Decisão Arbitral
Acordam em tribunal arbitral
I - Relatório
1. A..., Lda.., NIPC ... com sede no ..., ... ..., ...-..., em ..., veio apresentar, ao abrigo dos artigos 10.º e 2.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo com vista à declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, no valor de € 2.781.557,01 e de demonstração de liquidação de juros, que, de acordo com a demonstração de acerto de contas, deu origem a imposto a pagar no montante global de € 2.910.756,02, e que foi objecto de reclamação graciosa que foi indeferida.
Tendo prestado garantia bancária para obter a suspensão do processo de execução fiscal instaurado por efeito dos actos tributários de liquidação, requereu ainda indemnização por prestação de garantia indevida, nos termos dos artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT.
Alega, em síntese, que os encargos financeiros com o empréstimo obrigacionista, que determinou a correcção da liquidação em sede de IRC, estão relacionados com a actividade da Requerente e contribuem para a obtenção do rendimento sujeito a imposto, na medida em que esse empréstimo foi contraído para financiar a aquisição de uma outra empresa e, por essa via, assegurar a incorporação de activos e passivos que são geradores dos resultados operacionais que possam ser imputados à Requerente no exercício da sua própria actividade.
Na sua resposta, a Autoridade Tributária sustenta, em linhas gerais, que os juros do empréstimo obrigacionista não foram pagos pela empresa beneficiária, que figura no contrato como mutuária, mas por uma terceira entidade que foi entretanto adquirida pela ora Requerente, passando esta a assumir, na sequência da incorporação, o passivo resultante desse empréstimo, vindo a obter, desse modo, uma redução do lucro tributável mediante a dedução dos gastos incorridos com o financiamento, apesar de estes custos se não relacionarem com a sua actividade empresarial nem servirem para manter a fonte produtora de rendimentos, não sendo, por isso, dedutíveis como custos nos termos do disposto no artigo 23.º do CIRC.
2. No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de prova testemunhal.
Em alegações, as partes reiteraram as suas anteriores posições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
O tribunal arbitral colectivo ficou, nesses termos, constituído pelos ora signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 6 de fevereiro de 20187.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
Cabe apreciar e decidir.
II -Fundamentação
4. A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte.
a) A Requerente, A..., Lda.. (NIPC....), é uma sociedade por quotas que, de acordo com a certidão permanente junta com o processo administrativo, tem por objeto “a consultoria e prestação de serviços empresariais nas áreas de gestão administrativa, financeira e de pessoal, contabilidade, informática, investigação cientifica, formação profissional, a comercialização de aparelhos, utensílios e produtos destinados ao sector de prestação de cuidados de saúde e a elaboração de estudos e prestação de cuidados médicos em todas as especialidades, bem como a prestação de serviços conexos ou afins”;
b) A Requerente teve como designações anteriores B..., Lda. (até julho de 2008) e C..., Lda.. (até dezembro 2008);
c) Até 25 de junho de 2007, esta sociedade era detida pela D... SGPS, S.A., não tendo praticamente atividade desde que iniciou;
d) A 26 de junho de 2007, esta entidade alienou as suas quotas na B... à sociedade E...., com sede no Luxemburgo;
e) A E... (NIPC ....), posteriormente designada F..., SARL, é detida por uma sociedade de capital de risco denominada G..., com sede em Inglaterra, e serviu como veículo para a aquisição do Grupo H..., no ano de 2007, informação esta que consta de um pedido efetuado pela G... à Autoridade da Concorrência da Comissão Europeia no âmbito da aquisição do grupo H...;
f) Em 28 de junho de 2007, a entidade B... procedeu à emissão de um empréstimo obrigacionista, no valor de € 81.700.000,00, totalmente subscrito pela sócia única, E..., SARL;
g) Para tanto foi deliberado em 27 de junho de 2007, conforme acta n.º 14 da sociedade B..., que, atendendo às necessidades de capitalização que a sociedade teria que fazer face às transacções que se propunha realizar e tendo a intenção de proceder ao pagamento do preço ao abrigo do contrato de cessão de quotas representando a totalidade do capital social da sociedade I..., mais tarde designada L..., Lda. (NIPC....), procederiam à emissão de um empréstimo obrigacionista no montante de € 81.700.000,00, o qual seria totalmente subscrito pela sócia única ( E..., SARL);
h) Para a realização do empréstimo obrigacionista, tiveram ainda intervenção a J..., S.A., que procedeu ao pagamento de juros à sociedade subscritora E..., SARL e a K..., SA, que procedeu ao registo deste empréstimo;
i) Através da análise à contabilidade, a Autoridade Tributária constatou que os € 81.700.000,00 nunca deram entrada nas contas da entidade, constando este montante como dívidas de terceiros por contrapartida de empréstimos;
j) Em 1 de agosto de 2007, a L..., Lda.. (NIPC...), antes designada I..., é adquirida pela Requerente pelo montante de € 122.611.711,00,
k) Esta operação de aquisição foi registada na contabilidade por uma transferência de saldos devedores — dívidas de terceiros (sócios pelo aumento de capital e pelo empréstimo obrigacionista) para investimentos financeiros em vez de uma saída de disponibilidades, pelo que a Autoridade Tributária concluiu que os meios monetários relativos ao aumento de capital como ao empréstimo obrigacionista nunca deram entrada nas contas da B...;
l) Relativamente aos juros, tal como decorre da contabilidade dos anos de 2007 e 2008, foram pagos através da J..., S.A., pela L..., sociedade adquirida através daquele empréstimo, não tendo a B... qualquer atividade operacional, servindo apenas como veículo para aquela aquisição;
m) Estes mesmos juros pagos à entidade E... não foram sujeitos a imposto em Portugal nos termos do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro;
n) Nos dois anos em que foi efetuada a análise à contabilidade da B... no âmbito das ordens de serviço n.º OI2010.../..., a Autoridade Tributária constatou que não teve resultados operacionais de relevo, apresentando prejuízos decorrentes dos resultados financeiros negativos derivados do empréstimo obrigacionista, que eram pagos pela A... (entidade adquirida pela B...);
o) Em julho de 2008, a sociedade B... alterou a sua firma e sede para C... Lda.., alterando a sede, anteriormente na zona franca da Madeira, e estabelecendo-se em ..., na sede actual;
p) Em dezembro de 2008, a C... (antiga B...) incorporou, através de um processo de fusão, a sua participada L... (antiga I...);
q) Com essa fusão, a C... passou a adotar a firma da entidade incorporada (A..., Lda.), que corresponde à sua atual designação, assumindo as funções e objetivos sociais dessa outra sociedade;
r) Com essa operação, todo o património da incorporada, L..., foi transferido para a sua incorporante, C..., agora designada A..., Lda.;
s) E todos os ativos e passivos ficaram englobados numa mesma entidade, passando a entidade incorporante a assumir os encargos estabelecidos entre a sociedade E... e a sociedade B..., decorrentes do empréstimo obrigacionista contraído para aquisição da sociedade L... (I...);
t) Ainda por efeito da fusão a Requerente passou a ser titular direta de uma série de empresas no ramo da saúde;
u) A L..., Lda. (NIPC...), detinha a totalidade do capital das seguintes entidades:
1. M..., S.A., NIPC. ...;
2. N..., Lda., NIPC...;
3. O..., Lda., NIPC. ...;
4. P..., Lda., NIPC. ...;
5. Q..., S.A., NIPC. ...;
6. R..., S.A., NIPC. ...;
7. S..., S.A., NIPC. ...;
8. T..., S.A. NIPC. ...;
9. U..., Lda., NIPC. ...;
10. V..., Lda., NIPC. ...;
11. W..., S.A., NIPC. ...;
12. X..., S.A., NIPC. ...;
13. Y..., S.A., NIPC. ...;
14. Z..., S.A., NIPC. ...;
Detinha ainda parcialmente o capital da sociedade AA..., LDA., com o NIPC. ...;
v) Em dezembro de 2009, a Requerente (já A..., Lda. – NIPC....) procedeu à fusão, por incorporação, com as empresas do grupo, passando a partir dessa data a dedicar-se à prestação de serviços médicos;
w) A L..., Lda. (NIPC...) cessou a sua actividade devido à fusão por incorporação com a Requerente;
x) A Administração Tributária desencadeou uma ação de inspeção à Requerente tendo por objeto os exercícios de 2013 e 2014, que teve origem numa ação de controlo declarativo, através da qual foi proposta e superiormente sancionada a necessidade de controlo dos juros contabilizados na sociedade respeitantes na sua maior parte a encargos para a sua própria aquisição.
y) A ação de fiscalização foi levada a cabo através das ordens de serviço n.ºs 0I2016... e OI2016..., de 6 de janeiro de 2016;
z) No âmbito da ação de inspeção a Autoridade Tributária apurou que nos anos de 2013 e 2014, a Requerente suportou e inscreveu na sua contabilidade custos (juros) com empréstimo obrigacionista e suprimentos, custos estes que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu não estarem relacionados com a sua atividade empresarial, nem servirem à manutenção da sua fonte produtora de rendimentos, tendo antes aproveitado a um terceiro (F..., S.A.R.L., anterior E... S.A.R.L.), e não serem dedutíveis para efeitos de cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC;
aa) No exercício de 2013, o montante de juros contabilizados e pagos à sociedade mãe na sociedade atual é de cerca de € 11.664.656,99;
bb) A correção da liquidação de IRC abrange a desconsideração de juros pagos relativamente ao empréstimo obrigacionista e de juros pagos relativamente a suprimentos destinados a liquidar juros do empréstimo obrigacionista;
cc) Em 17 de julho de 2014, a Requerente foi notificada pela Autoridade Tributária para comprovar a indispensabilidade dos custos e/ou gastos incorridos com os juros suportados com o empréstimo obrigacionista para a obtenção dos proveitos, tendo a Requerente apresentado a sua resposta em 14 de agosto seguinte (anexo 15 ao Relatório da Inspeção Tributária);
dd) A Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, tendo exercido o seu direito de resposta em audição prévia, mediante requerimento enviado em 11 de novembro de 2013 (anexo 21 ao Relatório da Inspeção Tributária);
ee) Em 26 de abril de 2016, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária, que determinou a correção da liquidação de IRC que é impugnada;
ff) Dá-se como reproduzido o teor dos documentos a que se referem as antecedentes alíneas dd), ee) e ff);
gg) A Requerente deduziu reclamação contra os atos tributários de liquidação adicional de IRC, que foi indeferida.
hh) A Requerente prestou garantia bancária para obter a suspensão do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva dos montantes constantes dos atos tributários de liquidação.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os constantes do processo administativo apresentado pela Autoridade Tributária com a sua resposta.
III – Matéria de direito
5. A Autoridade Tributária procedeu à correcção da liquidação de IRC relativamente ao exercício de 2013 por considerar não serem fiscalmente dedutíveis, nos termos do artigo 23.º do CIRC, os juros suportados e contabilizados pela impugnante decorrentes de um empréstimo obrigacionista e de suprimentos de sócios, ambos subscritos e realizados pela empresa mãe F... (antiga E...), e que a Requerente passou a assumir como seu passivo por efeito da incorporação da mutuária C... (antiga B...).
A emissão do empréstimo obrigacionista destinou-se a permitir a aquisição do negócio do Grupo H... em Portugal, passando esta entidade a designar-se A..., Lda.., e sendo esta que suportava os encargos resultantes do financiamento estabelecido entre a C... e a F... . Com a ulterior operação de fusão ocorrida entre a C... e a A... Lda.., a C... adoptou o nome da empresa incorporada e passou a deter diretamente as participações financeiras nas diversas entidades prestadores de serviços médicos.
Neste condicionalismo, a Autoridade Tributária considera que, com a fusão, os rendimentos gerados pela actividade da sociedade incorporada passaram a suportar os custos com a sua própria aquisição e, nesse sentido, os fundos não estão a ser utilizados na respetiva exploração nem constituem fonte produtora dos proveitos ou ganhos que resultem da sua actividade, pelo que os mesmos não reúnem os requisitos de indispensabilidade e correlação que são exigidos pelo artigo 23.º do CIRC.
Em contraposição, a Requerente sustenta que sem os encargos que suporta não poderia ter adquirido a L..., Lda.. (ex- I...) e não atingiria por isso a dimensão e estrutura económica que hoje apresenta, vindo a concluir que, com a fusão, ocorreu uma verdadeira aquisição de activos e passivos, distintos de partes de capital, e geradores de resultados operacionais. Assim, os juros pagos resultam de operações que, após a sua concretização, trouxeram para a esfera da Requerente os activos (meios de obtenção de rendimentos) e as dívidas (suporte financeiro de tais meios) num quadro de racionalidade económica clara.
Entrando na apreciação da questão, deve começar por sublinhar-se que o procedimento inspectivo que originou a correcção fiscal abrangia igualmente o exercício de 2014, e procedimentos de idêntica natureza incidiram sobre os exercícios de 2009, 2010, 2011 e 2102.
E em todos esses casos, o tribunal arbitral, chamado a pronunciar-se sobre os correspondentes pedidos de impugnação da liquidação adicional de IRC, tem vindo a decidir que os encargos financeiros suportados com a aquisição da I... (depois designada como L..., Lda.., e que se integra na sociedade actualmente existente) se inscrevem ainda no interesse e actividade económica da Requerente e não podem ser desconsiderados como custos fiscalmente relevantes (acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 42/2015, 337/2016, 480/2016, 508/2016 e 607/2017).
E não há motivo para alterar agora esse entendimento.
O ponto fulcral prende-se com o critério da indispensabiliddae dos gastos a que se refere o artigo 23.º do CIRC
Na redacção vigente à data dos factos, o preceito, na parte que agora mais interessa considerar, dispunha o seguinte:
Artigo 23º
Custos ou perdas
1 — Consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os seguintes:
a) Os relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, tais como matérias utilizadas, mão de obra, energia e outros gastos gerais de produção, conservação e reparação;
b) Encargos de distribuição e venda, abrangendo os de transportes, publicidade e colocação de mercadorias e produtos;
c) Encargos de natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos, prémios de reembolso;
(…)”.
Resulta desta disposição que a consideração de custos ou perdas para efeitos fiscais depende de um requisito de indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos que são sujeitos ao imposto.
No preenchimento do conceito indeterminado de indispensabilidade, há um entendimento jurisprudencial firme no sentido de considerar que da noção legal de custo fornecida pelo artigo 23.º do CIRC não resulta que a Administração Tributária possa pôr em causa o princípio da liberdade de gestão, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa e considerando que apenas podem ser assumidos fiscalmente aqueles de que decorram, diretamente, proveitos para a empresa ou que se revelem convenientes para a empresa. A indispensabilidade a que se refere o artigo 23.º exige, tão só, uma relação de causalidade económica, no sentido de que basta que o custo seja realizado no interesse da empresa, em ordem, direta ou indiretamente, à obtenção de lucros. E fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os actos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro” (cfr. acórdão do TCA Sul de 6 de outubro de 2009, Processo 03022/09 e, em idêntico sentido, acórdão do TCA Norte, de 12 de janeiro de 2012, Processo 00624/05).
Nessa mesma linha de entendimento, o STA, chamando a atenção para o carácter casuístico do preenchimento do conceito de indispensabilidade, formula o seguinte critério:
“A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da actividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios. Em rigor, não se trata de verdadeiros custos da empresa, mas de gastos que, tendo em vista o seu objecto, foram abusivamente contabilizados como tal. Sem que a Administração possa avaliar a indispensabilidade dos custos à luz de critérios incidentes sobre a sua oportunidade e mérito”.
Vindo o mesmo aresto a concluir que, “sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa” (acórdão de 29.03.2006, Processo nº 1236/05).
Nesse sentido se tem ainda posicionado a doutrina.
Rui Morais refere que “a invocação da regra da indispensabilidade dos custos nunca pode ser feita para fazer substituir o juízo de conveniência e oportunidade dos encargos assumidos, tal como resultaram da decisão dos órgãos sociais, por outro juízo, também de índole empresarial feito pela administração fiscal ou pelos tribunais”. E prossegue dizendo que “não podemos ter como boa a orientação de certa jurisprudência que recusa a acreditação fiscal de determinados custos porque não é possível estabelecer uma correlação direta com obtenção de concretos proveitos. Levado ao extremo um tal entendimento, teríamos que os encargos com investigação só seriam fiscalmente dedutíveis quando tais pesquisas tivessem êxito, quando, em seu resultado, a empresa passasse a vender novos bens e serviços (…).”
Para concluir da seguinte forma:
“Defendemos que a questão de saber se um custo deve ser ou não havido por indispensável se deve resolver a partir do intuito objectivo da transacção, ou seja do business purpose test. Julgamos ser medianamente claro o escopo da norma: recusar a comparticipação fiscal em alguns dos encargos suportados pelo sujeito passivo (…). Se à assunção do encargo presidiu uma genuína motivação empresarial (…) o custo é indispensável. Quando se deva concluir que o encargo foi determinado por outras motivações (interesse pessoal dos sócios, administradores, credores, outras sociedades do mesmo grupo, parceiros comerciais, etc.) então tal custo não deve ser havido por indispensável” (Apontamentos ao IRC, Coimbra, 2007, págs. 86-87).
Em idênticos termos, Saldanha Sanches faz notar que “saber se um certo custo corresponde, ou não, à mais eficaz defesa dos interesses da empresa é uma questão que não pode ser resolvida mediante a atribuição de um poder de intervenção do Estado (…) de modo a realizar um juízo de mérito sobre uma certa opção de gestão empresarial, tal como não pode validar a qualificação da despesa como um custo sujeitando-a à condição da verificação a posteriori da efetiva geração de proveitos” (Os limites do planeamento fiscal, Coimbra, 2006, pág. 215).
Em síntese conclusiva, à luz dos princípios acabados de expor, deve entender-se que a actividade empresarial que gere custos dedutíveis há-de ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediata) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. Nesse sentido, a actividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim em sentido amplo, significando actividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de actividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de traduzir uma relação com a actividade, só pode querer dizer que tem de se verificar uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou actos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 480/2016).
6. No caso vertente, a Administração Tributária entende que o financiamento efectuado a uma empresa desprovida de conteúdo operacional (B..., depois designada como C...), e que funcionou apenas como empresa-veículo para a aquisição da I..., determinou, na sequência da reorganização do grupo A..., a obtenção de uma vantagem fiscal, concretizada na redução do lucro tributável mediante a dedução dos custos do financiamento.
Nesse sentido, considera que os custos suportados com o empréstimo obrigacionista não estão relacionados com a actividade empresarial da Requerente, nem serviram para a manutenção da fonte produtora e, ainda que inscritos na sua contabilidade, não beneficiam a sua actividade nem o respectivo interesse empresarial, aproveitando antes a um terceiro (F..., anterior E...).
Para assim concluir, a Administração Tributária parte da ideia de que os custos não podem deixar de respeitar à própria sociedade contribuinte e, no caso dos juros, os fundos a que respeitam devem ser aplicados na própria exploração, de modo a que a actividade produtiva seja desenvolvida pela sociedade que suporta os encargos e não por terceiros.
Ora, como se viu, o conceito de indispensabilidade é consensualmente interpretado como implicando que os gastos digam respeito à actividade ou interesse da empresa. Assim, os encargos financeiros que aqui se enquadrem, mesmo não sendo aplicados em actividades consideradas operacionais ou de exploração, podem reunir condições de indispensabilidade.
E, de resto, o artigo 23.º do CIRC, ao referir-se a encargos financeiros susceptíveis de serem dedutíveis como custos, tais como juros de capitais aplicados na exploração, não pretende restringir a dedutibilidade a esse tipo de encargos - aí indicados a título meramente exemplificativo -, nada obstando que possam ser considerados outros encargos desde que preencham o requisito geral da indispensabilidade.
E o certo é que os encargos em causa estão relacionados com a actividade da Requerente, pois resultam do financiamento de activos por esta detidos e que geram rendimentos de natureza operacional.
Com efeito, em decorrência das operações de fusão, a mesma sociedade (a Requerente) passou a deter, como elementos patrimoniais contabilizados ou reconhecidos no seu balanço, os activos e passivos de sociedades operativas e continuou a inscrever, também no seu balanço, o capital próprio e os passivos financeiros que suportavam as participações sociais que antes representavam este conjunto de elementos patrimoniais.
Quer isto dizer que, antes da fusão, a L... Lda. (ex- I...) detinha, no lado direito do balanço, fontes de financiamento provenientes da C... (ex- B...), pagando juros por aquelas fontes que consubstanciavam dívida; e, no seu activo, participações sociais nas entidades operativas. Com a fusão, a mesma entidade (Requerente) continua a deter os passivos já referidos (dívidas à participante F..., SARL), passando pois a reconhecer os activos e passivos das sociedades operativas cuja aquisição constituíram a causa essencial do endividamento da C... (ex- B...) face à F..., SARL.
Em suma, a fusão mantém na Requerente o financiamento pelo qual esta pagou juros, e teve como consequência patrimonial a junção, no mesmo balanço, dos activos que tal dívida financiava e continuou a financiar. Não já activos financeiros, mas a sua real tradução em activos e passivos de cariz operacional.
É pois claro que a dívida da Requerente à sociedade mãe - e os juros daí resultantes - se inscrevem no seu interesse e actividade económica. Existe mesmo um nexo económico entre rendimentos e gastos. Os rendimentos derivados do negócio estão relacionados com os juros pagos para a sua aquisição. E numa óptica patrimonial há maior aproximação entre activos e capitais que os financiam que se encontram agora inscritos na mesma entidade. Não colocando em causa a Autoridade Tributária o propósito económico das operações de reorganização levadas a cabo, a desconsideração dos juros pagos não tem suporte no disposto no artigo 23.º do CIRC.
7. A correcção da liquidação de IRC abrange ainda encargos com suprimentos que, a par do empréstimo obrigacionista, foram efectuados pela E... à I... para pagamento de encargos financeiros do empréstimo obrigacionista à empresa mãe na proporção do montante global de € 11.664.656,99.
Defende a Autoridade Tributária, neste ponto, que com a fusão anularam-se as dívidas entre as sociedades portuguesas, mantendo-se o registo da dívida à empresa mãe no valor de 47.399.162,66 que engloba a quantia paga a título de juros, havendo lugar à desconsideração para efeitos fiscais dos juros suportados relativamente a suprimentos, nos termos do artigo 23.º do CIRC.
No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente contesta esta interpretação, alegando que o montante de € 11.664.656,99 representava um abatimento parcial da dívida da I... e não está incluído no saldo final de € 47.399.656,99.
A este propósio, a Autoridade Tributária, na sua resposta, seguindo a fundamentação adoptada no RIT, apenas refere que “não foram encontradas evidências que inequivocamente demonstrassem que o montante de € 11.664.656,99 não esteja incluído no valor dos suprimentos, tanto mais que a sociedade L..., Lda. (ex-I...) pagou diretamente esses juros por conta da sociedade C... (ex- B...) em virtude de esta sociedade não dispor de meios financeiros para proceder à liquidação dos juros".
Importa ter presente, a este propósito, a regra do direito probatório material que resulta do artigo 74.º da LGT. Cabe à Autoridade Tributária a prova dos factos constitutivos da não dedutibilidade dos custos para efeitos fiscais, não bastando dizer que o sujeito passivo não efectuou a contraprova do que vem alegado no Relatório de Inspecção. Perante um non liquet probatório, o tribunal terá de pronunciar-se em desfavor do sujeito processual sobre o qual impendia o ónus da prova e, portanto, em favor do contribuinte.
Mesmo que assim não fosse, os encargos financeiros com suprimentos que se destinaram ao pagamento de juros devidos pela emissão do empréstimo obrigacionista, relacionam-se com o mesmo financiamento que permitiu a aquisição dos activos e passivos que se concluiu serem relevantes para a produção de rendimentos, pelo que, pelas mesmas razões que já foram anteriormente expostas, não há motivo para desconsiderar esses custos para efeitos fiscais.
Indemnização por prestação indevida de garantia
8. A Requerente veio ainda requerer o pagamento da correspondente indemnização por prestação de garantia indevida, com invocação do disposto nos artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT, tendo para o efeito alegado ter prestado garantia para efeito de obter a suspensão do processo executivo instaurado em virtude de acto tributário de liquidação do imposto.
O artigo 171.º do CPPT garante a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido visto que poderá ter por objecto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de actos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
O artigo 53.º da LGT admite ainda que o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução fiscal será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos, salvo quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, caso em que a indemnização não está dependente do prazo pelo qual vigorou a garantia.
No caso, é claro que o erro de que padecem os actos de liquidação são imputáveis à Administração Tributária, dispondo a Requerente do direito a indemnização pelos prejuízos resultantes da prestação indevida de garantia.
No entanto, a Requerente não alegou nem provou os encargos que suportou com a prestação da garantia, pelo que apenas poderá ser ressarcido em incidente de liquidação a deduzir autonomamente (neste sentido, o acórdão do tribunal arbitral de 12 de fevereiro de 218, Processo n.º 369/2017-T).
IV - Decisão
Termos em que decidem:
a) julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular os actos tributários de liquidação adicional de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) com o nº 2016..., no montante de € 2.781.557,01, de demonstração de liquidação de juros com o nº 2016... e de demonstração de acerto de contas nº 2016..., que deu origem a imposto a pagar no valor de € 2.910.756,02, referente ao exercício de 2013;
b) condenar a Autoridade Tributária a pagar à Requerente indemnização por prestação de garantia devida nos termos que vierem a ser fixados em incidente de liquidação.
9. Valor do processo
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 2.910.756,02, que não foi contestado pela Requerida, e corresponde ao valor da liquidação a que a se pretendia obstar (artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT).
Notifique.
Lisboa, 24 de maio de 2018
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Luís Oliveira
O Árbitro vogal
Gustavo Lopes Courinha