualmente denominada E..., S.A.U.), que funciona como entidade centralizadora;
  5. Em 1-06-2006, foi outorgado entre a Requerente e a D..., S.A. (atualmente denominada E..., S.A.U.) um contrato de mútuo em descoberto bancário (doc n.º 3 junto pela Requerente);
  6. Neste contrato foi acordado que a D..., S.A. (atualmente denominada E..., S.A.U.) colocava à disposição da Requerente um montante máximo de € 10.000.000,00 (dez milhões de euros) e que sobre as quantias mutuadas eram devidos juros à taxa de juro Euribor a três meses, acrescida de um spread de 0,65%;
  7. Aquele contrato, celebrado pelo período de um ano, prevê a possibilidade expressa de renovação automática e contém em anexo uma adenda datada de abril de 2009 (doc n.º 3 junto pela Requerente); 
  8. As transações financeiras ocorridas entre a A..., Lda.. e a E..., encontram-se registadas na conta 26600000- outras operações, conta esta que apresenta sempre um saldo credor (P.A.);
  9. Foi realizado um procedimento inspetivo à Requerente, relativo ao exercício de 2012, credenciado pela Ordem de Serviço OI2016...;
  10. Em 23-06-2016, no decurso do prazo para exercício do direito de audição a ora requerente regularizou voluntariamente as correções efetuadas, tendo procedido à entrega das guias de pagamento de Imposto do Selo;
  11. Relativamente ao procedimento inspetivo referido foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária;
  12. Não se conformando com o Relatório de Inspeção Tributária, a ora requerente apresentou Reclamação Graciosa em 4-11-2016;
  13. Em 2-08-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2. Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão arbitral.

 

3. Fundamentação da matéria de facto

 

A matéria de facto dada como provada assenta na posição assumida pelas partes e na prova documental apresentada e não contestada, incluindo o PA.

 

 

III.2. Matéria de Direito

 

III.2.1. A questão central a decidir consiste em saber se, ao caso concreto, é aplicável, ou não, a isenção de imposto do selo prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, cuja redação à data dos factos era a seguinte:

 

h) As operações, incluindo os respetivos juros, referidas na alínea anterior, quando realizadas por detentores de capital social a entidades nas quais detenham diretamente uma participação no capital não inferior a 10% e desde que esta tenha permanecido na sua titularidade durante um ano consecutivo ou desde a constituição da entidade participada, contanto que, neste último caso, a participação seja mantida durante aquele período.

 

A alínea anterior [alínea g)] referia-se, por seu turno, a operações financeiras por prazo não superior a 1 ano e destinadas exclusivamente à cobertura de carência de tesouraria.

 

No caso concreto, as Partes não divergem quanto ao preenchimento do requisito relativo à participação no capital [previsto diretamente na alínea h)], mas sim quanto ao preenchimento dos requisitos previstos na alínea g), ou seja, ao prazo e ao destino da operação financeira em causa.

 

A Requerente entende que todos os elementos analisados apontam no sentido de se tratar de um contrato de duração não superior a um ano:

- o contrato de cash pooling celebrado entre mutuária (a requerente) e mutuante (a entidade centralizadora do cash pooling) tinha a duração de um ano, com a possibilidade de renovação por iguais períodos caso não fosse denunciado pelas partes;

- as transações financeiras entre a Requerente e a E... encontram-se registadas na conta 26600000, do qual resulta que, durante o ano de 2012, a Requerente recebeu fluxos financeiros no montante global de € 27.190.887,07 e amortizou € 39.704.059,08, traduzindo-se o saldo credor final da conta, no valor de € 13.850.75,60, na diferença entre o total amortizado e o saldo acumulado do ano anterior € 26.363.922,61. Isto confirmaria, no seu entender, que o montante global dos influxos financeiros durante o ano em questão foi compensado pelos respetivos exfluxos financeiros durante o mesmo ano, pelo que o reembolso ocorreu antes de decorrido um ano do empréstimo, preenchendo-se assim o requisito quanto ao tempo da operação.

 

A AT entende, por seu turno, que:

- o facto de o contrato prever uma duração inicial de um ano não significa que essa tenha sido a realidade dos factos, que carece de ser demonstrada (o que se exige é que os capitais sejam mutuados em prazo não superior a 1 ano, independentemente do que figure no contrato). Por outro lado, o loan agreement a que a Requerente faz referência foi celebrado a 01.06.2006, prevê a sua renovação automática e contém uma adenda datada de abril de 2009, não tendo sido apresentada prova da sua denúncia por qualquer das partes antes de findo o primeiro ano de contrato;

- relativamente a este requisito do prazo, há que apurar relativamente a cada operação financeira, quer a data de utilização do crédito quer a data do respetivo reembolso: em termos práticos, por cada influxo financeiro terá que existir o correspondente exfluxo, sendo que este deve ser realizado no prazo máximo de um ano;

- quanto à análise da conta 26600000, não é possível extrair qualquer conclusão quanto ao prazo de permanência dos valores que integram o saldo inicial da conta em 01.01.2012 e dos valores entrados durante o ano de 2012.

 

Sobre este ponto, afigura-se assistir razão à AT.

 

Como resulta do previsto no artigo 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”,

Em anotação a este preceito Diogo Leite Campos e outros ponderam que “É corolário da regra de que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque, que será sobre aquele contra quem são invocados aqueles factos que recai o ónus da prova dos factos impeditivos, modificativos e extintivos dos direitos invocados, o que está em sintonia com a regra do n.º 2 do art. 342 do CC.” ( cfr. p. Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4º ed., 2012, p. 657 e, entre outros,  os Acórdãos do STA , de 27-06-2012, Processo n.º 0982/11, 2ª seção e Acórdão do Pleno, de 17-02-2016, Processo n.º 0591/2015 ).

Aplicando o exposto ao caso dos autos, caberia, assim, ao Sujeito Passivo provar a existência dos factos tributários que alega como fundamento do seu direito à isenção de Imposto do Selo.

Ora, quanto ao contrato, prevendo o mesmo a sua renovação automática sem prejuízo de denúncia das partes e não se provando que esta ocorreu, terá que se concluir que o contrato se mantém em vigor. Quanto aos factos que subjazem à realidade contratual, também não podemos aceitar o argumento da Requerente quanto ao saldo final da conta 26600000 pela razão simples de que o facto de este consistir na diferença entre o total amortizado e o saldo acumulado do ano anterior não significa que os montantes concretamente mutuados em cada operação financeira tenham sido pagos antes de decorrido um ano sobre o seu empréstimo. Os argumentos apresentados pela Requerente não chegam para provar, portanto, o requisito de duração da operação financeira, como lhe competia.

 

Assim sendo, uma vez que os pressupostos da isenção em causa são cumulativos porque assim foram configurados pelo legislador, torna-se desnecessário analisar o preenchimento do requisito relativo ao motivo das operações financeiras (a cobertura de carências de tesouraria), podendo desde já concluir-se que não se encontram verificados os pressupostos de que depende a aplicação da isenção prevista na alínea h) do n.º 1 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo.

 

Resta, portanto, ao Tribunal pronunciar-se, de forma sucinta, quanto à alegada falta de fundamentação, uma vez que a Requerente alega que, quer o projeto de relatório de inspeção tributária, quer o relatório final, são totalmente omissos quanto aos motivos que levaram a AT a considerar não verificados os requisitos de que dependia o preenchimento da isenção.

 

Ora, por um lado, a AT refere, em ambos os documentos, que entende não estarem reunidos os pressupostos de que depende a isenção por não se verificar o requisito da duração inferior a 1 ano e o do suprimento de carências de tesouraria. Tal seria suficiente - como foi – para a Requerente perceber os motivos concretos das decisões da AT e pronunciar-se sobre eles, tentando, através de prova, reverter a posição da AT, quer em sede de audiência prévia, quer em sede de reclamação graciosa e impugnação. E, efetivamente, foi isso que procurou fazer – o facto de não ter conseguido reverter a posição da AT prende-se com a insuficiência da prova dos requisitos de que dependia o seu direito e não com a falta de fundamentação das decisões da AT.

 

Assim, consideramos não verificada a alegada falta de fundamentação.

 

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, não encontra fundamento legal visto que não se verificam, no caso concreto, os pressupostos de que depende a sua atribuição – nomeadamente a ilegalidade da liquidação.

 

  1. Decisão

 

Termos em que acorda o presente Tribunal em:

  1. Negar provimento ao pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa notificada à Requerente no dia 30.05.2017;
  2. Negar provimento ao pedido de anulação das guias de liquidação do imposto do selo no montante global de € 67.750,80 e das liquidações autónomas de juros compensatórios no montante de € 10.023,41;
  3. Negar provimento ao pedido de atribuição de juros indemnizatórios.

 

 

  1. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €77.594,21.

 

 

VI. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em € 2.448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros).

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 22 de junho de 2018

 

 

Os árbitros,

 

 

Fernanda Maçãs (presidente)

 

 

Diogo Feio (Vogal)

 

 

Raquel Franco (Vogal)