Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 308/2013-T
Data da decisão: 2014-04-28  Selo  
Valor do pedido: € 25.488,00
Tema: IS - Terreno para construção, Verba 28.1 TGIS
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Decisão Arbitral

(A presente decisão vai proferida de acordo com a ortografia antiga)

 

Relatório.

 

1. A…, pessoa colectiva n.º …, com sede social na Rua …, requereu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) a constituição do tribunal arbitral em matéria tributária, ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), com vista à declaração de ilegalidade, e consequente anulação, dos actos de liquidação de Imposto do Selo a que correspondem os documentos de cobrança identificados pelos n.ºs 2012 …, 2013 …- 1.ª Prestação, 2013 … - 2.ª Prestação e 2013 …- 3.ª Prestação, das importâncias de € 8 496,00, € 5 664,00, € 5 664,00 e € 5 664,00, no montante global de € 25 488,00.

 

2. Os mencionados actos de liquidação, oportunamente notificados à Requerente, têm como base legal a norma do art. 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), conjugada com a verba n.º 28 da respectiva Tabela Geral e art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29-10, reportando-se aos anos de 2012 e 2013 e ao prédio urbano, da espécie "terreno para construção", inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de … sob o artigo …, com o valor patrimonial tributário de € 1 699 200,00.

 

3. A par de outros vícios que imputa aos referidos actos de liquidação, designadamente, ausência da fundamentação legalmente exigida, duplicação de colecta e inconstitucionalidade das normas legais em que os mesmos se suportam, a Requerente fundamenta o pedido de anulação alegando, em síntese, que a tributação prevista nos citados preceitos tem como objecto os prédios urbanos "com afectação habitacional", nele se não incluindo os "terrenos para construção" que, por natureza, não revelam tal aptidão.

 

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

 

5. A Requerente optou por não designar árbitro.

 

6. Nos termos do art. 6.º, n.º 1, do RJAT, o signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD para integrar o presente tribunal arbitral singular.

 

7. O tribunal foi regularmente constituído em 26-02-2014, sendo materialmente competente para apreciar e decidir o objecto do processo, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, al. a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.

 

8. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos arts. 4.º e 10.º do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22-03.

 

9. As partes acordaram na dispensa da reunião prevista no art. 18º do RJAT, tendo o tribunal, em obediência aos princípios da celeridade, simplificação e informalidade processuais, a que se refere o n.º 2 do art. 29.º do referido regime, decidido dispensá-la.

 

10. Não se suscitando dúvidas quanto à fixação dos factos e estando em causa exclusivamente matéria de direito as partes acordaram em prescindir da prova testemunhal.

 

11. O processo não enferma de vícios que o invalidem nem existem questões prévias a apreciar que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

Matéria de facto.

 

12. Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, destacam-se os seguintes elementos factuais, que se dão por inteiramente provados em face dos documentos que integram o presente processo:

 

12.1. A Requerente é proprietária do prédio urbano, da espécie "terreno para construção", descrito na Conservatória do Registo Predial do … sob o n.º …, a que corresponde, na matriz predial respectiva da freguesia de …, o artigo ….

 

12.2. De acordo com a inscrição matricial, conforme se extrai da respectiva caderneta predial (doc.5), o referido prédio, classificado como "terreno para construção", tem a área total de 1 223,3200 metros quadrados, tendo-lhe sido atribuído, em avaliação realizada em 25-08-2011, o valor patrimonial tributário de € 1 699 200,00.

 

12.3. Não tendo sido contestado, nos termos legais, o referido valor tornou-se definitivo.

 

12.4. Da certidão do Registo Predial extrai-se que o prédio em causa foi adquirido pela Requerente, por compra efectuada em 04-06-2001 e que, segundo o respectivo alvará de loteamento, nele se encontra autorizada a construção de edifício destinado a habitação - 58 fogos, aparcamento e arrumos na cave (doc. 6).

 

12.5. Dos elementos referidos se extrai, ainda, que, à data a que se reportam as questionadas liquidações, o terreno não tem qualquer edifício ou construção erigida sobre o seu solo.

 

12.6. Na determinação do valor patrimonial do terreno em causa foram considerados, entre outros elementos relevantes, um coeficiente de afectação correspondente à utilização habitacional do prédio a construir, em conformidade com o disposto no art. 45.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI).

 

12.7. Atendendo ao valor patrimonial tributário definitivamente apurado e ao coeficiente de afectação considerado na avaliação do terreno, entendeu a AT estarem verificados os pressupostos de incidência do imposto do selo previsto na verba 28 da TGIS, operando as correspondentes liquidações.

 

12.8. Oportunamente notificadas à ora Requerente, optou esta por não efectuar o respectivo pagamento, reagindo contra as referidas liquidações pela via graciosa, alegando a sua ilegalidade com o fundamento de se não mostram reunidos os pressupostos da incidência tributária a que as mesmas se reportam.

 

12.9. Não tendo obtido pelos meios graciosos utilizados o reconhecimento da ilegalidade e consequente anulação daquelas liquidações, a Requerente, tempestivamente, deduziu o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

Cumulação de pedidos.

 

13. Considerando que os actos de liquidação em causa, relativos a um mesmo prédio e a factos tributários verificados, respectivamente, em 31-10-2012 e 31-12-2012, se suportam numa mesma base factual e de direito, a Requerente, invocando o princípio da economia processual, optou por pedir a sua apreciação conjunta.

 

14. Verificada a identidade dos factos tributários, do tribunal competente para a decisão e dos fundamentos de facto e de direito invocados, nada obsta, face ao disposto nos arts. 3.º do RJAT e 104.º do CPPT, à pretendida cumulação de pedidos.

 

Matéria de direito.

 

15. Considerada a matéria de facto relevante para a decisão, que aqui se dá inteiramente provada em face dos documentos juntos aos autos, e não contestada, verifica-se que no presente processo está em causa, tão-somente, a interpretação da norma da verba 28 da TGIS na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29-10.

 

16. Mais precisamente, trata-se de saber se um terreno destinado a construção urbana, no qual se não encontra erigida qualquer construção, integra, ou não, o conceito de "afectação habitacional" a que se refere a citada norma.

 

17. É, pois, em torno da interpretação da referida disposição que divergem a Requerente e a Requerida, conforme, em síntese, a seguir se assinala.

 

Posição da Requerente:

 

18. A norma de incidência, verba 28.1 da TGIS introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29-10, não abrange os terrenos para construção.

 

19. Tal conclusão decorre, desde logo, dos princípios gerais de interpretação jurídica, designadamente do art. 9.º do Código Civil, acentuando a Requerente que, de acordo com este preceito, "o elemento gramatical é o principal ponto de partida na interpretação da lei (...) sendo que o intérprete deve presumir que o legislador soube consagrar na lei o seu pensamento e não pode retirar do elemento literal aquilo que lá não está."

 

20. Ainda a respeito da interpretação da lei, diz a Requerente, citando Baptista Machado, "Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador," que em tal tarefa que tem de acompanhar a apreensão do sentido literal, interferem elementos de ordem histórica, racional ou teleológica e sistemática.

 

21. Ora, o elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios e o elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma - a ratio legis -, no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

 

22. Neste enfoque, assume particular relevância o facto de ter sido amplamente divulgado perante os contribuintes que o imposto da verba 28 era uma "taxa de luxo" a que se encontravam sujeitos apenas os contribuintes que fossem proprietários de casas de luxo, ou seja, de valor patrimonial superior a € 1 000 000.

 

23. Na discussão na generalidade da Proposta de Lei, o senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais disse expressamente a este propósito: "(...) É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros" (in DAR, I Série, n.º 9/XII/2 2012-10-11).

 

24. Assim, em sede de interpretação, também o elemento histórico é claro em evidenciar que o que está em causa são as "casas" de luxo e não "terrenos para construção".

 

25. Sustenta ainda a Requerente que as liquidações em causa, reportadas a factos tributários verificados em 31-10-2012 e 31-12-2012, configuram ilegal duplicação de colecta e, também, dupla tributação da mesma propriedade em dois tipos de impostos diferentes (IMI e Selo) com referência ao mesmo período temporal.

 

26. A par dos referidos vícios que imputa às questionadas liquidações, a Requerente assinalada outros, designadamente, diversas inconstitucionalidades e carência de fundamentação das liquidações, tudo conduzindo em conclusão, à sua anulabilidade por erro nos pressupostos de direito.

 

Posição da Requerida (AT):

 

27. Em resposta ao alegado pela Requerente, sustenta a Requerida que "o prédio inscrito sob o artigo … na matriz predial urbana da freguesia de …, concelho do …, tem a natureza jurídica de prédio com afectação habitacional, pelo que os actos de liquidação objecto do presente pedido de pronúncia arbitral devem ser mantidos por consubstanciarem correcta interpretação da Verba 28 da Tabela Geral aditada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/12."

 

28. Depois de referir, nos seus aspectos essenciais, as alterações introduzidas ao Código e Tabela Geral do Imposto do Selo pela referida Lei, diz a Requerida que "Não existindo em sede de IS definição do que se entende por prédio urbano, terreno para construção e afectação habitacional é necessário recorrer ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS de acordo com o previsto no artigo 67.º do n.º 2 do CIS, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10."

 

29. Reportando-se aos conceitos de prédio e de terreno para construção vertidos nos arts. 2.º e 6.º do CIMI, aplicáveis, por remissão expressa do art. 67.º do CIS a este tributo, considera a Requerida que "a noção de prédio urbano encontra assento na parte relativa à avaliação dos imóveis, uma vez que a finalidade da avaliação do imóvel é incorporar-lhe valor, constituindo um factos de avaliação determinante - coeficiente - para efeitos de avaliação."

 

30. Considera, assim, a Requerida que, "O legislador optou por determinar a aplicação da metodologia de avaliação dos prédios em geral a avaliação dos terrenos para construção, como resulta da expressão "valor das edificações autorizadas" a que se refere o artigo 45.º, n.º 2, do CIMI e aplicando-lhe por conseguinte o coeficiente de afectação que vem previsto no artigo 41.º do CIIMI."

 

31. Reportando-se à literalidade da norma da verba 28 da TGIS, salienta a Requerida que " o legislador não refere "prédios destinados a habitação", tendo optado pela noção "afectação habitacional", expressão diferente e mais ampla, cujo sentido se vai encontrar na necessidade de integrar outras realidades para além das identificadas no art. 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI."

 

33. Por outro lado, acentua a Requerida, "a lei fiscal considera como elemento integrante para efeitos de avaliação dos terrenos para construção o valor da área de implantação, a qual varia entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas com base no projecto de urbanização e construção".

 

34. Sendo clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação dos terrenos para construção, decorre de tal asserção que "a consideração para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS não pode ser ignorada, valendo neste sentido a seguinte ordem de considerações:

a. na aplicação da lei aos casos concretos importa determinar o exacto sentido e alcance da norma, de modo a que se revele a regra nela contida, condição indispensável para que possa ser aplicada, de acordo com o disposto no art. 9.º do Código Civil, ex vi art. 11° da Lei Geral Tributária (LGT);

b. o art. 67.º n.º 2, do CIS, manda aplicar subsidiariamente o disposto no CIMI.

c. a afectação do imóvel (aptidão ou finalidade) é um coeficiente que concorre para a avaliação do imóvel, na determinação do valor patrimonial tributário, aplicável aos terrenos para construção;

d. a própria verba 28 TGIS remete para a expressão "prédios com afectação habitacional", apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º1 do art. 6° do CIMI. "

 

35. Das posições expressas pelas partes, acima sumariadas e parcialmente transcritas, decorre estar em causa a apreciação de matéria estritamente jurídica, sendo desnecessária a produção de prova, para além dos elementos documentais juntos ao processo.

 

36. Com efeito, a questão a decidir centra-se, tão-somente, em saber se no âmbito da incidência do imposto do selo a que se refere a verba 28 da TGIS se contêm, ou não, os terrenos para construção, ou seja, se, para tal efeito, os terrenos que integram esta espécie podem, ou não, ser considerados como "prédios urbanos com afectação habitacional" em função do tipo de edificações que nos mesmos, segundo a respectiva licença camarária, podem vir a ser erigidas.

 

37. Importa, assim, antes de mais, proceder a uma análise da norma de incidência do imposto do selo sobre prédios urbanos "com afectação habitacional", com recurso às normas fiscais relevantes para a definição dos respectivos conceitos legais.

 

Da incidência tributária.

 

38. A Lei n.º 55-A/2012, de 29-10, aditou à Tabela Geral do Imposto do Selo a verba 28, sujeitando a este tributo os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1 000 000.

 

39. A base tributável é constituída pelo valor patrimonial tributário considerado para efeitos do IMI, sendo aquele tributo anualmente liquidado pela AT relativamente a cada prédio urbano (CIS, art.23.º, n.º7), à taxa de:

- 1%, por prédio urbano com afectação habitacional;

- 7,5%, por prédio, quando os sujeitos passivos, não sendo pessoas singulares, sejam residentes em país, território ou região sujeitos a regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.

 

40. Relativamente aos anos de 2012 e de 2013, é aplicável o regime transitório previsto no art. 6.º da Lei n.º 55-A/2012, de 29-10, com as seguintes especificidades;

a) O facto tributário verifica-se no dia 31-10-2012;

b) O sujeito passivo do imposto é o mencionado no n.º 4 do artigo 2.º do Código do Imposto do Selo na data referida na alínea anterior;

c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011;

d) A liquidação do imposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira deve ser efectuada até ao final do mês de Novembro de 2012;

e) O imposto deverá ser pago, numa única prestação, pelos sujeitos passivos até ao dia 20-12-2012;

f) As taxas aplicáveis são as seguintes:

i) Prédios com afectação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5%;

ii) Prédios com afectação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8%;

iii) Prédios urbanos quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças: 7,5%.

2 - Em 2013, a liquidação do imposto do selo previsto na verba nº 28 da respectiva Tabela Geral deve incidir sobre o mesmo valor patrimonial tributário utilizado para efeitos de liquidação de imposto municipal sobre imóveis a efectuar nesse ano.

 

41. São sujeitos passivos e titulares do interesse económico (devedores do imposto) os proprietários, usufrutuários ou superficiários dos prédios em 31 de Dezembro do ano a que o tributo respeita - relativamente a 2012, de acordo com o regime transitório referido no ponto anterior, esta data é antecipada para 31 de Outubro - conforme decorre do art. 8.º do CIMI, por remissão expressa dos arts. 3.º, n.º 3, alínea u), e 2.º, n.º4, do CIS.

 

42. No tocante à data da constituição da obrigação tributária, conexão fiscal, liquidação e pagamento do imposto do selo em causa, são aplicáveis as correspondentes regras do CIMI, também por remissão expressa dos arts. 5.º, n.º1, alínea u), 4.º, n.º 6, 23.º, n.º 7, 44.º, n.º 5, 46.º, n.º 5 e 49.º, n.º 3, do CIS. Em geral, por remissão do art. 67.º, n.º2, do mesmo Código, são de aplicação supletiva às matérias não especialmente reguladas, as disposições do CIMI.

 

43. Referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos, importa ter-se presente que o conceito relevante é o que consta do art. 2.º do CIMI, conforme, aliás, prevê o n.º 6 do art. 1.º do CIS.

 

44. Apelando a elementos de natureza física, patrimonial e económica, aquele preceito do CIMI define como prédio "toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico (...)"

 

45. Para efeitos do IMI, os prédios são classificados como rústicos, urbanos ou mistos, sendo esta classificação particularmente relevante quer para efeitos de aplicação das regras de determinação do respectivo valor patrimonial tributário quer para efeitos de aplicação das taxas de tributação.

 

46. Para o efeito, o CIMI estabelece, no seu art. 3.º, uma definição positiva de prédio rústico, definindo prédio urbano e misto nos seus arts. 4.º e 5.º em termos meramente residuais: são assim classificados todas aquelas realidades que, integrando o conceito fiscal de prédio, não sejam de classificar como prédios rústicos.

 

47. De acordo com aquele preceito, são prédios rústicos os que, situados fora de um aglomerado urbano, preencham um dos seguintes requisitos:

- Não sejam de classificar como terrenos para construção;

- Estejam afectos, ou tenham como utilização normal, a produção de rendimentos agrícolas, tal como considerados para efeitos de IRS;

- Não tendo afectação agrícola, não se encontrem construídos ou disponham, apenas, de edifícios ou construções meramente acessórias, sem autonomia económica e de reduzido valor.

 

48. São, ainda, assim classificados os prédios situados dentro de um aglomerado urbano que, por força de disposição legal, não possam ter utilização geradora de rendimentos (caso de espaços verdes, jardins, etc.) ou só possam ser utilizados em actividades agrícolas e tenham efectivamente essa concreta afectação.

 

49. Um prédio que não reúna os requisitos acima referidos é classificado como urbano.

 

50. Pode, pois, concluir-se que, para efeitos de IMI e, no caso, de imposto do selo, um terreno para construção é um prédio urbano, porquanto reúne os requisitos integrantes do conceito de prédio - realidade física, patrimonialidade e valor económico - e, qualquer que seja a afectação ou uso que esteja a ter, no caso de terrenos expectantes, é expressamente excluído do conceito de prédio rústico.

 

51. Referindo-se aos prédios urbanos, o n.º 1 do art. 6.º do CIMI, distingue diversas espécies, dividindo-os em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros, de acordo com os seguintes critérios:

- "habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços": os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins (CIMI, art. 6.º, n.º 2).

- "terrenos para construção", os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos. (CIMI, art. 6.º, n.º 3, redacção da Lei n.º 64-A/2008, de 31-12).

- "Outros", são como tal considerados os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem sejam classificados como prédio rústicos, de acordo com o respectivo conceito legal, e ainda os edifícios e construções licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os acima referidos (CIMI, art. 6.º, n.º 4).

 

52. Na definição do âmbito de incidência prevista na verba 28 da TGIS, o legislador considera, como elemento relevante de capacidade contributiva, os prédios de elevado valor que, no segmento relativo a sujeitos passivos residentes em território o português, sejam detidos para efeitos habitacionais.

 

53. No entanto, fazendo incidir a tributação sobre prédios urbanos "com afectação habitacional", o legislador não estabelece no CIS qualquer conceito específico que para o efeito deva ser considerado, antes remetendo a aplicação do regime de tributação dos prédios a que se refere aquela verba 28 para as normas do CIMI.

 

54. Será, pois, na economia deste Código (CIMI) que terá de ser encontrado o sentido daquela expressão, entendimento que, de resto, é partilhado pela Requerente e pela Requerida, embora com diferentes conclusões.

 

55. No que concerne à definição das diferentes espécies de prédios urbanos, o referido Código, conforme acima se referiu, estabelece clara distinção entre prédios "habitacionais" e "terrenos para construção". Os primeiros são classificados em função da respectiva licença autárquica, ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal; os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal.

 

56. Considerada a legislação relativa à construção e edificação urbana, designadamente no que respeita aos diversos tipos de licenciamento, a classificação de um prédio como "habitacional", para efeitos tributários, não apresenta qualquer particularidade: são habitacionais os que, nos termos legais, assim forem classificados.

 

57. Na ausência de licenciamento, releva para a classificação o destino normal do prédio. Também aqui a lei fiscal não oferece qualquer conceito específico. Resulta, porém, quer do conhecimento geral quer da legislação aplicável às edificações urbanas, que o destino a habitação pressupõe a existência de um mínimo de condições que preservem a intimidade pessoal e a privacidade familiar (art. 65.º da CRP).

 

58. O licenciamento, pela entidade competente, ou o uso normal de um prédio, cujo destino seja a habitação, referem-se, como não podia deixar de ser, a prédios edificados que reúnam as características exigíveis para como tal serem classificados.

 

59. Um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida - não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal.

 

60. Referindo-se, pois, a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com "afectação habitacional", sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.

 

61. A expressão "com afectação habitacional" inculca, numa simples leitura, uma ideia de funcionalidade real e presente. Da norma em causa não é possível extrair-se, por interpretação que, como se afirma na resposta da AT, a opção do legislador por aquela expressão tenha em vista integrar "outras realidades para além das identificadas no artigo 6.º, n.º 1, alínea a), do CIMI." Tal interpretação não tem apoio legal face aos princípios contidos os arts. 9.º do Código Civil e 11.º da Lei Geral Tributária.

 

62. Com efeito, se o legislador pretendesse abarcar no âmbito de incidência do imposto outras realidades que não as que resultam da classificação regida pelo art. 6.º do CIMI, tê-lo dito expressamente. Mas não o fez, antes remetendo, em bloco, para os conceitos e procedimentos previstos no referido Código.

 

63. Por outro lado, não pode também ser acolhido o entendimento da AT no sentido de que o conceito de "afectação habitacional" decorre da norma do art. 45.º do CIMI.

 

64. Refere-se este artigo às regras aplicáveis na determinação do valor patrimonial dos terrenos para construção, estabelecendo que este é o que resulta do valor da área de implantação do edifício a construir adicionado do terreno adjacente à implantação. Na fixação do valor daquela área considera-se uma percentagem variável entre 15% e 45% do valor das edificações autorizadas ou previstas.

 

65. Segundo a AT, na fixação dos valor das edificações autorizadas ou previstas no terreno a avaliar são utilizados os coeficientes aplicáveis na determinação do valor patrimonial tributário, designadamente o coeficiente de afectação previsto no art. 1.º daquele Código.

 

66. Concluindo daí que a consideração de um tal coeficiente, dependente do tipo de utilização prevista para o prédio a edificar no terreno, será determinante para efeitos de aplicação da verba 28 da TGIS.

 

67. Suporta-se esta conclusão no pressuposto de que a expressão "prédios com afectação habitacional" apela a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI.

 

68. Não é possível, porém, acompanhar tal conclusão. Por um lado, porque nada na lei permite concluir que o legislador do imposto do selo tenha pretendido alargar, para efeitos da incidência deste tributo, as espécies previstas no n.º 1 do art. 6.º do CIMI, como já acima se referiu; por outro lado, porque a aplicação de um coeficiente de afectação se reporta a um dos elementos a considerar na avaliação no terreno, ou seja, na determinação do valor das edificações autorizados ou previstas.

 

69. Independentemente de na determinação do valor das edificações autorizadas ou previstas para um terreno para construção deva ou não ser considerado um coeficiente de afectação, admite-se, por ser óbvio e do conhecimento geral, que o valor de um terreno é determinantemente influenciado pelo tipo e características dessas edificações. Porém, é matéria que extravasa a questão sobre que incide o presente pedido de pronúncia arbitral.

 

70. Nas condições referidas, a circunstância de para um determinado terreno para construção estar autorizada a edificação de prédio destinado a habitação, ou a qualquer outro finalidade, ainda que deva ser considerada na sua avaliação, não determina qualquer alteração na classificação do terreno que, para efeitos tributários, continua a ser como tal considerado.

 

71. Nestes termos, resultando do art. 6.º, do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos "habitacionais" e "terrenos para construção", não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do imposto do selo, como "prédios com afectação habitacional".

 

72. Aliás, neste sentido, se tem orientado a já constante jurisprudência arbitral, conforme se extrai das decisões de 18-09-2013 (Proc. 49/2013-T), 09-10-2013 (Proc. 48/2013-T), 18-10-2013 (Proc. 42/2013-T), 01-11-2013 (Proc. 75/2013-T), 12-12-2013 (Proc. 144/2013-T) e de 10-02-2014 (Proc. 158/2013-T).

 

73. É certo que o art. 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31-12, alterou a redacção do n.º1 da verba 28 da TGIS, passando esta a prever que tributação em causa incide, à taxa de 1% "Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação (...)"

 

74. Trata-se, porém, de norma inovadora, aplicável a partir da data de entrada em vigor da referida Lei – 01-01-2014 - não abrangendo, portanto, as situações que constituem objecto do presente processo, em que estão em causa factos tributários ocorridos em momento anterior ao início da sua vigência.

 

75. Só assim não seria se aquela alteração tivesse natureza interpretativa, aplicando-se, então aos factos passados. Mas, se o legislador pretendesse conferir tal natureza à norma alterada não deixaria de o fazer constar do respectivo texto.

 

76. Ora, não só o legislador o não fez, como não se extrai do texto da norma qualquer referência ao seu carácter interpretativo. Pelo contrário, a utilização, no texto da nova redacção, da disjuntiva "ou" exprime, neste contexto, um sentido de alternativa.

 

77. Por outro lado, desconhece-se qualquer controvérsia gerada pela anterior solução de direito, pois que a interpretação possível da norma em causa, na sua anterior redacção, tem vindo pacifica e invariavelmente a ser afirmada pela jurisprudência arbitral acima referida.

 

78. Como refere Baptista Machado ("Introdução ao Direito e ao Discurso legitimador" … para que a lei nova possa ser interpretativa, de sua natureza, é preciso que haja matéria para interpretação. Se a regra de direito era certa na legislação anterior, ou se a prática jurisprudencial que lhe havia de há muito sido atribuído um determinado sentido, que se mantinha constante e pacífico, a lei nova que venha resolver o respectivo problema jurídico, em termos diferentes, deve ser considerada uma lei inovadora”.

 

79. Assim, considerando a literalidade da lei nova bem como a constante e pacífica jurisprudência conhecida, não podemos deixar de concluir que não se está perante uma lei interpretativa, mas perante lei inovadora, aplicável apenas para o futuro.

 

Decisão.

 

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, o Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação das liquidações questionadas.

 

Valor do processo: € 25.488,00.

 

Custas: Ao abrigo do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixo o montante das custas em € 1.530,00, a cargo da Requerida (AT).

 

Lisboa, 28 de Abril de 2014,

 

O árbitro,

Álvaro Caneira.