Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 23/2012-T
Data da decisão: 2012-11-20  IRC  
Valor do pedido: € 240.350,73
Tema: Menos valias com alienação de partes de capital - SGPS
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CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa

Arbitragem Tributária


 

Proc. n.º 23/2012 -T

ACÓRDÃO

I RELATÓRIO

A…, SGPS, SA, pessoa colectiva n.º …, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa sob o n.º …, com sede na Avenida das …, em Lisboa,

tendo impugnado judicialmente o acto de indeferimento tácito da reclamação da auto-liquidação do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas do exercício de 2003, em processo que correu termos na 4.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de …, sob o n.º …, pendente de decisão há mais de 6 anos veio, ao abrigo do art.º 30.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que institui a arbitragem como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral para apreciação do acto de auto-liquidação de IRC referente ao exercício de 2003, respeitante a menos-valias que suportou no valor de €733.537,00 (setecentos e trinta e três mil quinhentos e trinta e sete euros), com a alienação de participações sociais infra identificadas.

Formula concretamente o seguinte pedido:

“(…)deverá ser declarada a ilegalidade parcial da autoliquidação referente ao exercício do IRC de 2003, com a sua consequente anulação nessa parte, integrando-se o montante € 733.537,00 (setecentos e trinta e três mil quinhentos e trinta e sete euros) correspondente à menos valia realizada pela alienação das participações sociais da B…, S.A no cálculo da matéria colectável de IRC, com o consequente reembolso do imposto pago no montante de € 240.350,73, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios.

A título subsidiário, e caso a requerente não venha a obter vencimento no pedido principal, deverá ser declarada a ilegalidade parcial da autoliquidação referente ao exercício do IRC de 2003, com a sua consequente anulação, nessa parte, integrando-se a menos-valia em causa no cálculo da matéria colectável de IRC, em metade do seu valor, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, com o consequente reembolso do imposto pago em excesso, no montante de € 120.175,37, acrescido de juros indemnizatórios. (…)”

Alegou no essencial e com vista ao objecto do pedido, o seguinte quadro factual, juntamente com algumas ilações e conclusões:

O acto objecto do pedido de pronúncia do tribunal arbitral é o acto de indeferimento tácito da reclamação da auto autoliquidação relativo a Imposto sobre o Rendimento de Pessoa Colectivas (IRC) referente ao exercício de 2003, na medida correspondente à menos valia declarada como sendo fiscalmente irrelevante, no valor de €733.537,00, realizada nesse exercício, em virtude da alienação das participações sociais da B…, S.A. O imposto correspondente à não consideração desta menos valia suportado pela requerente totaliza € 240.350,73, nos termos do quadro seguinte:

 

Em 27/05/2004, a Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos referente ao exercício de 2003 (cf. Doc. n.º 3).

No exercício em causa a Requerente não considerou a menos valia decorrente da alienação das participações sociais da B…, S.A, (doravante …),

a qual acresceu ao lucro tributável do exercício de 2003.

Sucede que, a autoliquidação de imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas daí decorrente assentou em pressupostos inválidos, porquanto deveria a menos valia ter sido considerada como fiscalmente relevante.

Razão pela qual, em 27/08/2004, como referiu a Requerente, apresentou reclamação graciosa do acto de autoliquidação em apreço (cf. doc. n.º 2)

e em 15/03/2005, apresentou Impugnação Judicial da auto-liquidação de IRC referente ao exercício de 2003, conforme supra referido, com base no indeferimento tácito verificado em 27/02/2005 da reclamação supra referida.

Na verdade, os fundamentos para a apresentação do presente pedido, os quais constam da reclamação graciosa e impugnação judicial supra identificadas, conforme veremos, radicam no direito de a Requerente considerar como fiscalmente relevante, a menos valia, no valor de € 733.537,00, realizada pela alienação das participações sociais da B…, S.A.

Em 17/06/2003, a Requerente vendeu 119.878 (cento e dezanove mil oitocentas e setenta e oito) acções nominativas com o valor nominal de € 5,00, representativas de 39,95% do capital social da B…, S.A pelo preço total de € 732.916,00 (setecentos e trinta e dois mil novecentos e dezasseis euros), a pessoa com a qual não tinha relações especiais (cf. contrato de compra e venda de acções entre a A…, SGPS, SA e … , junto como Doc. n.º 4).

Essas acções haviam sido adquiridas, em Dezembro de 2001, à C…, SA (doravante …), entidade relativamente à qual existem relações especiais em virtude de vendedor e comprador serem detidos integralmente pela D…, S.A., pelo valor de € 1.466.452,82 (um milhão quatrocentos e sessenta e seis mil quatrocentos e cinquenta e dois euros e oitenta e dois cêntimos) (cf. contrato de compra e venda de acções entre a C…, SA e a A…, SGPS, SA, junto como Doc. n.º 5).

A menos-valia fiscal realizada resulta da diferença entre o valor de aquisição da participação (€ 1.466.452,82) e o valor de realização (€ 732.916,00), que totaliza € 733.537,00 (cf. mapa das mais valias e menos valias fiscais da A…, SGPS, SA, junto como Doc. n.º 6).

Este valor não coincide com a menos-valia contabilística, pois sendo, à data de 31 de Dezembro de 2001, os capitais próprios da B…, S.A a € 8.935.393,00 (oito milhões novecentos e trinta e cinco mil trezentos e noventa e três euros), a quota parte atribuível à participação adquirida era de € 3.570.484,00 (três milhões quinhentos e setenta mil quatrocentos e oitenta e quatro euros), o valor da quantia contabilística relevada como investimento financeiro no activo do balanço da sociedade.

Tendo-se, portanto, por aplicação do método da equivalência patrimonial na contabilização das participações financeiras, apurado à data de aquisição da participação um trespasse negativo (“badwill”) de € 2.104.031,00 (dois milhões cento e quatro mil e trinta e um euros), o qual foi adicionado ao custo histórico de aquisição por contrapartida de proveitos diferidos, perfazendo pois o montante da quota parte atribuível à participação adquirida, de € 3.570.484,00 (três milhões quinhentos e setenta mil quatrocentos e oitenta e quatro euros).

Valor este reduzido para € 3.009.333,00 (três milhões nove mil e trezentos e trinta e três euros) por força da apropriação da quota parte da variação negativa dos capitais próprios da B…, S.A verificada em 2002.

E uma vez mais reduzido em 2003 até à data da alienação em € 250.707,00 (duzentos e cinquenta mil setecentos e sete euros) pelo que o valor contabilístico da participação à data da venda era de € 2.758.625,99 (dois milhões setecentos e cinquenta e oito mil seiscentos e vinte e cinco euros e noventa e nove cêntimos), conforme se demonstra no Relatório e Contas da A…, SGPS, SA relativo ao exercício de 2003, na Nota 10 do Anexo às demonstrações financeiras, que mostra os movimentos ocorridos na rubrica de partes de capital em empresas do grupo e associadas (cf. Relatório e contas junto como Doc. n.º 7).

Assim, pela alienação da participação verificou-se a realização, em 2003, de uma menos valia contabilística no montante de € 2.025.709,91 (dois milhões vinte e cinco mil setecentos e nove euros e noventa e um cêntimos), conforme se demonstra no Relatório e Contas, na Nota 46 do Anexo às demonstrações financeiras, a que corresponderia uma menos-valia fiscal de € 733.537,00, conforme se demonstra no quadro seguinte: 

 

As participações sociais haviam sido adquiridas a uma sociedade relativamente à qual existem relações especiais, tendo, ainda, sido detidas por um período inferior a três anos, circunstância em que não é aplicável o nº 2 do artigo 32º do EBF, mas sim o regime geral previsto no Código do IRC.

Como é sabido, o n.º 2 artigo 32.º EBF, consagra o princípio da não tributação das mais ou menos valias realizadas por SGPS no caso de alienação das participações sociais.

O n.º 3 do mesmo preceito, por sua vez, introduz um regime de excepção a esta regra determinando que o princípio não é aplicável relativamente às mais valias (e encargos financeiros suportados) quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais.

Deixando de parte as inúmeras dúvidas de interpretação que o artigo suscita, bem como a questão da sua compatibilidade com o texto constitucional, importa, agora, referir que – apesar de se referir às SGPS – o mesmo não tem aplicação no caso sub judice.

De facto, se atendermos a letra da lei verificamos que as menos valias não estão incluídas «disposto no número anterior não é aplicável relativamente às mais valias realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC (...)».

Apesar de esta omissão poder suscitar – também ela - problemas de constitucionalidade -, a verdade é que sempre que seja adquirida uma participação a entidade relacionada e estejamos na presença de uma menos valia – teremos de recorrer ao regime geral previsto no artigo 23.º do CIRC.

Repare-se, aliás, que a não ser assim no limite teríamos dois normativos aplicáveis à mesma situação, isto é, para as menos-valias resultantes de participações adquiridas ao grupo há menos de 3 anos (veja-se a este propósito o parecer do professor Casalta Nabais, nota de rodapé 8, referido infra)

Ora, face à redacção da alínea a) do n.º 5 do artigo 23.º (na numeração à data dos factos) do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (Código do IRC), na declaração de rendimentos da Requerente, referente ao exercício de 2003, a Requerente não considerou a menos valia como fiscalmente relevante (cf. Doc. n.º 3),

tendo, em consequência, sido inscrita como uma menos valia contabilística, e acrescida ao lucro tributável do exercício de 2003, não se deduzindo fiscalmente qualquer menos valia, nem mesmo 50% desta nos termos do nº 3 do artigo 42º do Código do IRC (actual nº 3 do artigo 45º), na redacção introduzida igualmente em 2003, que a ser aplicável, o que se contesta nos termos adiante, sempre conduziria à dedução de € 366.768,50.

É certo que o n.º 3 do artigo 45.º do Código do IRC, determina que a diferença negativa entre as mais valias realizadas mediante a transmissão onerosa de partes de capital (incluindo a sua remição e amortização com redução de capital, bem como outras perdas ou variações patrimoniais negativas relativas a partes de capital ou outras componentes do capital próprio, designadamente prestações suplementares), concorrem para a formação do lucro tributável em apenas metade do seu valor.

No entanto, este preceito revela-se – também ele – inconstitucional por consubstanciar uma violação dos princípios da irretroactividade da lei fiscal e de segurança jurídica.

Razão pela qual, a Requerente invoca a dedutibilidade da menos-valia realizada na sua totalidade, isto é, a 100%.

A Requerente, não desconhece a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, constante do Acórdão, de 20/05/2009, mas, salvo o devido respeito, não a acompanha.

Não tanto pela solução do caso em apreço mas solução legal consagrada na lei, a qual, não pode deixar de padecer de inconstitucionalidade.

Neste aresto estava em causa o apuramento de uma menos valia em relação a uma participação financeira adquirida antes da entrada em vigor da norma – 1 de Janeiro de 2003 – aceite pela Administração Fiscal em apenas 50% do seu valor.

O contribuinte contestou esta norma e consequente liquidação de imposto daí resultante com fundamento nos princípios da irretroactividade da lei fiscal, pelo princípio da segurança jurídica e pelo princípio da tributação pelo lucro real.

Ora, a Requerente defende a ilegalidade do próprio clausulado sustentando que a diferença entre as mais e menos valias deve concorrer para a formação do lucro tributável pela totalidade do seu valor (e não pela metade).

A questão que se coloca é se a norma em si mesmo não encerra um tratamento discriminatório em relação a outros contribuintes, em situação semelhante.

Ora, pensando um pouco, percebemos que um contribuinte numa situação como esta (obrigado a relevar o saldo das mais e menos valias em apenas metade do seu valor) está numa situação desfavorável relativamente a outros contribuintes que de forma fortuita ou “programada” conseguem obter um saldo nulo entre as mais e menos valias.

Ora, estes contribuintes só estariam numa situação semelhante se as mais valias fossem tributadas independentemente das menos valias, caso em que as mais valias seriam tributadas em 100% (salvo opção pelo reinvestimento do valor de realização) e as menos valias deduzidas em apenas 50%.

Esta norma consubstancia, ainda, uma violação do princípio da solidariedade dos exercícios, e de certa forma, da tributação pelo lucro real, na medida em que se o contribuinte obtiver - no exercício seguinte – um saldo liquido positivo - de igual montante – será tributado pela totalidade, isto é, 100%. Não podendo, assim, compensar na íntegra as mais com as menos valias.

Pelo que há discriminação face a um contribuinte que apure um saldo nulo de mais e menos valias no mesmo exercício económico (como é o caso), e, em consequência, violado o princípio da igualdade.

Além do tratamento discriminatório da própria norma, a aplicação ao caso concreto do disposto no n.º 3 do artigo 42.º (actualmente artigo 45.º), sempre configuraria uma aplicação retroactiva de lei fiscal contrariamente ao defendido pelo Supremo Tribunal.

Repare-se que neste caso, a participação foi adquirida antes da entrada em vigor do novo regime jurídico - em 2001- (embora tivesse procedido à sua venda em 2003), pelo que a aplicação deste regime às menos valias obtidas na aquisição e alienação dessas participações consubstancia uma aplicação retroactiva da norma e uma violação do princípio da segurança jurídica.

Princípio que, como sabemos, impede situações de retroactividade imprópria ou inautêntica.

Ora, quando a Requerente adquiriu a participação em causa, ponderou a existência de um determinado quadro legislativo em que as mais valias eram tributadas e as menos valias eram custo fiscalmente dedutível.

Não podendo prever que o mesmo seria repentinamente alterado passando a aceitar-se, como custo fiscal, apenas metade das menos valias geradas.

Aliás, como não podia prever que o regime constante do artigo 23.º do CIRC, iria sofrer profundas alterações, razão pela qual se invocará adiante, aliás, igualmente, a inconstitucionalidade desta norma.

Ora, se o n.º 3 do artigo 42.º do CIRC, é inconstitucional, não pode ser aplicado ao caso concreto, razão pela qual, a Requerente defende a aplicabilidade do regime geral previsto o artigo 23.º do mesmo código.

É este acto de liquidação que a Requerente impugna dado assentar em pressupostos inválidos, pois a menos valia em causa deverá ser considerada como fiscalmente relevante.

Paralelamente, é de referir que a menos valia realizada pela A…, SGPS, SA na alienação das partes de capital detidas na B…, S.A. não foi tida em conta no apuramento do lucro tributável agregado em sede do Grupo.

De facto, analisando a declaração de IRC da sociedade dominante – D…, S.A. – é apresentado um lucro tributável de € 65.681.169,07 (cf. Mapa de apuramento da matéria colectável agregada em 2003 da D…, S.A. e respectiva Declaração Modelo 22 agregada junto como Doc. n.º 8), que uma vez corrigida a declaração individual da A…, SGPS, SA dará origem a igual correcção na D…, S.A..

Uma simples verificação da documentação permite inferir que a A…, SGPS, SA apresenta um prejuízo fiscal de € 1.055.242,06, o qual coincide com o declarado na declaração individual da A…, SGPS, SA (cf. modelo 22 da A…, SGPS, SA e Doc. n.º 8).

A operação de alienação destas participações sociais resultou de uma opção operacional totalmente justificada do ponto de vista de mercado, infelizmente confirmada nos dias actuais dada as sucessivas paralisações que a sociedade sofreu e que levaram inclusive a um processo de insolvência, ainda não definitivamente resolvido (conforme notícias que enviei).

De facto, integrando-se as sociedades em causa no âmbito de um grupo de amplas preocupações … (…, … e …) era de primordial importância a alienação das participações numa empresa que no passado, produziu produtos com inclusão de …, que, como se sabe, tem efeitos … nefastos.

Assim, tendo em consideração os diversos processos de certificação … em curso bem como as preocupações ao nível da imagem do Grupo Empresarial era fundamental a alienação destas participações sociais, de forma a afastar todas as contingências … daí decorrentes.

Só assim a Requerente se liberta de eventuais responsabilidades contingentes que poderiam gerar desembolsos avultados no futuro, sendo certo que já na época não se antevia um futuro risonho para a empresa, como se veio a verificar e que a menos valia prenunciava.

Neste âmbito, e como é facilmente demonstrável, a participação social em causa sofreu desvalorizações constantes, dificilmente controláveis face à posição minoritária na empresa que implicava o não controlo das suas actividades;

Não tendo havido, em consequência, qualquer motivo de natureza fiscal na decisão de alienação ou qualquer concertação entre entidades com vista a fixar um preço para a transacção que, afastando-se do valor real das partes de capital transaccionadas, criasse perdas artificiais.

Juntou à petição diversos documentos e, designadamente, um parecer jurídico do Professor Casalta Nabais e ulteriormente um artigo jurídico do Professor Gomes Canotilho, publicado na RLJ n.º 3971, p. 70 e ss..

Cumpridos os necessários e legais trâmites processuais, designadamente os previstos no DL 10/2011 e Portaria 112-A/2011, foi constituído, em 13 de Abril de 2012, este Tribunal (Cf. acta respectiva).

A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), na reunião de constituição do Tribunal, requereu um prazo de 15 dias para que fosse junto a este processo arbitral, o Processo Administrativo (PA) que tinha sido anexo ao processo judicial pendente no Tribunal Tributário (Proc …), requerimento que, ouvido o requerente, foi deferido.

Esgotado esse prazo sem junção do Processo Administrativo, veio o Tribunal a notificar a AT de que o ónus da remessa do PA lhe competia sem prejuízo de, na falta de junção, ser feito o pedido pelo Tribunal.

Em 23 de abril de 2012 a requerente juntou cópia do requerimento apresentado ao Tribunal Tributário de … pedindo a extinção daquela instância nos termos e para os efeitos do artigo 30º-1, do RJAT (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária) aprovado pelo DL nº 10/2011, de 20 de Janeiro.

Este Tribunal Arbitral, em despacho proferido em 8 de Maio de 2012, determinou que fosse solicitado o PA ao Tribunal Tributário de ….

Em 21 de Maio de 2012 foi determinada a notificação da AT para que promovesse as diligências necessárias com vista à junção do PA no prazo máximo de 15 dias, sob pena de prosseguimento do processo, dando simultaneamente sem efeito a reunião do Tribunal designada para 25-5-2012.

Em 29 de Maio de 2012, a AT apresentou cópia do requerimento dirigido, em 24 de Maio de 2012, ao Tribunal Tributário de … a solicitar a remessa do PA ao CAAD.

Em 12-6-2012 foi designado o dia 26-6-2012 para a reunião prevista no artigo 18º, do RJAT.

Na citada reunião de 26-6-2012, não estando ainda junto o PA, foi requerida pela AT a concessão de prazo não inferior a 15 dias, para apresentação da resposta, requerimento que, considerando a não oposição da requerente, veio a ser deferido nos seguintes termos: “(…) defere-se a requerida prorrogação (…) sendo certo que essa faculdade será exercida, independentemente de junção ou não aos autos do processo administrativo. Mais determina o Tribunal que, com carácter de urgência, se solicite ao Tribunal Tributário de … (…) o processo n.º … (…)”.

Decorrente dum entendimento entretanto firmado na Jurisprudência Arbitral de que os prazos e diligências se suspenderiam nas férias judiciais de Verão, veio a ser designado para a reunião do Tribunal prevista no artigo 18º, do RJAT, o dia 7 de setembro de 2012.

Em 5 de Julho de 2012, a AT apresentou uma exposição declarando, em suma, que não iria ser junto o PA no prazo designado, por absoluta impossibilidade e que a resposta a apresentar teria “(…) por premissas, apenas os factos alegados pela Requerente no seu douto requerimento inicial (…) o que significa uma diminuição dos direitos de defesa (…)incompatível com os já aludidos princípios do contraditório e da igualdade das partes (…)”

O PA veio a ser junto em 27-7-2012.

Em 17-9-2012 foi realizada a reunião a que alude o artigo 18º, do RJAT, com produção de prova documental suplementar e testemunhal.

Nesta mesma reunião, confrontada a requerente com a “questão prévia” suscitada pela AT (competência do Tribunal Arbitral para apreciar a constitucionalidade suscitada pela requerente na petição), declarou esta (AT) que tal questão prévia não tem fundamento “(…) porquanto o objecto do litígio não é a apreciação da constitucionalidade abstrata de uma norma mas antes uma divergência interpretativa com fundamento em alegada inconstitucionalidade concreta dessa norma (artigo 23º-5, do CIRC) (…)”

O Tribunal Arbitral decidiu relegar para a decisão arbitral final a apreciação de tal “questão prévia” e, considerando todas as dificuldades, que transparecem do processo, na junção do PA, em conjugação com a complexidade e extensão dos articulados e a recente junção do PA, prorrogou o prazo para a decisão por mais dois meses (até 13-12-2012), nos termos do artigo 21º-2, do RJAT.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, tendo integralmente mantido o acto tributário sob impugnação (cf. comunicação da respectiva decisão, nos termos do artigo 13º-1, da RJAT), apresentou, em 12-7-2012, resposta, contrariando apenas e no essencial as questões de direito suscitadas, para concluir por um pedido de declaração de “(…)não aplicação ao concreto caso das normas cuja inconstitucionalidade é suscitada (nº 5, do artigo 23º, do CIRC e nº 3 do artigo 31º, do EBF) porquanto a situação é subsumível ao disposto no nº 2 do artigo 31º, do EBF (…)” e “(…) consequentemente, o Tribunal Arbitral é incompetente para apreciar a inconstitucionalidade das aludidas normas sob pena de proceder a uma fiscalização abstracta vedada pelo artigo 281º, da CRP a qual apenas compete ao Tribunal Constitucional (…)” e “(…) caso assim não se entenda deve ainda assim o presente pedido de pronúncia arbitral ser julgado improcedente por não provado (…)”

Saliente-se que, nos artigos 4º a 20º, da resposta, sob a epígrafe “Questão Prévia” alega a AT, no essencial e em síntese, que, decorrente da decisão do Tribunal Arbitral de que a resposta teria de ser apresentada no prazo fixado, independentemente de estar junto ou não o PA, “(…) constitui uma clara afronta ao princípio do contraditório e da igualdade das partes, elencado no disposto nas alíneas a) e b) do artigo 16º do RJAT (…) razão pela qual (…) a entidade requerida entende que na apresentação de resposta sob tais condições fere de forma evidente os princípios do contraditório e da igualdade das partes estatuídos, entre outros, nas alíneas a) e b) do artº 16º do RJAT (…)”.


 

Sobre esta designada “questão prévia”, adiante-se, desde já, que, considerando que nada foi requerido na sequência e em consequência de tudo quanto foi alegado sob os artigos 4º a 20º da resposta, o Tribunal se limita a registar o douto entendimento da AT e a reafirmar que o ónus de apresentação do PA é da própria AT, sendo que a falta de junção aos autos desse processo não é causa suspensiva ou impedimento absoluto do prosseguimento do processo arbitral (ou do processo judicial tributário), tanto mais que a autuação e organização do processo administrativo é da própria responsabilidade da Autoridade Tributária e Aduaneira. Por outro lado, o facto de estar junto o PA a um processo judicial pendente em Tribunal Tributário, não retira competência ou legitimidade ao representante da Fazenda Pública no Tribunal Tributário (entidade que se encontra na dependência hierárquica do Director-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira) de promover a desapensação do processo judicial ou a obtenção de cópia certificada.

Por outro lado ainda, se existissem factos ou quaisquer circunstâncias relevantes que transparecessem do PA e não tivessem sido ponderadas na resposta da AT, esta entidade teria sempre, no caso concreto, oportunidade de as trazer ao processo, considerando o efeito não cominatório (pleno ou semi-pleno) decorrente da própria não apresentação da resposta e dos princípios da autonomia do Tribunal e da livre apreciação da prova (Cfr., designadamente, os arts. 19º-1 e 2 e 29º-2, do RJAT), conjugados com a oportunidade que teve, no caso, a AT de, na data designada para alegações orais (28-9-2012, ou seja, mais de dois meses após apresentar a resposta), suscitar as questões de facto ou de Direito que não tivessem sido invocadas na resposta [Cfr., v.g., arts. 16º - d) e e), do RJAT].


 

Suscita a AT a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciação da constitucionalidade abstracta de normas.

E é absolutamente certo o que afirma e os fundamentos que, para essa conclusão, invoca.

Naturalmente que se o Tribunal concluir que a situação sub juditio não é subsumível às normas indicadas pela requerente como sendo alegadamente inconstitucionais, só incidentalmente se pronunciará sobre elas mas abstendo-se, naturalmente, de declarar a sua (in)constitucionalidade.

O Tribunal é assim, nesta medida, materialmente competente.

As partes são legítimas e estão devidamente representadas.

O processo é o próprio e não há nulidades e outras questões prévias a apreciar por agora.

Cumpre então apreciar e decidir do mérito da causa.


 

II FUNDAMENTAÇÃO

A – OS FACTOS PROVADOS

Remete-se, sobre esta matéria, para o teor da petição inicial para considerar provados os factos aí alegados relativamente aos quais não houve impugnação pela AT e estão, em boa parte, documentados (Cfr. PA e documentos juntos com a petição), prova que foi ainda reforçada por depoimentos testemunhais prestados em audiência – e que, no que concerne à questão essencial, são os seguintes:

  1. A Requerente é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais – doravante SGPS;

  2. Em Dezembro de 2001, a Requerente adquiriu à C…, S.A., 119.878 acções da B…, S.A., representativas de 39,95% do seu capital social, pelo preço de 1.466.452,82€.

  3. A essa data, o capital social do comprador (Requerente) e vendedor (C…, S.A.) era integralmente detido da D…, S.A..

  4. Em 2003, a Requerente alienou essas mesmas acções da B…, S.A. a … Oliveira, pelo preço total de 732.916,00 (o que originou uma menos valia fiscal de 733.537,00€).

  5. Em 27/4/2004, a Requerente procedeu à entrega da declaração de rendimentos do exercício de 2003;

  6. Em 27/8/2004, apresentou reclamação graciosa dessa autoliquidação, solicitando a consideração fiscal da menos valia com a alienação das acções da B…, S.A.;

  7. Em 15/3/2005, a Requerente, presumindo o indeferimento tácito da Reclamação graciosa, apresentou Impugnação Judicial.

 

B – FACTOS NÃO PROVADOS

Não há factos essenciais não provados e necessários para a decisão da causa.

C – O DIREITO

Os factos essenciais deste processo são, como se afirmou e ora se reafirma, incontestáveis pelas partes e explicam-se facilmente:

  1. A Requerente (uma Sociedade Gestora de Participações Sociais – doravante SGPS) adquiriu, em 2001, uma participação social na B…, S.A., cujo vendedor foi uma sociedade do mesmo grupo da Requerente (e com ela está em relações especiais);

  2. Em 2003, alienou essa participação de capital (na B…, S.A.) a um terceiro, por um preço inferior ao da respectiva aquisição, com uma menos valia fiscal de 733.537,00€.

A questão decidendi é a seguinte: aceitação fiscal (total, parcial, ou recusa de aceitação fiscal) dessa menos valia de partes de capital realizada pela Requerente em 2003.

A Requerente, na sua extensa petição inicial (e ao longo do processo), entende que essa menos valia tem de ser fiscalmente aceite, sob pena, se assim não for, de inconstitucionalidades múltiplas dos artigos 23.º, n.º 5 do CIRC, art. 31.º, n.º 2 e 3 do EBF e do art. 42.º, n.º 3 do CIRC (na redação e numeração à data dos factos – actualmente, art. 23.º, n.º 3, do CIRC, art. 32.º, n.º 2 e 3, do EBF e art. 45.º, n.º 3, do CIRC, respetivamente) – violação da capacidade contributiva, igualdade fiscal, proporcionalidade, estado de direito democrático, segurança jurídica, propriedade privada e liberdade de gestão fiscal - e violação do princípio constitucional da irretroatividade da lei fiscal (nas suas dimensões de tutela da confiança, segurança jurídica e estado de direito democrático).

A Autoridade Tributária refuta essas pretensas inconstitucionalidades.

A presente decisão, por boa organização sistemática, segue quatro pontos, a saber: a) a ordem de conhecimento das questões suscitadas; b) a análise do art. 31.º do EBF; c) não conhecimento das inconstitucionalidades invocadas do art. 23.º e 42.º do CIRC; d) alegada violação da retroatividade da lei fiscal.

Analisando, um por um, cada um desses pontos:

a) A ordem de conhecimento das questões suscitadas

A Requerente, ao longo do processo (desde a inicial Reclamação Graciosa da Autoliquidação de 2003), argui a inconstitucionalidade do art. 31.º do EBF, art, 23.º e 42.º do CIRC, de forma indistinta e cumulativa.

Dado tratar-se de normativos diversos (que regulam situações que podem não ser totalmente idênticas), importa precisar o âmbito de cada preceito, por aplicação ao caso concreto.

O CIRC, depois de regular, em geral, a noção de custo fiscal (onde constam as menos valias realizadas – art. 23.º, n.º 1, al. l), do CIRC), indica, por um lado, que as menos valias por transmissão onerosa das partes de capital só são aceites em metade do seu valor (artigo 42.º, n.º 3 do CIRC) e, precisa, por outro lado, a total desconsideração fiscal das menos valias de partes de capital num caso determinado: se as partes de capital realizadas (com menos valias) tiverem sido adquiridas a entidades em relações especiais, há menos de três anos (art. 23.º, n.º 5, do CIRC).

O EBF, por seu turno, indica no art. 31.º, n.º 2 (no que ao caso importa) que as mais e menos valias realizadas pelas SGPS, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, não concorrem para a formação do lucro tributável dessas sociedades.

O art. 31.º, n.º 3, do EBF, cria exceções ao regime do n.º 2, em relação às mais valias realizadas (e não às menos valias), entre outros casos, quando as partes de capital alienadas tenham sido adquiridas a entidades do grupo (em relações especiais) e desde que tenham sido detidas pelo alienante (SGPS) por menos de três anos.

Pois bem: ao caso concreto, aplica-se diretamente (e prima facie) o regime do art. 31.º do EBF: a Requerente é uma SGPS, que em 2003 realizou menos valias de partes de capital de que era titular. Só depois da aplicação desse preceito, e em função do respetivo resultado, é que se pode ou não convocar os outros artigos descritos (do CIRC) – o que se verá no ponto c).


 

b) A análise do art. 31.º do EBF

O art. 31.º, do EBF [em vigor desde Janeiro de 2003 e aplicável às mais e menos-valias realizadas a partir de 1 de Janeiro de 2003, ex vi art. 38°- 5, da Lei 32-B/2002 (OE para o ano de 2003)], dispõe:

(…) 2 - (…)As mais e menos valias realizadas pelas SGPS […] de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano […] não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades (…)”

3 - O disposto no número anterior não é aplicável relativamente às mais-valias (sublinhado nosso) realizadas e aos encargos financeiros suportados quando as partes de capital tenham sido adquiridas a entidades com as quais existam relações especiais, nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC, ou entidades com domicilio, sede ou direcção efectiva em território sujeito a um regime fiscal mais favorável, constante de lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, ou residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação, e tenham sido detidas, pela alienante, por período inferior a três anos (sublinhado nosso) e, bem assim, quando a alienante tenha resultado de transformação de sociedade à qual não fosse aplicável o regime previsto naquele número relativamente às mais-valias das partes de capital objecto de transmissão, desde que, neste último caso, tenham decorrido menos de três anos entre a data da transformação e a data da transmissão (…)”.

Daqui decorre que a lei fiscal prevê a relevância tributária das mais valias (e nunca das menos valias) em casos excecionais (art.31.º, n.º 3, do EBF), nomeadamente: quando a participação tenha sido adquirida a entidade em relações especiais e tenha sido detida pela SGPS por menos de 3 anos; neste caso, as mais valias de partes de capital são ainda assim tributadas.

Subsumindo:

Os factos provados e objeto deste processo subsumem-se totalmente ao disposto no citado artigo 31º, n.º 2, do EBF: as menos valias realizadas em 2003 pela Requerente (que é uma SGPS) com a alienação de partes de capital da B…, S.A., adquiridas em 2001 (detidas, portanto, por mais de um ano) não concorrem para a formação do seu lucro tributável - ou seja, não são aceites em termos fiscais.

Com efeito, a lei fiscal prevê a relevância tributária das mais valias (e nunca das menos valias) em casos excecionais (art. 31.º, n.º 3, do EBF), nomeadamente: quando a participação tenha sido adquirida a entidade em relações especiais e tenha sido detida pela SGPS por menos de 3 anos (entre 1 e 3 anos); nesse caso, as mais valias de partes de capital são ainda assim tributadas.

E perante a concludência destes preceitos, é mister concluir pela irrelevância fiscal das menos valias realizadas pela Requerente.


 

A Requerente, diante deste resultado interpretativo, vem arguir a inconsti­tu­ciona­lidade do art. 31.º n.º 2 e 3 do EBF, por violação do princípio da igualdade fiscal, da capacidade contributiva – enquanto parâmetros de tributação do lucro real (art. 13.º e 104.º da CRP); da Propriedade Privada (e liberdade de Gestão das empresas) – art. 62.º da CRP, do Estado de Direito Democrático (art. 2.º da CRP), da Proporcionalidade (art. 18.º da CRP).

Invoca principalmente e em síntese (até com a junção aos autos de douto Parecer Jurídico do Professor Casalta Nabais) que a não aceitação das menos valias viola o rendimento real (e a capacidade contributiva); tributar as mais valias (e não aceitar as menos valias) do art. 31.º, n.º 3, do EBF violaria a igualdade (discrimina negativamente os grupos relativamente aos demais contribuintes cujas menos valias são aceites em termos fiscais) e a liberdade de gestão privada das empresas (propriedade privada); criam-se presunções inilidíveis de custos não dedutíveis, inconstitucionais e desproporcionadas aos objetivos propostos por esse preceito (que poderiam ser alcançados de forma menos gravosas).

Comecemos pela conclusão: a nosso ver, o art. 31.º, n.º 2 e 3 do EBF (atual art. 32.º, n.º 2 e 3, do EBF) não sofre das inconstitucionalidades apontadas pela Requerente ou de quaisquer outras.

Diga-se, desde logo, que tais análises de inconstitucionalidade têm de ser parametrizadas (e balanceadas) com a investigação jurídica do conteúdo e razão de ser dos preceitos em causa. A análise dos preceitos jurídicos aplicáveis, no seu recorte, conteúdo e razão de ser iluminam e explicam a constitucionalidade ou inconstitucionalidade dos mesmos, face aos princípios orientadores de todo o sistema legal. Assim, se da explicação de um preceito se conclui pelo seu sentido de justiça, proporcionalidade, sentido de igualdade e adequação a dignos vetores constitucionais pré-definidos, é mister concluir pela constitucionalidade das suas disposições.

O legislador tributário decidiu legitimamente criar um regime tributário especial para as SGPS – mais favorável, em geral, do que o das normais sociedades (não SGPS) e adequado à sua natureza e características.

As SGPS são sociedades que visam a detenção e gestão de participações estáveis (por mais de 1 ano) e significativas (por regra mais de 10% do capital e direitos de voto) noutras entidades, como forma indireta de exercício de atividades económicas (art. 1.º, n.º 1 a 3, do Dec. Lei n.º 595/88, de 30/12).

A lei fiscal, no desejo de que os grupos económicos sejam encabeçados por sociedades holding com a forma e natureza de SGPS1 – concedeu-lhe variados benefícios fiscais específicos, quer, por exemplo, ao nível do imposto de selo (cfr. art. 7.º, n.º 1, do Código de Imposto de Selo), quer em sede de imposto sobre o rendimento [não tributação dos rendimentos mais típicos das SGPS; as mais e menos valias (saldo) com a venda das suas participações mais típicas (detidas duradouramente por mais de 12 meses); e os dividendos (à data dos factos, com uma regra específica, no n.º 1 do art. 31.º do EBF – pelo qual se excluía de imposto todos os dividendos auferidos por uma SGPS) - Cfr. Relatório de Reavaliação dos Benefícios FiscaisCadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 198, pp. 340 ss. e JOSÉ ENGRÁCIA ANTUNES, Os Grupos de Sociedades, 2ª ed., Almedina, Coimbra, pp. 88 ss.].

O art. 31.º do EBF criou, por assim dizer, um regime-regra de não tributação dos rendimentos típicos e específicos das SGPS; quis, concreta e designadamente, uma suspensão de imposto neste patamar intermédio: tributa os rendimentos quando obtidos pelas sociedades operacionais (patamar inferior) e quando sejam percebidos pelos accionistas pessoas singulares (patamar superior). Mas exclui do imposto se e quando estejam neste patamar intermédio, porque os fluxos financeiros terão de ser reinvestidos nas atividades empresariais operacionais.

A lei (art. 31.º do EBF), perante esta ratio, dizia claramente que os rendimentos típicos das SGPS não são tributados: a venda da raiz dos bens (mais e menos valias com a venda das partes de capital) e os rendimentos periódicos dessas partes de capital (dividendos).

Note-se que o intérprete tem de aceitar e acatar esse regime legal na sua literalidade, até porque a matéria dos benefícios fiscais está coberta pelo princípio da legalidade tributária vertido na Constituição (art. 103.º, n.º 2, da CRP).

O art. 31.º, n.º 2, da EBF, não é, por isso, inconstitucional.

Com efeito, não desconsidera propriamente as menos valias em termos fiscais; diz apenas – num benefício fiscal de carinho a este tipo de contribuintes – que o saldo das mais e menos valias (se detidas por 12 meses) não é tributado. O que se pretende é isentar as mais valias de imposto. E o saldo positivo que nas entidades com escopo lucrativo corresponderá à situação mais frequente. Mas como usual regra de reciprocidade – retira também efeito tributário às menos valias realizadas.

Nada impedia, em abstrato, que a lei isentasse as mais valias (se as partes de capital fossem detidas por 12 meses) e aceitasse fiscalmente as menos valias (se as partes de capital fossem detidas por mais de 12 meses). Mas por não o ter feito – tal não significa que esse preceito padeça de qualquer inconstitucionalidade.

O legislador criou um benefício fiscal – um bom benefício fiscal – ao isentar de imposto as mais valias das SGPS. Mas não quis legitima e compreensivelmente estendê-lo à aceitação fiscal das menos valias – e o intérprete tem de respeitar essa vontade legal.

Com efeito, não o quis, por três motivos: por uma razão de reciprocidade (se as mais valias não concorrem para o lucro fiscal, as menos valias terão igual resultado); por razões técnicas (a lei fiscal tributa sempre o saldo [a diferença] entre as mais e menos valias – cfr. art. 46.º do CIRC e art. 43.º do CIRS); por razões operacionais (aceitar fiscalmente as menos valias, e isentar as mais valias – equivaleria a reconhecer e aceitar uma situação muito provável de constante prejuízos fiscais (pois as mais valias e dividendos estão isentos de imposto) ou permitir que as menos valias fossem deduzidos aos proveitos tributados das SGPS (menos usuais) – juros, prestações de serviço, mais valias tributadas [por participações detidas por menos de 12 meses]…), num benefício fiscal de larguíssimo espectro que o legislador não quis manifesta e legitimamente estipular.

Não há por isso, qualquer violação do rendimento real (igualdade e/ou capacidade contributiva): o legislador criou um benefício fiscal com o espectro que entendeu; a Constituição não impõe uma relação de causalidade necessária com a aceitação fiscal de todos os custos. Pode haver custos económicos sem reconhecimento fiscal – e com isso não se viola a Constituição (aliás, a tributação das empresas incidirá “fundamentalmente” – e não totalmente - sobre o lucro real – Cfr artigo 104º-2, da Constituição). Nestes casos, é mister que exista um fundamento adequado, necessário e proporcionado para justificar essa “distorção”. Que existe manifestamente no caso dos autos, com as três razões apontadas. A recusa fiscal das menos valias de partes de capital realizadas pelas SGPS é uma condição adequada, lógica e proporcionada face à criação de uma isenção para as mais valias realizadas pelas SGPS com a alienação com ganho de partes de capital de que sejam titulares (por mais de 12 meses). É que, não se olvide, as SGPS, em função do seu escopo lucrativo, terão estatística e provavelmente mais valias muito superiores às menos valias – num benefício fiscal de elevado recorte e transcendência para este tipo de sociedades.

Do mesmo modo, não vinga a acusação de que o art. 31.º, n.º 2, do EBF discriminaria negativamente os grupos de sociedades – e afetaria a sua liberdade de gestão e o direito de propriedade privada. Para nós é justamente o oposto: o regime fiscal das SGPS cria um regime de carinho e proteção fiscal aos grupos de sociedades. As mais valias realizadas pelas SGPS (por venda de sociedades do grupo) estão isentas de imposto – algo que não se verifica na ausência de um grupo de sociedades (e inexistência de uma SGPS). A questão, sob o ângulo constitucional, poderia colocar-se antes ao contrário: a discriminação fiscal positiva das SGPS (por isenção de imposto nas mais valias realizadas com a alienação das partes de capital) por comparação com o regime das demais empresas tem aderência constitucional? Mas isso, na verdade, não é o tema de decisão deste pro­cesso – mas, ao colocarmos assim a questão, fica patente que este preceito não viola a Constituição (a liberdade de gestão fiscal; a proporcionalidade e a propriedade privada e o Estado de Direito Democrático).

A requerente argumenta ainda que o art. 31.º, n.º 3 do EBF seria também in­cons­titucional – na interpretação de que não aceita as menos valias rea­li­za­das dos autos – nos segmentos já indicados para o n.º 2 do art. 31.º do EBF: vio­lação da igualdade, capacidade contributiva, lucro real, proporciona­li­da­de, liberdade de gestão, propriedade privada, estado de direito demo­crá­tico…

Não sufragamos, mais uma vez, a tese da Requerente: o art. 31.º, n.º 3, do EBF respeita a Constituição da República Portuguesa.

Partamos da ratio deste preceito: o art. 31.º, n.º 3, do EBF é claramente uma norma específica anti-abuso, legítima, adequada e proporcionada, para evitar o acesso abusivo a este benefício fiscal – isenção (exclusão) fiscal das mais valias de partes de capital detidas pelas SGPS.

Interpretemos este preceito em função dos dados dos autos: a isenção da SGPS pelas mais valias realizadas com a venda de partes de capital por si detidas por mais de 12 meses (a regra do n.º 2 do art. 31.º do EBF) não se aplica quando a SGPS que realiza as mais valias tenha adquirido essa participação a uma entidade do grupo (com quem está em relações especiais). O que se quer evitar com este preceito é o planeamento fiscal tido por abusivo, que consistiria em fazer uma transação dentro do grupo – a favor de uma SGPS, como passo preparatório e intencional de posterior exclusão fiscal das mais valias, com a venda com ganho da participação, passados 12 meses, agora na órbita da SGPS.

Este planeamento fiscal poderia ser facilmente concebido pelas contri­buintes dentro do mesmo grupo (alocar intencionalmente o proveito à entidade do grupo que beneficia de uma isenção). A lei quer legitimamente reprimi-lo. E fá-lo de uma forma adequada. Não retira para todo o sempre a isenção às ulteriores mais valias. Contém uma estatuição proporcionada. Apenas acrescenta um prazo temporal (3 anos em lugar de 12 meses) como demonstração conclusiva da depuração da intenção do vendedor. Se uma SGPS vende uma participação com mais valias passados 3 anos de a haver adquirido a uma entidade do grupo, a mais valia está isenta, pois a lei assume que aquela primeira transação (dentro do grupo) não tem qualquer relação causal com a ulterior venda com mais valias – e por isso confere-lhe a isenção de tributação.

Ora, nesta perspetiva, não faz qualquer sentido imputar qualquer inconstitucionalidade ao art. 31.º, n.º 3, do EBF (o seu teor é adequado, necessário e proporcionado ao combate e repressão de um planeamento fiscal tido como abusivo). Como também não faz qualquer sentido imputar qualquer inconstitucionalidade a esse preceito, por não o estender às menos valias realizadas – e apenas versar as mais valias realizadas. Não há aqui razões anti abuso que legitimem a extensão desse preceito às menos valias. Não há razões ponderosas e legitimas que intimem o art. 31.º n.º 3, do EBF a estender a tributação às menos valias realizadas.

O que se referiu sobre a constitucionalidade do art. 31.º, n.º 2, do EBF é assim igualmente aplicável à constitucionalidade do art. 31.º, n.º 3, do EBF.

Por outro lado, esta cláusula anti-abuso específica tem de reprimir adequadamente o abuso. Não se lhe exige uma reciprocidade matemática (no sentido de que se as mais valias são tributadas, então as menos valias também têm de ser aceites fiscalmente). O abuso encontra-se na gestão das mais valias dentro do grupo – e é isso que tem de ser reprimido (e não também a aceitação fiscal das menos valias); até porque se a lei tributasse também as menos valias de participações adquiridas dentro do grupo (entre 1 e 3 anos), o planeamento fiscal abusivo ficaria escancarado: uma SGPS que tivesse menos valias latentes (de participações adquiridas dentro do grupo) promoveria (forçaria) a venda com perda dentro dos 3 anos – apenas com o único fito de ver reconhecido o efeito fiscal desse negócio. Esta solução, além de ilógica, levaria a aceitar que o contribuinte pudesse fazer uma abusiva gestão fiscal das menos valias. Em lugar de reprimir o abuso – estar-se-ia a promovê-lo.

O art. 31.º, n.º 3, do EBF não viola a igualdade: não discrimina negativamente os grupos de sociedades – mas contém, ao invés, um regime fiscal que os acarinha e os discrimina positivamente. Nesse medida não se viola, mas antes se consagra, o princípio constitucional da propriedade privada, da liberdade de gestão fiscal das empresa e do Estado de Direito Democrático. É ainda proporcionado, pois não se impede, para sempre, a isenção das mais valias – mas aumenta o prazo de detenção das partes de capital como proporcionada e adequada à depuração da intenção do contribuinte. E dentro desse prazo alargado (3 anos) já se assegura a isenção das mais valias (e exclusão fiscal das menos valias).

Refira-se, por fim, que o art. 31.º do EBF não cria propriamente uma presunção absoluta de custos não dedutíveis (nem os mesmos objetivos poderiam ser alcançados de forma menos agressiva para os contribuintes). Este regime fiscal o que cria é um regime de exclusão de imposto das mais e menos valias realizadas pelas SGPS – como benefício fiscal de grande calibre e justificado por razões extra-fiscais de promoção dos grupos de sociedades nacionais. Cria, prima facie, uma isenção de tributação das mais valias (se as participações forem detidas pelas SGPS por mais de 12 meses e 3 anos em casos excecionais e justificados). E, num regime fiscal, à exclusão fiscal dos ganhos também pode ser associada a irrelevância fiscal dos custos; bem como a repressão casuística de mais valias obtidas em aproveitamento abusivo (sem se ter de reconhecer reciprocidade imediata às menos valias – até porque se assim se fizesse, estar-se-ia a abrir a porta da evasão fiscal, como acima ficou dito).

Em suma: as menos valias realizadas pela requerente com a alienação das acções da B…, S.A. não são dedutíveis ao rendimento tributável da requerente, nos termos do art. 31.º, n.º 2 e 3 (a contrario) do EBF – preceitos que não padecem de quaisquer das inconstitucionalidade apontadas pela requerente ou de quaisquer outras.

c) Não conhecimento das inconstitucionalidades invocadas do art. 23.º e 42.º do CIRC (porque tais preceitos não são aplicáveis ao caso)

O presente caso tem origem numa reclamação da autoliquidação – sem que, portanto, a Administração fiscal tenha emitido uma pronúncia expressa ou fundamentação clara sobre os factos e o direito aplicável ao caso sub judice. A Requerente, na suposição de que ao caso se aplicaria o art. 23.º, n.º 5 e art. 42.º, n.º 3, do CIRC, esgrime extensamente sobre pretensas inconstitucionalidades desses preceitos, juntando aos autos Parecer sobre o tema do Professor Casalta Nabais e artigo jurídico do Professor Gomes Canotilho.

A Autoridade Tributária, de forma incisiva nas suas alegações, adverte que estes preceitos não se aplicariam ao caso sub judice, cuja resolução completa se ancora, exclusivamente, no art. 31.º do EBF.

A nosso ver, a razão está do lado da Autoridade Tributária: por um argumento literal; outro lógico-sistemático e uma motivação teleológica.

A letra da lei (do art. 31.º do EBF) regula claramente o regime das mais e menos valias realizadas pelas SGPS com partes de capital. Subsumindo-se o caso no art. 31.º do EBF (mais e menos valias detidas por mais de 12 meses e nalguns casos mais valias detidas por mais de 36 meses) – como sucede aliás, no caso em análise – o regime legal está exclusiva e totalmente previsto no EBF, sem necessidade de se convocar os preceitos do CIRC.

Se, ao invés, as mais e menos valias das SGPS fossem tributadas (porque as partes de capital donde brotam as mais e menos valias são detidas por menos de 12 meses – ou nalguns casos se as mais valias das partes de capital forem detidas por menos de 3 anos) – então nesses casos as mais e menos valias são tributadas, e sê-lo-ão segundo o regime previsto no CIRC.

Mas – e é isto que importa no caso dos autos – a solução legal para os dados do caso (menos valias realizadas por SGPS por participação detida por mais de 1 ano) encontra-se total e definitivamente regulada no EBF, sem necessidade de se convocar os preceitos do CIRC (neste sentido confrontar também Parecer do Professor Casalta Nabais, p. 54 e 55).

Passemos ao argumento lógico-sistemático: o legislador, com o art. 31.º do EBF, quis estabelecer um regime fiscal privativo das SGPS, pelo menos de alguns dos seus rendimentos, em determinadas condições – nas situações mais usuais. E naquilo que dispôs (condições de exclusão de tributação das mais e menos valias) fê-lo de forma completa e global, sem necessidade de convocar os preceitos gerais sobre o assunto. Esta lei especial prevalece sobre as leis gerais do CIRC.

E, por fim, o argumento teleológico: o legislador criou um regime fiscal privativo para as SGPS, para as promover e adequar a tributação à sua natureza e características (como se viu anteriormente). Ora, se assim é, não faz sentido convocar os preceitos gerais, nas parcelas reguladas exaustiva e especialmente pelo EBF, em homenagem às específicas características destas entidades.

Se as menos valias dos autos não são aceites nos termos do art. 31.º, n.º 2, do EBF, não é necessário sindicar a sua viabilidade e hipotética aceitação nos termos do art. 23.º do CIRC (e art. 42.º do CIRC), que nunca se aplicam ao caso dos autos.

Os argumentos apontados pela Requerente não convencem: não há qualquer problema em haver um regime fiscal diverso para as mais valias entre 1 e 3 anos (geradas em aquisições em relações especiais) e para as menos valias em idênticas circunstâncias temporais. Aquelas são tributadas e estas excluídas de imposto, como funcionamento necessário de uma regra anti-abuso específica, necessária adequada e proporcional. Donde essas menos valias (como sucede no caso dos autos) são reguladas pelo art. 31.º, n.º 2, do EBF e não pelo art. 31.º, n,º 3 do EBF – nem pelo art. 23.º do CIRC e art. 42.º do CIRC.

As mais valias são tributadas como forma de evitar o planeamento fiscal tido por abusivo: mas as menos valias simétricas não concorrem para a formação do lucro tributário, segundo a regra geral do n.º 2 do art. 31.º do EBF.


 

d) Alegada violação da retroatividade da lei fiscal

A Requerente alega, por fim, que o art. 31.º do EBF (o preceito aplicável ao caso dos autos) seria inconstitucional porque violaria o princípio da não retroatividade da lei fiscal e o princípio da tutela da confiança e segurança jurídica (ínsitos no Estado de Direito Democrático), pois tendo esse preceito entrado em vigor a Janeiro de 2003 (pela Lei n.º 32.ºB/2002, de 30/12 – Orçamento de Estado para 2003) aplica-se às menos valias de participações sociais dos autos (realizada e ocorrida em 17 de Junho de 2003), cujas partes de capital haviam sido adquiridas em 2001, em momento anterior à entrada em vigor dessa lei nova.

Os factos relevantes nesta sede são os seguintes: em 2001, a Requerente (como SGPS) adquiriu as partes de capital da B…, S.A.; em Janeiro de 2003 (com o OE para 2003, publicado em DR de 30/12/2002), as menos valias das SGPS deixam de concorrer para a matéria coletável, se detidas por mais de 12 meses; em 17 de Junho de 2003, a requerente realiza as menos valias com a venda das partes sociais da B…, S.A..

Na solução a seguir apresentada, mais do que entrar nas querelas linguísticas e legitimadoras dos níveis e padrões de retroatividade, importa precisar exatamente a situação dos autos e analisá-la em concreto, perante o acervo jurídico do tema da retroatividade da lei fiscal.

Importa dizer, desde logo, que não estamos em presença de uma retroatividade de primeiro grau ou autêntica (objetivamente proibida pela Constituição – art. 103.º, n.º 3, da CRP [por todos Acórdão do Tribunal Constitucional 128/2009 – in www.tribunalconstitucional.pt) – que ocorreria se, por exemplo, a venda das acções da B…, S.A. tivesse ocorrido em 2002 e a Lei n.º 32.ºB/2002, de 30/12 (que entrou em vigor em Janeiro de 2003) dissesse (que não diz) que o art. 31.º do EBF, na desconsideração das menos valias, se aplicaria a partir de 1/1/2002.

Do mesmo modo, também não existe no caso presente um outro tipo de retroatividade (de segundo grau, digamos assim) – com acesa disputa jurisprudencial e doutrinal quanto à sua legitimidade constitucional – que ocorreria se, por exemplo, a venda das acções B…, S.A. tivesse ocorrido em Junho de 2003 e a Lei que passa a desconsiderar as menos valias entrassem em vigor a Outubro de 2003 (dentro do mesmo ano civil), e dissesse que se aplica às menos valias realizadas desde Janeiro de 2003 (na suposição de que o facto tributário se consolida apenas no final do ano).

No caso dos autos, existe, por assim dizer, uma questão de terceira linha: a lei nova (que passa a desconsiderar as menos valias) está clara e totalmente em vigor no momento da realização das menos valias (com a venda das acções da B…, S.A.), mas não estava em vigor na data de aquisição dessas partes de capital.

Pergunta-se: a lei nova (art. 31.º do EBF, na redação dada pela Lei n.º 32.ºB/2002, de 30/12) – que não contém qualquer disposição transitória específica para o caso em análise – pode aplicar-se a essas menos valias?

O itinerário legal desta questão é-nos dado por um princípio geral e suas exceções.

O princípio é este: as normas tributárias (como quaisquer outras) aplicam-se aos factos posteriores à sua entrada em vigor (art. 12.º, n.º 1, da LGT). E nesse sentido, não existe qualquer retroatividade no caso sub judice: as menos valias foram realizadas num momento temporal em que o art. 31.º do EBF estava totalmente em vigor.

No caso dos autos não existe, por outro lado um facto tributário de formação sucessiva desde a data de aquisição das partes de capital (2001) até à data da sua alienação (2003): o IRC dura, quanto muito, pelo ano civil – desde 1 de Janeiro de 2003 até 31 de Dezembro de 2003 (cfr. art. 8.º do CIRC).

Mas estes princípios comportam exceções – e aderimos neste ponto às considerações jurídicas abstratas formuladas pela Requerente (mas não à solução por ela proposta para o caso concreto): a lei nova (art. 31.º do EBF) não se aplicaria ao caso dos autos se a lei antiga (tributação das menos valias) tivesse crido uma confiança tal no contribuinte (relativamente ao regime fiscal em caso de realização) que lhe conferiu um direito ou expetativa juridicamente tutelada, a ponto de as alterações legais supervenientes do regime da alienação dos ativos não lhe poderem ser aplicáveis, sob pena de ilegal e inconstitucional frustração dessa confiança (ínsita no Estado de Direito Democrático).

Mas a Requerente não provou essa expetativa ou direito digno de tutela. Alegou transtornos e incómodos pela superveniente não aceitação da menos valia. E isso é óbvio (ninguém gosta de pagar impostos), e talvez sobretudo quando se alteram as regras durante o período de detenção do ativo. Mas nada provou em termos concretos e precisos: que só fez aquele investimento (na B…, S.A.), exclusiva ou principalmente em face do regime fiscal das menos valias que existia na data da aquisição dessas partes de capital; que sem esse regime tributário (tributação das menos valias) não teria feito o investimento, ou tê-lo-ia feito por um preço substancialmente inferior...

De resto, nem o podia fazer, pois objetivamente isso não se verifica, de uma forma com cobertura e tutela jurídica: nunca se pode dizer que para uma SGPS, num investimento feito em 2001 (compra das acções B…, S.A.), foi condição (essencial ou principal) de entrada que as menos valias resultantes da venda fossem reconhecidas fiscalmente.

Uma SGPS, como qualquer sociedade comercial, adquire ativos dentro do seu escopo social com o intuito da sua frutificação e valorização. Deseja obter proveitos com tais bens, seja pelos rendimentos periódicos que proporciona, seja pela alienação da raiz. Claro que pode haver desvalorizações e perdas. Isso faz parte do risco assumidos nos negócios – previsíveis e tidos em conta, inclusive, no momento de tomada do ativo. Tudo isto é verdade; agora, o que não se pode dizer é que a SGPS requerente, tomou esse ativo (em 2001) em função ou tendo em conta – exclusiva, principal ou determinantemente – o regime fiscal das menos valias.

Se estivéssemos a falar da ulterior tributação de mais valias que à data da aquisição do ativo não eram tributadas – nestes cenário (que não é o dos autos) ainda se poderia conceber que o contribuinte pudesse provar que uma das condições da tomada do investimento fosse a exclusão das ulteriores mais valias (a ponto de lhe gerar um direito adquirido ou expetativa juridicamente tutelada) – pois só se adquiriu em função da “fotografia fiscal” da alienação. Mas tal argumentação pode ser transponível para as menos valias.

Note-se, por outro lado, que o novo regime fiscal das SGPS, visto na sua globalidade, é altamente favorável para o contribuinte. As mais valias realizadas pelas SGPS ficaram excluídas de tributação – ainda que as participações houvessem sido adquiridas em 2001. E não nos parece curial cindir o novo regime unitário da tributação das SGPS – o que beneficia o contribuinte (mais valias) é imediatamente aplicável e o que o pode prejudicar (menos valias) só seria aplicável para os ativos adquiridos após 2003. Num regime fiscal unitário, que globalmente favoreceu e muito as SGPS (as mais valias passaram a estar excluídas de imposto se as partes de capital forem detidas por mais de 12 meses, mesmo que tal prazo se consume antes de 2003 – e que se aplica, todo ele, aos ativos adquiridos desde 2001 (como foi assumido aliás pela Requerente, que nunca colocou em causa esta ideia), não faz sentido, perante este acervo beneficiador – dizer que o contribuinte tem uma expetativa juridicamente tutelada relativamente ao novo regime das menos valias; que representa um dano menor face a um regime legal altamente benéfico para as SGPS. O legislador, ao criar um benefício fiscal para as SGPS – um bom benefício fiscal – por exclusão de imposto sobre as mais valias, não tem porque estende-lo à aceitação das menos valias. O mais normal, como se viu supra, é justamente não o estender, pelas razões apontadas acima (reciprocidade e outras). E não pode o contribuinte dizer por isso que tem uma expetativa juridicamente tutelada sobre o que o prejudica – com a aplicação da lei nova, em tudo aquilo que o possa beneficiar.

Assim sendo, o art. 31.º do EBF não é inconstitucional, por violação do princípio da não retroatividade da lei fiscal, da tutela da confiança (ínsita no Estado de Direito Democrático) ou de qualquer outro princípio ou valor constitucional. A lei antiga não criou à requerente (que não tem e não o provou) um direito ou expetativa juridicamente tutelada, a ponto de as alterações legais supervenientes do regime da alienação dos ativos não lhe poderem ser aplicáveis.


 

III DECISÃO

Na sequência e em consequência do exposto, deliberam, por unanimidade, os juízes-árbitros que constituem este Tribunal:

  1. Julgar totalmente improcedente os pedidos (principal e subsidiário) e dele absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira.

  2. E, em consequência, não conhecer dos demais pedidos formulados, nomeadamente no que concerne aos pedidos de juros indemnizatórios.

  3. Fixa-se à causa o valor de € 240.350,73 – arts. 97º-A, do CPPT, 12º, do RJAT (DL 10/2011) e 3º-2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).

  4. Custas nos termos da Tabela I, do RCPTA, calculadas em função do sobredito valor do pedido, a cargo da REQUERENTE – arts. 4º-1, do RCPTA e 6º-2/a) e 22º-4, do RJAT.

  5. Notifique-se esta decisão arbitral às partes e, oportunamente, arquive-se o processo.

Lisboa e CAAD, 20 de Novembro de 2012

Os juízes-árbitros


 

(José Poças Falcão)


 

(Tomás Castro Tavares)


 

(José Ramos Alexandre)

1 A razão de ser do benefício fiscal (atual artigo 32º-2, do EBF) é o de promover os arranjos societários, qualquer que seja a forma como operem, com vista a reforçar a actividade económica em geral e, em particular, o tecido organizacional das empresas (Cfr recente Ac do STA de 5-9-2012 -Processo: 0314/12)