Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 19/2018-T
Data da decisão: 2018-06-04  Selo  
Valor do pedido: € 10.924,00
Tema: Imposto do Selo - Verba 28.1. da TGIS - Propriedade Vertical.
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DECISÃO ARBITRAL

  1. RELATÓRIO

Em 12 de janeiro de 2018, A..., com o NIF..., residente na Avenida ..., n.º ..., ..., em Lisboa (doravante designada por Requerente), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 10.º, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e 1.º e 2.º, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (Portaria de vinculação), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT ou Requerida), informando não pretender utilizar a faculdade de designar árbitro.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exm.º Senhor Presidente do CAAD em 15 de janeiro de 2018 e automaticamente notificado à AT, tendo a signatária sido designada pelo Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do Tribunal Arbitral Singular, encargo que aceitou dentro do prazo legal, sem oposição das Partes.

 

A. Objeto do pedido:

A Requerente pretende a anulação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, assim como a declaração de ilegalidade e consequente anulação das liquidações de Imposto do Selo (Verba 28.1, da TGIS) que dele foram objeto, referentes ao ano de 2015 e às divisões suscetíveis de utilização independente e afetação habitacional do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ..., concelho de Lisboa, sob o artigo..., de que é proprietária, todas no valor global de € 10 924,00 (dez mil, novecentos e vinte e quatro euros), valor económico que atribui ao pedido.

Pretende ainda a Requerente que a Requerida seja condenada na restituição das quantias indevidamente pagas, acrescidas de juros indemnizatórios desde a data do pagamento daquelas quantias, até à emissão da correspondente nota de crédito.

 

B. Síntese da posição das Partes

  1. Da Requerente:

Como fundamentos do pedido de anulação dos atos de liquidação de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) referentes ao ano de 2015 e ao imóvel identificado no pedido de pronúncia arbitral, invoca a Requerente, em síntese, o seguinte:

  1. O prédio urbano de que a Requerente é proprietária é composto por andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, cujo valor patrimonial tributário (VPT) foi apurado separadamente, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do Código do IMI;
  2. Embora o VPT do prédio, no seu montante global, exceda € 1000 000,00, o VPT de cada um dos andares suscetíveis de utilização independente e de afetação habitacional é inferior a € 1000 000,00;
  3. O que se questiona é o exato sentido da expressão “valor patrimonial considerado para efeitos de IMI”, incluída na norma de incidência do Imposto do Selo;
  4. Para determinar o sentido da referida norma de incidência, deverá apelar-se às regras do Código do IMI relativas ao tratamento a conferir às partes de prédios urbanos suscetíveis de utilização independente, conforme o artigo 12.º, n.º 3, do Código do IMI, que as autonomiza para efeitos de determinação do VPT, nos termos dos artigos 38.º e seguintes, do mesmo Código;
  5. Autonomia essa que se comunica à liquidação do imposto, pois o artigo 119.º, n.º 1, do Código antes mencionado, ao determinar que o documento de cobrança deverá discriminar os prédios e as suas partes suscetíveis de utilização independente e respetivos VPT, obriga a que não seja tomado como referência o somatório dos VPT, mas antes o VPT atribuído a cada uma delas;
  6.  Sendo o VPT de cada divisão de utilização independente o valor relevante para efeitos de liquidação de IMI, será esse o valor a considerar na liquidação do Imposto do Selo da verba 28.1, da TGIS;
  7. Não deveria ter sido indeferido o pedido de revisão oficiosa das liquidações em análise, porquanto as mesmas padecem de vício de erro nos pressupostos de facto e de direito imputável à AT;
  8. De tal imputabilidade resulta que sejam devidos juros desde a data em que procedeu ao pagamento de cada uma das prestações liquidadas.

 

  1. Da Requerida:

Notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 17.º, do RJAT, a AT apresentou resposta e fez juntar o processo administrativo, vindo defender, por impugnação, a legalidade e a manutenção dos atos de liquidação objeto do presente pedido de pronúncia arbitral, com os fundamentos que, resumidamente, se seguem:

  1. A Requerente peticiona a declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) relativas ao prédio urbano em propriedade total identificado no pedido de pronúncia arbitral;
  2. Porém, a sujeição a Imposto do Selo resulta da conjugação dos fatores afetação habitacional e VPT do prédio inscrito na matriz, igual ou superior a € 1 000 000,00;
  3. O imóvel a que se reporta o pedido de pronúncia arbitral encontra-se inscrito na matriz no regime de propriedade total e, de acordo com o artigo 23.º, n.º 7, do CIS, a liquidação em causa teve em conta a natureza do prédio à data do facto tributário, nomeadamente as suas divisões de afetação habitacional, aplicando-se, com as necessárias adaptações, as regras do CIMI;
  4. O conceito de prédio encontra-se definido no artigo 2.º, n.º 1, do Código do IMI, estatuindo o seu n.º 4 que, no regime de propriedade horizontal, cada fração autónoma é havida como constituindo um prédio; daí decorre que um prédio em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente é, inequivocamente, diverso de um imóvel em regime de propriedade horizontal, constituído por frações autónomas, ou seja, por vários prédios;
  5. O artigo 12.º, n.º 3, do CIMI, respeita, exclusivamente, à forma de registar os dados matriciais e, quanto à liquidação de IMI, tratando-se de prédios em propriedade total, o valor que serve de base ao seu cálculo, será o que a Requerente define como “valor global do prédio”, embora o documento de cobrança seja enviado ao sujeito passivo com discriminação das partes suscetíveis de utilização independente e respetivo valor patrimonial tributário (artigo 119.º, n.º 1, do CIMI);
  6. A Requerente defende não existir norma que faça corresponder o VPT de um prédio em propriedade total ao somatório dos VPT das suas divisões de utilização independente;
  7. Porém, esta tese carece de sustentação legal, pois nas situações previstas na verba nº 28.1 da TGIS, o legislador ressalva os aspetos que careçam das devidas adaptações, como é o caso dos prédios em propriedade total, com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente em que, apesar de o IMI ser liquidado relativamente a cada parte suscetível de utilização independente, para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade pois que, as divisões suscetíveis de utilização independente não são havidas como prédio;
  8. Pelo exposto, deve o invocado vício de violação de lei ser julgado improcedente, mantendo-se as liquidações impugnadas, por configurarem uma correta aplicação da lei aos factos.

Termina a AT por requerer a dispensa da reunião a que alude o artigo 18.º, do RJAT, bem como da produção de alegações escritas, por se encontrarem fixados os factos sobre os quais é requerida a decisão e estar em causa matéria exclusivamente de direito.

Notificada para o efeito, a Requerente veio apresentar as suas alegações escritas, nas quais reiterou a posição assumida no pedido de pronúncia arbitral.

Igualmente notificada, a Requerida não contra-alegou.

 

II. SANEAMENTO

  1. O tribunal arbitral singular é competente e foi regularmente constituído em 20 de março de 2018, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
  2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e do artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
  3. O processo não padece de vícios que o invalidem.
  4. A cumulação de pedidos é admissível, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, na medida em que o pedido de pronúncia arbitral formulado e a respetiva procedência dependem da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios e regras de direito, no caso, a verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo.
  5. Não foram invocadas exceções que ao Tribunal Arbitral Singular cumpra apreciar e decidir.

 

III.    FUNDAMENTAÇÃO

III.1 MATÉRIA DE FACTO

  1. Factos provados

A matéria factual relevante para a compreensão e decisão da causa, após exame crítico da prova documental e do processo administrativo (PA) juntos aos autos, fixa-se como segue:

  1. À data da produção do facto tributário (31 de dezembro de 2015), a Requerente era proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia do ..., concelho de Lisboa, sob o artigo..., com o valor patrimonial total de € 1 338 423,75 (cfr. a cópia da caderneta predial anexa ao PA);
  2. O referido prédio, em propriedade total, era composto por 16 andares ou divisões de utilização independente, sendo 1 destinada a armazém; 3, a comércio; 2, a serviços e 10, a habitação (cfr. a cópia da caderneta predial anexa ao PA);
  3. O Valor Patrimonial Tributário de cada um dos andares ou divisões de utilização independente, do primeiro ao quinto andares, afetos a habitação, era, no ano a que respeita o imposto, de € 109 240,00 (cfr. cópia da caderneta predial anexa ao PA);
  4. A Requerente foi notificada para o pagamento das liquidações de Imposto do Selo da verba 28.1, da Tabela Geral do Imposto do Selo, referentes a ano de 2015, à taxa de 1%, sobre o VPT dos 10 andares ou divisões de utilização independente destinados a habitação, no valor global de € 10 924,00 (cfr. o extrato relativo a “Imposto do Selo – Consulta de Liquidações da Verba 28”, junto ao PA);
  5. Em 31 de maio de 2017, a Requerente apresentou, no Serviço de Finanças de Lisboa ..., ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, um pedido de revisão oficiosa das liquidações de Imposto do Selo ora impugnadas, ali registado sob o n.º ...2017... e remetido à Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, para decisão (cfr. fls. 4 e seguintes do PA);
  6. O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho do Senhor Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, de 18 de dezembro de 2017, notificado à Requerente na pessoa do seu MD Mandatário através do ofício n.º... da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, de 21 de dezembro de 2017 (Registo dos CTT n.º RD ... PT, de 22/12/2017 – cópia junta a fls. 27 e 28 do PA);
  7. Na informação sobre que incidiu o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, foram analisados os respetivos pressupostos procedimentais e apreciado o mérito do pedido, designadamente, com os seguintes fundamentos: «(…) “vii. Da análise da situação em apreço nos autos, afigura-se-nos que o prédio objeto do presente procedimento, é um prédio em propriedade total com andares ou divisões suscetíveis de utilização independente (fogos), que conjuntamente têm um valor patrimonial superior a € 1 000 000,00 e afetação maioritariamente habitacional.”; “viii. Ora «in casu» o valor patrimonial do prédio é superior ao exigido e existe afetação habitacional do mesmo, ainda que não seja de forma exclusiva, mas a lei não exige que a afetação habitacional seja exclusiva de todas as partes economicamente autónomas do mesmo prédio” (…)» (cfr. fls. 24 a 26 do PA);
  8. A Requerente procedeu ao pagamento das notas de cobrança referentes a todas as prestações que lhe foram notificadas (cfr. extrato informático de fls. 16 do PA).

 

  1. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.

Os factos provados, sobre os quais não há controvérsia, têm por base os documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e o processo administrativo junto pela Requerida.

 

III.2 DO DIREITO

  1. A questão decidenda

A questão trazida aos autos pela Requerente é a de saber se a expressão “valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI)”, a que se referia a verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), aditada pela Lei n.º55-A/2012, de 29 de outubro, se reporta ao Valor Patrimonial Tributário (VPT) de cada uma das partes economicamente independentes e com afetação habitacional de um prédio urbano não constituído em propriedade horizontal, como defende, ou se é determinada pelo VPT global do prédio, o qual corresponderia ao somatório de todos os VPT dos andares ou divisões de utilização independente e com afetação habitacional que o compõem, conforme a interpretação dada pela AT à referida norma.

 

  1. Do mérito das liquidações Imposto do Selo do ano de 2015

A verba 28.1, da TGIS, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 83-C/2013 de 31 de dezembro (Orçamento do Estado para 2014), aplicável às liquidações impugnadas, estabelecia a sujeição a Imposto do Selo da propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos habitacionais ou de terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, fosse para habitação e cujo VPT constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), fosse igual ou superior a € 1 000 000,00.

 

Os conceitos de prédio urbano e de prédio urbano habitacional encontram-se definidos no CIMI, de aplicação subsidiária às matérias relativas à verba 28, da TGIS, por força da remissão efetuada pelo n.º 2 do artigo 67.º, do Código do Imposto do Selo, na redação à data dos factos.

 

Prédio é, na definição do artigo 2.º, do CIMI, “toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial” (n.º 1) e, ainda, as frações autónomas dos prédios constituídos sob o regime de propriedade horizontal (n.º 4).

 

Por seu turno, o artigo 4.º, do CIMI, define residualmente como urbanos, todos os que não sejam classificados como rústicos ou mistos.

 

Existem, no entanto, diversas espécies de prédios urbanos, cuja classificação é estabelecida pelo artigo 6.º, do CIMI, cujo n.º 1 os classifica como a) habitacionais, b) comerciais, industriais ou para serviços, c) terrenos para construção e, d) outros, delimitando os n.ºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo, o que deve entender-se por cada uma daquelas designações.

 

Prédios habitacionais são, pois, os edifícios ou construções licenciados para habitação ou que, na falta de licença, tenham como destino normal a habitação (fins habitacionais).

 

Ora, o prédio de que a Requerente é proprietária, era, à data da produção do facto tributário, um prédio urbano não constituído sob o regime de propriedade horizontal, que integrava andares ou divisões de utilização independente, uns destinados a habitação e outros a “armazém” ou a comércio.

 

No que respeita à determinação do valor patrimonial tributário dos prédios com partes enquadráveis em mais do que de uma das classificações do n.º 1 do artigo 6.º, do CIMI, como é o caso do prédio identificado nos autos, rege o artigo 7.º, n.º 2, alínea b), do mesmo Código, em que se determina que “Caso as diferentes partes sejam economicamente independentes, cada parte é avaliada por aplicação das correspondentes regras, sendo o valor do prédio a soma dos valores das suas partes.”.

E é esta a única norma do Código do IMI em que se faz referência ao “valor [global] do prédio”, sem que, contudo, este tenha qualquer relevância ao nível da liquidação do imposto, pois que cada andar ou parte suscetível de utilização independente “é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respetivo valor patrimonial tributário” (artigo 12.º, n.º 3, do CIMI), tendo a AT emitido liquidações individualizadas para cada andar ou divisão de utilização independente e não uma única liquidação sobre o “valor global” do prédio.

 

Por outro lado, o prédio urbano de que a Requerente é proprietária e de que tratam os presentes autos, integrando andares ou divisões suscetíveis de utilização independente, umas destinadas a habitação e outras a fins diversos da habitação, não poderá, globalmente, ser considerado um prédio urbano habitacional, como, aliás, é reconhecido pela AT na fundamentação do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa que teve por objeto as liquidações de Imposto do Selo ora impugnadas.

 

Ora, contrariamente a decidido em sede administrativa, não se afigura aceitável que os andares ou divisões afetos a habitação, que integram o referido prédio urbano, possam ser segregados do todo, para, no seu conjunto, integrarem a noção de prédio urbano habitacional prevista na norma de incidência da verba 28.1, da TGIS.

 

Não se pode por isso aceitar que, assim procedendo, a AT formule uma norma de incidência ex novo, diversa da que foi criada pelo legislador, sob pena de violação do princípio da legalidade tributária, ínsito no artigo 103.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

O que se julga resultar da ratio legis subjacente à regra da verba 28 da TGIS, introduzida pela Lei nº 55-A/2012 de 29 de outubro, é que o legislador tenha querido tributar a propriedade, usufruto e direito de superfície de unidades habitacionais de VPT igual ou superior a € 1 000 000,00, enquanto índice de elevada capacidade contributiva.

Ora, como decorre da factualidade provada, nenhum dos andares ou divisões suscetíveis de utilização independente e de afetação habitacional objeto das liquidações em análise, tinha um VPT igual ou superior ao definido na norma de incidência, devendo concluir-se encontrarem-se dela excluídos.

De resto, é a seguinte a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr. o Acórdão do Pleno da Secção de 29/03/2017, proc. nº 0593/16, disponível em www.dgsi.pt), que com a devida vénia se transcreve e à qual se adere:

I - A verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS) aditada pelo art.º 4º da Lei nº 55-A/2012, de 29/10, não tem aplicação aos prédios urbanos, com um artigo de matriz mas constituídos por partes com afectação e utilização independentes a que foram atribuídos independentes VPT, cada um destes de valor inferior a um milhão de euros.

II - Não tendo a verba 28 da Tabela Geral efectuado qualquer distinção entre prédios em regime de propriedade horizontal e total/vertical e reportando-se ao valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI, não competirá ao seu aplicador introduzir qualquer distinção, tanto mais que se trata de uma norma de incidência.

III - Se fosse intenção do legislador tributar os imóveis que tendo um único artigo matricial, por serem constituídos por partes susceptíveis de utilização independente têm atribuídos diversos valores patrimoniais tributários, e pretendesse que para efeitos de tributação em sede de imposto de selo, neste caso, se atendesse à soma desses diversos valores patrimoniais tributários, não teria acrescentado a parte final do preceito: sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI.

IV - Nada na lei impondo a consideração de qualquer somatório de todos ou parte dos VPT atribuídos às diversas partes de um prédio com um único artigo matricial, também se mostra desconforme com a lei fazer-se tal operação aritmética apenas para efeito da tributação consagrada na verba 28 da Tabela Geral de Imposto de Selo”.

 

Pelos motivos expostos, tendo-se por verificado o vício de violação de lei, por erro na aplicação do direito, decorrente da errada interpretação da norma de incidência da verba n.º 28.1, da TGIS, é forçoso concluir que as liquidações impugnadas não poderão manter-se na ordem jurídica.

 

  1. Do pedido de juros indemnizatórios

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 43.º, da Lei Geral Tributária (LGT), aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”.

São, assim, requisitos cumulativos do direito a juros indemnizatórios: “– que haja um erro num ato de liquidação de um tributo; – que ele seja imputável aos serviços; – que a existência desse erro seja determinada em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial; – que desse erro tenha resultado o pagamento de uma dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”[1]

 

No entanto, a amplitude do direito a juros indemnizatórios, em caso de pedido de revisão oficiosa do ato tributário, não é tão abrangente como a que decorre do n.º 1 do artigo 43.º, da LGT, antes se reconduzindo à previsão do n.º 3, alínea c), do mesmo artigo, sendo devidos “Quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

A justificação para a distinção quanto ao termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios devidos ao contribuinte num caso e no outro, decorre do facto de, nas situações em que a ilegalidade do ato tributário, por erro imputável aos serviços, é invocada em pedido de revisão, nos termos do artigo 78.º, n.º 1, da LGT, ainda que posteriormente seja deduzida impugnação judicial, tal como acontece no caso dos presentes autos, ter decorrido “(…) um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte, suscita a questão da ilegalidade do ato de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão”, por isso, “O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.” – cfr. o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 28 de janeiro de 2015, Processo n.º 0722/14, disponível em www.dgsi.pt).

 

Assim, embora considerando que as liquidações impugnadas nos autos padecem de vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, imputável à Requerida, o que justifica a sua anulação, apenas se reconhece o direito a juros indemnizatórios sobre as quantias pagas, a partir do decurso do prazo de um ano a contar da data do pedido da sua revisão oficiosa, apresentado em 31 de maio de 2017, até à emissão da respetiva nota de crédito a favor da Requerente.

 

  1. DECISÃO

Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se em, julgando inteiramente procedente o presente pedido de pronúncia arbitral:

  1.  Declarar a ilegalidade das liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1, da TGIS) impugnadas, por erro nos pressupostos de direito, determinando a sua anulação;
  2. Declarar a ilegalidade do despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa das liquidações anuladas;
  3. Condenar a AT à restituição das quantias indevidamente pagas pela Requerente a título de Imposto do Selo de 2015, acrescidas de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT.

 

VALOR DO PROCESSO: De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 10 924,00 (dez mil, novecentos e vinte e quatro euros).

CUSTAS: Calculadas de acordo com o artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I a ele anexa, no valor de € 918,00 (novecentos e dezoito euros), a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifique-se.

Lisboa, 4 de junho de 2018.

O Árbitro,

 

/Mariana Vargas/

 

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do DL 10/2011, de 20 de janeiro.

A redação da presente decisão rege-se pelo acordo ortográfico de 1990. 

 



[1] Cfr. SOUSA, Jorge Lopes de, Código de Procedimento e de Processo Tributário – anotado e comentado, I Volume, Áreas Editora, 2006, pág. 472.