Decisão arbitral
I - RELATÓRIO
A... LDA., pessoa coletiva n.º..., com sede em ..., (adiante designada por Requerente), veio, em 38/03/2017, ao abrigo do artigo 2º nº 1, alíneas a) e b), 5º nº 3 alínea a), 6º nº 2 alínea b) e 10º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado por RJAT), e dos artigos º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22/03, apresentar pedido de pronúncia arbitral sobre a legalidade de dezanove liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios, referentes aos anos de 2012 a 2014, que adiante se identificarão.
Designou como árbitro António Carlos dos Santos.
O pedido foi aceite em 30/03/2017 e em 19/05/2017 a Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT) escolheu para integrar o tribunal arbitral Nina Aguar.
Na falta de acordo dos árbitros designados pelas partes para a escolha do terceiro árbitro, em !6/06/2017 o Conselho Deontológico do CAAD nomeou José Baeta de Queiroz.
Todos os árbitros aceitaram o encargo, ficando o tribunal constituído em 06/07/2017.
Nessa mesma data foi a AT notificada para responder, o que fez em 25/09/2017.
Em 06/10/2017 foi designado o dia 30 seguinte para a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT, com inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, reunião essa que, por impedimento das partes, só em 29/11/2017 veio a realizar-se.
Nessa reunião o tribunal decidiu pedir elementos probatórios que entendeu úteis ao B... e ao C... E. P. E. .
Em 05/01/2017 e 05/03/2018 foram proferidos despachos, cada um deles prorrogando o prazo para a decisão por dois meses, ao abrigo do disposto no artigo 21º nº 2 do RJAT, e com fundamento na falta de resposta daquelas entidades.
Em 07/05/2018, como essas entidades ainda não tivessem satisfeito o pedido do tribunal, foi proferido despacho determinando o prosseguimento do processo com alegações escritas, prorrogando por mais dois meses o prazo para a decisão, na impossibilidade de a proferir até ao limite temporal antes fixado, e anunciando-a para 06/07/2018.
As partes não alegaram.
Em 21/05/2018 o C... deu satisfação ao solicitado.
II – SANEAMENTO
O tribunal arbitral é o competente e acha-se regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e estão regularmente representadas.
Não foram deduzidas exceções, nulidades ou questões prévias que importe decidir e impeçam a apreciação de mérito.
O processo não enferma de nulidades que o invalidem.
III – MATÉRIA DE FACTO
1 – Factos provados
a)
A Requerente é um sujeito passivo de IVA, registado desde 16/11/2010, para o exercício das seguintes atividades:
- Principal: “outras atividades de saúde humana” (CAE 86906);
- Secundárias: “atividades de apoio à Administração Pública” (CAE 84114); “atividades combinadas de serviços administrativos” (CAE 82110) e “outras atividades consultoria para os negócios e a gestão” (CAE 70220).
b)
Para efeitos de IVA, a Requerente esteve enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral, até 31/12/2013, e de periodicidade mensal, após aquela data.
c)
A Requerente tem como objeto social a prestação de serviços de saúde, designadamente, serviços médicos, serviços de enfermagem, serviços de técnicos de diagnóstico e de terapêutica e serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar, através de contratos de cedência de pessoal celebrados com Centros Hospitalares (no caso entidades coletivas de direito público integrantes do Sistema Nacional de Saúde - SNS). A Requerente presta, ainda, àquelas entidades e no mesmo regime, serviços de outra natureza como de apoio à administração, aos serviços administrativos e aos serviços jurídicos, relativamente aos quais líquida IVA.
d)
Para a execução dos serviços a Requerente recorre a trabalhadores com contrato coletivo de trabalho (trabalhadores dependentes) e a serviços de terceiros (trabalhadores independentes ou mesmo outras sociedades). Estes recursos humanos possuem uma qualificação própria para as tarefas que cada um desenvolve, podendo ser profissionais médicos, enfermeiros e outros técnicos paramédicos (técnicos de radiologia, técnicos de farmácia, técnicos de análises clínicas, fisioterapeutas, radiologistas, terapeutas da fala e terapeutas ocupacionais), auxiliares de ação médica, bem como, noutro plano, juristas e outros.
e)
A atividade da Requerente na área da saúde (serviços médicos, serviços de cuidados de enfermagem, serviços de técnico de diagnóstico e terapêutica na área da radiologia, análises clínicas, serviços de apoio à prestação de cuidados equiparados a assistentes operacionais e prestação de serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar) não foi sujeita a IVA.
f)
Os contratos ao abrigo dos quais a Requerente cede pessoal especializado na área da saúde a Centros Hospitalares (entidades coletivas de direito público) são celebrados, ao abrigo do regime da contratação pública, em nome do Governo português / Ministério da Saúde.
g)
O Caderno de Encargos relativo ao procedimento de concurso público para aquisição de prestação de serviços por assistentes operacionais pelo D... (denominação anteriormente utilizada para designar serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar) refere que o preço base – ou preço contratual – está isento de IVA.
h)
Do mesmo modo o Programa do Concurso Público n.º .../2013 para prestação de serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar do B... determina expressamente que o preço contratual apresentado não inclui IVA.
i)
Esta é a prática habitual da contratação pública nesta área e dela têm usufruído diversas empresas concorrentes da Requerente.
j)
No ano de 2012 foram emitidas pela Requerente as seguintes faturas objeto de liquidação adicional ao D..., estabelecimento hospitalar integrante do Serviço Nacional de Saúde:
Fatura n.º 22/2012, 30.04.2012;
Fatura n.º 40/2012, 31.05.2012;
Fatura n.º 45/2012, 30.06.2012;
Fatura n.º 55/2012, 31.07.2012;
Fatura n.º 67/2012, 31.08.2012;
Fatura n.º 81/2012, 30.09.2012;
Fatura n.º 100/2012, 31.10.2012;
Fatura n.º 120/2012, 30.11.2012;
Fatura n.º 146/2012, 31.12.2012.
k)
No ano de 2013, as seguintes faturas objeto de liquidação adicional foram emitidas pela Requerente com menção B... (a grande maioria) e C... (estas expressamente assinaladas):
Fatura n.º 7/2013, 31.01.2013
Fatura n.º 8/2013, 31.01.2013;
Fatura n.º 15/2013, 31.01.2013;
Fatura n.º 25/2013, 28.02.2013;
Fatura n.º 26/2013, 28.02.2013;
Fatura n.º 27/2013, 28.02.2013;
Fatura n.º 34/2013, 28.02.2013;
Fatura n.º 45/2013, 31.03.2013;
Fatura n.º 46/2013, 31.03.2013;
Fatura n.º 47/2013, 31.03.2013;
Fatura n.º 54/2013, 31.03.2013;
Fatura n.º 63/2013, 30.04.2013;
Fatura n.º 71/2013, 30.04.2013;
Fatura n.º 72/2013, 30.04.2013;
Fatura n.º 73/2013, 30.04.2013;
Fatura n.º 85/2013, 31.05.2013;
Fatura n.º 86/2013, 31.05.2013;
Fatura n.º 87/2013, 31.05.2013;
Fatura n.º 94/2013, 31.05.2013;
Fatura n.º 105/2013, 30.06.2013;
Fatura n.º 115/2013, 30.06.2013;
Fatura n.º 117/2013, 30.06.2013;
Fatura n.º 124/2013, 30.06.2013;
Fatura n.º 130/2013, 31.07.2013;
Fatura n.º 144/2013, 31.07.2013;
Fatura n.º 145/2013, 31.07.2013;
Fatura n.º 146/2013, 31.07.2013;
Fatura n.º 162/2013, 31.08.2013;
Fatura n.º 170/2013, 31.08.2013;
Fatura n.º 171/2013, 31.08.2013;
Fatura n.º 172/2013, 31.08.2013;
Fatura n.º 173/2013, 31.08.2013;
Fatura n.º 188/2013, 30.09.2013;
Fatura n.º 191/2013, 30.09.2013;
Fatura n.º 192/2013, 30.09.2013;
Fatura n.º 203/2013, 30.09.2013;
Fatura n.º 209/2013, 30.09.2013;
Fatura n.º 211/2013, 30.09.2013 (C…);
Fatura n.º 215/2013, 10.10.2013 (C…);
Fatura n.º 225/2013, 31.10.2013;
Fatura n.º 234/2013, 31.10.2013;
Fatura n.º 235/2013, 31.10.2013;
Fatura n.º 245/2013, 31.10.2013 (C...);
Fatura n.º 251/2013, 30.11.2013;
Fatura n.º 260/2013, 30.11.2013 (C...);
Fatura n.º 269/2013, 30.11.2013;
Fatura n.º 270/2013, 30.11.2013;
Fatura n.º 282/2013, 31.12.2013;
Fatura n.º 292/2013, 31.12.2013;
Fatura n.º 293/2013, 31.12.2013;
Fatura n.º 306/2013, 31.12.2013 (C...).
l)
No ano de 2014, as seguintes faturas objeto de liquidação adicional foram emitidas pela Requerente com menção B... (a grande maioria) e C... (estas expressamente assinaladas):
Fatura n.º 315/2014, 31.01.2014 (C...);
Fatura n.º 319/2014, 31.01.2014;
Fatura n.º 329/2014, 31.01.2014;
Fatura n.º 330/2014, 31.01.2014;
Fatura n.º 340/2014, 28.02.2014 (C…);
Fatura n.º 345/2014, 28.02.2014;
Fatura n.º 346/2014, 28.02.2014;
Fatura n.º 355/2014, 28.02.2014;
Fatura n.º 369/2014, 31.03.2014 (C…);
Fatura n.º 373/2014, 31.03.2014;
Fatura n.º 382/2014, 31.03.2014;
Fatura n.º 383/2014, 31.03.2014;
Fatura n.º 400/2014, 30.04.2014;
Fatura n.º 409/2014, 30.04.2014;
Fatura n.º 410/2014, 30.04.2014;
Fatura n.º 422/2014, 31.05.2014 (C...);
Fatura n.º 427/2014, 31.05.2014;
Fatura n.º 428/2014, 31.05.2014;
Fatura n.º 438/2014, 31.05.2014;
Fatura n.º 446/2014, 23.06.2014;
Fatura n.º 451/2014, 30.06.2014;
Fatura n.º 452/2014, 30.06.2014;
Fatura n.º 462/2014, 30.06.2014;
Fatura n.º 471/2014, 30.06.2014 (C…);
Fatura n.º 481/2014, 31.07.2014;
Fatura n.º 482/2014, 31.07.2014;
Fatura n.º 492/2014, 31.07.2014;
Fatura n.º 506/2014, 31.08.2014;
Fatura n.º 507/2014, 31.08.2014;
Factura n.º 518/2014, 31.08.2014;
Fatura n.º 531/2014, 30.09.2014;
Fatura n.º 541/2014, 30.09.2014;
Fatura n.º 542/2014, 30.09.2014;
Fatura n.º 557/2014, 31.10.2014;
Fatura n.º 567/2014, 31.10.2014;
Fatura n.º 568/2014, 31.10.2014;
Fatura n.º 583/2014, 30.11.2014;
Fatura n.º 592/2014, 30.11.2014;
Fatura n.º 593/2014, 30.11.2014;
Fatura n.º 606/2014, 31.12.2014;
Fatura n.º 607/2014, 31.12.2014;
Fatura n.º 619/2014, 31.12.2014.
m)
O descritivo constante das faturas supra identificadas refere «Prestação de Serviços de Apoio à prestação de cuidados equiparados a assistentes operacionais» ou «Prestação de Serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar».
n)
As faturas emitidas aos Hospitais abrangem um conjunto de serviços auxiliares da ação médica de apoio à atividade hospitalar, onde se inclui a desinfeção/descontaminação química, a lavagem e esterilização de materiais e equipamentos clínicos, a manutenção e limpeza de materiais e equipamentos clínicos; a preparação de material e equipamento necessário às diferentes atividades hospitalares; a preparação e arrumação dos espaços para a realização de atos clínicos; o acompanhamento e transporte de doentes em camas, macas, cadeiras de rodas ou a pé nas unidades hospitalares; a supervisão do correto acondicionamento e transporte de materiais em tabuleiros e placas a doentes; a distribuição de dietas aos utentes hospitalares; a prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes; a distribuição de oxigénio e outros materiais esterilizados pelos serviços de ação médica; o manuseamento e utilização dos equipamentos disponibilizados pelos Hospitais; e a prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes.
o)
Estes serviços integram a atividade hospitalar encontrando-se afetos, em especial, a um serviço hospitalar específico como o serviço de anestesiologia, bloco operatório, imagiologia, patologia clínica, cuidados intensivos, gastrenterologia, ortopedia, urologia, medicina interna, medicina, física e reabilitação, cardiologia, pneumologia, pediatria, urgência geral, etc..
p)
Os serviços são prestados por auxiliares de ação médica ou ajudantes de saúde, alguns dos quais possuem formação na área específica de atuação.
q)
Aos prestadores é proporcionada a frequência de cursos de formação profissional de ajudante de saúde ou de auxiliar de ação médica devidamente homologados pelo Ministério da Saúde/Ministério da Educação, em áreas como a geriatria, a higiene e conforto dos doentes, a prevenção de infeções hospitalares, suporte básico de vida, reanimação, socorrismo, terapias, termalismo, qualidade e aspetos comportamentais, pediatria, triagem, atendimento e encaminhamento de doentes, entre outros.
r)
Os auxiliares de ação médica saúde atuam sob a direção técnica e orientação dos respetivos serviços hospitalares, prestando cuidados de saúde diretamente aos utentes do SNS.
s)
Os serviços auxiliares prestados por estes colaboradores não são autónomos, nem constituem um fim em si mesmos; antes, estão ligados a um serviço médico, a um serviço de enfermagem ou a um serviço técnico de diagnóstico e terapêutica.
t)
Os serviços auxiliares prestados estão em relação direta com o serviço principal, sendo todos efetuados em ambiente hospitalar.
u)
Os serviços efetivamente prestados pelos colaboradores cedidos têm como únicos destinatários os doentes, não aproveitando a toda a população que recorre ao hospital, como ocorreria com outros tipos de serviços de que seriam exemplo os serviços de vigilância e segurança, portaria, telefónicos, etc..
v)
A Requerente não presta serviços a estes Centros Hospitalares relacionados com Vigilância e Segurança, Limpeza, Jardinagem, Portarias, etc..
x)
De acordo com o "Contrato de Prestação de Serviços Auxiliares de Apoio à Atividade Hospitalar" que a Requerente celebrou, em 08/04/2013, com o B..., e cujos termos aqui se dão por integralmente reproduzidos, a Requerente obrigou-se a formar equipas visando assegurar os serviços gerais em todas as unidades que compõem o B... e em todos os serviços, concretamente nas seguintes áreas de Suporte à Prestação de Cuidados de Saúde: Serviço de Anestesiologia, Bloco Operatório, Cirurgia de Ambulatório, Serviço Social, Serviço de Anatomia Patológica, Serviço de Imagiologia, Serviço de Imunohemoterapia, Serviço de Patologia Clínica, Serviço de Nutrição e Dietética, Unidade Terapêutica da Dor, Unidade de Cuidados Intensivos, Unidade Hospital de Dia, Unidade e de Esterilização, Unidade de Psicologia Clínica, Apoio Domiciliário, Serviço de Cirurgia, Serviço de Gastrenterologia, Serviço de Oftalmologia, Serviço de Ortopedia, Serviço de Otorrinolaringologia, Unidade de Urologia, Serviço de Dermatologia, Serviço de Medicina interna e Oncologia, Serviço de Medicina Física e Reabilitação, Serviço de Psiquiatria, Serviço de Reumatologia, Unidade de Neurologia, Unidade de Cardiologia, Unidade de Pneumologia, Unidade de Saúde Ocupacional, Serviço de Pediatria, Serviço de Ginecologia e Obstetrícia (incluindo Bloco de Partos e Berçário), Unidade Centro de Desenvolvimento da Criança, Unidade de Neonatologia, Urgência Geral, Urgência Pediátrica, Urgência Obstétrica/Ginecológica e V M E R.
y)
Consta do referido contrato:
“Apesar da designação "serviços gerais", os serviços auxiliares de apoio compreendem serviços específicos, em função das necessidades do Primeiro Outorgante em cada momento da execução do contrato, nomeadamente, serviços auxiliares de ação médica, alimentação, rouparia, higiene, casa mortuária, central telefónica, portarias, transportes, apoio logístico, manutenção e conservação, devendo o Segundo Outorgante ter a capacidade de responder, em tempo útil, nas quantidades exatas e com profissionais aptos e experientes na área / serviço a integrar”.
z)
Lê-se ainda no aludido contrato:
“Sem prejuízo da exigida especificidade dos diversos serviços, descrevem-se genericamente, sem limitar, os Serviços Auxiliares de Apoio à Atividade Hospitalar : desinfeção/descontaminação química, lavagem e esterilização de materiais e equipamentos; manutenção e limpeza de materiais, equipamentos e instalações; assegurar o bom funcionamento de todos os aparelhos; apoio às atividades dos serviços requisitantes, repondo e tirando e efetuando despejos; preparação e garantir em número suficiente os contentores para recolha dos resíduos sólidos Hospitalares e respetiva distribuição por todas as áreas laboratoriais para posterior incineração; correta preparação de material e equipamento necessário às diferentes atividades clínicas; preparação e arrumação dos espaços para a realização de atos clínicos; supervisão de correto acondicionamento e transporte de materiais em tabuleiros e placas; condução de viaturas, zelando pela conservação e manutenção da respetiva frota automóvel e definindo previamente os percursos e os tempos de deslocação, na medida do estritamente necessário ao adjudicante; acondicionamento das cargas nos veículos, garantindo a sua integridade; serviço de mensageiro interno; acompanhamento e transporte de doentes em camas, macas, cadeiras de rodas ou a pé, dentro e fora das unidades hospitalares; serviço externo e interno de transporte de medicamentos e produtos de consumo corrente necessários o funcionamento dos serviços; receção, arrumação e distribuição de roupas lavadas e recolha de roupas sujas e suas entregas; eventualmente, .preparação de refeições ligeiras nos serviços e distribuição de dietas (regime geral e dietas terapêuticas); manutenção das condições de higiene nos locais de confeção de alimentos; Colaboração na prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes; transporte e distribuição de oxigénio e outros materiais esterilizados pelos serviços de ação médica; colaboração na prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes; auxilio nas tarefas de alimentação; transporte de cadáveres; colaboração com as equipas e profissionais de outras áreas; eventualmente, controlo de entradas e saídas de pessoas, veículos e mercadorias; informações e acompanhamento dos utentes em todas as áreas do hospital; eventualmente, receção e expedição de correspondência; colaboração com os serviços respetivos na manutenção da segurança de pessoas e bens; serviços de apoio à prática de cuidados de enfermagem”.
aa)
Faz parte do aludido contrato um caderno de encargos do qual consta:
“Ao abrigo do presente contrato o adjudicatário compromete-se a fornecer à entidade adjudicante serviços de apoio à prestação de cuidados equivalentes a serviços de saúde conforme mencionados no Anexo II B da Directiva n.º 2004/18/CE, a que corresponde o código CPV 85140000-Serviços de Saúde Diversos.
(…) o adjudicatário colocará à disposição da entidade adjudicante, em regime de presença física, 41 (quarenta e um) profissionais com perfil e conteúdo funcional equiparados à categoria de Assistentes Operacionais, conforme descritos na legislação em vigor no âmbito da Administração Pública Lei 12 – A/2008 de 27 de Fevereiro”.
ab)
Os trabalhadores da Requerente que prestaram serviço ao C... estavam afetos a atividades auxiliares na prestação de cuidados de saúde nos diversos serviços, designadamente acompanhamento de doentes, higiene dos mesmos, preparação de materiais, nomeadamente, nos serviços de Medicina, Cirurgia/Ginecologia, Urgência Geral e Bloco Operatório.
ac)
Os trabalhadores disponibilizados pela Requerente desempenharam, entre outras, quer para o B..., quer para o C..., as seguintes tarefas:
Procedem à desinfestação/descontaminação química, lavagem e esterilização de materiais e equipamentos clínicos; à manutenção e limpeza de materiais e equipamentos clínicos; apoiam as atividades dos serviços requisitantes, repondo e tirando e efetuando despejos; preparam material e equipamento necessário às diferentes atividades hospitalares; preparam e arrumam os espaços para a realização de atos clínicos; asseguram o bom funcionamento de todos os aparelhos; acondicionam e transportam materiais em tabuleiros e placas; acompanham e transportam doentes em camas, macas, cadeiras de rodas ou a pé nas unidades hospitalares; distribuem medicamentos e produtos de consumo corrente necessários ao funcionamento dos serviços hospitalares; distribuem dietas terapêuticas aos utentes hospitalares; manuseiam e utilizam equipamentos hospitalares; prestam cuidados de higiene e conforto aos doentes; distribuem oxigénio e outros materiais esterilizados pelos serviços de ação médica; prestam auxilio aos utentes na alimentação terapêutica, toma de medicamentos e outros cuidados; transportam cadáveres em meio hospitalar; integram as equipas de prestação de saúde.
ad)
A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva por parte dos serviços competentes da AT, na sequência do que foram emitidas as liquidações seguintes:
Período
|
Nº Liquidação
|
IVA
|
Juros
|
IVA+ Juros
|
|
|
|
|
|
2012 06T
|
2017 …
|
25 804,66 €
|
4 485,06 €
|
30 289,72 €
|
2012 09T
|
2017 …
|
25 180,42 €
|
4 125,44 €
|
29 305,86 €
|
2012 12T
|
2017 …
|
22 368,50 €
|
3 439,23 €
|
25 807,73 €
|
2013 03T
|
2017 …
|
55 758,85 €
|
8 029,27 €
|
63 788,12 €
|
2013 06T
|
2017 …
|
69 125,61 €
|
9 249,57 €
|
78 375,18 €
|
013 09T
|
2017 …
|
69 341,50 €
|
8 586,94 €
|
77 928,44 €
|
2013 12T
|
2017 …
|
64 128,64 €
|
7 280,79 €
|
71 409,43 €
|
2014 01
|
2017 …
|
20 459,53 €
|
2 275,77 €
|
22 735,30 €
|
2014 02
|
2017 …
|
20 306,09 €
|
2189,71€
|
22 495,80 €
|
2014 03
|
2017 …
|
20 702,42 €
|
2159,85€
|
22 862,27 €
|
2014 04
|
2017 …
|
16 624,65 €
|
1 679,77 €
|
18 304,42 €
|
2014 05
|
2017 …
|
21 723,36 €
|
2 125,91 €
|
23 849,27 €
|
2014 06
|
2017 …
|
22 280,99 €
|
2 102,34 €
|
24 383,33 €
|
2014 07
|
2017 …
|
18 793,71 €
|
1 711,51 €
|
20 505,22 €
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2014 08
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2017 …
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18 614,91 €
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1 634,03 €
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20 248,94 €
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2014 09
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2017 …
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9518,96€
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803,24 €
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10 322,20€
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2014 10
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2017 …
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19 302,27 €
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1 565,33 €
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20 867,60 €
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201411
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2017 …
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19 324,46 €
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1 497,24 €
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20 821,70 €
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2014 12
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2017 …
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19 463,95 €
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1 446,19 €
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20 910,14 €
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Totais
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558 823,48 €
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66 387,19 €
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625 210,67 €
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ae)
Tais liquidações foram feitas com base nas considerações que se extratam do relatório da inspeção, aqui dado por integralmente reproduzido:
“(…) através da análise à faturação emitida, verificamos que o sujeito passivo, nos anos em análise, prestou serviços "de Apoio à Prestação de Cuidados Equiparados a Assistentes Operacionais" e "Auxiliares de Apoio à Atividade Hospitalar".
De acordo com o contrato de prestação de serviços exibido, e que esteve subjacente à sua execução, aqueles serviços visaram assegurar os serviços gerais em todas as unidades que compõem a entidade hospitalar (n.º 2 da clausula 2.ª do contrato). Acresce que o n.º 3 da mesma cláusula, esclarece que aqueles serviços gerais compreendem os serviços específicos; serviços auxiliares de ação médica, alimentação, rouparia, higiene, casa mortuária, central telefónica, portarias, transportes, apoio logístico, manutenção e conservação. Por sua vez, o n.º 4 da mesma cláusula, descreve genericamente, sem limitar, os Serviços Auxiliares de Apoio à Atividade Hospitalar, como: "desinfeção/descontaminação, lavagem e esterilização de materiais e equipamentos; manutenção e limpeza de materiais, equipamentos e instalações; assegurar o bom funcionamento de todos os aparelhos; ...; eventual controlo de entradas e saídas de pessoas, veículos e mercadorias;...".
Em resposta à notificação, o contribuinte não apresentou cópia do contrato de ''prestação de serviços de apoio à prestação de cuidados equiparados a assistentes operacionais" eventualmente celebrado com o D... que regeu os serviços prestados, em 2012, em sequência do concurso publico n.º .../2011. Porém, atentos a que:
- na resposta ao ponto 1 da notificação o contribuinte não distinguiu a natureza dos serviços prestados, em 2012, com o descritivo "Prestação de Serviços de Apoio à Prestação de Cuidados Equiparados a Assistentes Operacionais", da natureza dos serviços prestados, a partir de 2013, com o descritivo "Prestação de Serviços Auxiliares de Apoio à Atividade Hospitalar'';
- os serviços de apoio à prestação de cuidados equiparados a assistentes operacionais foram faturados ao D... até setembro de 2012 e ao B..., a partir daquela data;
- o B... foi criado, em 1/10/2012, em resultado da fusão do E... e do D...;
- o contrato n.º .../2013, foi celebrado, em abril de 2013;
conclui-se, por isso, que, em substância, a natureza dos serviços em causa é a mesma.
O sujeito passivo entendeu (…) que os serviços em causa correspondiam a operações que estariam isentas nos termos do n.º 2 do art.º 9.º do CIVA.
Nos termos do n.º 2 do art.º 9.º do CIVA, na redação à data dos factos, estão isentas "As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas conexas efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares". Esta isenção abrange, assim, os serviços médicos e sanitários (atos de saúde), que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando doenças e as operações com elas conexas efetuadas pelos estabelecimentos expressos na referida norma ou por estabelecimentos similares.
Acresce que, o n.º 1 do art.º 9.º do CIVA estabelece que estão isentas de imposto "As prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas". Esta norma destina-se, assim, a isentar as prestações de serviços de carácter médico realizadas no exercício objetivo das atividades aí descritas (médicos, paramédicos...). Embora estejam tipificadas as profissões relativamente às quais os serviços efetuados no seu exercício são abrangidos por aquele regime, subsiste um carater residual quando se refere a "outras profissões paramédicas". Atendendo a que não existe no Código do IVA, um conceito que defina as atividades paramédicas, há que recorrer ao Decreto-Lei n.0 261/93, de 24 de Julho, e ao Decreto-Lei n.º 320/99, de 11 de Agosto, uma vez que são estes dois diplomas que regulam o exercício das atividades profissionais de saúde designadas por atividades paramédicas, estando as mesmas elencadas na lista anexa ao Decreto-Lei n.º 261/93.
Note-se que, a isenção do n.º 1 do art.º 9.0 do CIVA opera independentemente da natureza jurídica do prestador dos serviços e, nomeadamente, do facto de se tratar de uma pessoa singular ou coletiva.
A alínea b) do n.º 1 do art.º 2.º da Portaria n.º 459/2005, de 3 de maio, que estabelece o quadro de certificação relativo aos perfis dos profissionais do auxiliar de ação médica, define este profissional como sendo aquele "que colabora, sob orientação de técnicos de saúde, na prestação de cuidados aos doentes, na manutenção das condições de limpeza e higienização nas instalações e no apoio, logístico e administrativo, ao serviço e ou unidade integrados em estabelecimentos de cuidados de saúde".
Relativamente ao conceito de "prestação de serviços médicos", o Acórdão do Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, de 14 de setembro de 2000, Processo n.0 384/98, considera como tais atividades as que consistam em prestar assistência a pessoas, diagnosticando e tratando uma doença ou qualquer anomalia de saúde.
Deste modo, as prestações de serviços que não tenham objetivo terapêutico - diagnosticar, tratar, e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde - ficam excluídas do âmbito de aplicação da isenção do art.º 9.º do CIVA, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas.
Relembre-se, de modo relevante para o seu enquadramento para efeitos de IVA, que a situação em apreço consiste na prestação de serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar, designadamente serviços de auxiliares de ação médica, alimentação, rouparia, higiene, casa mortuária, central telefónica, portarias, transportes, apoio logístico, manutenção e conservação. Ou seja, não estamos perante serviços de assistência a pessoas, diagnosticando e/ou tratando de doenças.
Desta forma, as atividades desenvolvidas pelo sujeito passivo, na parte que respeita aos serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar, embora se relacionem com a área da saúde, ficam excluídas do âmbito da aplicação da isenção do art.º 9.º do CIVA, sendo sujeitas a imposto e dele não isentas.
Tal como o contribuinte distinguiu, ao nível do enquadramento do IVA, os serviços prestados de apoio à administração, os serviços jurídicos, os serviços de animação, os serviços de relações públicas e outros, todos eles também relacionados com a saúde, dos serviços médicos e paramédicos, também deveria ter diferenciado os serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar dos referidos serviços médicos e paramédicos. Acresce que, se o Centro Hospitalar fosse adquirir os serviços de higienização, os serviços de conservação dos materiais e equipamentos, o apoio logístico ou outros, a empresas especializadas nas respetivas áreas e que não prestassem serviços médicos, os referidos serviços não beneficiavam de qualquer isenção de IVA a este respeito é de referir que, decorre da Jurisprudência Europeia, a exigência de uma aplicação correta e simples das isenções do IVA não pode prejudicar os objetivos prosseguidos pela Sexta Diretiva (atual Diretiva 2006/112/CE), nem os princípios de direito comunitário, designadamente o princípio da neutralidade fiscal.
Assim, as prestações de serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar efetuadas pelo contribuinte são tributadas nos termos gerais do Código do IVA. Donde, relativamente àqueles serviços, o sujeito passivo estava obrigado a liquidar imposto à taxa normal prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 18.º do CIVA”.
af)
Após o exercício do direito de audição prévia por parte da Requerente, escreveu-se no mesmo relatório:
“Cumpre, agora, proceder à apreciação e comentário dos argumentos aduzidos na petição. Para isso, antes de mais, façamos - a título recordatório - uma breve descrição e apreciação da atividade e do enquadramento fiscal do sujeito passivo:
1) O sujeito passivo presta serviços médicos, serviços de enfermagem, serviços de técnicos de diagnóstico e de terapêutica
2) O sujeito passivo presta serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar;
3) O contribuinte presta, ainda, serviços de apoio à administração, aos serviços administrativos e aos serviços jurídicos, serviços de animação, entre outros;
4) Os serviços são prestados aos Centros Hospitalares, através de contratos de outsoursing, ou seja, em regime de subcontratação;
5) Os serviços a prestar estão definidos em contratos celebrados, nos termos dos quais o sujeito passivo obriga-se a:
- prestar especificamente determinado serviço (ex.: enfermagem) e por determinado prazo (clausulas 1ª, 2ª e 4ª);
- afetar à prestação desse serviço um dado número de colaboradores (clausula 2ª);
- que, cada colaborador, trabalhe x horas por semana (clausula 8ª); e
- assegurar o serviço contratado nas unidades de serviços que compõem a entidade hospitalar definida (claus. 6ª).
6) O sujeito passivo considerou que todos os tipos de serviços identificados nos pontos 1) e 2) estavam isentos de IVA nos termos no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA.
7) A Inspeção Tributária, nos termos e com os fundamentos contidos no projeto de relatório notificado, considera que os serviços referidos no ponto 2) não podem ser incluídos nos serviços isentos de JVA.
Note-se, que o sujeito passivo presta vários tipos de serviços, todos na área da saúde, mas perfeitamente estanques e distintos entre si.
No que se refere aos serviços em apreço - Serviços de Apoio à Prestação de Cuidados Equiparados a Assistentes Operacionais e Serviços Auxiliares de Apoio à Atividade Hospitalar - o sujeito passivo argumenta desde logo que estes Serviços de Inspeção atenderam ao perfil do profissional de ação médica e deveriam ter atendido a que estavam em causa "prestações de serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar", as quais na sua óptica são acessórias às prestações de serviços principais. Neste ponto o sujeito passivo afirma que são «... acessórias às prestações de serviços principais, como reconhece a própria AT "... prestações de serviços na área da saúde, designadamente serviços médicos, serviços de enfermagem, serviços de técnicos de diagnóstico e de terapêutica"».
Relativamente ao constante do último período do parágrafo anterior, o contribuinte não explica nem se depreende como chegou a tal conclusão. Com efeito, em ponto algum do projeto de relatório de inspeção se afirma ou se reconhece que se trata de serviços acessórios aos serviços principais. Carece, pois, de fundamento a conclusão e afirmação do sujeito passivo. Sendo certo que, a prestação destes serviços corresponde a contratos separados, tendo tido subjacente, no respeito pelas regras da contratação pública, procedimentos concursais autónomos.
Quanto à primeira parte do mesmo parágrafo, importa referir que, para efeito do enquadramento conferido aos serviços em apreço, não foi tida em conta o perfil dos profissionais, mas antes a natureza dos serviços contratados e prestados. De facto, face aos termos do contrato, o sujeito passivo disponibilizou um determinado número de pessoas, para trabalharem X horas dia, para realizarem serviços gerais nas diversas unidades hospitalares, designadamente os serviços seguintes: desinfeção/descontaminação, lavagem e esterilização de materiais e equipamentos; manutenção e limpeza de materiais, equipamentos e instalações: assegurar o bom funcionamento de todos os aparelhos e eventual controlo de entradas e saídas de pessoas, veículos e mercadorias.
Note-se que, o sujeito passivo em lado algum admite que os serviços em apreço correspondam a serviços de assistência a pessoas, diagnosticando e/ou tratando de doenças.
O sujeito passivo pretende, sim, que os serviços em apreço sejam considerados prestações de serviços conexas às prestações de serviços médicos, e como tal isentas de IVA nos termos do n.º 2 do artigo 9.º do CIVA. Para apelar a tal, o sujeito passivo argumenta, desde logo, que se trata de um estabelecimento similar.
Note-se que nas conclusões do projeto de relatório de inspeção, sobre o enquadramento do sujeito passivo, foi apenas afirmado "as atividades desenvolvidas pelo sujeito passivo, na parte que respeita aos serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar, embora se relacionem com a área da saúde, ficam excluídas do âmbito da aplicação da isenção do art.º 9.º do CIVA''.
Ora, sem nos pronunciarmos sobre se estamos perante um estabelecimento similar, embora sem desconsiderar que haveria dúvidas, e por isso sem conceder quanto a esta matéria, importa isso sim verificar se os serviços em causa podem ser considerados acessórios /conexos a prestações de serviços médicos, para se avaliar o seu eventual enquadramento no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA.
Conforme atrás se referiu o sujeito passivo presta serviços diversos, distintos e independentes entre si aos Centros Hospitalares. Os serviços em causa, mencionados em 2) supra, não estão ligados a qualquer serviço médico ou serviço de enfermagem, tal como sucede em relação aos serviços mencionados em 3). Não se pondo em causa que, designadamente os serviços de higienização, serviços de limpeza, entre outros, são necessários e indispensáveis para o bom funcionamento do Centro Hospitalar, enquanto prestador dos serviços médicos nas relações com os pacientes, tais serviços não estão estritamente conexos a um determinado serviço principal (ato médico/serviço de assistência a pessoas), numa lógica em tudo idêntica à dos serviços administrativos, ou aos serviços jurídicos. Se assim não fosse, todos e quaisquer serviços a montante dos serviços médicos, ou seja, todos os inputs de um estabelecimento hospitalar, teriam de ser considerados serviços conexos a serviços médicos e estar isentos de IVA. Se não vejamos: o fornecimento de eletricidade, a cedência de um espaço a um hospital, os serviços de segurança, os serviços de telecomunicações, entre outros, não serão também indispensáveis para a concretização dos serviços médicos? Pela lógica invocada na petição a resposta teria de ser afirmativa, quando se nos afigura consensual que nenhum dos serviços exemplificativamente invocados são serviços conexos com os atos médicos.
Aliás, manifestação desse consenso, partilhado pelo próprio contribuinte inspecionado, é revelado pelo tratamento que o sujeito passivo dá aos serviços de apoio à administração, aos serviços administrativos e aos serviços jurídicos, bem como aos serviços de animação, entre outros, relativamente aos quais foi liquidado IVA, aplicando um critério que se abstém de divulgar, olvidando mencioná-lo ao longo do próprio direito de audição.
Na falta de definição legal de "serviços conexos'', invocados no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA, designadamente na Diretiva IVA, iremos abordar o conceito à luz do plasmado em conclusões do TJUE. Iniciando com os conceitos trazidos pelo sujeito passivo à petição.
No ponto 57 da petição (Caso CopyGene) diz-se que se trata de "... uma prestação incidental, conexa ou acessória é uma prestação que não constitui para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador.";
No mesmo ponto (agora invocando o Acórdão Ygeia) diz-se que: "As prestações só são estritamente conexas com a hospitalização ou com a assistência médica quando forem efetivamente fornecidas como acessórias de tal assistência prestada aos doentes como prestação principal…";
Nos pontos 59 e 60 da petição (reportando-se ao "Caso Comissão contra França") é afirmado que "... Quando um médico desconfia que um doente padece de uma doença específica, mas pretende confirmar o diagnóstico provisório através de uma análise, a colheita, que é uma fase central e um pressuposto indispensável para a realização da análise, devia, em qualquer exame literal normal dos termos que integram o conceito de «operações estreitamente conexas), ser considerada conexa de forma suficientemente estreita com a assistência médica ou hospitalar fornecida por este médico.", e que nesse contexto " .. .prescreve, com vista à elaboração do seu diagnóstico e com um fim terapêutico, que o seu paciente se sujeite a uma análise, a transmissão da colheita, que logicamente se insere entre o ato de colheita e a análise propriamente dita, deve ser considerada estreitamente conexa com a análise e, por conseguinte , beneficiar de isenção de IVA".
Os casos de jurisprudência apresentados pelo sujeito passivo na petição têm sempre subjacente que o serviço conexo esteja estrita e em relação direta com o serviço principal (serviços médicos de prevenção, diagnóstico ou tratamento de uma doença). Todavia, isso não acontece nos serviços em apreço e que deram origem a correções, conforme atrás tivemos oportunidade de explicar.
De facto, trata-se de serviços necessários ao funcionamento de um estabelecimento hospitalar (tal como o são também os serviços de limpeza, manutenção e reparação de fotocopiadoras, de retroprojetores, computadores ou demais equipamentos de um estabelecimento), mas não estão intimamente ligados ao ato médico, tal que se possa dizer que fazem parte de uma etapa dentro do processo de prestação de serviço médico, indissociável do mesmo, tal que "a sua decomposição teria natureza artificial", (como se afirma no "Caso Levob Verzekeringen e OV Bank", invocado pelo sujeito passivo), o que justificaria a aplicação de um regime de IVA único.
Contudo, e tal como o sujeito passivo refere no ponto 57 da petição, relativamente ao Acórdão Ygeía "uma prestação que não é indispensável para atingir o objectivo visado pela prestação principal se bem que possa ser considerada muito útil para essa prestação, isso será considerada uma prestação estreitamente conexa. (. ..) As prestações só são estreitamente conexas com a hospitalização ou com a assistência médica quando forem efectivamente fornecidas como prestações acessórias de tal assistência prestada aos doentes como prestação principal, quando se inscreverem logicamente no quadro do fornecimento desses serviços e só quando constituirem uma etapa indispensável no processo de prestação desses serviços para atingir as finalidades terapêuticas prosseguidas, porque só tais prestações são susceptíveis de influir no custo dos cuidados de saúde cuja isenção permite torná-los acessíveis. "(sublinhado nosso)
Porque a intenção e o objetivo último das isenções previstas no artigo 13° A) nº 1, alíneas b) e c) da Diretiva IVA será sempre a redução do custo dos cuidados de saúde prestados ao doente.
E se tivermos em conta os serviços em apreço - desinfeção/descontaminação, lavagem e esterilização de materiais e equipamentos, manutenção e limpeza de materiais, equipamentos e instalações, assegurar o bom funcionamento de todos os aparelhos;...; eventual controlo de entradas e saídas de pessoas, veículos e mercadorias - é facilmente percetível que estes serviços se destinam ao bom e regular funcionamento do estabelecimento hospitalar, tendo em conta as funções a este inerentes, mas não tendo como destinatários únicos os doentes. De facto, estes serviços aproveitam a toda a população que, de alguma forma, recorre ao mesmo estabelecimento, seja ela composta por visitantes, fornecedores ou inclusivamente os próprios trabalhadores hospitalares, pois contribui para a manutenção da limpeza e descontaminação do meio hospitalar e da segurança física da população que aí se encontra.
Ainda a propósito da neutralidade, não se pode esquecer que existem sociedades de colocação de trabalho e/ou outras especializadas em cada um dos serviços em causa, cujos serviços não são isentos e que estão habilitadas a assegurar os mesmos serviços, sem que haja razões para crer que não o façam com igual qualidade e condições, até porque idênticos vínculos contratuais a isso obrigam.
Acresce que, o sujeito passivo, ao prestar os "serviços auxiliares de ação médica" teve como objetivo obter receitas suplementares mediante a realização de operações efetuadas em concorrência direta com essas sociedades sujeitas a IVA
Assim, considera-se que no caso em apreço não estão reunidos os requisitos para se considerar que os "serviços auxiliares de ação médica" em apreço são operação estreitamente conexa com o ato médico em si, tendo em conta o seu escopo terapêutico e a "intenção de garantir que o beneficio da assistência médica e hospitalar não se torne inacessível em razão do acréscimo de custos dessa assistência" (…).
Acresce que, no ponto 18 da petição, e conforme atrás já foi transcrito, o sujeito passivo afirma que "quando tais serviços acessórios são prestados isoladamente não se lhes pode, sequer, aplicar a isenção". De facto, associado ao princípio da neutralidade fiscal subjacente ao IVA, também explanado e por diversas vezes invocado na petição, a aplicação da isenção aos serviços em apreço feriria o referido princípio, porquanto quando o Centro Hospitalar (que não pode repercutir o imposto) adquire estes serviços ao sujeito passivo sem IVA (preço mais baixo), se os adquirisse a entidade especializada na área e que não preste serviços médicos adquiriria com IVA (preço mais alto). Donde, haveria distorção da concorrência porquanto o contribuinte inspecionado está em vantagem relativamente às demais entidades, decorrente exclusivamente do errado enquadramento fiscal da prestação de serviços auxiliares de ação médica.
Em complemento do supra exposto, enquanto contributo sólido para a conclusão de que as correções propostas não configuram, sequer, novidade, esclarece-se que, com referência ao processo n.º 1064, por despacho de 16/09/2010, foi produzida informação vinculativa sobre o enquadramento em IVA de serviços "auxiliares de ação médica", onde já se determinava a exclusão da aplicação da isenção prevista no n.º 2 do artigo 9.º do CIVA "Pelo que, os serviços prestados pelos "auxiliares de acção médica", muito embora se relacionem com a área da saúde, extravasam o âmbito de aplicação da isenção prevista no n.º 2 do art. 9.º do CIVA, não podendo aproveitar do enquadramento na referida isenção".
Para finalizar, e face ao ponto n.º 5 das Conclusões insertas no Direito de Audição, refira-se que não se pode concordar com o aí exposto, visto o n.º 1 do artigo 9° do CIVA não contemplar, ao contrário do seu n.º 2, a admissibilidade de prestações de serviços acessórios, sendo somente objeto de isenção "as prestações de serviços efetuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas", sendo estas últimas as mencionadas no Decreto-Lei n.º 261/93, de 24 de julho, na sua redação vigente, nas condições e termos aí referidos, pelo que este n.º 1 não é aplicável à situação em apreço.
Face ao exposto, as pretensões do sujeito passivo não podem ser atendidas, pelo que se conclui pela manutenção das correções propostas, fundamentadas no (…) o Projeto de Relatório e vertidas no presente Relatório”.
2 - Factos não provados
Não há factos alegados, relevantes para a decisão da causa, que não se tenham provado.
3 - Fundamentação da matéria de facto
Os factos dados como provados foram-no com base nos documentos juntos pelas partes e constantes do processo administrativo, na informação prestada ao tribunal pelo C..., E.P.E., na declaração de parte e nos depoimentos das testemunhas, que todas revelaram conhecimento direto dos factos que lhes foram perguntados e depuseram com aparente isenção.
IV – MATÉRIA DE DIREITO
Sendo o IVA um imposto geral sobre o consumo de matriz comunitária, o conceito de prestação de serviços assume natureza de conceito autónomo de direito da União Europeia, bem distinto do conceito privatístico dos direitos nacionais e, consequentemente, do conceito do contrato de prestação de serviços previsto no artigo 1154.º do nosso Código Civil, o qual é irrelevante para este efeito.
De acordo com o artigo 4.º, n.º 1 do Código do IVA (CIVA), “São consideradas como prestações de serviços as operações efetuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens”. Esta noção concretiza o disposto no artigo 24.º, n.º 1 da Diretiva de Consolidação do IVA (Diretiva 2006/112/CEE, do Conselho de 28 de novembro de 2006, doravante DCIVA) cujo teor é o seguinte: “Entende-se por prestação de serviços qualquer operação que não constitua uma entrega de bens”. Relevante é assim que materialmente que se esteja perante um serviço (e não perante uma entrega de bens) enquadrável numa atividade económica (tal como, de forma muito ampla, a DCIVA, no seu artigo 9.º, n.º 1, e o CIVA, no seu artigo 2.º, n.º 2, al. a), a definem) e prestado, no território nacional, por um sujeito passivo agindo como tal.
O regime do IVA, um imposto fortemente harmonizado, é, no essencial, idêntico em todos os Estados Membros (EM) em tudo o que diz respeito a regras de incidência.
A tendencial universalidade do imposto implica assim que qualquer tipo de atribuição patrimonial que não constitua entrega de bens tenha subjacente uma operação de prestação de serviços tributável, embora porventura isenta. Por isso, com frequência, a doutrina refere que estamos perante um conceito residual ou negativo de prestação de serviços. Esta foi a técnica usada pela Comunidade Europeia para evitar a sempre problemática enumeração dos serviços tributáveis, técnica utilizada no extinto imposto de transações.
Neste sentido, é absolutamente claro que a cedência de pessoal efetuada por uma empresa a uma instituição é, para efeitos de IVA, uma prestação de serviços. Esta cedência consubstancia-se numa relação triangular entre A (empresa cedente), B (instituição receptora do pessoal cedido) e C (pessoal objeto de cessão). É o conjunto das relações jurídicas subjacentes a esta relação triangular que deve ser analisado no caso da cedência de pessoal e não apenas as relações entre A e B ou entre B e C. De facto, no caso dos autos, a empresa A (a A...) presta materialmente serviços a B (os centros hospitalares) através de C (o pessoal cedido), destinando-se estes serviços aos utentes (doentes, pacientes, enfermos) de B.
Sobre o regime comunitário e nacional das isenções incompletas
Também o regime das isenções, e em concreto o das isenções simples, as que não concedem direito à dedução, decorre, no essencial, da DCIVA (Título IX, artigos 131 e ss.) Uma disposição geral (prevista no artigo 131.º da DCIVA) estatui que “As isenções previstas nos Capítulos 2 a 9 aplicam-se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados–Membros a fim de assegurar a aplicação correta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso”.
O Capítulo 2 diz respeito a isenções em benefício de certas atividades de interesse geral, enumeradas taxativamente e descritas com razoável pormenor pela DCIVA, sendo tais isenções imperativas para os Estados- Membros (EM). Uma delas consta da al. b) do n.º 1 do artigo 132.º da DCIVA, declarando imperativamente isentas
“b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos”
A ratio destas isenções, em conformidade com a jurisprudência do TJUE e com a doutrina, consiste na redução dos custos de uma atividade económica e social considerada de essencial interesse público, in casu, a saúde pública.
Algumas observações suplementares impõem-se a este respeito.
Por definição, as isenções incompletas (sem direito à dedução) constituem sempre exceções ao princípio da neutralidade do IVA, pois implicam a existência de imposto oculto. Esta quebra de neutralidade seria ainda mais preocupante para o sistema comum do IVA se cada EM pudesse isentar operações sujeitas a IVA segundo os seus próprios critérios e interesses. O regime comunitário das isenções busca assim evitar discrepâncias excessivas na aplicação de isenções pelos EM, mediante uma solução tanto quanto possível harmonizada, e isto sem prejuízo de conceder aos EM uma certa margem de autonomia na fixação das condições de atribuição das referidas isenções (cfr. citado artigo 131.º da DCIVA).
Deste modo, em nome da neutralidade fiscal possível, para que o regime das isenções seja tendencialmente o mesmo em todos os EM, evitando-se fortes distorções de concorrência, devem as noções que integram o descritivo comunitário das isenções incompletas ser interpretadas de forma idêntica no espaço da União Europeia e, em regra, com base numa interpretação estrita. Sublinhe-se, porém, que, significativamente, segundo a jurisprudência comunitária, a regra da interpretação estrita não se aplica à al. b) do n.º1 do artigo 132.º da DCIVA. De facto, no acórdão de 11 de janeiro de 2001, proferido no processo C-76/99, Comissão/ França, Col. p. I-249, o TJUE considerou, a propósito dos serviços de hospitalização, de assistência médica e também das operações estreitamente relacionadas, que este dispositivo não implica uma interpretação estrita, uma vez que o seu objetivo é assegurar que o acesso a esses serviços seja generalizado e ocorra ao menor custo possível [1].
O objetivo harmonizador só é, contudo, alcançável se for privilegiada a substância material ou económica das operações ou atos em causa em relação à forma jurídica que apresentam, a qual, em regra, tende a ser distinta de EM para EM.
Por fim, é ainda de realçar que as isenções do regime comunitário não têm natureza pessoal. Ou seja: estas isenções não são concedidas para benefício dos transmitentes de bens ou dos prestadores de serviços, mas sim em benefício de certas atividades de interesse geral, na medida em que elas permitem reduzir o preço pago pelos bens e serviços pelos seus adquirentes, nomeadamente no caso de inexistência de um serviço de saúde universal e gratuito, pelos próprios utentes relativamente pelos serviços prestados pelo pessoal dos estabelecimentos ou centros hospitalares. Aliás, é bom não esquecer que, do ponto de vista do sujeito passivo prestador de serviços, a isenção incompleta de IVA pode mesmo traduzir-se numa penalização, uma vez que, se ele não liquida IVA, também não deduz o IVA suportado nas operações efetuadas a montante daquelas operações [2].
Entre nós, a recepção das normas comunitárias relativas a isenções incompletas consta essencialmente do artigo 9.º do CIVA. Assim, o nº 2 deste artigo transpõe o disposto no referido artigo 132.º, n.1, al. b) da DCIVA, adaptando-o ao contexto local, isto é, de acordo com o citado artigo 131.º da DCIVA, tendo em conta as condições que visam assegurar a sua aplicação correta e simples e evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso). São assim isentas não só as “prestações de serviços médicos e sanitários”, como ainda as “operações com elas estritamente conexas, efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares", ou seja, prestadas em meio hospitalar.
Note-se, desde já, que as isenções previstas no CIVA abrangem os serviços sanitários (e não apenas serviços médicos em sentido estrito[3]) e também, como se disse, as “operações estritamente conexas” com os serviços médicos e sanitários.
É certo que, como refere NEVES (2010), “o facto de não se concretizar o que se deve entender por serviço conexo levanta, na prática, muitas dúvidas, pois o leque de serviços que podem ser prestados e que apresentam conexão com aqueles serviços (médicos ou sanitários) é bastante vasto. Não obstante, pode-se com um relativo grau de certeza afirmar que conexas são todas aquelas operações, realizadas em momento anterior ou posterior aos serviços, com os quais apresentam uma ligação ou uma relação, no sentido de concorrerem para a sua realização, podendo ser vistos como acessórias ou instrumentais em relação à prestação principal” [4].
Também LAIRES conclui que, “em face da jurisprudência referenciada, deve considerar-se, portanto, em relação às categorias de isenções enumeradas nas alíneas 2), 6,) 7), 9), 10), 12), 13), 14) e 19) do artigo 9.º do CIVA, que a extensão das mesmas às operações conexas ou estritamente conexas aí referidas se reporta a operações acessórias que, não representando uma finalidade em si mesma para o cliente, permitem assegurar que o serviço principal seja de maior qualidade ou seja obtido em melhores condições” [5].
A limitação da extensão do conceito de serviços conexos é-nos fornecida pelo disposto nas alíneas a) e b) do artigo 134.º da DCIVA. Ficam assim excluídas da isenção as prestações de serviços acessórias que não sejam indispensáveis à realização das operações isentas, bem como as que se destinem essencialmente a proporcionar ao organismo receitas suplementares mediante a realização de operações efetuadas em concorrência direta com as empresas comerciais sujeitas ao IVA. Foi neste contexto (bem diferente do dos autos) que o Tribunal de Justiça afastou, em princípio, da isenção os serviços telefónicos e de locação de serviços de televisão às pessoas hospitalizadas ou o fornecimento de dormidas e refeições a acompanhantes e, bem assim, as prestações fornecidas por um banco de células estaminais não levada a cabo em ambiente hospitalar (cfr., respetivamente, os casos Ygeia e CopyGene invocados pela AT).
No presente caso, as prestações de serviços efetivamente levadas a cabo pela A..., mediante o pessoal cedido, cabem, sem dúvida, no conceito de operações de serviços conexos, relacionados, acessórios ou instrumentais dos serviços médicos e sanitários[6].
Reafirma-se ainda que a isenção é concedida não em benefício dos prestadores de serviços[7] mas sim, em última instância, dos utentes (doentes, pacientes, enfermos) dos serviços praticados por pessoal médico, paramédico ou auxiliar no espaço físico dos estabelecimentos e instituições similares. Para este efeito, é irrelevante a forma contratual que assume a contratação desse pessoal. Tanto contam os serviços realizados diretamente por prestadores de serviços independentes, como os realizados por trabalhadores em regime de contrato de trabalho (muitas vezes problemática devido a restrições orçamentais) ou por prestadores cuja colaboração decorre de regimes de cedência de pessoal (situação, aliás, comum na prestação dos próprios serviços médicos e de enfermagem). Nas suas anotações ao artigo 9.º do CIVA, NEVES[8] dá conta da seguinte decisão administrativa: “(...) 14. No caso controvertido, verifica-se que os serviços a prestar pelo exponente se consubstanciam em prestações de caráter médico, ou seja, na cedência de pessoal médico e, como tal, constituem operações susceptíveis de beneficiar do regime de isenção previsto no n.º 2 do art. 9.º do CIVA. 15. Na realidade estamos perante uma contraprestação paga pelo Serviço Nacional de Saúde, pelos serviços que estes médicos, cedidos pelo exponente, prestam à população utente dos hospitais com quem contratualizaram, e como tal, pode-se considerar que tem enquadramento no conceito de estabelecimento similar”.
Fica assim claro que estas isenções aplicam-se independentemente de os serviços serem prestados direta ou indiretamente, mediante recurso a subcontratação de pessoal proporcionada por empresas sujeitos passivos de IVA reconhecidas como idóneas para tal. Fica ainda claro estes prestadores de serviços de cedência de pessoal podem ser considerados como estabelecimento similar.
Nenhuma razão justifica que esta possibilidade de os hospitais recorrerem à a subcontratação seja restrita a serviços médicos, com exclusão dos serviços auxiliares estreitamente conexos com serviços médicos e sanitários. Na realidade, o que conta é a integração dos profissionais que prestam serviços especificamente relacionados com serviços médicos ou sanitários em equipas que, funcionando em ambiente hospitalar, prestam cuidados de saúde sob direção técnica de médicos ou enfermeiros. É do domínio da experiência e da natureza das coisas, facto que qualquer profissional de saúde reconhece na prática, que essas equipas hospitalares que prestam serviços terapêuticos aos utentes não conseguem funcionam exclusivamente com médicos e enfermeiros.
De facto, sem a colaboração dos profissionais que levam a cabo operações estreitamente relacionadas com a hospitalização e assistência médica, pode mesmo dizer-se que, mais cedo que tarde, o nosso Serviço Nacional de Saúde se arriscaria a colapsar.
V - DECISÃO
Termos em que decidem os árbitros que constituem este tribunal em:
1 - Julgar procedente o pedido principal, anulando, por ilegais, as liquidações de IVA e juros compensatórios impugnadas;
2 - Não condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios na falta de prova de pagamento das quantias liquidadas, sem prejuízo da obrigação legal resultante dos artigos 43º da Lei Geral Tributária e 61º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
VI - VALOR DO PROCESSO E CUSTAS
De harmonia com o disposto nos artigos 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT e 3º n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em € 625.210,67 (seiscentos e vinte e cinco mil duzentos e dez euro e sessenta e sete cêntimos).
Nos termos do artigo 22º nº 4 do RJAT não há que fixar o montante das custas e sua repartição pelas partes.
Notifique-se
Lisboa, 6 de Julho de 2018
Os Árbitros
(José Baeta de Queiroz)
(Nina Aguiar – vencida conforme declaração anexa, que integra o presente acórdão)
(António Carlos dos Santos)
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO
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Enquadramento
A questão jurídica fundamental a decidir nos autos é a de saber se determinadas prestações de serviços efetuadas pela Requerente estão abrangidas pela isenção de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) prevista no art. 9º, 2 do respetivo código, concretamente por se qualificarem como “operações estreitamente relacionadas com prestações de serviços médicos e sanitários”.
Para alcançar uma resposta é necessário, por um lado, interpretar a norma de isenção, procurando fixar os seus conceitos até onde tal se afigure possível e necessário; e, por outro lado, interpretar a realidade factual, que no caso se afigura complexa, com vista ao exercício da subsunção dos factos na previsão da norma.
As razões que motivam a divergência da signatária deste voto de vencido em relação à posição que alcançou vencimento no seio do tribunal arbitral diz respeito a ambos os objetos da discussão: a interpretação da norma e a interpretação dos factos.
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Interpretando a norma de isenção
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O artigo 9º, 2 do Código do IVA deve ser interpretado em conformidade com o direito europeu e com a jurisprudência do TJUE sobre o mesmo
Começando pela primeira tarefa, o artigo 9º, 2 do Código do IVA (CIVA) determina:
[Estão isentas de imposto:] As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estritamente conexas, efetuadas por estabelecimento hospitalares, clínicas, dispensários e similares.”
Esta disposição legal transpõe para a ordem jurídica interna o art. 132º, 1, b) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (de ora em diante Diretiva IVA), que diz:
[1. Os Estados–Membros isentam as seguintes operações:]
b) A hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas, asseguradas por organismos de direito público ou, em condições sociais análogas às que vigoram para estes últimos, por estabelecimentos hospitalares, centros de assistência médica e de diagnóstico e outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos;
A norma do CIVA deve ser interpretada de modo consentâneo com a interpretação que tem sido feita da transcrita disposição da normativa europeia pelo TJUE.
Com efeito, constitui um princípio há muito assente no direito da União Europeia que os tribunais dos Estados Membros devem interpretar todo o direito nacional em conformidade com o direito da União Europeia (Acórdão TJUE de 04-07-2006, C‐212/04 Konstantinos Adeneler e outros).
Vejamos então, em traços concisos, como tem vindo a ser delimitado o âmbito da citada disposição do direito europeu.
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O conceito de prestações de serviços médicos e sanitários
Resulta da própria letra do artigo 132º da Diretiva IVA que as isenções que aí se preveem são imperativas para os Estados quanto ao seu âmbito de aplicação. Os Estados membros não podem – salvo em casos excecionais expressamente previstos – deixar de isentar as atividades aí prevista, e só o podem fazer com a extensão com que aí se prevê a sua isenção.
Assim o afirma o TJUE no acórdão Skatteverket[9]:
Contrariamente ao que alega a KD, o princípio da neutralidade fiscal não põe em causa esta conclusão. Como assinalou a advogada‑geral no n. 53 das suas conclusões, este princípio não permite alargar o âmbito de aplicação de uma isenção, na falta de uma disposição inequívoca. Com efeito, o referido princípio não é uma norma de direito primário que possa determinar a validade de uma isenção, mas sim um princípio de interpretação que deve ser aplicado paralelamente com o princípio de que as isenções são de interpretação estrita (v. acórdão de 19 de julho de 2012, Deutsche Bank, C‑44/11, n.o 45).
É jurisprudência assente do TJUE que as isenções previstas no artigo 132º da Diretiva IVA[10] (correspondente ao 13.° da Sexta Diretiva[11]) constituem conceitos autónomos do direito da União que têm por objetivo evitar divergências na aplicação do regime do IVA de um Estado Membro para outro (Acórdão TJCE, 25-02-1999, C 349/96, Card Protection Plan Ltd (CPP)/Commissioners of Customs & Excise, par. 15; Acórdão TJCE 15-06-1089, C 348/87, Stichting Uitvoering Financiële Acties v Staatssecretaris van Financiën, par.11; Acórdão TJUE 28-01-2010, C 473/08, Eulitz v. Finanzamt Dresden I, par. 25).
Resulta igualmente de jurisprudência assente que as isenções previstas no artigo 132º da Directiva IVA não se destinam a isentar de IVA quaisquer atividades de interesse geral, mas unicamente as que aí são enumeradas e descritas de maneira muito detalhada (v., designadamente, acórdãos de 11-07-1985, Comissão/Alemanha, C 107/84, par. 17; de 20 de Novembro de 2003, D’Ambrumenil e Dispute Resolution Services, C 307/01, par. 54; e Eulitz, já referido, par. 26).
Todavia, a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objetivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA. Assim, esta regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 132.° devam ser interpretados de maneira a privá-las dos seus efeitos (v., designadamente, acórdão de 14-06-2007, Haderer, C 445/05, par. 18 e jurisprudência referida, e acórdão Eulitz, já referido, par. 27 e jurisprudência referida).
Por consequência, o conceito de “assistência médica, que figura no artigo 132.º, n.º 1, al. b), da diretiva IVA (tal como o de “prestações de serviços de assistência”, que figura no artigo 132.º, n.º 1, al. c), dessa diretiva) visa prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde (v. acórdão 21-03-2013, C-91/12, Skatteverket v. PFC Clinic, par. 25; e acórdão TJUE de 10-06-201, C‑86/09, Future Health Technologies, pars. 37 e 38).
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A disposição do art. 132º, 1 b) deve ser objeto de uma interpretação restritiva
Os termos usados para designar as isenções previstas no artigo 132.° da Diretiva são de interpretação estrita, dado que constituem exceções ao princípio geral da tributação em IVA de cada prestação de serviços efectuada a título oneroso por um sujeito passivo.
Ora, o acórdão ao qual se opõe o presente voto de vencido afirma que a disposição em causa não deve ser objeto de interpretação restritiva. Com efeito, aí se diz: “Sublinhe-se, porém, que, significativamente, segundo a jurisprudência comunitária, a regra da interpretação estrita não se aplica à al. b) do n.º1 do artigo 132.º da DCIVA. De facto, no acórdão de 11 de janeiro de 2001, proferido no processo C-76/99, Comissão/ França, Col. p. I-249, o TJUE considerou, a propósito dos serviços de hospitalização, de assistência médica e também das operações estreitamente relacionadas, que este dispositivo não implica uma interpretação estrita, uma vez que o seu objetivo é assegurar que o acesso a esses serviços seja generalizado e ocorra ao menor custo possível.”
Não se pode acompanhar esta conclusão, que reputamos excessiva, pois o que se lê, no acórdão do TJUE citado é que “não se justifica uma interpretação particularmente restritiva.” O que é diferente de que aqui, contrariamente a todas as restantes isenções, a regra da interpretação restritiva é não se aplica.
No acórdão Skatteverket,[12] estando em causa a prestação de serviços médicos, o Tribunal de Justiça diz:
23. Quanto a estas questões, importa, antes de mais, recordar que os termos usados para designar as isenções previstas no artigo 132.º da diretiva IVA são de interpretação estrita, dado que constituem exceções ao princípio de que o IVA é cobrado sobre cada prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo.
O acórdão do TJUE não faz qualquer ressalva em relação às alíneas b) ou c) do dispositivo, que se referem aos serviços médicos.
Por outro lado, a aplicação que o Tribunal de Justiça fez da mesma no caso de De Fruytier,[13] e ainda mais no caso Klinikum Dortmund, ambos em matéria de serviços de saúde, deixam claro que o Tribunal, na atualidade, faz uma interpretação restritiva das normas que isentam de iva os serviços médicos e sanitários.
N. De Fruytier é uma pessoa singular que exerce, a título independente, uma atividade de transporte de órgãos e de produtos biológicos (produtos para análise) de origem humana por conta de diversos hospitais e laboratórios, sob a autoridade e a responsabilidade de um médico.
Sublinhe-se que a questão colocada é exatamente a de saber se a prestação de serviços em causa pode ser vista como uma operação estreitamente conexa com a prestação de serviços médicos, como se vê pela transcrição do par. 15:
Com as suas três questões, que há que analisar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.°, A, n.° 1, alíneas b) ou c), da Sexta Diretiva, deve ser interpretado no sentido de que se aplica a uma atividade de transporte de órgãos e de produtos biológicos de origem humana, para efeitos de análises médicas ou de assistência médica ou terapêutica, exercida por um terceiro independente, cujas prestações são incluídas no reembolso efetuado pela segurança social, a favor de clínicas e de laboratórios, e, em especial, se essa atividade pode beneficiar da isenção do IVA a título de operações estreitamente conexas com prestações de natureza médica previstas no referido artigo 13.°, A, n.° 1, alínea b).[14]
Fundamentando a sua decisão, judicia o Tribunal de Justiça nos seguintes termos:
19. As prestações de natureza médica são suscetíveis de integrar as isenções previstas no artigo 13.º, A, n.° 1, alíneas b) e c), da Sexta Diretiva. Resulta da jurisprudência que o artigo 13.°, A, n.°1, alínea b), da Sexta Diretiva visa as prestações efetuadas no meio hospitalar, ao passo que a alínea c) deste mesmo n.° 1 visa as prestações médicas fornecidas fora desse âmbito, tanto no domicílio privado do prestador como no domicílio do paciente ou em qualquer outro lugar (v., neste sentido, acórdãos Kügler, C‑141/00, EU:C:2002:473, n.° 36, e CopyGene, C‑262/08, EU:C:2010:328, n.° 27).
20. No que respeita, mais concretamente, aos conceitos de «assistência médica», que figura no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea b), da Sexta Diretiva, e de «prestações de serviços de assistência» às pessoas, que figura no artigo 13.°, A, n.° 1, alínea c), desta diretiva, o Tribunal já declarou em várias ocasiões que ambos estes conceitos visam prestações que tenham por finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde (v. acórdão Klinikum Dortmund, C‑366/12, EU:C:2014:143, n.° 29 e jurisprudência referida).
21. Daqui resulta que as prestações médicas efetuadas com a finalidade de proteger, manter ou restabelecer a saúde das pessoas beneficiam da isenção prevista no artigo 13.°, A, n.° 1, alíneas b) e c), da Sexta Diretiva. Por conseguinte, ainda que esta disposição tenha campos de aplicação distintos, o seu objeto é regulamentar a totalidade das isenções das prestações médicas em sentido estrito (v. acórdão Klinikum Dortmund, C‑366/12, EU:C:2014:143, n.os 30, 31 e jurisprudência referida).
O Tribunal não podia ser mais claro: a norma destina-se a isentar as prestações médicas em sentido estrito.
Prossegue o Tribunal:
22. Embora a «assistência médica» e as «prestações de serviços de assistência» às pessoas devam ter uma finalidade terapêutica, daí não decorre necessariamente que a finalidade terapêutica de uma prestação deva ser compreendida numa aceção particularmente restritiva (v. acórdão CopyGene, C‑262/08, EU:C:2010:328, n.° 29 e jurisprudência referida).
23. No caso concreto, há que constatar que uma atividade como a que está em causa no processo principal, a saber, o transporte de órgãos e de produtos biológicos de origem humana a favor de diversos hospitais e laboratórios, não constitui manifestamente «assistência médica» ou «prestações de serviços de assistência», na aceção do artigo 13.°, A, n.° 1, alíneas b) e c), da Sexta Diretiva, dado que não faz parte das prestações médicas efetuadas com a finalidade de diagnosticar, tratar ou curar doenças ou anomalias de saúde, ou que têm por finalidade efetiva proteger, manter ou restabelecer a saúde (v., neste sentido, acórdão Future Health Technologies, C‑86/09, EU:C:2010:334, n.° 43).
Portanto, o que pode extrair-se da sentença do tribunal europeu é que, não devendo ser feita uma interpretação particularmente restritiva do que seja a “finalidade terapêutica” de uma operação, a norma deve ser objeto de uma interpretação restritiva, de tal modo que só as prestações médicas em sentido estrito e as que com estas estejam “em estreita relação”, devem considerar-se abrangidas pelo desagravamento.
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O conceito de “operações estreitamente relacionadas” com serviços médicos e sanitários
A norma que analisamos – o art. 9º, 2 do CIVA – contempla duas realidades, ou situações: (i) os “serviços médicos e sanitários,” e (ii) as “operações com elas estreitamente conexas”.
Embora a posição da Requerente não seja clara a este respeito, parece não oferecer dúvida de maior que em relação à situação factual na origem dos autos apenas pode ser discutida a sua qualificação como “operações estreitamente conexas com serviços médicos e sanitários”.
No art. 132º, 1, b) da Diretiva IVA, a expressão correspondente é “a hospitalização e a assistência médica, e bem assim as operações com elas estreitamente relacionadas”.
A Diretiva IVA não contém, no artigo 132.° ou em qualquer outro local, uma definição da noção de “operações estreitamente relacionadas com operações a hospitalização e a assistência médica.”
No acórdão a que este voto se opõe, o Tribunal arbitral pronuncia-se, amparando-se em doutrina dos Ilustres Juristas Filipe Duarte Neves e Rui Lares, no sentido de que:
“conexas são todas aquelas operações, realizadas em momento anterior ou posterior aos serviços, com os quais apresentam uma ligação ou uma relação, no sentido de concorrerem para a sua realização, podendo ser vistos como acessórias ou instrumentais em relação à prestação principal”.
Ou, noutra formulação de que o Tribunal arbitral também se apropria, operações estreitamente relacionadas seriam as
“operações acessórias que, não representando uma finalidade em si mesma para o cliente, permitem assegurar que o serviço principal seja de maior qualidade ou seja obtido em melhores condições”.
Será assim? Com a devida deferência, que não pode constituir embargo à discussão, não enfermarão as doutas definições que o Tribunal perfilha precisamente da falha de desatenderem o imperativo de uma interpretação restritiva das normas em causa?
Olhemos, uma vez mais, o acórdão de Fruytier e vejamos se nele TJUE aplicou a noção de operações estreitamente relacionadas com operações a hospitalização e a assistência médica em sentido conforme com a definição destes autores.
De Fruytier é um operador especializado, que transporta produtos biológicos humanos para fins médicos (além de órgãos humanos). Suponhamos que o indivíduo Y, encontrando-se doente, se dirige a um estabelecimento de saúde, onde lhe é prescrita, como meio de diagnóstico, uma análise de sangue, que não pode ser feita no próprio estabelecimento. Efetuada no estabelecimento a recolha do sangue, há que transportar o mesmo para o laboratório que o irá analisar. De Fruytier é contratada para efetuar esse transporte e entrega, sob a supervisão de um médico.
Estaremos perante uma “operação, realizada em momento anterior ou posterior ao serviço (de diagnóstico), com o qual apresenta uma ligação ou uma relação, no sentido de concorrer para a sua realização, podendo ser vista como acessória ou instrumental em relação à prestação principal?”
Estaremos perante uma operação que “não representando uma finalidade em si mesma para o cliente, permite assegurar que o serviço principal seja de maior qualidade ou seja obtido em melhores condições?”
A resposta é evidentemente afirmativa, em ambos os casos. E, contudo, não é, para o Tribunal de Justiça, uma operação estreitamente relacionada com um serviço de assistência médica....
O que mostra que as definições doutrinárias perfilhadas não encontram harmonia com a doutrina, recente, do tribunal europeu.
Em reforço desta posição, não poderemos deixar de referir um outro acórdão do TJUE, proferido no caso C‑366/12.[15]
O sujeito passivo no litígio é uma sociedade sem fins lucrativos que explora um hospital, onde são tratados doentes com cancro, internados e em ambulatório. No hospital existe uma farmácia que produz os medicamentos para esses doentes (chamados citoestáticos). Quando estes medicamentos são administrados aos doentes internados, o preço desta administração (que incluía produção) está isenta de iva. A administração fiscal alemã pretende tributar em iva a administração dos medicamentos em causa aos doentes em regime de ambulatório e apenas a esses.
Importa esclarecer que os doentes em ambulatório eram tratados, dentro das instalações do hospital, por médicos atuando na qualidade de independentes (ao contrário dos doentes internados).
O Tribunal formula a questão prejudicial nos seguintes termos: “a questão submetida equivale a determinar se a administração de medicamentos citostáticos pela KD no âmbito de um tratamento contra o cancro, em ambulatório, pode estar isenta de IVA enquanto operação estreitamente ligada aos cuidados médicos, quando estes são prestados por médicos que exercem a título independente nas instalações do hospital gerido pela KD.”
Sendo assim, a isenção em causa é a que incide sobre prestações de serviços efetuadas por médicos no exercício da sua profissão, a que corresponde, no direito interno português, o nº 1 do art. 9º do CIVA. Em relação a estas isenções, não prevê a Diretiva IVA a possibilidade de a estender a atos estreitamente relacionados.
E portanto, para que a administração do medicamento pudesse estar isenta ela tinha que ser economicamente indissociável da prestação do ato médico.
O Tribunal, fundamentando a sua decisão, e acompanhando quanto a esse ponto o governo alemão, começa por reafirmar a regra da interpretação restritiva da norma de isenção (par. 26).
O Tribunal prossegue dizendo:
35. (...) não pode ser negado que, em circunstâncias como as do processo principal, as prestações de serviços de assistência efetuadas no âmbito do exercício de uma profissão médica, na aceção do artigo 13.°, A, n.° 1, alínea c), da Sexta Diretiva, por um lado, e a administração de medicamentos citostáticos, por outro, se inserem numa continuidade terapêutica. Com efeito, a administração de medicamentos, como os citostáticos em causa no processo principal, é indispensável no momento da prestação de serviços de assistência no tratamento do cancro em ambulatório, uma vez que, sem aquela, esta prestação de serviços de assistência fica sem razão de ser.
36. Contudo, apesar desta continuidade terapêutica, os interessados confirmaram na audiência que o tratamento em causa no processo principal implica uma série de operações e etapas que, embora inter-relacionadas, são individualmente distintas. Como salientou a advogada‑geral nos n.os 48 e 49 das suas conclusões, o paciente parece beneficiar de diferentes operações, a saber, a prestação de serviços de assistência por parte do médico, por um lado, e a dispensa dos medicamentos pela farmácia do hospital gerido pela KD, por outro, o que impede que sejam considerados como material e economicamente indissociáveis.
37. Contudo, não resulta claramente dos elementos fornecidos ao Tribunal de Justiça que, no processo principal, se possa considerar que a administração dos medicamentos é material e economicamente indissociável da prestação de cuidados médicos no âmbito desse tratamento. Esta constatação carece de uma apreciação aprofundada da continuidade terapêutica em causa. Deste ponto de vista, compete ao órgão jurisdicional de reenvio, exclusivamente competente para apreciar os factos, efetuar as verificações necessárias para esse efeito.
O Tribunal considerou, em conclusão final, que a administração de medicamentos citoestáticos, a doentes com cancro tratados em ambulatório, por parte da farmácia do hospital não poderia beneficiar de isenção de iva.
É certo que não estava em discussão, no caso, a noção de “atos estreitamente relacionados”, mas a discussão não deixa de ser proveitosa para a perceção do quão restritiva era, em 2015, a interpretação que o Tribunal de Justiça fazia das isenções relativas a serviços de saúde.
A partir dos dois casos mencionados, decididos pelo Tribunal de Justiça, não podemos definir “atos estreitamente relacionados” com a prestação de serviços médicos e sanitários.
Mas podemos afirmar que o Tribunal impõe que se faça uma interpretação restritiva desse preceito.
Por outro lado, o caso De Fruytier forma, para já, a única linha divisória válida: atos que apresentem com a prestação de cuidados médicos “principal” um nexo tão ou menos estreito do que o que se verificava naquele caso, não podem ser considerados “operações estreitamente relacionados com serviços médicos ou sanitários.”
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Análise da situação factual
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A Requerente não tem como atividade ou objeto a prestação de cuidados de saúde
A situação factual, no caso dos autos, é-nos representada de uma maneira equívoca.
A equivocidade começa na definição do objeto social da Requerente.
Vejamos.
A Requerente diz sobre esse ponto:
A Requerente tem como objecto social a prestação de serviços de saúde, incluindo os serviços prestados pelo pessoal médico, de enfermagem, paramédico, técnicos de diagnóstico, auxiliares de acção médica e por todos os outros profissionais de saúde, bem como, os serviços prestados por outros profissionais necessários ao bom funcionamento das unidades de prestação de cuidados de saúde.
Num parágrafo à parte, adita:
Esse objecto inclui ainda actividades de consultadoria, promoção, organização, administração e/ou exploração de unidades de saúde.
A Autoridade Tributária diz sobre o mesmo ponto:
O sujeito passivo tem como objeto social a prestação de serviços de saúde, incluindo os serviços prestados pelo pessoal médico, de enfermagem, paramédico, técnicos de diagnóstico, auxiliares de ação médica e por todos os outros profissionais de saúde. Esse objeto inclui ainda atividades de consultoria, promoção, organização, administração e/ou exploração de unidades de saúde.
O contrato de sociedade diz, na sua cláusula terceira:
O objeto social da sociedade é a “prestação de serviços de saúde, incluindo: os serviços prestados pelo pessoal médico, pelo pessoal de enfermagem, pelo pessoal paramédico, pelos técnicos de diagnóstico e terapêutica, pelos auxiliares de ação médica e por todos os outros profissionais de saúde, bem como os serviços prestados por outros profissionais necessários ao bom funcionamento das unidades de prestação de cuidados de saúde; Consultoria, promoção, organização, administração e/ou exploração de unidades de saúde. Serviços de promoção, organização, consultoria e administração de pessoal em projetos de qualquer natureza e gestão de serviços específicos em entidades públicas e privadas, designadamente serviços de pessoal, aprovisionamento, financeiros e marketing”.
A perplexidade que imperiosamente se coloca ao aplicador do Direito é: como é que uma sociedade que tem por objeto a prestação de cuidados de saúde, que reivindica para si o estatuto jurídico de estabelecimento de saúde, pode também ter por objeto a prestação de serviços financeiros e de marketing?
O acórdão ao qual nos opomos neste voto de vencido, dá como provado que a atividade da Requerente se se classifica no CAE 86906 - “outras atividades de saúde humana” da “classificação das atividades económicas.”
Contudo, a descrição constante da Classificação das Atividades Económicas para o código 86906 é:
Compreende todas as actividades de saúde humana não incluídas nas posições anteriores, nomeadamente, as actividades de fisioterapia, optometria, ortóptica, dietética, hidroterapia, massagem, ginástica médica, terapia (ocupacional, da fala, etc.), quiropodia, homeopatia, acupunctura, hipoterapia, psicologia e actividades similares, exercidas em consultórios privados, nos postos médicos das empresas, escolas, lares, no domicílio ou noutros locais (inclui todos os estabelecimentos de saúde, sem internamento não englobados nas subclasses anteriores). Compreende também as actividades exercidas pelos assistentes dentários (ex: os especialistas em terapia dentária), pelas enfermeiras dentárias de escolas e higienistas (que podem não trabalhar em consultórios de dentistas mas cuja actividade é regularmente controlada por estes).
Ora a Requerente não exerce, não tem como objeto, nem em parte alguma afirma que tem como objeto ou exerce alguma destas atividades.
Portanto, a Requerente não tem, de facto, nenhuma atividade que lhe permita classificar-se com exercendo “outras atividades de saúde humana”.
Acontece que, não tendo a Requerente como objeto a prestação de cuidados de saúde, ela não poderia nunca abrigar-se na qualificação do nº 2 do art.º 9º do CIVA que diz:
As prestações de serviços médicos e sanitários e as operações com elas estreitamente conexas efectuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares.
A Administração Tributária, optou, explicitamente, por não questionar a qualificação da da Requerente.
Pelo que o Tribunal não tinha que se pronunciar sobre a questão. Mas fazendo-o, cabia-lhe discutir a questão e fundamentar as suas conclusões, o que não fez.
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Em que consistem as prestações de serviços realizadas pela Requerente e discutidas nos autos
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A atividade da Requerente é, na verdade, uma atividade de gestão de recursos humanos, igual à de qualquer empresa de mão de obra temporária
É também imprecisa e variegada a forma em que se descrevem as prestações de serviços efetuadas pela Requerente.
Para esse propósito, deverão, a nosso ver, constituir ponto de partida os contratos de prestação de serviços celebrados entre a Requerente e as entidades adquirentes na origem das transações tributadas. Não são estes os que vinculam as partes quanto às prestações de serviços a efetuar? Não são os contratos, que para mais são contratos de direito público, que definem com a máxima precisão em que consistem essas prestações?
Vejamos em que consiste o serviço ou os serviços a prestar no Contrato “nº .../2013” entre a Requerente e o B..., segundo concurso público nº .../2013, datado de 08/04/2013.
Começa por estipular o contrato em causa (cláusula 2ª) que “o objeto do presente contrato é a prestação de serviços auxiliares de apoio à atividade hospitalar e à qual são afetos 109 colaboradores, distribuídos por equipas consoante a especificidade das funções a desempenhar”.
Na cláusula 5ª, estipulam-se as obrigações principais do prestador de serviços, dizendo-se aí:
(...)
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Obrigação de prestar os serviços tendo em consideração os horários e as necessidades do contraente público;
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Obrigação de substituição dos serviços rejeitados, em igual período proposta para a prestação daquele serviço, contados a partir da emissão da notificação do facto.
A cláusula 6ª refere-se às “funções das equipas”. Aí se dispõe:
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Para o integral cumprimento do disposto nas cláusulas anteriores, o prestador de serviços deverá formar cinco equipas, em função do grau de especialização, totalizando 109 colaboradores, como indicado:
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Serviços Gerais – Equipa A – 101 (cento e um) colaboradores;
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Serviços Diferenciados – Equipa B – 2 (dois) colaboradores;
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Serviços Diferenciados – Equipa C – 2 (dois) colaboradores;
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Serviços Diferenciados – Equipa D – 3 (três) colaboradores;
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Serviços Diferenciados – Equipa E – 1 (um) colaborador;
O nº 3 da mesma cláusula 6ª diz:
Apesar da designação “serviços gerais”, os serviços auxiliares de apoio compreendem serviços específicos em função das necessidades do Primeiro Outorgante em cada momento da execução do contrato, nomeadamente, serviços auxiliares de ação médica, alimentação, rouparia, higiene, casa mortuária, central telefónica, portarias, transportes, apoio logístico, manutenção e conservação, devendo o Segundo Outorgante ter a capacidade de responder, em tempo útil, nas quantidades exatas e com profissionais aptos e experientes na área/serviço a integrar.
O nº 4 da mesma cláusula 6ª diz:
Sem prejuízo da exigida especificidade dos diversos serviços, descrevem-se genericamente, sem limitar, os Serviços Auxiliares de Apoio à Atividade Hospitalar: desinfeção/descontaminação química, lavagem e esterilização de materiais e equipamentos; manutenção e limpeza de materiais, equipamentos e instalações; assegurar o bom funcionamento de todos os aparelhos; assegurar o bom funcionamento de todos os aparelhos; apoio às atividades dos serviços requisitantes, repondo e tirando e efetuando despejos, preparação e garantir em número suficiente os contentores para posterior incineração; correta preparação de material e equipamento necessários à diferentes atividades clínicas; preparação e arrumação dos espaços para a realização de atos clínicos; supervisão do correto acondicionamento e transporte de materiais em tabuleiros e placas; condução de viaturas, zelando pela conservação e manutenção da respetiva frota automóvel e definindo previamente os percursos e os tempos de deslocação, na medida do estritamente necessário ao adjudicante, acondicionamento das cargas nos veículos, garantindo a sua integridade; serviços mensageiros interno; acompanhamento e transporte de doentes em camas, macas, cadeiras de rodas ou a pé, dentro e fora das unidades hospitalares; serviço externo e interno de transporte de medicamentos e produtos de consumo corrente necessários ao funcionamento dos serviços; receção, arrumação e distribuição de roupas lavadas e recolha de roupas sujas e suas entregas; eventualmente, preparação de refeições ligeiras nos serviços e distribuição de dietas (regime geral e dietas terapêuticas); manutenção de condições de higiene nos locais de confeção de alimentos; colaboração na prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes; transporte e distribuição de oxigénio e outros materiais esterilizados pelos serviços de ação médica; auxílio nas tarefas de alimentação; transporte de cadáveres; colaboração com as equipas e profissionais de outras áreas; eventualmente, controlo de entradas e saídas de pessoas, veículos e mercadorias; informações e acompanhamento em todas as áreas do hospital; eventualmente, receção e expedição de correspondência; colaboração com os serviços respetivos na manutenção de pessoas e bens; serviços de apoio à prática de cuidados de enfermagem.
A cláusula 8ª refere-se a “carga horária semanal” e diz:
As funções mencionadas na cláusula 6ª serão desempenhadas no horário de 35 horas semanais.
A clausula 9ª refere-se a “retribuição do colaborador” e diz:
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A retribuição base mensal dos colaboradores é a seguinte, de acordo com a equipa em que estejam inseridos:
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Equipa A – 485,00 € (quatrocentos e oitenta e cinco euros)
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Equipa B – 518,35 € (quinhentos e dezoito euros e trinta e cinco cêntimos)
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Equipa C – 630,26 € (seiscentos e trinta euros e vinte e seis cêntimos)
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Equipa D – 667,35 € (seiscentos e sessenta e sete euros e trinta e cinco cêntimos)
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Equipa E – 698,04 € (seiscentos e noventa e oito euros e quatro cêntimos)
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A todos os colaboradores acresce o valor de 4,27€ a título de subsídio de alimentação.
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Acrescem ainda os proporcionais relativamente a horas extra, bonificadas e ajudas de custo, desde que devidamente autorizados.
A cláusula 10ª refere-se ao “prazo de pagamento do colaborador” e diz:
O pagamento por parte do Segundo Outorgante ao colaborador deve ser efetuado entre os dias 22 a 8 de cada mês, sendo que caso o dia escolhido pelo Segundo Outorgante recaia num fim de semana ou feriado, o pagamento deverá ser antecipado para o dia útil anterior, sob pena de o Primeiro Outorgante suspender o pagamento ao Segundo Outorgante.
A cláusula 11ª refere-se ao “preço contratual” e dispõe:
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O Primeiro Outorgante pagará à Segunda Outorgante mensalmente, como retribuição pelos seus serviços as seguintes quantias:
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887,19€ (oitocentos e oitenta e sete euros e dezanove cêntimos) por cada colaborador que integre a Equipa A;
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941,67 € (novecentos e quarenta e um euros e sessenta e sete cêntimos) por cada colaborador que integre a Equipa B;
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1124,54€ (mil cento e vinte e quatro euros e cinquenta e quatro cêntimos) por cada colaborador que integre a Equipa C;
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1185,17€ (mil cento e oitenta e cinco euros e dezassete cêntimos) por cada colaborador que integre a Equipa D;
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1253,31€ (mil duzentos e cinquenta e três euros e trinta e um cêntimos) por cada colaborador que integre a Equipa E;
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Os proporcionais relativos a horas extra, bonificadas e ajudas de custo, desde que devidamente autorizados, serão faturados em separado e acrescem ao valor mencionado no ponto 1.
O contrato não trata de uma prestação de serviços médicos ou sanitários, mas da contratação de pessoal, das condições em que esse pessoal vai desempenhar funções, das condições de remuneração, do tempo de trabalho, etc., etc., etc.
O que as cláusulas contratuais transcritas nos mostram, é que o serviço que a Requerente presta à adquirente é o serviço de seleção, recrutamento e gestão de recursos humanos, tal como, aliás, se encontra escrito nas faturas emitidas pela Requerente:
“TRABALHO TEMPORÁRIO, OUTSOURCING, SELECÇÃO, RECRUTAMENTO E GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS”.
As empresas de mão de obra temporária pululam hoje na economia portuguesa. Encarregam-se mormente de fornecer mão de obra indiferenciada ou pouco qualificada a outras empresas. Têm forte implantação nos setores da limpeza e da construção civil.
Propomos então o seguinte paralelismo: uma empresa de mão de obra temporária que encontra, recruta e coloca ao serviço de uma empresa de construção um número de pedreiros e serventes, nas condições de trabalho que a segunda define, a trabalhar unicamente sob as ordem diretas da empresa de construção civil, está - essa empresa de mão de obra temporária, que no dia seguinte está a fornecer mão de obra a uma empresa de limpeza – a exercer uma atividade de construção civil?
Evidentemente que não. Da mesma forma, não presta serviços de saúde uma empresa de mão de obra temporária que hoje coloca à disposição de um hospital um número de assistentes operacionais para fazer atividades de limpeza, e no dia seguinte coloca à disposição de outra entidade juristas, técnicos de informática, de marketing, etc. etc.
Especifiquemos um pouco mais.
Logo na cláusula 5ª, estipula-se como obrigação da Segunda Outorgante (a Requerente) a “obrigação de substituição dos serviços rejeitados, em igual período proposto para a prestação daquele serviço, contados a partir da emissão da notificação do facto.”
A que “serviços rejeitados” se refere o contrato? Os “serviços rejeitados”, e que devem ser substituídos não podem ser senão os próprios colaboradores que a Requerente põe ao serviço do adquirente. Os “serviços rejeitados” são os assistentes operacionais que a entidade hospitalar não aceita que continuem ao seu serviço ...
A cláusula 6ª refere-se às “funções das equipas” e estabelece detalhadamente quantos colaboradores pretende e a que equipas os mesmos vão ser agregados. À Requerente não se pede que mantenha o chão limpo ou as roupas limpas e arrumadas, com uma gestão de recursos ao seu critério. Não. À Requerente pede-se que coloque ao serviço do adquirente 109 pessoas que o Centro Hospitalar vai utilizar como se fossem seus funcionários.
A total inexistência de qualquer autonomia ou responsabilidade da Requerente no que diz respeito à consecução de um resultado, autonomia que teria que existir se a Requerente estivesse a efetuar uma verdadeira prestação de cuidados de saúde, continua bem clara nas cláusulas 8ª e 9ª.
A cláusula 8ª estipula a “carga horária semanal” dos colaboradores que a Requerente coloca ao seu serviço, dizendo que as funções mencionadas na cláusula 6ª serão desempenhadas no horário de 35 horas semanais. Portanto, é o Estabelecimento Hospitalar quem decide quantas horas trabalham os colaboradores, o que nunca poderia acontecer se a Requerente fosse responsável pela prestação de um serviço médico ou conexo com um serviço médico.
E a cláusula 9ª estipula a remuneração a pagar a cada colaborador pela Requerente, o que também nuca poderia acontecer se o Estabelecimento Hospitalar estivesse a contratar um serviço de saúde. De ressaltar que as horas extra têm que ser autorizadas pelo Estabelecimento Hospitalar, o que significa desde logo que só pode ser o próprio hospital o responsável pelo serviço prestado pelos colaboradores que a Requerente aí coloca, e deixando bem claro que a Requerente é responsável por providenciar ao hospital colaboradores, mas não tem qualquer responsabilidade no resultado da atividade destes.
O contrato com o D... (de ora em diante D...) estipula, na cláusula 22º, 2, que “o adjudicatário colocará à disposição da entidade adjudicante, em regime de presença física, 41 (quarenta e um) profissionais com perfil e conteúdo funcional equiparados à categoria de assistentes operacionais, conforme descritos na legislação em vigor.
Resulta claramente desta disposição que o serviço que a Requerente se compromete a prestar é o de “colocar à disposição” da entidade adquirentes pessoas para nela prestarem o seu trabalho.
A cláusula 23ª diz no seu nº 1: “O recrutamento e seleção dos profissionais identificados na cláusula anterior, bem a realização dos respetivos exames de saúde e de admissão, quando necessários, serão da exclusiva responsabilidade do D..., sem prejuízo da colaboração que possa vir a ser prestada pelo adjudicatário (...).”
Ou seja, no caso do contrato com o D..., a Requerente nem sequer seleciona ou recruta os seus colaboradores. Como é que uma entidade que presta serviços de saúde os presta sem poder selecionar os seus colaboradores? Como é que um hospital privado prestaria cuidados de saúde sem ter uma palavra a dizer na seleção de médicos e enfermeiros?
A mesma cláusula 23º no seu nº 3 dispõe: “a carga horária semanal a praticar pelos profissionais identificados na cláusula anterior é de 35 horas (...)”. Portanto, é o Estabelecimento Hospitalar que decide qual é a carga horária a praticar pelos colaboradores da Requerente.
As duas cláusulas são incompatíveis com o assumir de uma obrigação de prestação de serviços médicos ou conexos, pois a Requerente não tem qualquer responsabilidade no modo como os serviços são prestados.
Só isto bastaria para concluir que as prestações de serviços em causa são prestações de serviços no âmbito da gestão de recursos humanos, não se inscrevendo no campo dos “serviços médicos”, como requerido no nº 2 do art. 9º do CIVA.
O próprio acórdão arbitral, ao qual este voto de vencido se opõe, afirma, numa contradição imperturbada:
No caso controvertido, verifica-se que os serviços a prestar pelo exponente se consubstanciam em prestações de caráter médico, ou seja, na cedência de pessoal médico (...)
A Autoridade Tributária e Aduaneira, no seu Relatório de Inspeção não vai tão longe.
Aceita que a Requerente é quem presta os serviços de limpeza, de transporte de doentes, etc.
Questiona, sim, que tais serviços se possam qualificar como “estreitamente relacionados com a prestação de serviços médicos”.
Analisemos então esta questão.
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Os serviços prestados pelo pessoal cedido pela Requerente não podem qualificar-se como “operações estreitamente relacionadas” com a prestação de serviços médicos ou sanitários.
A Requerente repete inúmeras vezes que os trabalhadores por si cedidos prestam “serviços auxiliares de apoio à atividade médica”.
Sendo a designação, em si, uma vez mais, obscura, certo é que a qualificação que as Partes fazem dos serviços é totalmente irrelevante, tanto mais que a mesma qualificação nem aparece fundamentada.
Neste ponto, que é crucial, impunha-se, na opinião da signatária, uma cuidadosa e rigorosa descrição factual daquilo em que materialmente consistem as funções exercidas pelos assistentes operacionais colocados à disposição dos estabelecimentos hospitalares (“cedidos”) pela Requerente.
O acórdão arbitral ao qual nos opomos diz sobre este ponto crucial:
As faturas emitidas aos Hospitais abrangem um conjunto de serviços auxiliares da ação médica de apoio à atividade hospitalar, onde se inclui a desinfeção/descontaminação química, a lavagem e esterilização de materiais e equipamentos clínicos, a manutenção e limpeza de materiais e equipamentos clínicos; a preparação de material e equipamento necessário às diferentes atividades hospitalares; a preparação e arrumação dos espaços para a realização de atos clínicos; o acompanhamento e transporte de doentes em camas, macas, cadeiras de rodas ou a pé nas unidades hospitalares; a supervisão do correto acondicionamento e transporte de materiais em tabuleiros e placas a doentes; a distribuição de dietas aos utentes hospitalares; a prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes; a distribuição de oxigénio e outros materiais esterilizados pelos serviços de ação médica; o manuseamento e utilização dos equipamentos disponibilizados pelos Hospitais; e a prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes.
Esta descrição está de acordo com a que é oferecida pela própria Requerente no par. 63º da petição inicial.
Analisemos cada uma dessas funções por separado, em nome da clareza e do rigor:
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Desinfeção/descontaminação química: ou seja, limpeza das instalações.
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A lavagem e esterilização de materiais e equipamentos clínicos: ou seja, limpeza de materiais.
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A manutenção e limpeza de materiais e equipamentos clínicos; ou seja, limpeza de materiais.
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A preparação de material e equipamento necessário às diferentes atividades hospitalares: ou seja, feitura das camas, preparação de macas, preparação de cadeiras, etc.
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A preparação e arrumação dos espaços para a realização de atos clínicos: ou seja, arrumação dos gabinetes, enfermarias, etc.
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O acompanhamento e transporte de doentes em camas, macas, cadeiras de rodas ou a pé nas unidades hospitalares: ou seja, o ato de empurrar macas, camas e cadeiras.
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A supervisão do correto acondicionamento e transporte de materiais em tabuleiros e placas a doentes: ou seja, colocação de material de higiene e de comida em carrinhos.
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A distribuição de dietas aos utentes hospitalares: ou seja, a colocação de tabuleiros com comida na cama do doente.
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A prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes: ou seja, a higienização dos doentes, atos que são, por lei, da competência dos enfermeiros. (Quanto a cuidados de conforto não se explica o que sejam).
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A distribuição de oxigénio e outros materiais esterilizados pelos serviços de ação médica: ou seja, o transporte das embalagens de oxigénio do armazém até aos serviços.
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O manuseamento e utilização dos equipamentos disponibilizados pelos Hospitais: que manuseamento? Que aparelhos? Não são com certeza os aparelhos de doppler. Serão, talvez, as cadeiras, as macas, os equipamentos de limpeza, etc. etc.
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A prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes (repetido).
A tradução que fazemos das descrições das operações é baseada no senso comum, o qual é um elemento admissível no processo hermenêutico.
Cabia à Requerente, como é óbvio e indiscutível, tratando-se de questão crucial à decisão da causa, o ónus de especificar em que consistem essas funções a fim de demonstrar que os atos são estreitamente relacionados com as prestações de cuidados médicos.
Será então altura de referir o esforço que a Requerente desenvolveu para demonstrar ao Tribunal em que consistem as funções desempenhadas pelos assistentes operacionais “cedidos”.
Foram ouvidas como testemunhas, pelo Tribunal, sete assistentes operacionais “cedidas” pela Requerente.
Todas, sem exceção, disseram que as suas funções iam muito para além do que consta da lista acima, incluindo atos como o posicionando doentes nos aparelhos de Raio X, segurar os membros dos pacientes na operação de engessamento, dar medicamentos e instrumentos ao médico, administrar medicamentos aos doentes, responder à chamada dos doentes e avaliar as suas necessidades, e muitos outros atos do mesmo nível.
No entanto, tais funções não constam dos contratos, não foram indicadas pela Requerente em nenhuma das suas peças e não foram tomadas em consideração pelo Tribunal arbitral na posição que ganhou vencimento.
Conclui-se que tais funções foram consideradas irrelevantes por todos os intervenientes no processo. E bem, em nosso entender, quer porque tais funções não estão previstas nos contratos, quer porque as assistentes operacionais não têm as qualificações necessárias para as desempenhar, sem grave risco para os doentes.
Portanto, as funções que estão em causa são, unicamente, as que constam da lista acima: serviços de limpeza, arrumação e transporte.
O Conselho de Administração do C... descreve esses serviços como:
“acompanhamento dos doentes, higiene dos mesmos, preparação de materiais”.
Serão estes serviços “estreitamente relacionados com os serviços médicos e sanitários?”
Esta era a questão à qual, no final, o Tribunal arbitral tinha que responder fundamentadamente.
O Tribunal concluiu em sentido positivo.
A fundamentação para esta conclusão, crucial não só para a decisão da causa, mas para a clarificação do direito, é a seguinte:
Entre nós, a recepção das normas comunitárias relativas a isenções incompletas consta essencialmente do artigo 9.º do CIVA. Assim, o nº 2 deste artigo transpõe o disposto no referido artigo 132.º, n.1, al. b) da DCIVA, adaptando-o ao contexto local, isto é, de acordo com o citado artigo 131.º da DCIVA, tendo em conta as condições que visam assegurar a sua aplicação correta e simples e evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso). São assim isentas não só as “prestações de serviços médicos e sanitários”, como ainda as “operações com elas estritamente conexas, efetuadas por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares", ou seja, prestadas em meio hospitalar.
Note-se, desde já, que as isenções previstas no CIVA abrangem os serviços sanitários (e não apenas serviços médicos em sentido estrito) e também, como se disse, as “operações estritamente conexas” com os serviços médicos e sanitários.
É certo que, como refere NEVES (2010), “o facto de não se concretizar o que se deve entender por serviço conexo levanta, na prática, muitas dúvidas, pois o leque de serviços que podem ser prestados e que apresentam conexão com aqueles serviços (médicos ou sanitários) é bastante vasto. Não obstante, pode-se com um relativo grau de certeza afirmar que conexas são todas aquelas operações, realizadas em momento anterior ou posterior aos serviços, com os quais apresentam uma ligação ou uma relação, no sentido de concorrerem para a sua realização, podendo ser vistos como acessórias ou instrumentais em relação à prestação principal”.
Também LAIRES conclui que, “em face da jurisprudência referenciada, deve considerar-se, portanto, em relação às categorias de isenções enumeradas nas alíneas 2), 6,) 7), 9), 10), 12), 13), 14) e 19) do artigo 9.º do CIVA, que a extensão das mesmas às operações conexas ou estritamente conexas aí referidas se reporta a operações acessórias que, não representando uma finalidade em si mesma para o cliente, permitem assegurar que o serviço principal seja de maior qualidade ou seja obtido em melhores condições”.
A limitação da extensão do conceito de serviços conexos é-nos fornecida pelo disposto nas alíneas a) e b) do artigo 134.º da DCIVA. Ficam assim excluídas da isenção as prestações de serviços acessórias que não sejam indispensáveis à realização das operações isentas, bem como as que se destinem essencialmente a proporcionar ao organismo receitas suplementares mediante a realização de operações efetuadas em concorrência direta com as empresas comerciais sujeitas ao IVA. Foi neste contexto (bem diferente do dos autos) que o Tribunal de Justiça afastou, em princípio, da isenção os serviços telefónicos e de locação de serviços de televisão às pessoas hospitalizadas ou o fornecimento de dormidas e refeições a acompanhantes e, bem assim, as prestações fornecidas por um banco de células estaminais não levada a cabo em ambiente hospitalar (cfr., respetivamente, os casos Ygeia e CopyGene invocados pela AT).
No presente caso, as prestações de serviços efetivamente levadas a cabo pela A..., mediante o pessoal cedido, cabem, sem dúvida, no conceito de operações de serviços conexos, relacionados, acessórios ou instrumentais dos serviços médicos e sanitários.
Temos assim como única fundamentação para a conclusão, crucial, de que as funções praticadas pelos assistentes operacionais cedidos são “operações estreitamente relacionadas” com a prestação de serviços médicos ou sanitários, as definições abstratas que desta categoria dão os Ilustres Juristas citados.
As quais definições – já o demonstrámos cabalmente – não se mostram em sintonia com a doutrina do Tribunal de Justiça (sendo que a jurisprudência do TJUE a que nos referimos é posterior às contribuições doutrinárias citadas).
Para além das citações doutrinárias referidas, o acórdão não despende o mínimo esforço argumentativo próprio para demonstrar como subsume os atos em causa - atos de transporte, limpeza e arrumação - no conceito de “operações estreitamente relacionadas com a prestação de serviços médicos ou sanitários.”
Mais: o que o acórdão conclui, ambiguamente, é que as prestações de serviços efetivamente levadas a cabo pela Requerente, mediante o pessoal cedido, cabem, sem dúvida, no conceito de “operações de serviços conexos, relacionados, acessórios ou instrumentais dos serviços médicos e sanitários”.
Só que este conceito - operações de serviços conexos, relacionados, acessórios ou instrumentais dos serviços médicos e sanitários - não é o que está na lei, não é um conceito legal.
A exigência de uma interpretação restritiva das normas em causa, se não já uma aplicação simples e rigorosa das normas do art. 9º do CC, não permitem transformar “operações estreitamente relacionadas a prestação de serviços médicos ou sanitários” em “operações de serviços conexos, relacionados, acessórios ou instrumentais dos serviços médicos e sanitários”.
Em suma, o laudo arbitral contra o qual votamos não conclui, inequivocamente, que as operações em causa são “operações estreitamente relacionadas com a prestação de serviços médicos ou sanitários.”
É certo que noutros locais do acórdão, até na fixação da matéria de facto, o mesmo vai enunciando conclusões preparatórias daquela que seria a conclusão crucial.
Por exemplo, o facto dado como provado na alínea t):
Os serviços auxiliares prestados estão em relação direta com o serviço principal, sendo todos efetuados em ambiente hospitalar.
Obviamente, que os serviços auxiliares prestados estão em relação direta com o serviço principal não é facto que possa ser dado como provado, quando essa é a questão de direito cardeal que o Tribunal tem para solucionar.
Ou ainda o facto dado como provado na alínea u):
Os serviços efetivamente prestados pelos colaboradores cedidos têm como únicos destinatários os doentes.
Será assim? O chão que é lavado não tem como destinatários os médicos, os enfermeiros, as visitas, etc.?
Também aqui, obviamente, não existe nenhum facto que pudesse ser dado como provado pelo Tribunal.
Ou ainda na al. ab):
Os trabalhadores da Requerente que prestaram serviço ao C... a estavam afetos a atividades auxiliares na prestação de cuidados de saúde nos diversos serviços, designadamente acompanhamento de doentes, (...)
O facto aqui considerado provado diz respeito à integração dos assistentes operacionais numa categoria laboral ou às funções que efetivamente desempenham?
O Tribunal não clarifica.
De facto, o Decreto-Lei 109/80 de 20 de Outubro criou a carreira dos auxiliares de ação médica.
O Decreto-Lei 231/92 de 21 de Outubro, que regulava as carreiras profissionais do pessoal dos serviços gerais dos estabelecimentos e serviços dependentes do Ministério da Saúde, previa a categoria de “auxiliar de ação médica” e especificava as suas funções.
Mas o Decreto-Lei 121/2008, de 11 de Julho, extinguiu essa categoria profissional (art. 7º e Mapa vi).
Portanto, seria necessário explicar em que consistem “atividades auxiliares na prestação de cuidados de saúde”. O que o acórdão não faz.
Para fundamentar a conclusão (que apenas fica subentendida e que não chega a ser abertamente enunciada) de que os atos em causa são “operações estreitamente relacionadas com prestações de serviços médios e sanitários,” o acórdão afirma ainda:
A limitação da extensão do conceito de serviços conexos é-nos fornecida pelo disposto nas alíneas a) e b) do artigo 134.º da DCIVA. Ficam assim excluídas da isenção as prestações de serviços acessórias que não sejam indispensáveis à realização das operações isentas, bem como as que se destinem essencialmente a proporcionar ao organismo receitas suplementares mediante a realização de operações efetuadas em concorrência direta com as empresas comerciais sujeitas ao IVA. Foi neste contexto (bem diferente do dos autos) que o Tribunal de Justiça afastou, em princípio, da isenção os serviços telefónicos e de locação de serviços de televisão às pessoas hospitalizadas ou o fornecimento de dormidas e refeições a acompanhantes e, bem assim, as prestações fornecidas por um banco de células estaminais não levada a cabo em ambiente hospitalar (cfr., respetivamente, os casos Ygeia e CopyGene invocados pela AT).
Não se vê como pode o Tribunal chegar a esta conclusão, quando tal não resulta da lei, quando não aduz nenhum argumento interpretativo, e quando não cita literatura ou jurisprudência em apoio da sua interpretação.
O art. 134º opera uma exclusão da isenção, de prestações e serviços acessórios, com base no seu caráter dispensável.
Se o legislador europeu não se refere, no artigo 134º, a “operações estreitamente conexas com a hospitalização e a assistência médica”, é porque não se quis a elas referir. E a prova é que em nenhuma sentença do TJUE este recorreu ao artigo 134º da Diretiva IVA para delimitar o conceito de “operações estreitamente conexas com a hospitalização e a assistência médica”.
Como antes dissemos, o conceito de “operações estreitamente conexas com a hospitalização e a assistência médica” não foi ainda definido pela jurisprudência.
O dado mais seguro que temos para a sua aplicação a um caso concreto é a interpretação que o TJUE fez do conceito no caso De Fruytier.
Neste caso, o transporte do sangue do doente, do local da colheita para o laboratório, não foi considerado uma “operação estreitamente conexas com a hospitalização e a assistência médica.”
Se aplicarmos ao caso De Fruytier as justificações do acórdão arbitral, ao qual este voto de vencido se opõe, falecem todas.
Sem o transporte do sangue (ou outro produto biológico) a análise clínica não é possível, sem esta não se faz o diagnóstico, e sem este não há tratamento.
Trata-se, pois, de uma operação absolutamente indispensável ao tratamento. Note-se: Não ao conforto, não à higiene, não ao bem-estar, não à alimentação do doente, mas ao ato médico de diagnosticar e tratar um doente em particular. O que significa que é muito maior a proximidade entre esta operação e o ato médico principal do que a limpeza do chão ou das macas ou a feitura das camas. É muito mais indispensável ao ato médico a operação de transportar o sangue ao laboratório de análise do que a operação de mudar a roupa de cama, por mais útil que esta seja.
E contudo, o Tribunal europeu considerou, no caso do transporte do sangue para o laboratório, não se tratar de um ato conexo.
Razão pela qual consideramos que a feitura de camas, a limpeza de chão e equipamentos, a higienização de doentes (que é um ato por lei da competência dos enfermeiros) não podem ser considerados operações “estreitamente conexas com a prestação de serviços médicos e sanitários.” E que o contrário não foi fundamentadamente demonstrado.
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O argumento do reflexo do IVA no custo final do serviço – um argumento de equidade e não de direito
O argumento é usado pela Requerente e é repetido no acórdão: a isenção de iva sobre as prestações de serviços de saúde tem em vista desonerar o preço final do serviço de saúde.
O argumento é, a nosso ver, ajurídico, uma vez que não tem qualquer fundamento na lei, interna ou europeia.
Se o critério do custo final do serviço de saúde fosse de tomar como válido, ele conduzir-nos-ia, inevitavelmente, à insustentável conclusão de que todo e qualquer prestação de serviços intermédia no processo de prestação de um serviço médico deveria ser isento de iva.
Sabemos que esta conclusão não é compatível com o art. 132º, 1, b) da Diretiva IVA, tal como ficou bem demonstrado no caso Klinikum Dortmund, em que o Tribunal considerou não isenta de iva a administração de medicamentos citoestáticos a doentes com cancro.
Por muito atrativa que seja a facilidade do argumento, o aplicador da lei não pode dispensar-se de traçar a linha que separa os serviços intermédios da prestação de cuidados médicos que, por caberem na previsão do art. 9º, 2 do CIVA, estão isentos de iva, daqueles que, por não passarem aquele crivo, não estão isentos, indo onerar, com o iva que suportam, o custo final do serviço médico ou sanitário.
Lisboa, 6 de julho de 2018
A Árbitro
Nina Aguiar
[1] Cfr, sobre o tema, LAIRES, Rui (2012), O IVA nas Atividades Culturais, Educativas, Recreativas, Desportivas e de Assistência Médica ou Social, Coimbra: Almedina / IDEFF, pp. 133-4.
[2] É o que explica que a lei, em certos casos, possibilite a renúncia à isenção de IVA, como decorre do artigo 391.º da DCIVA e do artigo 12.º, n.1, al. b) do CIVA.
[3] As prestações de serviços de “assistência médica” bem como as “prestações de serviços de assistência” são apenas aquelas que tenham como finalidade diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar as doenças ou anomalias de saúde. Elas não se confundem obviamente com as prestações de serviços sanitários nem com as operações estritamente conexas com ambas.
[4] Assim, NEVES, Filipe Duarte (2010), Código do IVA e Legislação Complementar, Comentado e Anotado, Porto: Vida Económica, pp. 178. Tanto quanto me apercebi das consultas efetuadas, a jurisprudência comunitária não concretizou até hoje especificamente o conteúdo desta noção. Razão pela qual defendi (sem êxito) que devesse ser auscultado o TJUE, ao abrigo do reenvio a título prejudicial.
[5] Cfr. ob. cit., pp. 301-302.
[6] É o caso da grande maioria das chamadas prestações de serviços auxiliares de ação médica, de que são exemplos as seguintes, todas elas prosseguindo uma finalidade terapêutica.: desinfeção/descontaminação química, lavagem e esterilização de materiais e equipamentos clínicos, manutenção e limpeza de materiais e equipamentos clínicos; preparação de material e equipamento necessário às diferentes atividades hospitalares; preparação e arrumação dos espaços para a realização de atos clínicos; acompanhamento e transporte de doentes em camas, macas, cadeiras de rodas ou a pé nas unidades hospitalares; supervisão do correto acondicionamento e transporte de materiais em tabuleiros e placas a doentes; distribuição de dietas aos utentes hospitalares; a prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes; distribuição de oxigénio e outros materiais esterilizados pelos serviços de ação médica; manuseamento e utilização dos equipamentos disponibilizados pelos Hospitais; a prestação de cuidados de higiene e conforto aos doentes.
[7] O prestador de serviços, pessoa singular ou coletiva (i) deve ser um organismo de direito público, ou (ii) deve fornecer as prestações em condições sociais análogas às que vigoram para os organismos de direito público e (iii) tratar-se de um estabelecimento hospitalar ou um centro de assistência médica e de diagnóstico ou de outros estabelecimentos da mesma natureza devidamente reconhecidos (os chamados estabelecimentos similares ou equiparados). É neste último grupo que se enquadra a ação da Requerente.
[8] Ob. cit., p. 196, referindo-se a uma decisão administrativa constante do processo /301 2004083, que consistiu num despacho concordante do Subdiretor-Geral dos Impostos, em substituição do Diretor-Geral dos Impostos, em 29/04/2005.
[9] Acórdão do TJUE de 21 de março de 2013, Caso C-91/12, (Skatteverket v. PFC Clinic AB).
[10] Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado.
[11] Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios - sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme.
[12] Acórdão do TJUE de 21 de março de 2013, Caso C-91/12, (Skatteverket v. PFC Clinic AB).
[13] Acórdão TJUE, de 2 de julho 2015, C‑334/14, Bélgica v. Nathalie De Fruytier.
[14] A diretiva IVA revogou e substituiu, a partir de 1 de janeiro de 2007, a legislação comunitária existente em matéria de IVA, nomeadamente a Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme (JO L 145, p. 1; EE 09 F1 p. 54). O atual art. 132º da Diretiva IVA corresponde ao anterior art. 13º.
[15] Acórdão de 13 de março de 2014, caso C‑366/12 (Finanzamt Dortmund‑West v Klinikum Dortmund).