Decisão Arbitral
O árbitro, Dr. Henrique Nogueira Nunes, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral, constituído em 06 de Dezembro de 2017, acorda no seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A... e B..., respectivamente com os números de pessoa singular ... e ..., residentes na Rua ..., n.º..., ..., doravante designados por “Requerentes”, requereram, no dia 15 de Setembro de 2017, a constituição do Tribunal Arbitral ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”).
1.2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira no dia 28 de Setembro de 2017.
1.3. O pedido de pronúncia arbitral tem por objecto a declaração de ilegalidade do acto tributário consubstanciado na liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (“IRS”) n.º 2016..., e demonstração de acerto de contas n.º 2016..., as quais ditaram valor a pagar de € 26.780,27, referente ao ano fiscal de 2013, englobando o valor de € 1.967,94 a título de juros compensatórios.
O Tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1 do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades, nem foi invocada matéria de excepção.
1.4. A fundamentar o seu pedido imputam os Requerentes, em síntese, os seguintes vícios:
(i) Que a referida liquidação adicional de IRS e de Juros Compensatórios enferma do vício de violação de lei, porquanto não estando regulado na lei fiscal o conceito de antiguidade, terá de se recorrer ao regime do artigo 11.º, n.º 2 da LGT, o qual determina que os conceitos devem ser sempre interpretados no sentido idêntico aos que têm nos demais ramos de direito, incluindo o direito laboral.
(ii) E que não fazendo o Código do Trabalho qualquer referência ao conceito de antiguidade, há-que recorrer aos instrumentos de regulamentação colectiva, reconhecidos como fontes de direito, podendo estes estabelecer ou densificar conceitos jurídicos.
(iii) Sendo o Requerente A... sindicalizado em sindicatos subscritores do Acordo Colectivo de Trabalho, entende ser-lhe aplicável o correspondente texto aplicável ao sector bancário.
(iv) E que tal implica que a antiguidade do trabalhador abranja todos os anos de trabalho prestado em instituições de crédito sediadas em Portugal, porquanto entendem que a antiguidade deve ser contabilizada desde o início das funções no sector bancário.
(v) E que a antiguidade que deve ser considerada é a que corresponde à totalidade do tempo de serviço prestado pelo Requerente A... em instituições de crédito em Portugal, por força da aplicação do ACT do Sector Bancário e dos contractos individuais de trabalho que sempre, diz, a consideraram de forma expressa.
(vi) E que a interpretação da AT é ilegal por excessivamente restritiva, ignorando uma fonte de direito laboral.
(vii) Recorrendo a diversa jurisprudência que já se pronunciou sobre tal conceito.
(viii) E em posições anteriores da responsabilidade das Direcções de Finanças de ... e de ... .
(ix) E que a AT não pode alterar a sua orientação sem qualquer fundamentação de alteração de circunstâncias.
(x) Convoca, igualmente, a inconstitucionalidade da liquidação adicional efectuada pela Requerida por violação do princípio da igualdade, alegando que em casos similares ao dos autos a AT actuou de modo diferente, considerando nalguns casos que as indemnizações pagas pelo Banco em causa nos autos não estavam sujeitos a tributação.
(xi) Alicerçado em processos judiciais que correram os seus trâmites no TAF de Leiria, com base na revogação do próprio acto de liquidação por parte do Director de Finanças de ... .
(xii) E que o princípio constitucional estruturante da igualdade traduz-se na proibição do arbítrio para que situações iguais tenham tratamento igual e situações diferentes tenham tratamento díspar, violando a AT com a sua conduta o comando constitucional previsto nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1 da CRP.
(xiii) Invoca, por fim, que o Banco pagador da indemnização em causa nos autos é o responsável pelo pagamento do IRS não retido, devendo tal Banco ser o responsável pelo pagamento do imposto em causa nos autos.
1.5. A Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante designada por “Requerida” ou “AT”, respondeu, em síntese, como segue:
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Vem defender-se por impugnação.
(ii) Entende que a antiguidade a contabilizar, para efeitos do nº 4 do art. 2º do CIRS, é a antiguidade na entidade devedora da compensação por cessação do contrato de trabalho, não sendo de ponderar, na aplicação do referido preceito legal, a antiguidade em anterior entidade empregadora, mesmo que o trabalhador e a nova entidade patronal tenham acordado ser de considerar em eventuais futuras “indemnizações”, por contrato de trabalho ou que decorra de instrumentos de regulamentação colectiva.
(iii) E que apesar de os instrumentos de regulamentação colectiva – mas não apenas estes – aduzirem vários qualificativos à antiguidade laboral, a verdade é que o Código do Trabalho não define o que seja “antiguidade” nem apresenta uma qualificação unívoca dela, constatando-se, contudo, à saciedade, a prevalência da noção de “antiguidade na empresa”, incluindo em matéria de cessação do contrato de trabalho.
(iv) E que analisando o conteúdo dos acordos colectivos de trabalho do sector bancário que contém aquela clausula 17.ª (sob a epígrafe “Determinação da antiguidade”), importa concluir que, para além do regime indemnizatório por substituição da reintegração decorrente da ilicitude do despedimento, tais instrumentos não incidem sobre as compensações/indemnizações por caducidade do contrato de trabalho, por despedimento por causas objectiva, por resolução do contrato pelo trabalhador com fundamento em acto ilícito do empregador ou por acordo de distrate/revogação do contrato de trabalho – matérias que, bem vistas as coisas, estão portanto arredadas dos efeitos normativos emergentes de tal cláusula 17.ª, tão simplesmente por não integrarem “todos os efeitos previstos” em tais instrumentos.
(v) Ao regime jurídico do artigo 2.º, n.º 4, do Código do IRS subjaz uma notória vocação anti abuso, própria das cláusulas especiais preventivas da evasão fiscal – vocação que tem especial razão de ser, pois não seriam em qualquer caso aceitáveis acordos que dispusessem sobre antiguidade laboral reconhecendo antiguidades meramente artificiais e impondo tal reconhecimento para efeitos de delimitação negativa da incidência de imposto.
(vi) E que ainda assim, em qualquer caso, o recurso ao n.º 2 do artigo 11.º da LGT sempre implicaria a assunção prévia de um critério metodologicamente válido que permitisse optar por uma das múltiplas qualificações de antiguidade existentes no âmbito laboral, com exclusão de todas as demais, algo que a jurisprudência em que os Requerentes se basearam não expressou.
(vii) Entende que a questão central nos autos prende-se com o facto de saber-se se aquela alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, enquanto detentora de um sentido próprio do conceito de “antiguidade na empresa” que se comprova existir, pode ser permeável a outras qualificações de antiguidade acordadas em instrumentos jurídicos de natureza negocial, bilaterais ou colectivos, que imponham à entidade devedora da prestação pecuniária referida nessa norma uma antiguidade maior do que a correspondente à duração da relação contratual outorgada por tal entidade.
(viii) E que o está em causa nos autos é saber se tais instrumentos jurídicos negociais podem impor a amplitude da própria tributação, como se de uma tributação voluntária se tratasse.
(ix) E que o espírito da lei reclama uma interpretação em termos literais da expressão “números de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora” referenciada à “entidade devedora”, não admitindo que na “antiguidade na entidade devedora” se considerem, para além da antiguidade inerente à efectiva duração da relação contratual outorgada por essa entidade, majorações decorrentes de instrumentos jurídicos negociais.
(x) E que a “entidade devedora” a que se refere o nº 4 do art. 2º, tem de ser a “entidade patronal” mencionada no nº 10 do mesmo preceito legal, o que fica explicito quando no nº 4 se condiciona a exclusão da tributação à não criação de novo vínculo profissional ou empresarial no prazo de 24 meses com a mesma “entidade”.
(xi) Relativamente a substituição tributária remete para o que expressamente foi acordado entre o banco e o Requerente no nº 5 da cláusula 15º com a epígrafe Impostos e Contribuições do acordo de revogação do contrato de trabalho que diz “ em caso de alteração legislativa que modifique o regime enunciado na presente cláusula, ou de orientação jurisprudencial, relativamente aos arestos mencionados no nº 2, de que resulte diferente linha interpretativa do mesmo regime, o valor ilíquido da compensação pecuniária global estabelecido cláusula segunda permanece inalterado, não sendo em caso algum exigível ao C... que suporte, no todo ou em parte, os impostos ou contribuições que sejam devidas pelo colaborador em virtude do pagamento da referida compensação, ou que, de qualquer outro modo, o compense por esses factos.”.
(xii) Pelo que pugna pela total improcedência do presente pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica o acto tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.
1.6. Entendeu o Tribunal dispensar a realização da primeira reunião do Tribunal Arbitral, de acordo com o disposto no artigo 18.º do RJAT, tendo notificado as partes para, querendo, apresentar alegações, tendo a AT apresentado Alegações onde veio reforçar a sua posição.
Mais foram os Requerentes notificados para o pagamento da taxa arbitral subsequente e sua comunicação ao CAAD.
Foi fixado prazo para o efeito de prolação da decisão arbitral até ao terminus do prazo legal.
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1.7. O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
2. QUESTÕES A DECIDIR
Na sua petição arbitral os Requerentes formulam as seguintes questões essenciais para as quais requerem a apreciação do Tribunal:
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Suscitam o vício de violação de lei do acto de liquidação.
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Suscitam o vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade.
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Suscitam, por fim, a responsabilidade pelo pagamento do imposto em crise nos autos, a qual seria do Banco pagador da indemnização e não dos Requerentes ao abrigo do mecanismo da substituição tributária.
3. MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, dão-se por provados os seguintes factos:
A) Os Requerentes foram objecto de uma acção de inspecção levada a efeito pelos serviços de inspecção da DF de ..., de onde resultaram correcções, em sede de IRS do ano de 2013, através da liquidação nº 2016... (Documento n.º 1 junto pelos autos pelos Requerentes).
B) Por não concordarem com a referida liquidação os Requerentes apresentaram reclamação graciosa, à qual foi atribuído o processo de reclamação nº ...2016... (Documento n.º 2 junto pelos Requerentes).
C) Na sequência do indeferimento da reclamação graciosa apresentada, os Requerentes apresentaram Recurso Hierárquico contra tal indeferimento, ao qual foi atribuído o n.º ...2017... (Documento n.º 4 junto pelos Requerentes).
D) Os Requerentes foram notificados do indeferimento do recurso hierárquico em 23/06/2017 (Documento n.º 5 junto pelos Requerentes).
E) O Requerente A... trabalhou no Banco C... entre 01/09/2009 a 31/05/2013 (Documento n.º 8 junto pelos Requerentes).
F) Em 29/04/2013, e no âmbito de um plano de reestruturação de negócio ibérico do Banco C..., este Banco e o Requerente assinaram um acordo de revogação de contrato de trabalho no qual ficou estabelecido no n.º 2 da respetiva Cláusula 15.ª:
«Tendo em consideração os termos aplicáveis da Cláusula 17ª dos ACT do Sector bancário (“ACT”) e atenta a interpretação sustentada nos acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul de 11 de maio de 2004 (Procº 06002/01) e, em especial, de 21 de Setembro de 2010 (Procº 03478/10), ambos os outorgantes reconhecem o seu acordo na determinação da antiguidade do Colaborador pela contagem do seu tempo de serviço em entidades bancárias indicadas na referida cláusula do ACT, para os efeitos do disposto na al. b) do nº 4 do art. 2º do Código do imposto sobre o rendimento das Pessoas Singulares, na redação que lhe foi dada pelo art. 108º da lei nº 64B/2011, de 30 de Dezembro». (Documento n.º 6 junto pelos Requerentes).
G) Foi paga ao Requerente A... uma indemnização de € 79.008,00, correspondente a uma antiguidade de 19 anos, pela revogação do contrato de trabalho. (cfr. Documento n.º 6 junto pelos Requerentes).
H) A referida indemnização foi calculada com base na antiguidade do Requerente, não apenas no Banco C..., (onde esteve menos de 4 anos), mas também no Banco D... onde tinha trabalhado anteriormente.
I) Aquando do pagamento da indemnização, o Banco C... considerou que aquela não estava sujeita a tributação em IRS, na medida em que não excedia o limite a que se refere o n.º 4 do art. 2.º do Código do IRS, na redação em vigor à data dos factos.
J) O Requerente B... foi sindicalizado no Sindicato dos Quadros e Técnicos do Sector Bancário; Sindicato dos Bancários do Norte e Sindicato dos Bancários do Centro (Documentos n.ºs 9, 10 e 11 juntos pelos Requerentes).
K) Em 2013, a Cláusula 2ª do ACT do sector bancário estabelecia que:
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«O presente Acordo Coletivo de Trabalho é aplicável em todo o território nacional, no âmbito do sector bancário, e obriga as Instituições de Crédito e as Sociedades Financeiras que o subscrevem (adiante genericamente designadas por Instituições de Crédito ou Instituições), bem como todos os trabalhadores ao seu serviço filiados nos Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, representados pela outorgante FEBASE – Federação do Sector Financeiro e doravante designados por Sindicatos, abrangendo 26 empregadores e estimando-se em 54.300 os trabalhadores abrangidos».
O Banco C... subscreveu o ACT mediante a seguinte ressalva:
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«Na contagem do tempo de serviço para quaisquer efeitos emergentes do ACT, contarão apenas o tempo de serviço prestado às próprias Instituições signatárias da presente ressalva, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras instituições signatárias de presente ressalva, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras entidades ou empresas, mas, neste caso, desde que tal resulte de acordo individual entre aquelas e o trabalhador».
L) O contrato individual de trabalho do Requerente A... junto pelos Requerentes tem uma Cláusula 7.ª, sob a epígrafe ‘Antiguidade’, segundo a qual:
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«1.O Banco garante ao segundo Outorgante a antiguidade decorrente da prestação de serviço a outras Instituições de Crédito, desde a data constante na Declaração de Antiguidade emitida pelo empregador anterior, documentalmente comprovada, mas apenas para os efeitos seguintes:
a) Para efeitos do Fundo de Pensões do C..., o Primeiro Outorgante terá em consideração o tempo de serviço prestado a outras instituições de crédito, sendo o montante de reforma por invalidez presumível calculado de acordo com o regime previsto no ACTV dos bancários.
b) A parte de reforma correspondente ao tempo de serviço prestado pelo Segundo ao Primeiro Outorgante será calculada nos termos da Cláusula 6.ª do Plano de Pensões do C... .
c) O tempo de serviço prestado a outras Instituições de Crédito anteriormente à assinatura do presente contrato, também não será tido em conta para o cálculo do número de diuturnidades».
M) A liquidação em crise nos autos foi paga no dia 29/07/2016 (Documento n.º 23 junto pelos Requerentes).
N) No dia 15-09-2017 os Requerentes apresentaram requerimento de constituição do Tribunal Arbitral junto do CAAD – cfr. requerimento electrónico no sistema do CAAD.
4. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos com relevo para a decisão da causa que não se tenham provado.
5. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Quanto aos factos essenciais a matéria assente encontra-se conformada de forma idêntica por ambas as partes e a convicção do Tribunal formou-se com base nos elementos documentais (oficiais) juntos ao processo e acima discriminados cuja autenticidade e veracidade não foi questionada por nenhuma das partes.
6. DO DIREITO
De acordo com as questões enunciadas, que constam do ponto n.º 2 da presente Decisão, e tendo em conta a matéria de facto fixada no ponto n.º 3, importa agora determinar o Direito aplicável.
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Do vício de violação de lei
O presente processo arbitral insere-se num contencioso que se relaciona com o tratamento fiscal, em sede de IRS, das indemnizações pagas a trabalhadores pelas respectivas entidades patronais.
No âmbito dos processos que tramitaram sob a égide do CAAD e que trataram desta matéria, podemos identificar, a título de mero exemplo, os processos 126/2017-T, 158/2017-T; 280/2017-T; 349/2017-T; 353/2017-T, 357/2017-T e mais recentemente o processo 505/2017-T, cujo sentido da decisão e respectiva fundamentação têm variado.
Em concreto, versa-se sobre a isenção da indemnização recebida (in casu da totalidade, mas noutros casos apenas parcial) e o conceito de antiguidade a que se refere o n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS.
A jurisprudência maioritária dos Tribunais Judiciais e dos Tribunais Arbitrais nesta matéria tem vindo a aceitar que o conceito de antiguidade deve incluir os anteriores vínculos laborais conquanto estes tenham ocorrido na mesma actividade e existam Acordos Colectivos de Trabalho (ACT) nesse sentido.
Como diz Nuno Oliveira Garcia no processo 126/2017-T, “O mesmo é dizer, que toda a jurisprudência – do STA ao CAAD – atribui relevância, para efeitos da citada isenção de IRS, ao tempo de serviço prestado pelo trabalhador a entidades do mesmo setor, sempre os seguintes requisitos se verifiquem de forma cumulativa; a saber:
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A nova entidade patronal tenha sobrescrito o ACT do respetivo setor;
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Exista acordo individual entre o trabalhador e a nova entidade patronal (por regra, o contrato de trabalho) no sentido da relevância do tempo de serviço prestado a entidades do mesmo setor; e,
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O trabalhador seja filiado no respetivo sindicato.”.
E este Tribunal Arbitral comunga da mesma opinião, tanto mais que in casu, como vimos na matéria de facto, o ACT subscrito pelo Banco C... faz relevar o «tempo de serviço prestado a outras instituições signatárias» do ACT, mas apenas «desde que tal resulte de acordo individual entre aquelas e o trabalhador».
Da matéria de facto dada como provada, nos presentes autos encontra-se provado que a entidade pagadora da indemnização, o Banco C..., subscreveu o ACT do respectivo sector, e que o Requerente A... era filiado no sindicado relevante, dois dos requisitos essenciais para que se tenha que reconhecer a antiguidade do trabalhador no sector referente a anteriores empregadores.
O restante requisito – imposto pelo próprio ACT subscrito pelo Banco C..., relaciona-se com a existência de acordo individual entre o trabalhador e a nova entidade patronal no sentido da relevância do tempo de serviço prestado a entidades do mesmo sector.
Quanto a este último ponto resultou provado nos autos que, como é habitual nas relações laborais, existiam dois acordos; (i) contrato de trabalho que titulou, em 2009, o início da relação laboral e que duraria até Maio de 2013; e (ii) acordo de revogação de contrato de trabalho que titulou, em 2013, precisamente os termos da extinção do primeiro acordo.
Importa pois, determinar, qual dos acordos é o relevante para a boa aplicação do direito aos factos, circunstância tanto mais relevante quando, como igualmente resulta dos autos, a relevância atribuída à antiguidade no sector é diferente consoante o acordo em análise. Com efeito, enquanto no contrato de trabalho assinado em 2009 existe uma limitação taxativa e exaustiva da extensão da relevância do conceito antiguidade no sector (ou seja, há uma limitação negativa clara dessa extensão), já no acordo de revogação do contrato de trabalho, e para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a antiguidade do sector foi considerada.
Aqui seguimos a posição expressa por Carla Trindade no processo 616/2015-T, seguido por Nuno Oliveira Garcia no processo 126/2017-T, em casos similares ao presente, em que se considerou que o conceito de antiguidade para efeitos de contagem do tempo prestado noutras entidades empregadoras não pode decorrer da celebração de um acordo de revogação do contrato de trabalho, porquanto este não representa qualquer adenda ao contrato individual de trabalho. Ora, in casu, não resultando do contrato individual do trabalho celebrado entre o Banco C... e o Requerente A..., nem sequer do ACT directamente, o tempo prestado a outras entidades para efeitos de cálculo de indemnização, a única antiguidade a considerar no cálculo da indemnização por revogação do contrato de trabalho será a antiguidade do Requerente A... no Banco C..., razão pela qual não se encontram reunidos todos os requisitos indispensáveis para assegurar que o conceito de antiguidade abranja o período de serviço prestado no Banco D... .
Termos em que improcede este pedido.
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Inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade
Quanto a este pedido, importa dizer como segue.
A AT aparenta demonstrar uma falta de coerência histórica na apresentação da sua argumentação que de modo algum se pode compreender face à incerteza que tal transmite aos contribuintes.
No entanto, este Tribunal não está na plena posse de todos os factos que conduziram à revogação dos actos tributários nos processos que os Requerentes invocam, os quais, aliás, foram praticados por outras Direcções de Finanças, in casu, ... e ..., nem lhe é pedido que sindique a actuação por parte da AT enquanto instituição (para o qual, de resto, nem teria competência) mas sim para apreciar a legalidade do acto concreto de liquidação em causa nos autos.
Em todo o caso, não estando este Tribunal Arbitral vinculado por precedentes jurisprudenciais (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), e muito menos por orientações administrativas emanadas da Autoridade Tributária e Aduaneira, entende que a aplicação de direito que fez aos factos em causa nos autos é a correcta face ao disposto na lei, não podendo este Tribunal julgar com recurso a equidade.
Pelo exposto, improcede este pedido.
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Quanto à responsabilidade pelo pagamento do imposto, a qual seria do Banco pagador da indemnização e não dos Requerentes ao abrigo do mecanismo da substituição tributária.
Quanto a este pedido importa referir que foi acordado entre o Requerente A... e o Banco C..., na cláusula 15.ª, n.º 5 do acordo de revogação do contrato de trabalho, segundo o qual “em caso de alteração legislativa que modifique o regime enunciado na presente cláusula, ou de orientação jurisprudencial, relativamente aos arestos mencionados no nº 2, de que resulte diferente linha interpretativa do mesmo regime, o valor ilíquido da compensação pecuniária global estabelecido cláusula segunda permanece inalterado, não sendo em caso algum exigível ao C... que suporte, no todo ou em parte, os impostos ou contribuições que sejam devidas pelo colaborador em virtude do pagamento da referida compensação, ou que, de qualquer outro modo, o compense por esses factos.”.
Ou seja, tal exclusão de responsabilidade foi expressamente convencionada pelas então partes, não podendo virem agora os Requerentes pretender que o Banco C... assume essa responsabilidade a título de substituto tributário.
Pelo que improcede igualmente este pedido.
Do pedido de pagamento de juros indemnizatórios
Resta, por fim, apreciar o pedido de condenação da Requerida no pagamento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
Considerando que nos termos acima expostos o ato tributário de liquidação adicional de IRS não padece dos vícios de violação de lei que lhe são imputados no pedido de pronúncia arbitral, improcedendo, assim, o pedido de declaração da respectiva ilegalidade, necessariamente improcede o pedido de juros indemnizatórios, que é suscitado como consequência das ilegalidades invocadas.
7. DECISÃO
Em face do exposto, acorda este Tribunal Arbitral Singular em:
- Julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral.
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Fixa-se o valor do processo em Euro 26.780,27, de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 297.º do CPC.
O montante das custas é fixado em Euro 1.530,00, ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, a cargo dos Requerentes, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 02 de Maio de 2018.
O Árbitro,
Dr. Henrique Nogueira Nunes
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
A redacção da presente decisão arbitral rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.