Acordam os Árbitros José Poças Falcão, Catarina Gonçalves e Amândio Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
1. Relatório e Saneamento
1. No dia 7 de junho de 2017, a sociedade A…, LDA, contribuinte fiscal, pessoa coletiva e matrícula número …, com sede na …, n.º…, …, em …– ..., veio, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a), 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, todos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, (adiante RJAT), visando a anulação do ato tributário de liquidação de IRC n.º 2017…, e respetivos juros compensatórios, respeitante ao exercício de 2013, no montante de € 202.309,85 .
2. No dia 29 de agosto de 2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
4. Em 03-11-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 23-11-2017.
6. No dia 31-01-2018, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por exceção e por impugnação.
7. A reunião prevista no artigo 18.º do RJAT foi realizada no dia 04-04-2018, tendo sido também inquiridas as testemunhas arroladas pela Requerente.
8. As partes apresentaram alegações escritas.
9. Foi fixado o prazo de 15-05-2018 para a prolação de decisão final, ulteriormente prorrogado, embora sem necessidade de uso da faculdade prevista no artigo 21º-2, do RJAT (Cfr despacho de 15-5-2018).
10. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
11. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
12. O processo não enferma de nulidades.
13. Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2.Alegações das Partes
2.1. Alegações da Requerente
A Requerente alega, em síntese, o seguinte:
As correções efetuadas pela inspeção tributária realizada ao exercício de 2013 ora impugnadas são relativas (i) ao pagamento a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado no valor de € 193.000, 00 e (ii) uma alegada variação patrimonial positiva no valor de € 265.237,94 relativa a regularizações de diversas contas de clientes;
A) Quanto às 2 facturas pagas à sociedade chinesa B…
Ficou demonstrado que foram pagamentos efetuados pela requerente por contrapartida da prestação dos serviços de divulgação dos seus imóveis que foram efetivamente realizados por aquela sociedade chinesa, no mercado chinês, que resultaram na angariação de 7 compradores chineses, devidamente identificados no relatório de inspeção, que vieram a adquirir 7 casas de habitação à requerente.
Os processos de compra e venda foram depois concluídos com a sociedade C… como vem referido, aliás, no próprio relatório.
Estes factos, para além da prova documental constante do processo, ficaram absolutamente claros pelo depoimento das testemunhas D… que afirmou ter apresentado, para esse efeito, pessoalmente, o Sr. E… (responsável da sociedade chinesa) ao gerente da requerente e, sobretudo, pelo testemunho de F…, responsável da referida sociedade C… .
Esta última testemunha afirmou ter como razão de ciência o facto de ter sido interveniente nos negócios aqui em causa e descreveu, em detalhe e de forma clara e credível, o tipo de serviços prestados pela sociedade chinesa.
Declarou ainda que sem os serviços prestados pela referida sociedade chinesa não teria sido possível à requerente vender aquelas habitações àqueles clientes chineses. Mais confirmou a testemunha que a sua empresa C… concluiu as vendas das referidas habitações aos clientes chineses angariados pela sociedade B… .
Quanto a saber se o montante é exagerado:
Em relação à 1ª factura, de 48.250,00 sobre a venda de um apartamento pelo preço de 885.000,00, estamos perante uma comissão de 5,5%.
Quanto à 2ª factura, de 144.750,00 sobre vendas de 6 moradias a outros tantos adquirentes chineses pelo preço total de 3.680.000,00, corresponde a uma percentagem de cerca de 4%.
Ora, estes montantes, pela simples razão de experiência e do conhecimento mediano destes negócios, para além da prova produzida, são valores manifestamente normais e praticados habitualmente.
Tratam-se, portanto, de montantes, objetivamente, não exagerados, para efeitos da sua aceitação face ao disposto no artº 65º do CIRC.
Finalmente, é também relevante e não pode ser ignorado, o facto, aliás reconhecido expressamente no relatório de inspeção (a pg. 24) de que: “A sociedade apresentou os formulários modelo 21-RFI assinados e carimbados pelo beneficiário efetivo dos pagamentos, bem como os certificados de residência fiscal emitidos em nome deste, validados pelas autoridades fiscais de Hong Kong, pelo que obedece aos requisitos de dispensa de retenção previstos no artigo 98.° do Código do IRC.”
B) Quanto à alegada variação patrimonial positiva (no montante de 265.237,94)
Em 2013, o contabilista da requerente detectou na contabilidade que persistiam contas de 4 clientes que, ainda, evidenciavam adiantamentos de sinal por saldar, quando é certo que esses clientes tinham comprado os seus andares e outorgado as respetivas escrituras e, consequentemente, o preço total da venda em 2002.
Por isso, uma vez a requerente vendeu os andares àqueles clientes, os respetivos valores de cada sinal teriam, forçosamente, de estar saldados. Porém, naqueles 4 casos identificados no relatório, tal não sucedeu, por mero lapso da contabilidade, como referiu o contabilista perante o Tribunal Arbitral.
Assim, o contabilista da requerente limitou-se a corrigir um erro, aliás notório, que só detectou em 2013 mas que a sua contabilidade evidenciava há mais de 10 anos.
E é o próprio relatório de inspeção, que fundamenta a liquidação, que reconhece que os saldos regularizados se encontravam errados na contabilidade e “que não correspondem a passivos reais e efetivos nem tiveram a sustentação de qualquer facto económico”.
Trata-se apenas de uma regularização de um erro contabilístico, sem qualquer substância ou facto económico subjacente, que não correspondeu a nenhum benefício ou vantagem económica para o sujeito passivo, pelo que a correção do erro não teve, nem teria que ter, qualquer influência no apuramento dos resultados e do lucro tributável da requerente.
Em sede de alegações a Requerente apresentou as seguintes conclusões:
Contrariamente à fundamentação que serviu de base à liquidação impugnada, os pagamentos efetuados pela requerente, em benefício da sociedade B…, com sede em Hong Kong, no montante total de 193.000,00, correspondem ao pagamento de serviços realizados por aquela entidade relativamente às vendas a clientes chineses por si angariados, sendo que tais pagamentos não têm um carácter anormal nem um montante exagerado, para efeitos do disposto nos artigos artº 65º, nº 1 e no artº 88º, nº 8, do CIRC.
A regularização contabilística dos saldos das 4 contas de adiantamentos de clientes, que deveriam ter sido saldadas na data das escrituras de compra e venda realizadas há mais de 10 anos, configura-se como uma correção de um erro, meramente contabilística, sem qualquer substância ou facto económico subjacente.
Pelo que, contrariamente à fundamentação do relatório de inspeção, uma tal regularização, independentemente da forma adoptada poder ser ou não a mais acertada, não consubstancia nenhum acréscimo patrimonial nem nenhuma vantagem ou benefício económico para o sujeito passivo nem qualquer manifestação de capacidade contributiva e, consequentemente, não poderá ser qualificada como uma variação patrimonial positiva para efeitos do disposto no artº 21º do CIRC, não sendo passível de incidência de IRC.
2.2. Alegações da Requerida
A Requerida alega, em síntese, o seguinte:
A subsunção dos pagamentos efetuados à B… no artigo 65.º do Código do IRC, resulta de:
(i) Os pagamentos terem sido feitos a uma entidade residente fora do território português, in casu, uma entidade domiciliada em Hong-Kong e a referida entidade encontra-se submetida a um regime fiscal claramente mais favorável, por, nos termos do n.º 2 do art.º 65.º do Código do IRC, o território de residência - Hong-Kong - constar da lista (n.º 31) aprovada pela Portaria n.º 292/2011.
(ii) Não ter o sujeito passivo provado que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caracter anormal ou um montante exagerado.
Com efeito, a Requerente não logrou, incumprindo o seu ónus da prova, contraditar as conclusões da Inspeção Tributária, provando-se, na presente ação arbitral que:
• não existe evidência de ter sido «praticada qualquer ação, campanha publicitária ou equivalente, concreta e efetiva, pela citada empresa prestadora de serviços visando a venda das frações»;
• não há prova da prática, pela B…, de quaisquer atos destinados à venda de imóveis propriedades da Requerente;
• não foi apresentada qualquer prova em papel, vídeo, suporte informático, digital ou qualquer outro suporte contendo, designadamente, panfletos utilizados nas campanhas de marketing ou estudos de prospeção de mercados;
• não foi comprovado que os encargos de cada fatura correspondem efetivamente aos imóveis ou frações indicadas, sendo que as frações (A,B,C,F,I e G) referentes à fatura no valor de € 144.750,00 foram objeto de intermediação da imobiliária C… Lda.;
• não existe evidência de troca de qualquer correspondência ou contactos com o alegado prestador de serviços, conexos com os serviços que alegadamente intermediou.
No que concerne à prova da inexistência de carácter anormal das despesas, refira-se que a dificuldade em avaliar a “normalidade” dos gastos que originaram os pagamentos à B… decorre de não ser possível afirmar, por falta de demonstração cabal pela Requerente, de que os serviços faturados a coberto da designação genérica de «real estate intervention» foram realizados efetivamente por aquela entidade de Hong Kong.
No que respeita às comissões, a Inspeção Tributária apurou, a partir dos elementos contabilísticos da Requerente, nomeadamente as escrituras de venda, balancetes gerais e os extratos de conta corrente, que as comissões pagas à sociedade de Hong Kong atingiram valores superiores a 20%, sendo que também relativamente a esta questão a Requerente não logrou efetuar qualquer prova de que não existe exagero no montante da intermediação.
Donde se conclui que não tendo sido demonstrado que o montante cobrado não é excessivo em face do padrão normal de mercado seguido em Portugal, tem-se por não preenchido este requisito.
Regularizações de diversas contas de adiantamento de clientes - Variação patrimonial positiva
O depoimento prestado por G…, Contabilista Certificado, confirmou que as quantias registadas como adiantamentos de clientes tinham sido recebidas e atribuiu a falta de regularização dos saldos nas contas 21854, 21855, 21856 e 21871, nos exercícios (2002 e 2005) em que ocorreram as vendas dos imóveis, a erros praticados pela pessoa que executava os registos contabilísticos.
Estes erros afetaram a sua fiabilidade e a representação de forma fidedigna da posição financeira, através do balanço, e dos resultados, pois, de acordo com a Estrutura Conceptual (EC) do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), parágrafo 33: “Para ser fiável, a informação deve representar fidedignamente as transacções e outros acontecimentos que ela pretende representar ou possa razoavelmente representar. Assim, por exemplo, o balanço deve representar fidedignamente as transacções e outros acontecimentos de que resultem activos, passivos e capital próprio da entidade na data do relato que satisfaçam os critérios de reconhecimento.”
A tese de que se tratou de erros praticados na execução dos lançamentos contabilísticos não é convincente, por um lado, porque as datas das escrituras de compra e venda realizadas em 2002, em dois casos, até são anteriores à data do registo contabilístico dos adiantamentos, havendo uma diferença de dias, e noutro as datas dos adiantamentos e da escritura são quase coincidentes, e noutro ainda medeiam apenas alguns meses, portanto, a probabilidade da sua detecção por simples controlo dos fluxos financeiros seria elevada.
Os contornos da situação sob análise levam a formar a convicção de que a explicação mais consentânea com a manutenção dos registos na Conta 281 - Adiantamentos de clientes durante uma década, não é compaginável com a existência de saldos contabilísticos nas contas bancárias e de Caixa empolados artificialmente por aquela quantia, de €265.237,94, atribuindo-se a mesma a discrepâncias entre as quantias efectivamente recebidas dos clientes e os preços declarados nas escrituras de compra e venda.
Donde resulta que a anulação, em 31.12.2013, dos saldos que figuravam na Conta - Adiantamentos de Clientes deveria ter sido efectuada por contrapartida da Conta 56 – Resultados Transitados, na medida em se trata de rectificar os resultados apurados em exercícios anteriores, tal como preconizam os parágrafos 36 a 43 da Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) 4 – Políticas Contabilísticas, Alterações nas Estimativas Contabilísticas e Erros.
Falta, no entanto, esclarecer qual teria sido a forma de regularização mais acertada, justamente, porque esse é o cerne da questão que permitira saber por que razão o passivo da Requerente, durante mais de uma década, apresentou uma rubrica com um saldo de €265.237,94, inexistente, e esse montante não provocou qualquer desequilíbrio nos valores dos saldos das contas de Clientes, Depósitos ou Caixa.
A explicação plausível para esse facto só pode residir no desacerto entre os valores recebidos dos clientes e os valores de venda declarados nas escrituras de compra e venda, pelo que a regularização dos saldos que figuravam na conta adiantamentos de clientes, deve constituir uma variação patrimonial positiva e influenciar o lucro tributável do exercício, por força do n.º 1 do art.º 21.º do Código do IRC.
3.Matéria de facto
i. Factos que se consideram provados
Nestes autos ficaram assentes os seguintes factos:
a) A Requerente registou na sua contabilidade duas faturas da sociedade B…, no valor respetivamente de € 48.250,00 e €144.750,00, com a referência apenas a “Real Estate Intervention”.
b) O contrato de promoção imobiliária não era exclusivo da sociedade C… .
c) A sociedade B… é representada pelo Sr. E…, que era um agente que dispunha de uma rede relevante de contactos no mercado chinês.
d) O pagamento daquelas faturas forma feito através de cheques emitidos à sociedade de advogados H…, conforme declaração emitida por esta que atesta o facto de os montantes em causa terem sido recebidos por conta da sociedade B…, bem como os comprovativos do respetivo reencaminhamento.
e) As comissões cobradas ascenderam a, sensivelmente, 5,5% e 3,9%, dos valores dos imóveis identificados pela Requerente.
f) Com data de 31.12.2013, foram realizados os seguintes movimentos contabilísticos: anulação dos saldos credores da conta 218XX - Adiantamentos de Clientes, por contrapartida de outra conta 278211 – Outros devedores e credores, sem ser explicitada por que razão foi feita por contrapartida da conta 27.8211 - Diversos e as relações existentes entre tais saldos e os titulares.
g) A Requerente foi objeto de uma inspeção externa realizada pelos serviços de inspeção tributária, nos termos da ordem de serviço n.º OI2016… .
h) Em consequência do relatório final da inspeção, foi emitida a liquidação adicional n.º 2017…, relativa ao exercício de 2013.
ii. Factos que se consideram não provados
Inexistem.
iii. Fundamentação da matéria de facto.
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e testemunhal e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
B. DO DIREITO
1 Dos pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado
A questão a decidir é saber se os valores pagos pela Requerente à sociedade B…, residente fiscal em Hong-Kong, devem ser tidos como gastos dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável da Requerente, face ao que dispõe o artigo 65.º [actual artigo 23.º-A, n.º1 alínea r),do CIRC].
1.1 Enquadramento jurídico - fiscal
Antes de mais cumpre referir que se seguirá a doutrina já amplamente discutida, nomeadamente no Acórdão do CAAD relativo ao Proc, 198/2017-T, posto que não apensa a questão de direito é a mesma, como a factualidade que lhe está subjacente apresenta igualmente muitos pontos em comum
Assim,
“O n.º 1 do artigo 23.º do Código do IRC, na redação aplicável em 2013, estabelece as condições gerais a que terão que obedecer os gastos para serem fiscalmente dedutíveis:
"Artigo 23.º Gastos
1 — Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos e imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente:"
São assim requeridos três requisitos essenciais para que os gastos suportados sejam valorados e aceites fiscalmente: a comprovação (justificação), a indispensabilidade e o da ligação aos ganhos sujeitos a imposto.
O primeiro requisito reporta à efetividade da realização dos gastos o qual consiste em várias formas de apoio escriturai aos lançamentos contabilísticos, ou seja, à sua prova documental.
O segundo requisito faz depender a dedutibilidade fiscal do gasto de uma relação justificada com a atividade produtiva da empresa e esta indispensabilidade verifica-se desde que esses encargos se conectem com a obtenção de lucro.
O terceiro requisito que compõe a cláusula geral de dedutibilidade em matéria de gastos, na formulação legal introduzida pelo Código do IRC, é o da exigência de ligação aos "rendimentos sujeitos a imposto ou à manutenção da fonte produtora". Decorre do princípio geral do artigo 23.º do Código do IRC que as despesas realizadas pelo contribuinte, para serem fiscalmente dedutíveis, devem ser adstritas ou à obtenção dos ganhos sujeitos a imposto, ou à manutenção da fonte produtora.
O requisito da comprovação encontra-se preenchido se assentar numa base documental como, por exemplo, faturas ou contratos;
Contudo, o princípio geral da dedutibilidade dos gastos, sofre uma derrogação no caso de pagamentos a entidades não residentes em Portugal e localizadas em jurisdições de fiscalidade privilegiada, como forma de obviar à erosão da base tributável.
Assim e com vista a lutar contra a evasão e fraude fiscal internacional e no sentido de restringir a utilização de paraísos fiscais o legislador português optou por introduzir no nosso ordenamento jurídico, medidas genericamente designadas como de anti-abuso, através de cláusulas específicas na lei.”
É o caso do art.65.º do CIRC que, à data dispunha:
"Artigo 65.º
Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado
1 – Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
2 – Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60 % do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.
3 – Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos devem possuir e, quando solicitado pela Direcção-Geral dos Impostos, fornecer os elementos comprovativos do imposto pago pela entidade não residente e dos cálculos efectuados para o apuramento do imposto que seria devido se a entidade fosse residente em território português, nos casos em que o território de residência da mesma não conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
4 – A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efectuada com a antecedência mínima de 30 dias."
(…)
1.1.1 Caracterização da norma em abstracto
Conforme já analisado neste tribunal, nomeadamente no processo 10/2012 T,
“Esse preceito é uma daquelas disposições normativas que são normalmente designadas como normas anti-abuso especiais, na medida em impede os contribuintes de, numa situação específica, usarem uma determinada conduta para obterem uma vantagem fiscal. Lida com os pagamentos ou importâncias devidas a entidades residentes fora do território português e aí sujeitas a um regime fiscal mais favorável, desconsiderando-os para efeitos de determinação do lucro tributável, a não ser que o sujeito passivo prove que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
Esta norma, apesar das afinidades com a dinâmica das presunções, e de ter efeitos semelhantes, uma vez que dispensa a AT de fazer a prova de determinados factos, em rigor não consiste numa presunção, pois não se trata de acreditar uma realidade com base noutro facto distinto, mas tão-somente de dispensar de prova de determinados factos, em relação aos quais a mera alegação desencadeará os efeitos jurídicos que lhe são próprios, salvo quando são provados outros factos que com aqueles são incompatíveis. Assim, quando um determinado sujeito passivo faz pagamentos a uma entidade não residente sujeita a um regime fiscal privilegiado, tem de fazer a prova de que o pagamento efectivamente se realizou e que tem um carácter normal ou então que não é exagerado.”
Conforme já amplamente discutido no Acórdão relativo ao Proc. n.º 198/2017-T,
“Trata-se duma dupla prova que incumbirá ao sujeito passivo produzir o qual, em primeiro lugar, tem de demonstrar que os gastos se materializaram em atos efetivos, não bastando a mera existência formal tais como contratos, faturas e transferências bancárias e, em segundo lugar, que esses gastos não são anormais ou excessivos, o que se poderá operar mediante a confrontação com situações comparáveis de mercado num contexto de plena concorrência.
A este propósito transcreve-se parte do acórdão proferido em 19/02/2015, no processo 08126/14 no Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), que julgou um caso de pagamento a entidades não residentes e sujeitas a um regime fiscal privilegiado, evidenciando a importância da demonstração das provas, em detrimento da forma, cujo sumário se transcreve:
No que diz respeito à prova da veracidade da operação não bastará a exibição de documentos escritos, nomeadamente contratos celebrados entre as partes, já que estes se presumem simulados, nem a demonstração do pagamento do preço, pois tal não é posto em causa. O que deve ser objecto de prova é antes a efectiva prestação de serviços, ou o recebimento de um empréstimo, ou seja, o facto comercial que esteve na origem do pagamento do mesmo preço que surge como custo a deduzir em sede de I.R.C. Já quanto à prova da inexistência do carácter anormal ou exagerado das despesas esta deve passar pela demonstração de que o contrato, cuja veracidade se provou, se apresenta equilibrado. Para esse efeito, o sujeito passivo deverá demonstrar qual a importância real das vantagens auferidas pelo contrato em causa, tal como fazer prova que os encargos estabelecidos constituem a justa remuneração dessas vantagens, mormente. Dor comparação com os custos de serviços análogos no mercado.''
Na falta da comprovação destes requisitos conclui-se pela não dedutibilidade dos gastos em apreço e o consequente acréscimo dos respetivos montantes no resultado fiscal.
A produção desta prova deverá ser feita pelo sujeito passivo perante a AT. apresentando-lhe os meios de prova da efetividade do gasto e do caráter normal e não exagerado, a quem competirá a sua apreciação com vista à formação dum juízo administrativo sobre a validade dos pagamentos.
Trata-se, pois, duma solução legislativa em que é revertido para o contribuinte um "ónus probandi" em que, por força do disposto nas normas em referência, no domínio dos pagamentos a entidades domiciliadas em territórios de baixa tributação, é afastada a presunção de veracidade das declarações do contribuinte constante do n.º 1 do art. 75.º da LGT de que são verdadeiras e de boa-fé "as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal". E se o contribuinte não lograr produzir tal prova, o gasto não é fiscalmente aceite, sendo a matéria coletável aumentada para efeitos de tributação.”
1.1.2 Análise da situação concreta
Posto isto, cabe então a este tribunal analisar se ao caso é aplicável esta norma e, em caso afirmativo, avaliar se a prova apresentada pela Requerente justifica a dedutibilidade dos gastos em sede de IRC:
i) Quanto à existência de regime fiscalmente mais favorável
O território de Hong Kong constava já em 2013 da lista a que se refere o n.º2 do artigo supra, aprovada pela Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.
Assim, tendo os montantes em causa sido pagos, ainda que indiretamente (através da sociedade de advogados H…), a uma entidade residente num território constante da referida lista, não restam dúvidas que o disposto no artigo 65.º do CIRC se deva aplicar, revertendo-se assim o ónus da prova para a Requerente.
(ii) Quanto à exigência da realização efetiva das operações
Para afastar a desconsideração dos pagamentos feitos, estes devem corresponder, em primeiro lugar, a operações efectivamente realizadas.
Tal como já se discutiu nesta sede (Ac. 10/2012 – T),
“O sentido de operações efectivamente realizadas deve ser determinado por oposição a operações que não se realizaram, ou que apenas ocorreram de forma simulada. Curiosamente, existe no Direito Francês um preceito muito semelhante introduzido em 1974 – o artigo 238 A do Code Général des Impôts – que terá servido de inspiração ao nosso legislador e que utiliza a expressão reais em vez de efectivos, mas que, de certo modo, ajuda a aclarar o sentido da nossa norma.
Do confronto das duas disposições parece resultar que o sentido da norma é que os pagamentos correspondam a operações efectivas, reais, e não operações meramente simuladas, pura e simplesmente, para que o sujeito passivo possa beneficiar da dedução de certos custos”.
Ora, foi esta a prova produzida sobre a efetividade da operação.
Vejamos:
a) Prova documental
O sujeito passivo apresentou a seguinte documentação:
as faturas emitidas pela sociedade de Hong-Kong (cujo descritivo apenas refere “real estate intervention”, sem qualquer referência aos imóveis em concreto que terão sido publicitados e/ou alvo de ações de identificação de potenciais compradores);
cheques emitidos à sociedade de advogados H…, declaração emitida por esta que atesta o facto de os montantes em causa terem sido recebidos por conta da sociedade de Hong-Kong e comprovativos do reencaminhamento das quantias recebidas pela primeira à segunda.
b) Prova testemunhal
Foi pelas testemunhas arrolados confirmado que:
a sociedade B… é representada pelo Sr. E…, que era um agente que dispunha de uma rede relevante de contactos no mercado chinês, onde promovia o regime dos Visa Gold;
através desta sociedade foram identificados compradores para imóveis da A…;
o contrato de promoção imobiliária não era exclusivo da sociedade C… e, ademais, mesmo que o comprador fosse identificado pela B…, a primeira era sempre chamada para executar a mediação mobiliária, já que a função desenvolvida pela B… era apenas de angariação de clientes.
(ii) Quanto ao caráter normal
Conforme resulta das declarações das testemunhas:
este modus operandi foi muito utilizado numa altura em que o mercado imobiliário em Portugal estava em recessão;
o mercado chinês tem muitas especificidades e sem um contacto local não se consegue penetrar no mesmo, nem identificar potenciais clientes;
a atuação conjunta com promotores imobiliários residentes em Portugal era necessária para que estes últimos concluíssem a venda.
(IV) Quanto ao montante exagerado
Conforme resulta da prova documental e das declarações das testemunhas:
as comissões cobradas pela sociedade de Hong-Kong ascenderam a não mais de 5,5% do valor de venda dos imóveis (foi inclusivamente de apenas 3,49% na venda do apartamento);
tradicionalmente, as comissões cobradas por estes operadores chegam a chegar aos 15%.
Tudo visto, em suma, resulta claro para o Tribunal a atividade de angariação desenvolvida, que se concretizou na venda de 7 imóveis, sem a qual “não se vislumbra como poderiam ter conhecimento cidadãos chineses, na China, de que a Requerente dispunha de imóveis para venda em Portugal, se esta directamente não fez qualquer publicidade para tal ”.
Atendendo ao modus operandi descrito subjacente a estas operações, entendemos assim ser injustificada a exigência da AT (a fls 20 do RIT) de que:
“o sujeito passivo deveria possuir em arquivo elementos que permitissem ajuizar da adequação do montante à finalidade e possibilitar a aferição do eventual exagero, designadamente:
identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor;
evidência de reuniões, “surveys”;
deslocações;
se quem executou tem experiência profissional;
se foram pedidos orçamentos no mercado nacional ou internacional para efeitos comparativos e, em caso afirmativo, porque razão foi preferido o de uma entidade residente numa jurisdição de fiscalidade privilegiada em detrimento doutras com outras localizações.”
No que se refere ao carácter anormal dos referidos gastos ou ao seu montante exagerado, vício que imputa a AT, importa chamar aqui à colação o já decidido no Acórdão n.º 419/2017:
“Os preceitos em causa (identificados supra) são, na sua essência, disposições normativas que são normalmente designadas como normas anti-abuso especiais, na medida em que impedem os contribuintes de, numa situação específica, usarem uma determinada conduta para obterem uma vantagem fiscal. Relaciona-se com os pagamentos ou importâncias devidas a entidades residentes fora do território português e aí sujeitas a um regime fiscal claramente mais favorável, desconsiderando-os para efeitos de determinação do lucro tributável, a não ser que o sujeito passivo prove que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
Esta norma, apesar das afinidades com a dinâmica das presunções, e de ter efeitos semelhantes, uma vez que dispensa a AT de fazer a prova de determinados factos, em rigor não consiste numa presunção, pois não se trata de acreditar uma realidade com base noutro facto distinto, mas tão-somente de dispensar de prova de determinados factos, em relação aos quais a mera alegação desencadeará os efeitos jurídicos que lhe são próprios, salvo quando são provados outros factos que com aqueles são incompatíveis.
Assim, quando um determinado sujeito passivo faz pagamentos a uma entidade não residente sujeita a um regime fiscal privilegiado, tem de fazer a prova de que o pagamento efectivamente se realizou e que tem um carácter normal ou então que não é exagerado.
Relativamente ao ónus da prova ínsito nesse preceito, impõe-se que se diga que este, apesar de recair essencialmente sobre o sujeito passivo, não dispensa a AT de colaborar no esforço probatório, dado que a prova no processo tributário tem algumas especificidades.
Feita esta pequena introdução sobre a natureza tributária deste tipo de normas, adere-se, igualmente, à posição expressa pelo Tribunal Arbitral, no já referido processo n.º 198/2017-T, que apreciou um caso em tudo similar ao dos presentes autos e de que ora se transcreve o excerto relevante:
"No concerne à normalidade de pagamentos pela prestação de serviços de angariação de clientes para a aquisição de imóveis afigura-se evidente, pois trata-se de uma actividade de prestação de serviços regulamentada, precisamente no que concerne a imóveis (Decreto-Lei n.º 69/2011, de 15 de Junho) e, como qualquer actividade de natureza profissional, é remunerada. O que consubstanciaria anormalidade seria a prestação de serviços gratuitos a Requerente, suportando a (....) as despesas da actividade.
Quanto ao montante das comissões, tem a ver com o requisito do «não exagero» e não com o de «não anormalidade» para efeitos daqueles artigos 65.º e 23.ºA do CIRC.
Para decidir se há ou não exagero não pode tomar-se como termos de comparação as percentagens das comissões que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz serem cobradas habitualmente pelas empresas imobiliárias, entre 3% e 5%, pois a desenvolvida pela (...) não se limita à que normalmente é levada a cabo na mediação imobiliária, que não envolve despesas da ordem das que se provou serem suportadas pela (...) (pagamento de viagens, alojamento, alimentação, transportes, intérpretes, etc.).
Por outro lado, a aferição do requisito do não exagero, deverá ser efectuada tendo em conta a situação do sujeito passivo, procurando apurar se o pagamento deve considerar-se excessivo, sob a sua perspectiva, no contexto em que tem de decidir pagar os serviços. Desta perspectiva, será exagerado o pagamento quando se demonstrar que o sujeito passivo podia obter o que o mesmo serviço por quantia inferior.
(...)
Nestas condições o pagamento não se pode considerar exagerado, pois está justificado pela necessidade de obtenção dos serviços de angariação e não haver alternativa a preço inferior. A razoabilidade dos pagamentos efectuados à (...) é ainda reforçada pelo facto de a Requerente não ser afectada pelos pagamentos que lhe fazia, pois apenas lhe pagava quando concretizasse a venda dos imóveis e o que pagava à (...) acrescia ao preço de venda que a própria Requerente fixava e pretendia obter para si.".
Resulta da prova produzida que não está em causa nos autos a prestação de serviços de mediação imobiliária, mas sim a prestação de um serviço bem mais abrangente do que esse e que passou pela prestação de um serviço de angariação (…) no território chinês de clientes chineses e de promoção do stock de imóveis da Requerente, e sem que esta tenha incorrido em gastos com isso, só o fazendo quando os negócios de aquisição dos seus imóveis eram celebrados, não correndo, assim, qualquer risco negocial.
(…)
Não estando em causa nos autos a prestação de um serviço de mediação imobiliária, como se provou, não se pode estar a fazer comparações com o mesmo, como fez a AT, pois trata-se de serviços diversos e bem mais abrangentes do que uma simples mediação imobiliária.
Nestas condições o pagamento não se pode considerar exagerado, pois está justificado pela necessidade de obtenção dos serviços de angariação (…) A razoabilidade dos pagamentos efectuados à sociedade H... é ainda reforçada pelo facto de a Requerente não ser afectada pelos pagamentos que lhe fazia, pois apenas lhe pagava quando concretizasse a venda dos imóveis e o que pagava à sociedade H..., como se disse, acrescia ao preço de venda que a própria Requerente fixava e pretendia obter para si.
Pelo exposto, conclui-se que a Requerente provou que os pagamentos efectuados à sociedade H... não foram anormais nem exagerados, cumprindo com a legislação fiscal em vigor.”
A factualidade in casu é em tudo idêntica à supra referida, não podendo este tribunal se não concordar com os argumentos supra expostos.
Conclui-se, assim, que o ato de liquidação adicional em crise nos autos enferma do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, pelo que não pode subsistir na ordem jurídica.
2 Da alegada variação patrimonial positiva
A questão a decidir é saber se as regularizações de saldos de contas de clientes efetuadas pela Requerente devem ser consideradas variações patrimoniais positivas, tributadas, por não excluídas do art.21.º do CIRC.
De facto, a Autoridade Tributária e Aduaneira efetuou uma correção à matéria tributável da Requerente relativa ao exercício de 2013, no valor de € 265.237,94, por entender que “os movimentos efetuados com a data de 31.12.2013, que consistiram na anulação dos saldos credores da conta 218XX - Adiantamentos de Clientes, por contrapartida de outra conta 278211 – Outros devedores e credores, sem ser explicitada por que razão foi feita por contrapartida da conta 27.8211 - Diversos e as relações existentes entre tais saldos e os titulares, bem como as operações movimentadas no âmbito dessa conta, representa uma variação patrimonial positiva que, por força do n.º 1 do art.º 21.º do Código do IRC, deve concorrer para a formação do lucro tributável do período em que a correcção foi realizada”.
Alega a AT que “se um saldo credor, do passivo, é anulado, deia de existir esse passivo, a sociedade deve menos, o que equivale a um aumento patrimonial, que deveria ser corretamente relevado como tal. Ou seja, a sua regularização ou anulação tem como consequência a diminuição do passivo, o que corresponde a um acréscimo de património”.
Continua a AT, já em sede de alegações:
“Pois bem, os contornos da situação sob análise levam a formar a convicção de que a explicação mais consentânea com a manutenção dos registos na Conta 281 - Adiantamentos de clientes durante uma década, não é compaginável com a existência de saldos contabilísticos nas contas bancárias e de Caixa empolados artificialmente por aquela quantia, de €265.237,94, atribuindo-se a mesma a discrepâncias entre as quantias efectivamente recebidas dos clientes e os preços declarados nas escrituras de compra e venda”.
2.1 Enquadramento jurídico- fiscal
Como bem explicita o STA no seu Acórdão n.º 1314/12,
“Face ao novo conceito de rendimento adoptado por este Código do IRC, o rendimento acréscimo - as variações patrimoniais positivas, não reflectidas no resultado liquido do exercício são objecto de tributação em IRC, desde logo por força do nº 2 do citado preceito, embora com algumas excepções, ali reguladas.
Como se sabe, o património de uma empresa está sujeito a variações em consequência das operações realizadas. Se algumas dessas operações alteram a composição do património - variações qualitativas, outras existem que, para além da composição, alteram o seu valor - variações quantitativas, que serão positivas ou negativas consoante impliquem o aumento ou diminuição do valor do património, ou da situação líquida.
Acrescente-se, porém, que sendo o resultado líquido do exercício apenas uma das componentes da situação líquida, nem todas as variações patrimoniais quantitativas são relevadas contabilisticamente nesta conta. São precisamente estas variações que caiem no âmbito do presente artigo, em particular as variações positivas.
Assim, de acordo com esta disposição, as variações patrimoniais que aumentem a situação líquida e que não se encontrem reflectidas na conta “Resultados Líquidos” são incluídas no lucro tributável - adicionadas ao resultado contabilístico no quadro 17 da declaração de rendimentos, modelo 22 - com algumas excepções”.
Dispõe o art.21.º do CIRC:
Artigo 21.º
Variações patrimoniais positivas
1 - Concorrem ainda para a formação do lucro tributável as variações patrimoniais positivas não reflectidas no resultado líquido do exercício, excepto:
a) As entradas de capital, incluindo os prémios de emissão de acções, as coberturas de prejuízos, a qualquer título, feitas pelos titulares do capital, bem como outras variações patrimoniais positivas que decorram de operações sobre instrumentos de capital próprio da entidade emitente, incluindo as que resultem da atribuição de instrumentos financeiros derivados que devam ser reconhecidos como instrumentos de capital próprio;
b) As mais-valias potenciais ou latentes, ainda que expressas na contabilidade, incluindo as reservas de reavaliação ao abrigo de legislação de caráter fiscal;
c) As contribuições, incluindo a participação nas perdas do associado ao associante, no âmbito da associação em participação e da associação à quota;
d) As relativas a impostos sobre o rendimento.
2 – (…)
Ora, no caso sub judice, entende este tribunal não ter a AT logrado comprovar o acréscimo da situação patrimonial da Requerente.
E muito menos, provar as referidas discrepâncias entre as quantias efectivamente recebidas dos clientes e os preços declarados nas escrituras de compra e venda. Aliás, esta temática parece não ter sido sequer discutida em sede de inspeção, já que o RIT a não menciona, referindo-se até que “os saldos não correspondem a passivos reais e efetivos”.
Podendo questionar-se os movimentos contabilísticos subjacentes à regularização do saldo, não ficou provado que à regularização correspondeu um acréscimo patrimonial (e.g. um perdão de uma qualquer dívida), nem tão pouco esses adiantamentos corresponderam a quantias recebidas pela requerente que não foram sujeitas a tributação aquando da venda.
Assim, não se pode concluir que esta regularização consubstancia uma variação patrimonial positiva.
Conclui-se, assim, que o acto de liquidação adicional em crise nos autos enferma do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, pelo que não pode subsistir na ordem jurídica.
3 Do direito a juros indemnizatórios
No que respeita ao pedido de pagamento de juros indemnizatórios formulado pelos Requerentes, dir-se-á, antes de mais, que o processo arbitral tributário foi concebido como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (cfr. a autorização legislativa concedida ao Governo pelo artigo 124.º, n.º 2 (primeira parte) da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril – Lei do Orçamento do Estado para 2010).
Assim, apesar de o artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, utilizar a expressão “declaração de ilegalidade” como delimitativa da competência dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD, deverá entender-se que se compreendem nessa competência os poderes que no processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, como seja o de apreciar o erro imputável aos serviços, enquanto fonte da obrigação de indemnizar.
Um dos pressupostos do dever de indemnizar através do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), é o de a anulação, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, do ato de liquidação de que tenha resultado pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, ficar a dever-se a erro, de facto ou de direito, da AT.
O erro imputável aos serviços pode consistir em erro sobre os pressupostos de facto, ou em erro sobre os pressupostos de direito, verificando-se este quando “na prática do ato tenha sido feita errada interpretação ou aplicação das normas legais, como as normas de incidência objetiva e subjetiva (…)” e “fica demonstrado quando procederem a reclamação graciosa ou a impugnação judicial dessa mesma liquidação e o erro não for imputável ao contribuinte” .
Concluindo-se pelo erro da AT na emissão da liquidação adicional de IRC do ano de 2013, pelos motivos acima apontados, terá de ser reconhecido o direito dos Requerentes a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT.
Assim sendo, por força do estabelecido no artigo 61.º do CPPT, verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vide art. 43.º/1 da LGT), a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, que serão contados desde a data do pagamento desse montante, até ao integral reembolso dessa mesma quantia.
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular a liquidação de IRC com o n.º 2017…, referentes ao ano de 2013, no valor de € 202.309,85;
b) Condenar a Requerida no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor, contados desde a data do pagamento, até ao integral reembolso do mencionado montante.
D. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 202.309,85, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.284,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Lisboa, 18 de maio de 2018
O Tribunal Arbitral Coletivo
(José Poças Falcão)
(Amândio Silva)
(Catarina Gonçalves)