DECISÃO ARBITRAL
I. RELATÓRIO
Em 15 de novembro de 2017, A..., solteira, contribuinte fiscal com o número..., residente em ..., n.ºs ..., ..., ..., ..., ...-... Mem Martins (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e da Portaria n.º 112-A, de 22 de março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), tendo em vista a declaração de ilegalidade e consequente anulação da demonstração de acerto de contas com o n.º 2017..., relativa à nota de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e à nota de liquidação de juros, consubstanciando o documento de cobrança com o n.º 2017..., todos referentes ao ano de 2013, no valor total a pagar de € 21.917,73.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD em 15 de novembro de 2017 e notificado à Requerida em 20 de novembro de 2017. O Conselho Deontológico designou como árbitro o ora signatário que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 08 de janeiro de 2018, as Partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Em conformidade com o preceituado na alínea e) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral singular foi constituído em 30 de janeiro de 2018.
Notificada para se pronunciar, a AT apresentou resposta em que peticionou que o pedido de pronúncia arbitral fosse julgado improcedente por não provado, mantendo-se na ordem jurídica os actos tributários impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a entidade Requerida do pedido.
A AT apresentou alegações no respectivo prazo. A Requerente não apresentou alegações.
Síntese da posição das Partes
a. Da Requerente:
Do pedido efectuado, e demais elementos juntos aos autos, resulta, no entender da Requerente, o seguinte:
A Requerente foi, entre 29/03/1999 e 02/12/2009, trabalhadora do Banco B..., nos termos de contrato de trabalho celebrado entre as partes.
Posteriormente, a 03/12/2009, a Requerente veio a ser admitida ao serviço do C... para exercer as funções de Director de Agência, também por intermédio de contrato de trabalho celebrado entre as partes.
Em 30/04/2013, o Requerente e o C... celebraram acordo de revogação do contrato de trabalho para produzir efeitos no dia 21/06/2013.
À relação laboral entre a Requerente e o C... aplicava-se o Acordo Colectivo de Trabalho celebrado entre diversas instituições de crédito e que foi outorgado pelo Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários e ainda pela entidade empregadora (o C...).
Acresce ainda que a Requerente esteve também inscrita no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas entre, pelo menos, 22/04/1999 e 03/12/2009, e no Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos e Bancários entre 01/03/2010 e 01/07/2013.
Como contrapartida da cessação do contrato de trabalho supra mencionado, o C... pagou à Requerente a quantia ilíquida de € 78.300,00 a título de compensação pecuniária de natureza global, tendo sido apresentada a correspondente declaração de rendimentos.
Como consequência da entrega da referida declaração de rendimentos, a Requerente recebeu a nota de liquidação n.º 2014..., com o valor a reembolsar de € 4.075,86.
Não obstante, foi a Requerente posteriormente notificada da abertura de procedimento de inspecção tributária o qual, para o que aqui nos importa, culminou com emissão da demonstração de acerto de contas com o n.º 2017..., relativa à nota de liquidação adicional de IRS e à nota de liquidação de juros, consubstanciando o documento de cobrança com o n.º 2017..., todos referentes ao ano de 2013, no valor total a pagar de € 21.917,73, por considerar a AT que apenas a parte da antiguidade relativa ao trabalho exercido no C... deveria ser contabilizada para efeitos da norma de exclusão ínsita na alínea b) do número 4 do artigo 2.º do Código do IRS (em vigor à data dos factos).
Entende a Requerente estar em causa a interpretação a dar àquela norma, nomeadamente ao excerto “(...) número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos (...)”.
De acordo com a opinião sufragada pela Requerente, estando em causa a noção de antiguidade, conceito típico do direito laboral, mandam as regras interpretativas das leis fiscais, na falta de um sentido fiscal próprio, buscar o sentido que o conceito tenha no ramo do direito de que provenha.
A Requerente faz, assim, apelo à densificação do conceito no âmbito do direito laboral, entendendo o mesmo como compreendendo as suas várias fontes, nos termos do disposto no Código do Trabalho (e que incluem, para além do próprio Código do Trabalho, os instrumentos de regulamentação colectiva, onde se contam os Acordos Colectivos de Trabalho).
Assim, prossegue a Requerente, à falta de definição expressa do conceito de antiguidade no Código do Trabalho, haverá o seu sentido que buscar-se no Acordo Colectivo de Trabalho aplicável, o qual na sua Cláusula 17.ª, sob a epígrafe “Determinação da antiguidade”, manda contabilizar “Todos os anos de serviço, prestado em Portugal, nas instituições de crédito com a actividade em território português;”.
Entende, assim, a Requerente, que a antiguidade relevante para efeitos do Código do IRS é a que resulta do referido Acordo Colectivo de Trabalho, ainda que a mesma respeite a actividade profissional desenvolvida, de forma sequencial mas independente, em favor de duas entidades não relacionadas.
Em particular, entende a Requerente que a norma cuja interpretação aqui se pretende não faz qualquer referência à antiguidade na entidade devedora, mas tão-somente a antiguidade, sem subjectivações, havendo que buscar o seu conteúdo nos referidos instrumentos de regulamentação colectiva.
Em suporte da sua argumentação aduz a Requerente a diversa jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), nomeadamente a produzida nos processos 03748/10 de 21/09/2010, 05971/12 de 12/03/2013 e 06002/01 de 11/05/2004, onde se considera (por todos) que “Não resultando da norma sob exame (cfr. art.º 2.º, n.º 4, do C.I.R.S.) que o conceito de antiguidade se refira estritamente ao tempo de serviço na entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho, e nada justificando uma interpretação restritiva da norma de incidência, a noção mais lata de antiguidade oriunda do direito laboral deve ser aceite para o cálculo da importância sujeita a tributação em sede de I.R.S.”.
Já no campo arbitral a Requerente invoca também a análise efectuada na decisão arbitral proferida no processo n.º 230/2016-T.
Conclui a Requerente que foi o próprio banco a reconhecer a aplicabilidade da cláusula de antiguidade uma vez que acabou por pagar, a título compensatório, um valor muito superior àquele que pagaria se tal cláusula não fosse aplicável.
Considera, em conclusão, a Requerente, que é a própria lei que manda aplicar o conceito de antiguidade ínsito no mencionado Acordo Colectivo de Trabalho, resultando inequívoco que o período a considerar deve englobar não só o relativo ao trabalho prestado em favor da entidade devedora dos rendimentos, mas também o relativo à anterior entidade empregadora, por força da aplicação do referido Acordo Colectivo de Trabalho.
b. Da Requerida:
Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou Resposta e fez juntar o processo administrativo (PA), defendendo a legalidade e a manutenção da liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.
Entende a Requerida, desde logo, que a questão controvertida prende-se com saber se a contagem da antiguidade, para efeitos de incidência de IRS, no caso de indemnização por cessação do contrato de trabalho, deve fazer-se tendo em conta o tempo de serviço prestado anteriormente noutra instituição bancária, ou, pelo contrário, apenas considerando o tempo de trabalho prestado na entidade com a qual cessou o contrato de trabalho.
Ora, entende a AT que a antiguidade a contabilizar, para os presentes efeitos “(...) é a antiguidade na entidade devedora da compensação por cessação do contrato de trabalho, não sendo de ponderar, na aplicação do referido preceito legal, a antiguidade em anterior entidade empregadora, mesmo que o trabalhador e a nova entidade patronal tenham acordado ser de considerar em eventuais futuras “indemnizações”, por contrato de trabalho ou que decorra de instrumentos de regulamentação colectiva.”.
Mais refere a AT que “O conceito de antiguidade – antiguidade per si, sem qualquer qualificativo – em sede laboral não comporta uma especial densidade científica que o afaste significativamente do sentido da linguagem corrente: traduzindo, tal como noutros contextos jurídicos, um intervalo juridicamente relevante, com efeitos diversos, entre um determinado termo inicial e um determinado termo final.”.
Já no que respeita à aplicabilidade da definição de antiguidade contida no Acordo Colectivo de Trabalho, entende a AT que “Analisando o conteúdo dos acordos colectivos de trabalho do sector bancário, que contém aquela clausula 17.ª (sob a epígrafe “Determinação da antiguidade”), importa concluir que, para além do regime indemnizatório por substituição da reintegração decorrente da ilicitude do despedimento, tais instrumentos não incidem sobre as compensações/indemnizações por caducidade do contrato de trabalho, por despedimento por causas objectiva, por resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador ou por acordo de distrate/revogação do contrato de trabalho – matérias que, bem vistas as coisas, estão portanto arredadas dos efeitos normativos emergentes de tal cláusula 17.ª, tão simplesmente por não integrarem “todos os efeitos previstos” em tais instrumentos.”
Entende, então, a AT que a antiguidade que haverá aqui que buscar-se é precisamente aquela contida no Código do IRS, mais considerando que “(...) da própria literalidade do preceito normativo resulta que esta corresponde ao número de anos ou fracção de antiguidade na entidade empregadora com a qual cessa o contrato na origem das importâncias pagas (com a ressalva da antiguidade verificada em outras entidades em relação de domínio ou de grupo com aquela por força da extensão do conceito operada pelo n.º 10 do art. 2.º do CIRS).).
Por último, em crítica de uma suposta “tributação voluntária” refere também a AT que “A razão pela qual o legislador conjugou, alternativa e inclusivamente, as expressões “antiguidade” ou “de exercício de funções” tem a ver com a necessidade de uma previsão normativa abrangente, de molde a colher as múltiplas situações geradoras dos rendimentos de trabalho dependente, respectivamente o contrato de trabalho ou a de prestação de serviços, por um lado, e o exercício de função, serviço ou cargo público, por outro lado.”.
Conclui assim a Requerida com o entendimento de que deve ser mantida a liquidação efectuada, recusando ainda o pagamento de quaisquer juros indemnizatórios.
II. SANEAMENTO
1. O Tribunal Arbitral é competente e foi regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, do RJAT, e do artigo 1.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
3. Não foram invocadas exceções que cumpra apreciar.
4. O processo não padece de vícios que o invalidem.
III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. MATÉRIA DE FACTO
A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental junta à petição inicial, do processo administrativo, da resposta e das alegações da Requerida, fixa-se como segue:
A – Factos Provados
1. A Requerente foi, entre 29/03/1999 e 02/12/2009, trabalhadora do Banco B..., S.A., nos termos de contrato de trabalho celebrado entre as partes.
2. Posteriormente, a 03/12/2009, a Requerente veio a ser admitida ao serviço do C... para exercer as funções de Director de Agência, também por intermédio de contrato de trabalho celebrado entre as partes.
3. Em 30/04/2013, o Requerente e o C... celebraram acordo de revogação do contrato de trabalho para produzir efeitos no dia 21/06/2013.
4. A Requerente esteve inscrita no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas entre, pelo menos, 22/04/1999 e 03/12/2009, e no Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos e Bancários entre 01/03/2010 e 01/07/2013.
5. À relação laboral entre a Requerente e o C... aplicava-se o Acordo Colectivo de Trabalho celebrado entre diversas instituições de crédito e que foi outorgado pelo Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários e ainda pela entidade empregadora (o C...).
6. Nos termos da Cláusula 17.ª do referido Acordo Colectivo de Trabalho, a antiguidade é determinada pela contagem do tempo de serviço, prestado em Portugal, nas instituições de crédito com actividade em território português.
7. Como contrapartida da cessação do contrato de trabalho supra mencionado, o C... pagou à Requerente a quantia ilíquida de € 78.300,00 a título de compensação pecuniária de natureza global.
8. A Requerente foi notificada da abertura de procedimento de inspecção tributária o qual culminou com emissão da demonstração de acerto de contas com o n.º 2017..., relativa à nota de liquidação adicional de IRS e à nota de liquidação de juros consubstanciando o documento de cobrança com o n.º 2017..., todos referentes ao ano de 2013, no valor total a pagar de € 21.917,73.
B – Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
III.2. MOTIVAÇÃO
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido apresentado pela Requerente.
No tocante à apreciação da prova, o Tribunal formula o seu juízo, em atenção ao princípio da livre apreciação, a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência.
Assim a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pela Requerente e pela Requerida.
III.3. DO DIREITO
1. A questão decidenda:
Considerando as posições da Requerente e da Requerida, bem como a factualidade assente, a questão a que cumpre dar resposta será, em suma, a de saber se o conceito de antiguidade relevante para efeitos do disposto no artigo 2.º, número 4, alínea b) do Código do IRS se limita à antiguidade na entidade devedora dos rendimentos ou, pelo contrário, se pode abranger a antiguidade contabilizada em anteriores entidades patronais, por força de Acordo Colectivo de Trabalho aplicável.
Sendo a questão de mera interpretação jurídica podem encontrar-se duas correntes – claras e opostas –, ambas com a devida autoridade interpretativa.
Em favor da tese que não limita o conceito de antiguidade, para efeitos da exclusão de IRS, à antiguidade na entidade devedora dos rendimentos tem-se adiantado o TCAS em diversos arestos e, pelo menos, a decisão arbitral proferida no processo 230/2016-T.
Entende, em suma, esta corrente que, não estando o conceito de antiguidade definido na lei fiscal, haverá que buscar o seu sentido no ramo de direito de que provém – o direito laboral – devendo entender-se os Acordos Colectivos de Trabalho como fontes de direito laboral.
É também esta a posição assumida nos presentes autos pela Requerente.
Ao ler a norma de exclusão tributária em causa, os defensores desta doutrina retiram da expressão “número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos” dois modelos distintos para contabilização dos montantes excluídos, um fazendo apelo ao conceito de antiguidade (definido nos termos já mencionados), e outro ao exercício de funções na entidade devedora.
Ou seja, resulta a presente interpretação em limitar a expressão “na entidade devedora” à regra relativa ao exercício de funções, assim se excluindo essa limitação da regra aplicável à antiguidade.
Tanto quanto nos parece, e salvo o devido respeito pela anterior jurisprudência, não estando o presente Tribunal vinculado a um princípio de precedente, haverá que questionar, antes de mais, se o próprio artigo 2.º do Código do IRS, nos seus vários números, não exige a interpretação segundo a qual a antiguidade tem que ser determinada relativamente, também, à entidade devedora e, adicionalmente, e independentemente da resposta que haja de ser dada à primeira questão, se a interpretação defendida pela Requerente pode sequer ser equacionada à luz dos princípios constitucionais conformantes da relação jus-tributária.
Iniciando o exercício interpretativo pela letra da lei, em observância aos ditâmes legais aplicáveis, acompanhamos aqui integralmente a posição defendida na decisão arbitral proferida no processo 505/2017-T onde se refere que “(...) gramaticalmente, a referência final à «entidade devedora» também poderá, sem esforço apreciável, reportar-se à «antiguidade» («antiguidade ... na entidade devedora»), sendo esta uma forma textualmente adequada para expressar uma intenção legislativa no sentido de a antiguidade relevante ser também, como sucede quanto ao «exercício de funções», a referente à entidade devedora.”.
Não obstante se reconheça que a mera expressão literária do preceito não permite uma conclusão imperturbável sobre o sentido da norma, a verdade é que a interpretação sistemática do preceito parece apontar decisivamente no sentido de que também a antiguidade deve ser apurada na entidade devedora dos rendimentos.
A não ser assim mal se perceberia a regra contida na parte final da referida alínea. De facto, ao proibir um novo vínculo com “a mesma entidade” (sublinhado e negrito nosso), a lei parece referir-se, de forma inequívoca, à entidade devedora dos rendimentos. Não é aliás por obra do acaso que a lei se refere a entidade (no singular) e não a entidades. Assim, a entender-se a exclusão de tributação como abrangendo períodos de trabalho em outras entidades, ainda por Acordo Colectivo de Trabalho, e limitando-se a proibição da parte final da norma a um novo vínculo laboral com a entidade devedora dos rendimentos, a lei estaria a permitir a celebração, dentro do prazo de 24 meses, de novo vínculo com entidades patronais anteriores cujo tempo de trabalho tenha sido considerado para efeitos da exclusão de tributação.
Por outro lado, a sufragar-se o entendimento sustentado pela Requerente estaria a permitir-se que uma mesma pessoa beneficiasse duplamente da referida exclusão de tributação num caso como o avançado na decisão proferida no já referido processo 505/2017-T, e que acompanhamos, em que uma pessoa estivesse 10 anos ao serviço de uma entidade patronal, saísse beneficiando da exclusão de tributação, e ingressasse por mais 10 anos em nova entidade patronal, beneficiando de antiguidade de 20 anos (por via de Acordo Colectivo de Trabalho) e respectiva exclusão de tributação, assim se duplicando o benefício relativo aos primeiros 10 anos de trabalho.
Assim, como adianta Manuel Faustino, Sobre o sentido e alcance da nova redacção do artigo 2º, nº 4 do CIRS, em Fiscalidade 13/14, “Não é oponível à administração fiscal o clausulado (…) sector bancário que impõe, na transferência de um trabalhador entre instituições de crédito, a contagem do tempo de antiguidade verificada na anterior ou anteriores instituições de crédito de que tenha sido trabalhador. Como, por maioria de razão, também o não são quaisquer acordos que, respeitando à garantia dos benefícios inerentes à antiguidade, hajam sido celebrados entre o trabalhador e a entidade patronal. Sem considerações que hoje poderiam ser propiciadas pela extensão subjectiva do conceito de entidade patronal operada pelo n.º 10 do art.º. 2.º, uma vez que aquela assenta nas relações de domínio ou de grupo entre sociedades, independentemente da sua localização geográfica, reafirmamos aqui a conhecida orientação da Administração Fiscal segundo a qual o tempo de antiguidade relevante é, tão só, o tempo de antiguidade “adquirido” na entidade com que se cessa o contrato individual de trabalho, como literalmente decorre da lei, não parecendo haver qualquer margem para outro tipo de interpretação.”.
Como tal, em resposta à primeira pergunta colocada deve entender-se que o artigo 2.º, número 4, alínea b) do Código do IRS deve ser lido no sentido de que a antiguidade para efeitos de exclusão de tributação deve ser (só pode ser) aferida em relação à entidade devedora dos rendimentos em causa.
Contudo, ainda que assim não fosse, e ainda que não se entendesse, como se entende, que a solução proposta pela Requerente contraria a própria letra e sentido da lei (de uma perspectiva sistemática e teleológica), sempre haveria que responder à segunda pergunta colocada no sentido de saber se a interpretação proposta pela Requerente seria admissível à luz da Constituição da República Portuguesa.
De facto, estando aqui em causa uma antiguidade convencionada (cfr. Pedro Furtado Martins, A compensação por cessação lícita do contrato de trabalho promovida pelo empregador, in JURISMAT, n.º 4, 2014, p. 168) coloca-se a questão de saber se pode o sujeito passivo, por via de acordo com a sua entidade patronal, ou beneficiando do disposto em Acordo Colectivo de Trabalho, alargar o âmbito da exclusão de tributação contida na lei.
A este respeito acompanhamos integralmente a decisão proferida no processo 505/2017-T, quando se refere que “Na verdade, aquela alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, constitui uma delimitação negativa de incidência de IRS e as normas que definem a incidência dos impostos só são constitucionalmente válidas se forem inseridas em lei formal ou decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa da Assembleia da República, como resulta do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, n.º 1 alínea b), da CRP.”.
Mais ali se afirma, e aqui se acompanha, que “(...) por força do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos». Por isso, a alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRC, será inconstitucional se interpretada como atribuindo a actos contratos individuais ou a actos de normativos de natureza não legislativa (como são os acordos colectivos de trabalho e as portarias de extensão) o poder de definirem a amplitude da delimitação da incidência do IRS. Se se entender que o artigo 11.º, n.º 2, da LGT assegura a possibilidade que fazer apelo a normas de natureza não legislativa para definir o âmbito da incidência de IRS, nessa interpretação, será materialmente inconstitucional, por ser incompaginável com o artigo 112.º n.º 5 da CRP. A referência a «nenhuma lei» que consta desta norma constitucional, abrange a LGT.”.
Destarte, não só a interpretação aqui defendida pela Requerente violaria os princípios constitucionais por violação da reserva formal de lei, nos temos expostos, como a mesma atentaria ainda directamente contra o, também constitucionalmente protegido, princípio da igualdade ao sujeitar dois contribuintes em situação idêntica (imagine-se novamente o caso de dois trabalhadores que tenham sido empregados 10 anos por uma entidade patronal e os 10 anos seguintes por outra, estando apenas o primeiro abrangido por Acordo Colectivo de Trabalho em termos idênticos àquele que aqui se analisa) a uma solução legal distinta.
Assim, e em conclusão quanto a este ponto, acompanha-se integralmente o entendimento produzido por Filipe Fraústo da Silva e Cláudia Reis Duarte, no seu estudo Anotação ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul sobre antiguidade do trabalhador bancário (para efeitos de cálculo do montante de compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS), publicado na Revista da Ordem dos Advogados, n.º 1, 2012, onde se refere, maxime, que “…não pode deixar de admitir-se que o legislador haja pretendido reportar a locução na entidade devedora às duas realidades que literalmente a antecedem – as situações de cessação do contrato e as situações de cessação do exercício de funções (…). Não vemos aliás, motivo para o legislador fiscal ter pretendido que o conceito a seguir na primeira situação fosse injustificadamente mais amplo que na segunda, criando uma situação de desigualdade que, em última análise, poderia até bulir com o princípio constitucional. (…). Entendemos, pois, que o segmento normativo na entidade devedora (que é, e não pode deixar de ser, segundo julgamos, a entidade que se obriga a pagar as importâncias cujo tratamento fiscal a norma estabelece) se reporta às duas situações que o antecedem, e deverá atender-se, em ambas as situações, ao número de anos ou fracção de antiguidade na entidade devedora ou ao número de anos ou fracção de exercício de funções na entidade devedora.”.
Em resposta às questões colocadas entende-se, então, que não só resulta directamente da lei que a antiguidade para efeitos de exclusão de tributação dos montantes pagos a título de compensação pela cessação de contrato de trabalho se deve aferir, apenas, em relação à entidade devedora dos rendimentos, como a norma em causa seria materialmente inconstitucional se interpretada no sentido de que a delimitação negativa da incidência ali prevista dependeria do disposto em de acordos colectivos de trabalho ou contratos individuais sobre a contagem da antiguidade.
IV. DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide o Tribunal Arbitral:
I) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, manter a demonstração de acerto de contas com o n.º 2017..., relativa à nota de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e à nota de liquidação de juros consubstanciando o documento de cobrança com o n.º 2017..., do ano de 2013, no valor total de € 21.917,73;
II) Julgar improcedente o pedido de devolução dos montantes já liquidados relativos ao documento de cobrança supra referido;
III) Julgar improcedente o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios
IV) Condenar a Requerente no pagamento da totalidade das custas, atenta a improcedência do pedido.
VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 21.917,73 (vinte e um mil, novecentos e dezassete euros e setenta e três cêntimos).
CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros).
Lisboa, 11 de junho de 2018.
O Árbitro,
José Calejo Guerra
Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.
A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990.