Decisão Arbitral
A presente decisão vai proferida de acordo com a ortografia antiga
I - Relatório.
1. A…, contribuinte n.º …, residente na Rua …, requereu a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária com vista à anulação do acto de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no montante de € 18 199,38, efectuado pela Serviço de Finanças de …, notificado em 10 de Outubro de 2013, e relativo à aquisição onerosa de uma fracção autónoma de prédio urbano integrado em empreendimento turístico.
2. Como fundamento do pedido, a Requerente alega, em síntese, que o referido acto tributário se encontra ferido ilegalidade, por violação do disposto no artigo 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro.
3. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) respondeu pronunciando-se no sentido da legalidade da controvertida liquidação.
4. O tribunal arbitral foi regularmente constituído em 14-04-2014 e é materialmente competente à face do preceituado no art. 2.º, n.º 1, al. a), do RJAT.
5. As partes prescindiram da reunião do tribunal arbitral prevista no art. 18.º do RJAT
6. O objecto do litígio respeita, essencialmente, a matéria de direito, não existem excepções a apreciar e constam do processo todos os documentos relevantes para a apreciação do mérito do pedido, pelo que é dispensável a produção de prova testemunhal.
7. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).
II - Matéria de facto.
8. Com relevância para a apreciação do mérito do pedido, destacam-se os seguintes elementos factuais:
8.1. Por escritura pública celebrada em 25-11-2005 no Cartório Notarial de ..., a Requerente adquiriu, pelo preço de € 279 990,50, à sociedade B…, a fracção autónoma designada pelas letras BX do prédio urbano inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de …, sob o n.º …, integrado no empreendimento turístico ….
8.2. Considerando ter sido atribuída ao referido empreendimento a utilidade turística a título prévio, conforme despacho do Secretário de Estado do Turismo, de 02-06-2005, …, foi consignado na referida escritura que a transmissão se encontrava isenta de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, ao abrigo do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro (Doc.2).
8.3. Através de acção inspectiva efectuada pela Direcção de Finanças de …, que decorreu entre 23-07 e 11-09 de 2013, concluíram os serviços de inspecção tributária que aquela transmissão não reunia os pressupostos legais da isenção acima referida (Doc. 3). Tal conclusão encontra-se fundamentada no relatório de inspecção nos seguintes termos:
" A isenção de IMT concedida pelo notário, baseou-se no estabelecido no n.º 1 do artigo 20.º do Decreto-Lei 423/83, de 5 de Dezembro, o qual refere que " São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino a instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio..."
Da leitura desse dispositivo legal excluem-se os empreendimentos qualificados de utilidade turística já instalados, que não sejam objecto de remodelação ou ampliação. A intenção em conceder tais benefícios a estas aquisições visa, tão-somente, fomentar o investimento e impulsionar a actividade turística para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos e não quando se trate da mera aquisição de fracções integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração.
Aliás, este entendimento vai de acordo com a decisão emanada no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo n.º 3/2013, processo n.º 968/12 - 2.ª Secção (publicado no DR, 1.ª Série, n.º 44, de 4 de Março de 2013), proferido em julgamento ampliado, nos termos do artigo 148.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, no qual se pode ler:
" ... O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção /redução de pagamento de Sisa /Selo, para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/ licenciamento do empreendimento.
"... Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).
"... Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20º, nº 1, do Decreto-Lei nº 423/83."
Assim, uma vez que a aquisição da fracção por parte do contribuinte não se destinou à instalação de qualquer empreendimento, a isenção de IMT foi indevidamente reconhecida pelo notário, o que resulta na falta de entrega de imposto no valor de € 18 199,38 (€ 279 990,50 x 6,5%), de acordo com a alínea d) do n.º 1 do artigo 17.º do Código do IMT, porquanto estamos em presença de fracção afecta a serviços, conforme comprova a licença de utilização n.º …, de Setembro de 2005, emitida pela Câmara Municipal de …, relativa ao prédio (onde se integra a referida fracção) na sua totalidade."
8.4. Com base no referido relatório e depois de ter a Requerente exercido o seu direito de audição, os serviços competentes procederam à liquidação do imposto com base no preço declarado e à taxa de 6,5% prevista na al. d) do art. 17.º do CIMT, apurando o imposto em dívida no montante de € 18 199,38.
8.5. A liquidação foi notificada à Requerente através do ofício n.º …, de 11-10-2013, do Serviço de Finanças de ... (Doc. 1).
9. Fixada a factualidade relevante, suportada pela documentação junta ao processo, verifica-se estar em causa tão-somente matéria direito, centrada na interpretação do regime de benefícios fiscais previsto no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05-12.
10. Estabelece o referido preceito que:
"1. São isentas de sisa e do imposto sobre sucessões e doações, sendo o imposto do selo reduzido a um quinto, as aquisições de prédios ou de fracções autónomas com destino a instalação de empreendimentos qualificados de utilidade turística, ainda que tal qualificação seja atribuída a título prévio, desde que esta se mantenha válida e seja observado o prazo fixado para a abertura ao público do empreendimento.
2 - A isenção e a redução estabelecidas no número anterior verificar-se-ão também na transmissão a favor da empresa exploradora, no caso de a proprietária ser uma sociedade de locação financeira e a transmissão se operar ao abrigo e nos termos do contrato de locação financeira pela sociedade transmitente."
11. O imposto municipal de sisa referido na norma transcrita foi abolido pelo Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12-11, que aprovou o Código do IMT. Todavia, nos termos do n.º 6 do art. 31.º deste diploma, foram mantidos em vigor os benefícios fiscais respeitantes àquele imposto, constantes de legislação extravagante ao respectivo Código, agora reportados ao IMT.
12. Mantendo-se, assim, em vigor aquele regime de benefícios, é em torno do seu âmbito de aplicação que se suscitam as posições divergentes da Requerente e da Requerida, nos termos a seguir sintetizados.
Posição da Requerente
13. Segundo a Requerente, a aquisição da fracção acima identificada efectuou-se no pressuposto, indicado pela empresa vendedora, de que aquela operação em concreto beneficiaria de isenção de IMT ao abrigo do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05-12.
14. O notário responsável pela escritura confirmou e anuiu na aplicação da isenção tendo o Conservador do Registo Predial também confirmado e validado a sua aplicação.
15. A aquisição em causa foi efectuada tendo em vista a sua instalação como componente do empreendimento turístico integrado..., visando justamente a sua exploração comercial para o que a Requerente celebrou um contrato de exploração turística com a C…, nos termos do qual cedia a esta sociedade o direito exclusivo de exploração da fracção.
16. A fracção da Requerente constitui uma das unidades de alojamento individualizadas e autónomas que integram o empreendimento turístico, e de cuja instalação definitiva dependeu a completa instalação do próprio empreendimento turístico em toda a sua plenitude.
17. Nestes termos, conclui a Requerente ter actuado como promotor do empreendimento em que se integra a fracção, tendo contribuído activamente para o financiamento das obras em curso na óptica do investimento e do rendimento que dali adviria para si, sendo a concessão da isenção fundamental para a decisão de aquisição.
18. Segundo a Requerente, a correcta interpretação da norma do art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05-12, dita que se incluam no seu âmbito as transmissões efectuadas para os adquirentes das fracções, beneficiando estes do mesmo estatuto privilegiado que o legislador quis conferir ao promotor imobiliário.
19. Sendo a intenção do legislador fomentar a actividade turística, em prol de tal desiderato só se entende o dito benefício como aplicável, quer ao promotor, quer aos adquirentes das fracções, os quais, aliás, suportam o ónus do investimento.
20. Daí que, no caso em apreço, estando em causa um conjunto turístico em que cada fracção autónoma constitui um elemento funcional (unidade de alojamento) integrante da unidade organizacional erigida para a prestação de serviços de exploração turística (o empreendimento turístico), é de concluir que a primeira aquisição de cada um desses elementos funcionais, porque destinada a viabilizar a entrada em funcionamento de cada um deles e, concomitantemente, do empreendimento no seu todo, se enquadrava ainda no processo de instalação do empreendimento, englobando, por conseguinte, o âmbito de aplicação do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, dada a utilidade turística reconhecida e atribuída ao empreendimento em causa e que abrange todos os elementos funcionais que o compõem.
21. Tratando-se de uma isenção objectiva, dirigida a beneficiar a concretização do processo de instalação de empreendimentos de utilidade turística, basta, segundo a Requerente, que o imóvel adquirido se integre nesse processo de instalação ou que seja afectado jurídica e economicamente a esse empreendimento com vista a possibilitar a sua completa instalação.
22. Da consideração que antecede a Requerente retira, como conclusão, ser fundamental saber o que significa "instalar" um empreendimento de utilidade turística e, sobretudo, quando se deve considerar concluído esse processo de instalação numa situação, como a do presente processo, em que está em causa um conjunto turístico, composto por unidades de alojamento autónomas e cujo paradigma de funcionamento e exploração, bem diferente do previsto para os estabelecimentos hoteleiros, poderá reflectir-se nas operações necessárias ao respectivo processo de instalação.
23. Tomando como referência as disposições do Regime Jurídico de Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos (RJIEFET), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39/2008, de 07-03, designadamente as relativas à noção de empreendimento turístico em propriedade plural, extrai a Requerente que o referido diploma, não contendo uma noção de "instalação", não deixa de distinguir duas fases bem distintas: a fase de instalação (Capítulo IV) e a fase de exploração e funcionamento (Capítulo V).
24. O que, segundo a Requerente, desde logo significa que a primeira fase (construção e instalação) só pode considerar-se terminada quando se inicia ou possa iniciar-se a fase seguinte, ou seja, quando o empreendimento fica apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística.
25. Pelo que a instalação só termina quando está concluído não só o procedimento relativo ao licenciamento e autorização para a realização de operações urbanísticas relativas à construção como, também, o procedimento destinado a permitir ou a viabilizar o funcionamento do empreendimento, tornando-o apto à realização da exploração turística.
26. Assim, no caso de empreendimentos turísticos em propriedade plural, o processo de instalação pressupõe não só a construção e licenciamento das unidades de alojamento que integram o conjunto imobiliário e o estabelecimento como unidade organizacional, nomeadamente a obtenção da respectiva Licença de Utilização Turística, como, também, que essas unidades de alojamento estejam em condições de operar como tal - ou de nelas serem prestados os serviços obrigatórios da categoria atribuída ao empreendimento.
27. Tal implica que tenham sido comercializados pelo promotor imobiliário, porquanto só o seu proprietário/adquirente tem o poder-dever de celebrar o obrigatório contrato de exploração turística para viabilizar a abertura da unidade de alojamento à actividade turística a que se destina como parte do empreendimento em que se integra.
28. Sendo essa comercialização gradual, o estabelecimento vai sendo instalado à medida que cada uma das unidades de alojamento vai sendo vendida, o que se coaduna com a norma do n.º 8 do art. 30.º do JIEFET, que prevê precisamente a possibilidade da instalação faseada dos empreendimentos turísticos.
29. Daí que, quem adquire uma dessas fracções num conjunto turístico em propriedade plural, tornando-se contitular do aldeamento, comparticipa ainda na sua instalação, na medida em que este não pode considerar-se integralmente instalado enquanto as respectivas unidades de alojamento não se encontram aptas a funcionar e a ser exploradas por falta de prévia aquisição nesse regime de propriedade.
30. Neste contexto, a aquisição da fracção em causa destinou-se a permitir a continuidade do processo de instalação deste empreendimento de utilidade turística, concorrendo para que ele pudesse passar, progressivamente, à fase de funcionamento e exploração, com a abertura gradual ao público das suas unidades funcionais de alojamento até à sua completa e total instalação.
31.Da extensa argumentação, que acima se procurou sintetizar nos seus aspectos essenciais, conclui a Requerente que a primeira aquisição de cada fracção autónoma, enquanto unidade de alojamento do empreendimento turístico ..., integra-se ainda no processo de instalação deste empreendimento, reunindo as condições legais para beneficiar do regime previsto no art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05-12, dada a utilidade turística reconhecida a este empreendimento pelo Senhor Secretário de Estado do Turismo e que abrange todas as unidades que o compõem.
32. No sentido da legalidade da isenção concretamente concedida e consequente ilegalidade da liquidação promovida pelos serviços tributários, aduz a Requerente, ainda, outros argumentos.
33. Desde logo refere-se à possibilidade de dedução da sisa suportada pelos promotores na aquisição dos terrenos onde os prédios foram edificados sobre o imposto a pagar pela primeira transmissão dos mesmos ou das suas fracções, prevista art. 39.º-A do Código do Imposto Municipal de Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações.
34. Em seu entender, o referido regime de benefícios fiscais existiria como complemento àquela norma do CIMSISD, sendo o seu âmbito extensível aos adquirentes das fracções que, por esta via, participassem na instalação do empreendimento e, assim, no fomento da actividade turística.
35. Apelando à coerência sistemática, refere ainda a Requerente a existência de um benefício fiscal em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis, consignado no art. 47.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, relativo aos prédios integrados em empreendimentos a que tenha sido atribuída a utilidade turística.
36. Directamente aplicável aos adquirentes das fracções integradas em empreendimentos classificados de utilidade turística, seria ilógica tal opção do legislador, não antevendo que, em qualquer dos casos, o objectivo final é a promoção da actividade turística, mormente pelos promotores imobiliários e, bem assim, pelos respectivos investidores.
37. Pelo que a leitura correcta e sistematicamente integrada do referido art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, aplicado ao caso em apreço, impõe que se considere no seu âmbito as operações de aquisição das fracções que compõem o empreendimento classificado como utilidade turística, na medida em que a actuação desses adquirentes complemente o processo de instalação do dito empreendimento ao serviço do sector.
38. Por outro lado, sustenta a Requerente, no caso em apreço, atentos os seus contornos específicos, os adquirentes das fracções foram os principais impulsionadores do empreendimento e, em rigor, os garantes da sua concretização, apresentando-se como verdadeiros promotores do empreendimento.
39. Na medida em que os adquirentes se apresentam como promotores e dinamizadores da actividade turística, estão os mesmos, na óptica da Requerente, abrangidos pelo âmbito do benefício fiscal concedido pelo art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83.
40. Fazendo apelo aos princípios da segurança e da certeza jurídica e ao duplo controlo da legalidade pelo Notário e pelo Conservador, considera a Requerente que a Administração Tributária terá empreendido uma actuação manifestamente contrária aos aludidos princípios, pondo em causa direitos adquiridos e os princípios da boa-fé e transparência que devem nortear a sua actuação.
41. Finalmente, a Requerente expressa entendimento no sentido de que, no caso em apreço, se encontravam plenamente reunidos todos os requisitos formais e substanciais a para a concessão do benefício, pelo que o acto de liquidação que o revoga é, de per si, ilegal.
42. Porém, tendo a concessão do benefício sido conferida e validada pelo Notário e pelo Conservador e, bem assim, pela própria AT que dele tomou conhecimento em tempo oportuno, constituiu-se o mesmo como um direito na esfera da Requerente o qual, por não ter sido contestado ou revogado em devido tempo, se consolidou.
43. Pelo que a revogação do benefício concedido não seria permitida, conforme decorre das disposições dos arts. 140.º e 141.º do Código de Procedimento Administrativo.
Posição da Requerida
44. Pronunciando-se sobre o alegado, a Requerida expressa entendimento no sentido de que a questão dos autos consiste tão-somente em saber se da norma do n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05-12, apenas beneficiam as aquisições de prédios ou de fracções autónomas por promotores com vista a construir e instalar os empreendimentos turísticos ou também as aquisições de fracções autónomas (unidades de alojamento) pertencentes ou integradas em empreendimentos já construídos e instalados, com vista à sua exploração.
45. Que o legislador apenas quis abranger com aquela norma as aquisições destinadas à "instalação" de empreendimentos é o que resulta claro do elemento literal da interpretação, pois se o legislador quisesse abranger a actividade de instalação e a de exploração dos empreendimentos turísticos teria sido tão claro quanto o foi no art. 16.º do mesmo diploma, cujo normativo pretendeu beneficiar tanto empresas proprietárias como exploradoras, à semelhança do que acontece com o n.º 2 do art. 20.º.
46. A propósito do n.º 2 do art. 20.º do citado diploma, a letra da lei não deixa margem para dúvidas ao alargar excepcionalmente a isenção do n.º 1 às aquisições a favor de empresa exploradora, nas circunstâncias restritivas que descreve, sendo o legislador claro em excluir daquele benefício todas as restantes transmissões.
47. Sobre o conceito de "instalação", resulta patente da legislação uma clara distinção entre os conceitos de "instalação", por um lado, e de "funcionamento" e "exploração", por outro, distinção esta que se encontra bem patente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 39/2008.
48. Louvando-se na doutrina do Acórdão do STA, de 23-01-2013, proferido no processo 968/12 - de que transcreve largos excertos - em que é aprofundada a análise dos conceitos de "instalação" e de "exploração" de empreendimentos turísticos à luz das disposições do referido diploma, sustenta a Requerida que a aquisição a que se refere o presente pedido de pronúncia arbitral, ocorrida já em momento posterior ao da licença de utilização, por conseguinte depois da fase de instalação do empreendimento turístico, se destina à exploração comercial.
49. Concluindo, assim, que a aquisição em causa não beneficia da isenção de IMT prevista no n.º 1 do art. 20.º do citado Decreto-Lei n.º 423/83, remetendo-se nos termos do Acórdão supra referido cuja jurisprudência é reiterada nos Acórdãos do STA de 30-01-2013 no processo 01193/12 e de 11-09-2013, no processo 01049/13.
50. Sobre a alegada violação dos princípios da segurança e certeza jurídica, pronuncia-se a Requerida no sentido que o entendimento do Notário e do Conservador segundo o qual a aquisição em apreço estaria isenta de IMT não é susceptível de investir a Requerente de um direito ou legitima expectativa.
51. Isto, porque às referidas entidades incumbem apenas deveres de fiscalização em geral do cumprimento de obrigações tributárias, não se substituindo à Administração Tributária no tocante à competência que a lei a esta atribui para definir as situações jurídicas tributárias.
52. Para vincular a Administração Tributária ao enquadramento jurídico-tributário da situação em apreço, poderia a Requerente ter recorrido ao instituto da informação vinculativa, o que, de todo, não fez.
54. Por outro lado, no que diz respeito ao direito à liquidação, assinala a Requerida que, do disposto no artigo 45.º, n.º 1 da LGT, conjugado com o artigo 35.º, n.º1, do Código do IMT, o direito a liquidar o imposto em falta só caduca se o mesmo não for notificado no prazo de 8 anos a contar da data em que ocorreu o facto tributário.
55. No que respeita à invocada ilegalidade da revogação de um benefício fiscal já concedido e consolidado, sustenta a Requerida que, estando em causa um benefício automático, a sua eficácia não carece da prática de qualquer acto administrativo, expresso ou tácito, susceptível de revogação. Pelo que o disposto no artigo 141.º do CPA sobre a revogação dos actos não é aplicável à situação em apreço.
III - Matéria de direito.
56.Expostas, em síntese, e com parcial transcrição, as posições da Requerente e da Requerida encontram-se as mesmas claramente definidas: ambas as Partes entendem que os benefícios fiscais previstos no n.º 1 do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 423/83, de 05-12, se dirigem à "instalação" de empreendimentos declarados de utilidade turística, divergindo, contudo, sobre o respectivo conceito.
57. Segundo a Requerente, contém-se, ainda, no âmbito desse conceito a aquisição de fracções autónomas em empreendimentos em regime de propriedade plural, entendimento que a Requerida contesta, considerando que essa aquisição, situada já em momento posterior ao da emissão de licença de utilização, se destina à exploração comercial.
58. Estando os factos documentalmente provados e centrando-se a questão a decidir exclusivamente em matéria de direito, o Tribunal decidiu prescindir da prova testemunhal, por considerar que esta não assume qualquer relevância para a decisão do mérito da causa.
59. Salienta-se, desde já, que a questão em causa foi objecto de tratamento jurisprudencial, tendo sido apreciada e decidida em Acórdão do STA de 23-01-2013, proferido no processo n.º 968/12, em julgamento ampliado, nos termos do disposto no art. 148.º do CPTA, que deu origem ao acórdão uniformizador de jurisprudência n.º 3/2013, publicado no Diário da República, 1.ª Série, de 04-11-2013.
60. Quanto à questão do conceito de "instalação", para efeitos dos referidos benefícios fiscais previstos no art. 20.º do citado Decreto-Lei, aquele Supremo Tribunal uniformizou a jurisprudência nos seguintes termos:
"O conceito de «instalação», para efeitos dos benefícios a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, reporta-se à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos e não os adquirentes de fracções autónomas em empreendimentos construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação".
61. Esta orientação jurisprudencial encontra-se solidamente fundamentada no referido acórdão. Sendo fastidioso reproduzi-la integralmente, transcreve-se, apenas, os fundamentos abreviadamente vertidos no respectivo "sumário", cujo teor é o seguinte:
"I – Na determinação do sentido e alcance das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”, sendo que “Sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei” (art. 11.º, n.ºs 1 e 2, da LGT).
II – No âmbito do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos, estabelecido no Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março, o conceito de instalação de um empreendimento turístico compreende o conjunto de actos jurídicos e os trâmites necessários ao licenciamento (em sentido amplo, compreendendo comunicações prévias ou autorizações, conforme o caso) das operações urbanísticas necessárias à construção de um empreendimento turístico, bem como a obtenção dos títulos que o tornem apto a funcionar e a ser explorado para finalidade turística (cfr. Capítulo IV, arts. 23.º e segs.).
III – Quando o legislador utiliza a expressão aquisição de prédios ou de fracções autónomas com destino à «instalação», para efeitos do benefício a que se reporta o n.º 1 do art. 20.º, do Decreto-Lei n.º 423/83, de 5 de Dezembro, não pode deixar de entender-se como referindo-se precisamente à aquisição de prédios (ou de fracções autónomas) para construção de empreendimentos turísticos, depois de devidamente licenciadas as respectivas operações urbanísticas, visando beneficiar as empresas que se dedicam à actividade de promoção/criação dos mesmos.
IV – Este conceito de «instalação» é o que se mostra adequado a todo o tipo de empreendimentos turísticos e não é posto em causa pelo facto de os empreendimentos poderem ser construídos/instalados em regime de propriedade plural, uma vez que esta tem a ver com a «exploração» e não com a «instalação».
V – Nos empreendimentos turístico constituídos em propriedade plural (que compreendem lotes e ou fracções autónomas de um ou mais edifícios, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 39/2008, de 7 de Março), destacam-se dois procedimentos distintos, ainda que possam ocorrer em simultâneo: um relativo à prática das operações necessárias a instalar o empreendimento; outro, relativo às operações necessária a pô-lo em funcionamento e a explorá-lo, sendo que a venda das unidades projectadas ou construídas faz necessariamente parte do segundo.
VI – O legislador pretendeu impulsionar a actividade turística prevendo a isenção/redução de pagamento de Sisa/Selo para os promotores que pretendam construir/criar estabelecimentos (ou readaptar e remodelar fracções existentes) e não quando se trate da mera a aquisição de fracções (ou unidades de alojamento) integradas nos empreendimentos e destinadas à exploração, ainda que sejam adquiridas em data anterior à própria instalação/licenciamento do empreendimento.
VII – Quem adquire as fracções não se torna um co-financiador do empreendimento, com a responsabilidade da respectiva instalação, uma vez que está a adquirir um produto turístico que foi posto no mercado pelo promotor, seja a aquisição feita em planta ou depois de instalado o empreendimento, como um qualquer consumidor final, tanto mais que as fracções podem ser adquiridas para seu uso exclusivo e sem qualquer limite temporal (no caso de empreendimentos turísticos constituídos em propriedade plural).
VIII – Não estando em causa a aquisição de prédios ou de fracções autónomas destinados à construção/instalação de empreendimentos turísticos, mas sim a aquisição de unidades de alojamento por consumidores finais, ainda que porque integradas no empreendimento em causa se encontrem afectas à exploração turística, a mesma não pode beneficiar das isenções consagradas no art. 20.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 423/83.
IX – Este resultado interpretativo é o que resulta do elemento histórico, racional/teleológico e também literal das normas jurídicas em causa.
X – Os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem (artigo 2.º/1 do EBF) (…)” e embora admitindo a interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 9.º/2 do C. Civil), para além de que porque representam uma derrogação da regra da igualdade e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante".
62. A esta orientação jurisprudencial se adere inteiramente, em concordância com a respectiva fundamentação, considerando-se quer o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil quer o facto de, desde a prolação do citado acórdão, questões rigorosamente idênticas à que aqui se coloca terem vindo a ser apreciadas e decididas em numerosos outros acórdãos daquele Supremo Tribunal, no mesmo sentido decisório.[1]
63. Para além da interpretação que defende relativamente à norma que estabelece os benefícios fiscais atribuídos a empreendimentos declarados de utilidade turística, a Requerente suscita, ainda, questões que se relacionam com a legalidade da própria liquidação efectuada pelos serviços tributários competentes.
64. Considera a Requerente estarem postos em causa os princípios da segurança e certeza jurídica que, na sua perspectiva, adviriam da circunstância de a aquisição ter sido efectuada em face de informação da entidade vendedora de que a transmissão beneficiaria de isenção de IMT e de ter esta sido confirmada pelo notário que celebrou a respectiva escritura e pelo Conservador do Registo Predial.
65. Sobre esta matéria, e acompanhando a posição da Requerida, entende o Tribunal que apenas a Administração Tributária, a quem é deferida a administração do IMT, tem competência para se pronunciar, designadamente em sede de informação prévia vinculativa ao abrigo do art. 68.º da LGT, sobre a situação tributária dos sujeitos passivos e, em particular, sobre os pressupostos dos benefícios fiscais em sede do referido tributo.
66. A intervenção do notário e do conservador relativamente a esta matéria relaciona-se apenas com o controle da regularidade tributária das situações em que tenham intervenção, nos termos do art. 49.º do Código do IMT.
67. No que diz respeito ao questionado acto de liquidação e ao prazo para o praticar, salienta-se que, no presente caso, se está perante o exercício originário de uma liquidação, conforme se extrai dos elementos do processo, que a Requerente, certamente por lapso, refere como "liquidação adicional".
68. De acordo com o art. 35.º, nº 1, do Código do IMT, conjugado com o disposto nos n.ºs 1 e 4 do art. 45.º da LGT, o prazo para praticar o acto tributário, sob pena de caducidade do respectivo direito, é fixado em 8 anos, contados da data em que ocorra o facto tributário. No caso em análise, verifica-se que a liquidação foi efectuada e validamente notificada ao contribuinte dentro do referido prazo. Também nesta matéria nenhum juízo de censura se pode imputar à actuação da Administração Tributária no âmbito do seu poder/dever funcional.
69. Alega, ainda, a Requerente ser ilegal o acto de liquidação porquanto o mesmo pressupõe a revogação de acto administrativo de concessão de um benefício fiscal, o que, segundo entende, violaria o disposto no art. 141º do CPA, designadamente quanto ao prazo para a revogação do acto.
70. Não se vê, porém, que assista razão à Requerente. É que o benefício em causa tem natureza automática. Decorrendo directa e imediatamente da lei, a sua eficácia não está dependente de acto administrativo de reconhecimento, susceptível de revogação nos termos e prazo previsto na citada norma legal.
IV – Decisão.
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral,
Custas pela Requerente.
Valor do processo: € 18 199,38.
Custas: Ao abrigo do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1.224,00, a cargo da Requerente.
Lisboa, 25 de Julho de 2014,
O árbitro, Álvaro Caneira.
[1] Cfr. STA, Acs. de 23.1.2013, Procs. 01001/12, 01005/12 e 01069/12, de 30.1.2013, Procs. 0970/12, 0971/12, 0972/12, 0999/12, 01003/12 e 01193/12, de 6.2.2013, Proc. 01000/12, de 8.2.2013, Proc. 01004/12, de 17.4.2013, Procs. 01023/12 e 01002/12, de 23.4.2013, Proc. 01195/12, de 11.9.2013, Proc. 01049/13, de 25.9.2013, Proc. 01038/13, de 9.10.2013, Procs. 01050/13, 1040/13 e 01015/13, de 18.10.2013, Proc. 01048/13, de 30.10.2013, Proc. 01052/13, de 13.11.2013, Proc. 01054/13, de 4.12.2013, Proc. 0824/13, de 29.1.2014, Proc. 01043/13, de 5.2.2014, Procs. 01041/13, 01047/13 e 01917/13, de 26.2.2014, Procs. 0860/13 e 08763, de 2.4.2014, Proc. 01914/13, de 9.4.2014, Proc. 0859/13, de 28.5.2014, Proc. 0291/14 e de 18.6.2014, Proc. 01527/13.