O Árbitro Marisa Almeida Araújo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar este Tribunal Arbitral Singular, toma a seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
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Relatório:
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A…, NIF…, (doravante designado por “Requerente”), residente na Rua…, n.º…, …-… ..., apresentou um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral singular, no dia 21 de dezembro de 2017, ao abrigo do disposto no artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida” ou “AT”).
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O Requerente pretende, no referido pedido de pronúncia arbitral, que sejam anuladas as liquidações do Imposto Único de Circulação n.º…, no valor de € 1.975,85 referente ao ano de 2017, n.º…, no valor de € 2.037,03 referente ao ano de 2016 e n.º…, no valor de € 2.080,78 referente ao ano de 2015, com as consequências legais peticiona a devolução das quantias pagas e pagamento de juros indemnizatórios.
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O pedido de constituição do Tribunal Arbitral Singular foi aceite pelo Presidente do CAAD em 22 de dezembro de 2017, e notificado à Requerida.
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O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou a signatária como árbitro do tribunal arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável e as partes não manifestaram recusar a designação, nos termos do artigo 11.º, n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e do art. 7.º do Código Deontológico.
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A 5 de março de 2018 foi constituído o tribunal arbitral.
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Notificada para o efeito a 5 de março de 2018, a Requerida apresentou, em 13 de abril de 2018, a sua Resposta, tendo remetido cópia do processo administrativo na mesma data.
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Em 13 de abril de 2018, foi dispensada a reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo-se convidado a Requerente e Requerida a alegar por escrito.
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A 17 de maio de 2018 foi fixado o prazo limite para publicação da decisão final até 18 de junho de 2018.
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O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
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É proprietário da embarcação com casco n.º … que, em 2014, após consulta ao Registo Internacional de Navios da Madeira, registo MAR (RINM-MAR), registou e ao qual foi atribuído o registo R-…, com escopo de beneficiar da isenção de IUC.
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O Requerente pagou, e paga, à Sociedade B... (B...), que tutela o RINM-MAR, a quantia de € 500,00/ ano, a título de taxa.
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Foi emitida ao Requerente declaração de isenção de IUC pelo RINM-MAR.
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Por ofício do Serviço de Finanças de Matosinhos –… datado de 12 de setembro de 2017 foi o Requerente notificado da intenção daqueles serviços liquidar os IUC referentes à embarcação supra referida.
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A 22 de setembro de 2017 o Requerente exerceu direito de audição e a 13 de outubro de 2017 foi notificado por aquele serviço de finanças que a embarcação se encontrava sujeita IUC tendo, em conformidade, a 7 de novembro de 2017 sido notificado das notas de liquidação em apreço nos autos que o Requerente procedeu ao pagamento.
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O Requerente sustenta que, nos termos do art. 2.º do CIUC a embarcação de que é titular se encontra sujeita àquele imposto mas, nos termos do art. 7.º al. d) do DL 165/86 de 26 de junho, conjugado com o art. 24.º, n.º 2 do DL 96/89 de 28 de março, existe equiparação entre os navios registados no RINM-MAR e as empresas instaladas na Zona Franca da Madeira, atribuindo-se àqueles os mesmos benefícios que se atribuiria às empresas.
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O IUC, segundo o Requerente, assume natureza de imposto local pelo que as embarcações de recreio registadas no MAR, consideram-se embarcações que arvoram o pavilhão português e encontrando-se registadas no RINM-MAR aplica-se, nos termos do DL 192/2003, de 22 de agosto o regime da Zona Franca da Madeira (art. 6.º, n.º 1 do DL 96/89 de 28 de março por remissão do art. 1.º do DL 192/2003, de 22 de agosto).
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Por via da mesma remissão legal, entende o Requerente às embarcações registadas no MAR é aplicado o regime fiscal previsto na legislação relativo à Zona Franca da Madeira (art. 24.º do DL 96/89 de 28 de março por remissão do art. 1.º do DL 192/2003, de 22 de agosto).
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Concluindo o Requerente que, tratando-se o IUC de imposto local, os proprietários das embarcações de recreio de uso particular registadas no MAR estão isentos do seu pagamento.
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Assim, se em termos de incidência subjectiva, entende o Requerente, que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas, singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontrem registados não havendo qualquer distinção na lei, segundo o Requerente, que os proprietários tenham residência em Portugal.
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Assim, conclui o Requerente que, a isenção de IUC se aplicará aos proprietários de embarcações de recreio de uso particular registadas no RINM-MAR, sejam eles residentes em Portugal ou noutro território.
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Pelos argumentos exposto, conclui o Requerente que são anuláveis as liquidações de imposto e, em consequência peticiona a devolução das quantias pagas e pagamento de juros indemnizatórios.
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Por sua vez, a Requerida respondeu sustentando a improcedência do pedido de pronúncia arbitral e alegando, em síntese, que:
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A obrigação de registo a que se refere o n.º 1 do artigo 19.º do actual Regulamento da Náutica de Recreio, que nos termos do seu n.º 2 “é efectuado pela autoridade marítima”, é realizada pelo capitão do porto que, de acordo com o nº 6 do artigo 13º do DL nº 44/2002 de 02/03, é a entidade com competência para efectuar o registo de embarcações, estipulando a sua alínea a) “efectuar o registo de propriedade de embarcações nacionais, assim como o cancelamento, reforma e alteração de registo, de acordo com o estabelecido legalmente, nomeadamente em matéria de registo de bens móveis e náutica de recreio.”
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O MAR constitui um segundo registo de navios com carácter “especial, insular e ultraperiférico”, que pode ser percepcionado como alternativa ao registo previsto no actual Regulamento Geral das Capitanias e no Regulamento da Náutica de Recreio.
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Para além do registo da matrícula da embarcação no MAR, estas devem ser registadas junto da Conservatória do Registo Comercial privativa da Zona Franca da Madeira, que importem a constituição, aquisição ou extinção de direitos reais, mas dado a embarcação em análise ser de recreio, esta não se encontra sujeita ao duplo registo, sendo o âmbito do registo comercial restrito aos navios mercantes.
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As embarcações de recreio registadas no MAR consideram-se registadas em Portugal, arvorando bandeira portuguesa, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei nº 96/89, de 28 de Março, sendo, por isso, objecto de tributação em sede de IUC.
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O IUC incide sobre os veículos matriculados ou registados em Portugal, incluindo as “embarcações de recreio de uso particular com potência motriz igual ou superior a 20kw, registados desde 1986”, constituindo a categoria F de veículos, nos termos do artigo 2º, nº 1, alínea f) do Código do IUC.
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A embarcação encontra-se sujeita a IUC, por verificação da norma de incidência constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IUC.
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O regime fiscal previsto para a Zona Franca da Madeira, engloba o disposto no Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo DL n.º 215/89 de 01/07 e o disposto no DL n.º 165/86 de 26/06, com diferentes âmbitos de aplicação, segundo a Requerida.
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Nos termos do DL n.º 165/86 de 26/06, nomeadamente o seu artigo 7.º, as empresas instaladas na Zona Franca da Madeira encontram-se isentas de taxas e impostos locais (alínea d) do art.º 7.º), isenção esta que se estende às embarcações de recreio, por via dos artigos 8.º e 26.º, do DL 96/89 de 28/03, pela equiparação dos navios registados no MAR às empresas instaladas para efeitos fiscais.
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Contudo, segundo a Requerida, nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC, constituem sujeitos passivos do imposto, os proprietários dos veículos registados como tal, sendo que, apesar de o n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 22- A/2007, de 29/06, determinar que o IUC é administrado pela atual Autoridade Tributária e Aduaneira, o n.º 1 do artigo 3.º da mesma Lei, a receita do IUC relativa, entre outros, aos veículos da categoria F, é da titularidade do município de residência do sujeito passivo.
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No caso da embarcação em questão, apesar desta se encontrar, desde 2014, registada no MAR, a receita de IUC decorrente da sua tributação, é da titularidade do município da residência do seu proprietário.
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Assim, a titularidade a que se refere o artigo 3º, nº 1 da Lei nº 22-A/2007, de 29/06, é apenas a titularidade da receita, sendo, por isso, o IUC um imposto de natureza estadual, constituído o Estado o sujeito activo da relação jurídico-tributária.
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É que, na interpretação da alínea d) do artigo 7.º do Decreto-Lei nº 165/86, de 26/06, a referência a “taxas e impostos locais”, refere-se às taxas criadas no âmbito do Regime Geral das Taxas das Autarquias Locais e aos impostos criados no âmbito das competências tributárias dos municípios, previstas no artigo 15.º do Regime Financeiro das Autarquias Locais e das Entidades Intermunicipais pelo que, segundo a Requerida o IUC não se enquadra no conceito de “taxas e impostos locais” constantes da alínea d) do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 165/86 de 26/06.
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A aceitar-se a posição defendida pelo Requerente, segundo a Requerida, nem sequer se vislumbra a razão para a existência do preceituado no artigo 2.º, n.º 1, alínea f) do Código do IUC, pois que bastaria que os proprietários de todas as embarcações sobre as quais incidisse aquela norma, as registassem no MAR, para que lhes fosse atribuída uma fiscalidade mais favorável para o IUC das mesmas.
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O Requerente peticiona juros indemnizatórios, em virtude de ter optado por efectuar o pagamento do IUC respeitante às liquidações em apreço, apesar de os considerar indevidos, pelo que, em caso de procedência do presente pedido de pronúncia arbitral entende serem-lhe devidos tais juros nos termos do artigo 43º da LGT.
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O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43ºda LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
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Atendendo a que a liquidação efectuada, o foi com base na lei aplicável, segundo a Requerida, à qual a Administração está vinculada, depende o direito a juros de ter ficado demonstrado no processo que esse facto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração tributária, o que, segundo a Requerida não se verifica.
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Conclui, assim, a AT pela improcedência do pedido arbitral.
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Saneador:
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As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
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O pedido é tempestivo.
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É admissível a cumulação de pedidos, que foi requerido nos termos do art. 3.º, n.º 1 do RJAT e do art. 104.º do CPPT considerando que os actos de liquidação sub judice dizem respeito ao mesmo imposto, é o mesmo o órgão competente para a decisão e há coincidência entre os fundamentos de facto e de direito em apreço.
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Não se verificam nulidades nem outras questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
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Matéria de facto:
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Factos Provados:
Cabe ao tribunal selecionar os factos que importam para a decisão da causa e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental e os elementos constantes do Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos abaixo elencados.
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O Requerente, residente na Rua …, n.º…, …, Matosinhos, é proprietário da embarcação (de recreio a motor), “…”, com casco n.º…, com potência motriz igual ou superior a 20 kW, que se encontra registada, definitivamente, desde 6 de novembro de 2014, no Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR), qual foi atribuído o registo R-....
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O Requerente pagou, e paga, à B..., que tutela o MAR, a quantia de € 500,00/ ano, a título de taxa.
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Por ofício do Serviço de Finanças de Matosinhos – … datado de 12 de setembro de 2017 foi o Requerente notificado da intenção daqueles serviços liquidar os IUC referentes à embarcação supra referida relativos aos anos de 2015, 2016 e 2017.
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A 22 de setembro de 2017 o Requerente exerceu direito de audição e a 13 de outubro de 2017 foi notificado por aquele serviço de finanças que a embarcação se encontrava sujeita IUC tendo, em conformidade, a 7 de novembro de 2017 sido notificado das notas de liquidação do Imposto Único de Circulação com os n.º…, no valor de € 1.975,85 referente ao ano de 2017, n.º…, no valor de € 2.037,03 referente ao ano de 2016 e n.º, no … valor de € 2.080,78 referente ao ano de 2015, no valor global de € 6.121,66, incluindo juros.
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O Requerente procedeu respectivo ao pagamento em 21/11/2017.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa, considerando as possíveis soluções de direito.
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Fundamentação da matéria de facto provada e não provada:
A convicção sobre a matéria de facto resultou das alegações das partes e respectivo suporte documental junto ao processo.
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Matéria de Direito – questões decidendas:
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Objecto e âmbito do presente processo:
Constitui questão decidenda nos presentes autos saber em que termos uma embarcação de recreio registada no MAR se encontra isenta de IUC.
Cumpre decidir,
Nos termos do n.º 2 do CIUC:
1 - O imposto único de circulação incide sobre os veículos das categorias seguintes, matriculados ou registados em Portugal:
…
f) Categoria F: Embarcações de recreio de uso particular com potência motriz igual ou superior a 20 kW, registados desde 1986;
…
Sendo que, nos termos do art. 3.º do CIUC:
1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.
2 - São equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.
3 - É ainda equiparada a sujeito passivo a herança indivisa, representada pelo cabeça de casal.
Sendo, portanto, que na embarcação em apreço nos autos, incide IUC do qual o Requerente é o respectivo sujeito passivo.
Mas se isto é assim não podemos olvidar o concreto regime jurídico a que as embarcações – como a que se verifica no caso ainda que registada em Portugal, do qual depende a aplicação do art. 2.º, n.º 1 do CIUC (ou matriculadas no país) – registadas no MAR, por força de legislação especial ficam sujeitas.
Apreciando,
A criação da Zona Franca da Madeira teve como escopo fundamental a promoção e captação de investimento o que levou à revisão dos benefícios fiscais a conceder às empresas que aí se instalem alias, conforme resulta do DL 165/86, de 26 de junho que, de entre outros incentivos, nos termos do art. 7.º estabeleceu que:
As empresas instaladas na zona franca da Madeira gozam dos seguintes benefícios fiscais:
…
d) Isenção de taxas e impostos locais;
…
Com a criação do Registo Internacional de Navios da Madeira (pelo Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de Março) o legislador, considerando, como resulta da exposição de motivos do diploma em apreço, “a competição internacional no sector da marinha de comércio é extremamente forte, tendo conduzido à baixa acentuada e prolongada dos fretes marítimos, facto este que tem originado no sector margens de rentabilidade muito reduzidas”, assumiu que “(…) todos os factores de custo assumem uma relevância determinante na viabilização da actividade, pelo que se tem assistido, a nível internacional, ao aumento da importância quer das bandeiras de conveniência, quer dos registos especiais, quer ainda de outras soluções para vencer as dificuldades existentes”.
Para “(…) fazer face à situação da marinha de comércio, diversos Estados europeus criaram já os seus próprios segundos registos, como seja o caso do Reino Unido, da França, da Holanda, da Dinamarca e da Noruega, estando outros países presentemente a estudar soluções semelhantes”.
“Estes segundos registos criados por aqueles países têm permitido estancar os processos de saída de navios do registo principal para registos de conveniência, assim como atrair alguns novos armadores e navios aos novos registos, oferecendo a estes condições de custos semelhantes às dos registos mais competitivos”, o que levou Portugal à constituição de um segundo registo e, pelas vantagens associadas, decidiu criar pelo presente diploma o Registo Internacional de Navios da Madeira (MAR).
Entre o mais, o legislador considera que “este registo, para além de vir a funcionar como elemento de dinamização da marinha de comércio nacional e factor de estancagem da passagem de navios portugueses para bandeira de conveniência, será também um importante factor de dinamização económica da Região Autónoma da Madeira e do País”.
Deste diploma resulta, no seu art. 24.º que,
1. O regime fiscal aplicável às entidades referidas no artigo 8.º é o previsto na legislação relativa à zona franca da Madeira.
2. O regime referido no número anterior aplica-se também aos navios registados no MAR.
Sendo que, nos termos do DL 192/2003, de 22 de agosto que aprovou o regulamento aplicável às embarcações de recreio registadas ou a registar no Registo Internacional de Navios da Madeira, nos termos do art. 1.º:
Os actos de registo e os demais actos relativos às embarcações de recreio no Registo Internacional de Navios da Madeira, abreviadamente designado por MAR, ficam sujeitos ao regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de Março, com a redacção introduzida pelos Decretos-Lei n.os 393/93, de 23 de Novembro, 5/97, de 9 de Janeiro, 331/99, de 20 de Agosto, e 248/2002, de 8 de Novembro, e no presente regulamento.
Ora, do disposto, no n.º 2, do art. 24.º supra transcrito, os navios registados no MAR, como é o caso da embarcação em apreço nos presente autos, beneficia do regime fiscal previsto no DL 165/86, de 26 de junho, nomeadamente do seu art. 7.º, al. d), ou seja, da isenção de taxas e impostos locais.
Nos termos do Regime Financeiro das Autarquias Local e Entidades Equiparadas (Lei n.º 73/2013, de 03 de Setembro, que revogou a anterior Lei n.º 2/2007, de 15 de janeiro) que, nos termos do seu art. 92.º, entrou em vigor a 1 de janeiro de 2014, estabelece, no art. 14.º, que é receita do município:
…
d) A parcela do produto do IUC que caiba aos municípios, nos termos do art. 3.º da Lei n.º 22-A/2007, de 29 de junho;
…
Nos termos do aludido art. 3.º,
1. É da titularidade do município de residência do sujeito passivo ou equiparado a receita gerada pelo IUC incidente sobre os veículos da categoria A, E, F e G, (…)”.
…
Deste ponto podemos concluir que o IUC é de titularidade municipal, como resulta do transcrito art. 3.º, sendo que, para efeitos da aplicação do regime da Zona Franca da Madeira, conforme resulta do do art. 7.º , alínea d) do DL 165/86, de 26 de junho, “as empresas instaladas na zona franca da Madeira gozam (…) de “isenção de taxas e impostos locais” (aplicável às embarcações de recreio registados no MAR por força do disposto no n.º 2 do art. 24.º do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de Março e DL192/2003, de 22 de agosto, no seu n.º 1).
É certo, que o princípio da equivalência consagrado no art 1.º do CIUC procura “(…) onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”.
Sendo, por isso, que o Município que, tendencialmente, suporta tais custos e que, por essa razão é o beneficiário da receita do imposto, nos termos descritos (art. 3.º da Lei que aprova o CIUC).
Mas, in casu, trata-se da aplicação de um regime especial que teve em vista estancar os processos de saída de navios do registo principal para registos de conveniência, como resulta da exposição de motivos que temos vindo a transcrever do DL 96/89, de 28 de março, e em relação aos quais o legislador também teve em conta a deslocalização de armadores nacionas:
“Face à situação de crise internacional do sector, dos níveis de competitividade e rentabilidade e das características especiais da actividade, assim como do recurso, já com alguma expressão no caso português, de armadores nacionais a bandeiras de conveniência, também em Portugal se tornou necessário analisar o interesse da constituição de um segundo registo”.
Aplicando-se este regime, ainda que pensado para a marinha de comércio, a verdade é que nos termos do art. 1.º do DL DL192/2003, de 22 de agosto, o mesmo se estende, sem qualquer limite legal, às embarcações de recreio, como in casu.
Assim, no entender do Tribunal, o IUC enquadra-se no art. 7.º al. d) do DL 165/86, de 26 de junho.
Se os proprietários podem registar as embarcações no MAR para lhes ser atribuída uma fiscalidade mais favorável, a verdade é que nada o parece limitar, pelo contrário, o regime jurídico tem como escopo manter a bandeira portuguesa, e captar novos registos, em detrimento de bandeira de conveniência, seja o proprietário residente em Portugal ou não, já que a lei não o distingue.
Porque o MAR beneficia do regime jurídico especial previsto e descrito para a Zona Franca da Madeira, sendo aplicável aos navios e embarcações de recreio que estejam registados no MAR, como é o caso, gozam da isenção de impostos locais e o IUC é receita do município, conclui o Tribunal que os proprietários das embarcações registadas no MAR beneficiam de isenção de IUC.
De facto, considerando a própria exposição que do aludido regime resulta para a criação do MAR, o escopo do legislador foi a criação, conforme se tem visto noutros países, de um segundo registo para, por um lado dinamizar a região autónoma da Madeira e do País, atraindo novos armadores e navios, com condições competitivas como, por outro lado, evitar saída de navios portugueses para registos de conveniência, seja de residentes ou não residentes.
Se a incidência objectiva do IUC, nos termos transcritos do art. 2.º do CIUC, depende da matrícula ou registo em Portugal, o que se pretende, com o MAR é, entre outros, a manutenção desse mesmo registo, em Portugal, ainda que a expensas de um regime fiscal mais favorável, mantendo os navios a bandeira portuguesa e todos os efeitos decorrentes do princípio da bandeira ou do pavilhão. Aplicando-se a residentes e a não residentes, já que aquele regime especial não o distingue, o intérprete também não o fará.
Em conformidade, aos navios registados no MAR aplica-se a legislação relativa à Zona Franca da Madeira, na qual se inclui a isenção de IUC como descrito e em relação à qual não se manifesta a existência de qualquer outro requisito, por um lado, ou limite, por outro, nomeadamente da residência do proprietário.
Assim, não havendo na lei qualquer limite ou requisito negativo que permita afastar esta isenção de IUC e estando verificada a conditio – o registo da embarcação no MAR (e em relação ao qual o Requerente paga à B... que tutela o MAR a taxa devida) – aplica-se, in casu, o disposto no art. 7.º, alínea d) do DL 165/86, de 26 de junho, ex vi n.º 2 do art. 24.º do Decreto-Lei n.º 96/89, de 28 de Março e n.º 1 do DL 192/2003, de 22 de agosto.
Por tudo isto conclui-se que o Requerente está isento dos pagamentos de IUC conforme peticiona.
Face ao exposto, consideram-se ilegais as liquidações de IUC em apreço nos autos, manifestando-se erro nos pressupostos de direito imputáveis à Requerida, com as consequências legais.
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Do direito à devolução das quantias pagas e a juros indemnizatórios
A declaração da ilegalidade e consequente anulação de um acto administrativo confere ao destinatário do acto o direito à reintegração da situação em que o mesmo se encontraria antes da execução do acto anulado.
No âmbito da liquidação do imposto, a sua anulação confere ao sujeito passivo o direito à restituição do imposto pago e o direito a juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT e, artigo, 61.º do CPPT.
O Requerente pede a condenação da AT a devolver os tributos indevidamente pagos, acrescido de juros indemnizatórios.
O artigo 43.º n.º 1 da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido».
No caso em apreço, o erro que afeta a liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira que praticou o acto de liquidação por sua iniciativa, pelo que o Requerente tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento de cada uma das quantias até reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
Como resulta do referido artigo 43.º n.º 1 da LGT, o direito a juros indemnizatórios depende do pagamento de dívida tributária em montante indevido, como foi o caso.
Enfermando de ilegalidade a liquidação de IUC, são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º n.º 2 do CPPT.
Pelo que tem a Requerente direito, para além do reembolso dos montantes pagos indevidamente, a juros indemnizatórios, calculados sobre esses montantes referente às liquidações anuladas.
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Da responsabilidade pelo pagamento de custas arbitrais:
Nos termos do artigo 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ex vi 29.º, n.º 1, e) do RJAT, estabelece que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito.
Em face do exposto deve a Requerida ser condenada em custas.
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Decisão:
Nestes termos e com a fundamentação supra, o tribunal decide,
a. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral.
b. Condenar a Requerida na devolução das quantias pagas pelo Requerente acrescidas de juros indemnizatórios.
c. Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo.
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Valor do processo:
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.º-A, n.º 1 do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 6.121,66.
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Taxa de Arbitragem:
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00 nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de maio de 2018
O Árbitro
(Marisa Almeida Araújo)