Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 500/2017-T
Data da decisão: 2018-05-25  IRS  
Valor do pedido: € 54.272,45
Tema: IRS – Informações de Administração Tributária Estrangeira – Força probatória.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

I – RELATÓRIO

 

1. A..., NIF..., com domicílio fiscal na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Parede, apresentou, em 06-09-2017, pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do disposto nos artigos 2º e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em conjugação com o artigo. 102º do CPPT, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada apenas por Requerida).

 

2. O requerente pretende, com o seu pedido, a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares n.º..., de 14.11.2015, referente ao ano de 2012, n.º..., de 14.11.2015, referente ao ano de 2013 e ..., de 14.11.2015, referente ao ano de 2014, bem como dos actos de indeferimento da reclamação graciosa n.º .../16/...e dos actos de deferimento parcial das reclamações graciosas n.ºs .../16/... e .../16/..., todos proferidos por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Cascais ... – ..., em 30.05.2017, com o consequente reembolso do imposto pago, bem como o reconhecimento ao direito a juros indemnizatórios.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 06-09-2017.

 

3.1. O requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou o signatário como árbitro do tribunal arbitral, que comunicou a aceitação da designação dentro do prazo legal.

 

3.2. Em 08-11-2017 as partes foram notificadas da designação do árbitro, não tendo sido arguido qualquer impedimento.

 

3.3. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art. 11º do RJAT, o tribunal arbitral foi constituído em 28-11-2017.

 

3.4. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

3.5. Devidamente notificada, a AT apresentou resposta, no prazo legal, defendendo-se por impugnação e juntando cópia do processo administrativo.

 

4. Por despacho de 08-03-2018 foi dispensada a reunião prevista no art. 18º do RJAT.

 

5. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral o requerente alega, em síntese, o seguinte:

As liquidações objecto da presente impugnação foram elaboradas com base nas declarações de rendimentos (Modelo 3), entregues pelo Requerente, relativamente aos anos de 2012, 2013 e 2014, onde no Anexo J das referidas declarações foi indicado, no campo 408 do quadro 4, relativo a juros referidos no n.º 5 do artigo 72.º do CIRS, o montante de € 48.116,32 (no ano de 2012), de € 44.483,51 (no ano de 2013) e de € 53.393,70 (no ano de 2014) e, na linha 601 do quadro 6, que os referidos rendimentos provinham de “Jersey”.

Sucede que a menção a Jersey como local da fonte dos rendimentos apenas ocorreu por mero lapso da empresa de contabilidade portuguesa que efectuou o preenchimento electrónico e submissão das declarações de rendimentos em causa. Tal lapso deveu-se tão-somente a uma confusão decorrente do facto de as somas envolvidas nas aplicações de capitais que originaram os rendimentos ora em causa serem debitadas / creditadas numa conta bancária que o Requerente possui em Jersey.

Com referência aos anos de 2012 a 2014, os rendimentos ora em causa respeitam a:

  1. Rendimentos provenientes de obrigações denominadas “Strutured Notes” emitidas pelo B... Londres;
  2. Rendimentos de fundos de investimento denominados “Exchange Traded Funds” ou “ETF’s”, negociadas nas praças financeiras de Londres ou em outras praças europeias;
  3. Juros ou dividendos de empresas privadas sediadas no Reino Unido.

O B... é um banco, constituído em 1971, sob a forma de public limited company, cuja sede se situa no Reino Unido.

As Structured Notes acima referidas são emitidas pelo B... no âmbito de um tipo de investimento designado “5 Year Regular Income Note”, o que significa que as referidas structured notes têm um prazo fixo de 5 anos.

            No ano de 2012, o montante de rendimento de capitais declarado no Anexo J ascendeu a € 48.116,32, tendo sido auferido em resultado dos seguintes investimentos:

  1. Structured Note (SR...) adquirido em Junho de 2009 e que pagou um rendimento fixo de £ 1.562,50 todos os meses até atingir a maturidade de Julho de 2014. Em resultado, no ano de 2012, este investimento pagou o montante de £ 18.744,00, o equivalente a cerca de € 14.189,21;
  2. Structured Note (SR...) adquirido em Março de 2012 e que pagou um rendimento fixo anual de $ 5.400,00;
  3. Structured Note (SR...) adquirido em Maio de 2012 e que pagou um rendimento fixo de £ 500,00 todos os meses durante 5 anos. Em resultado, no ano de 2012, este investimento pagou o montante de £ 3.500,00 (£500,00 x 7 meses), o equivalente a cerca de € 2.649,50;
  4. Exchange Traded Funds (ETF’s), domiciliados na Irlanda, nomeadamente os seguintes:
  1. “iShares” geridos pela G... – iShares S&P 500 Minimum Volability UCITS ETF;
  2. Fundos “SPDR”, geridos pelo H… –SPDR S&P U.S. Dividend Aristocrats UCITS ETF, SPDR S&P 400 U.S. Mid Cap UCITS ETF e SPDR S&P UK Dividend Aristocrats UCITS ETF.

A G... é a maior empresa mundial de gestão de activos e tem a sua sede em Nova York. Conforme resulta da análise das iShares geridas pela G... e constante no website da referida empresa é possível comprovar que todas as iShares são relativas a empresas sediadas na Irlanda. A título exemplificativo, do prospecto relativo a iShares S&P 500 Minimum Volability UCITS ETF, é possível confirmar a referência à Irlanda no campo relativo ao domicílio (key facts) do produto.

A H... é a unidade de gestão de investimentos da I... e a terceira maior empresa de gestão de activos mundial. À semelhança do que sucede com a iShares, da análise dos prospectos relativos aos Fundos SPDR é, igualmente, possível confirmar a referência à Irlanda no campo relativo ao domicílio (key facts) dos fundos em causa.

A conta bancária em Jersey apenas serve como meio para transferência dos fundos necessários para a realização dos investimentos em causa, e, posteriormente, para o recebimento dos rendimentos resultantes dessas aplicações.

Além das fontes de rendimentos acima referidas, em 2013 e 2014 o Requerente obteve, também, juros de empréstimos pagos pela empresa C... e em 2014, o Requerente recebeu, ainda, dividendos pagos pela empresa D... . Os juros pagos ao Requerente foram objecto de tributação, no Reino Unido, a uma taxa de 20%.

A C... é uma private limited company constituída ao abrigo da lei do Reino Unido e com sede em Londres e a D... é uma private limited company constituída ao abrigo da lei do Reino Unido e com sede em ... .

Em 2013, o montante de rendimento de capitais declarado no Anexo J ascendeu a € 44.483,51, sendo que a divisão dos investimentos encontra-se descrita nas decisões da AT, pelo que se consideram aceites pela mesma e tendo em conta que o Requerente já especificou supra o tipo e origem do rendimento, os mesmos dão-se igualmente como provados.

Em 2014, o montante de rendimento de capitais declarado no Anexo J ascendeu a € 53.393,70, tendo sido auferido em resultado investimentos descritos nas próprias decisões da AT.

A partir de 1984, o Requerente deixou de residir no Reino Unido, tendo, após esse período, vivido e trabalhado nas ilhas do Canal da Mancha, antes de se ter mudado para Espanha e, posteriormente, para Portugal. Em consequência da alteração de residência acima referida, as contas bancárias que o Requerente possuía no B... no Reino Unido (B...) foram transferidas para o E... (E...). Embora tenha nacionalidade britânica, uma vez que o Requerente não é residente no Reino Unido, o mesmo é tratado pelo referido banco como um cliente internacional, sendo as suas contas geridas pela Divisão Internacional do B... .

O Requerente possui também uma conta bancária junto do B... no Estoril. A aquisição de participações nos fundos de investimento acima referidos não pode ser efectuada em qualquer agência do Banco, porquanto trata-se de investimentos que devem ser obrigatoriamente realizados através de um corretor registado (“F...”).

A conta bancária detida pelo Requerente no banco B... apenas é debitada ou creditada em resultado dos investimentos acima referidos. Ou seja, os rendimentos resultantes dos investimentos acima referidos apenas são creditados na conta que o Requerente possui no banco B...; e, por contrapartida, a referida conta apenas é debitada aquando da saída de montantes para a realização dos investimentos que deram origem aos rendimentos em causa.

Existe um Acordo entre a República Portuguesa e Jersey sobre troca de informações em matéria fiscal, em vigor desde 09.11.2011, no âmbito do qual, o Requerente autorizou expressamente o agente pagador (in caso, o B... em Jersey) a comunicar à autoridade competente de Jersey as informações relativas aos rendimentos de juros pagos pelo referido agente pagador, através da conta bancária que o ora Requerente possui no referido banco.

Por considerar que os rendimentos auferidos não têm a sua fonte em Jersey, o Requerente considera que as liquidações ora em causa padecem de ilegalidade, facto que motivou a apresentação de reclamações graciosas das liquidações em questão.

Considera o Requerente que os argumentos em que AT fundou a sua convicção carecem de qualquer fundamento legal, porquanto assentam em errados pressupostos de facto, tendo os preceitos legais em questão sido erroneamente interpretados.

O Requerente não se pode conformar com tais liquidações porquanto os rendimentos em causa não têm a sua fonte em Jersey – território qualificado como paraíso fiscal - mas sim no Reino Unido, o que implica que nunca poderiam ser tributados à taxa de 35%.

Há uma confusão de conceitos por parte da AT, na medida em que o território da fonte do rendimento (in casu, Reino Unido) não se poderá nunca confundir com o território onde se localiza a entidade onde os referidos rendimentos são pagos (in casu, Jersey). O banco B... em Jersey apenas age como agente na compra de títulos em nome do Requerente.

A fonte do rendimento deve ser aferida em função da localização da entidade que emite o título que origina o rendimento e não em função da localização do agente através do qual a aquisição de tal título é efectuada.

Não há nenhum rendimento proveniente de Jersey. A titularidade de uma conta bancária num regime fiscal claramente mais favorável não gera automaticamente rendimentos sujeitos a um regime de tributação claramente mais favorável, não podendo, por isso, haver qualquer tributação agravada dos rendimentos auferidos pelo Requerente nos períodos ora em causa.

Acresce que, a Autoridade Tributária anulou a decisão de tributação dos rendimentos (juros e dividendos) pagos pela C... e pela D..., porquanto tais entidades devedoras são empresas inglesas, pelo que, a mesma lógica de raciocínio dever-se-á aplicar aos restantes rendimentos auferidos pelo Requerente, na medida em que as entidades emitentes dos títulos que deram origem ao restante rendimento em causa, são entidades sediadas no Reino Unido (ou em Inglaterra ou na Irlanda), conforme acima evidenciado.

Atento o exposto, os rendimentos obtidos pelo Requerente não podem, sob pena de ilegalidade, ser tributados à taxa de 35% por não terem a sua origem em nenhum país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, devendo ser tributados à taxa de 28%, tal como previsto na alínea d), do n.º 1, do artigo 72.º do CIRS.

Termina pedindo a anulação das liquidações e a restituição do imposto pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

6. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, tendo sustentado em síntese:

            Até à data não foi a Requerida notificada da junção dos documentos 11 a 22 que alegadamente o Requerente juntou no pedido de pronúncia arbitral, constatando-se que os mesmos efetivamente não constam na plataforma do CAAD. Cumpre mencionar que todos os fundamentos da acção devem ser alegados de uma vez, cabendo alegar logo mesmo os que pareçam secundários, oferecendo a correspondente prova, conforme decorre, quer do artigo 108.º, n.os 1 e 3 do CPPT, no qual se determina que a impugnação deve expor «os factos e as razões de direito que fundamentam o pedido» e que com «a petição […] o impugnante oferecerá os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes». O que também resulta quer das alíneas c) e d) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, nas quais se determina que: «c) A identificação do pedido de pronúncia arbitral, constituindo fundamentos deste pedido os previstos no artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário e, bem assim, a exposição das questões de facto e de direito objecto do referido pedido de pronúncia arbitral; d) Os elementos de prova dos factos indicados e a indicação dos meios de prova a produzir».

            Caso esses mesmos documentos tenham sido oficialmente emitidos pelas autoridades fiscais do Reino Unido ou da Irlanda, nomeadamente o documento 19, mencionado no artigo 29.º do PPA, fazendo prova do alegado pelo Requerente, requer-se que, analisada a data da sua emissão, não sejam imputadas custas e juros indemnizatórios à Requerente, isto porque caso o(s) documento(s) faça(m) prova do alegado pela Requerente, sempre a Requerida teria tido a possibilidade de revogar os actos tributários aqui em crise, tendo-se evitado o respetivo impulso processual e dilação temporal.

            Como consta das reclamações graciosas, «Os rendimentos em causa, designadamente de juros e dividendos, tendo fonte em Jersey são, para efeito do IRS, tributados à taxa de 35% ... Consultados os registos informáticos ao dispor da Direção de Serviços de Relações Internacionais, inexiste qualquer pedido feito pelo reclamante para aplicação de benefícios convencionais ou acordados, como residente fiscal de Portugal, relativamente aos anos de 2012, 2013 e 2014».

            Significa, portanto, que o Requerente não solicitou qualquer certificado de residência fiscal em Portugal para apresentar junto das autoridades fiscais de outro Estado (seja Jersey, Inglaterra ou Irlanda), de forma a declarar e beneficiar da tributação como residente fiscal português.

            No mesmo despacho proferido no âmbito das reclamações graciosas é dito que

«- a única informação oficialmente recebida sobre rendimentos da titularidade do reclamante nos anos em causa respeita a juros pagos por agente em Jersey.

- A Informação recebida foi prestada pela Autoridade competente de Jersey, ao abrigo do Acordo entre Portugal e Jersey sobre Troca Automática de Informações relativas aos rendimentos de juros, tal como previstos na Diretiva da Poupança, doravante Acordo Portugal – Jersey.

- Na alínea c) do Acordo Portugal – Jersey, anterior ao articulado, prevê-se, efectivamente, a troca automática de informações da autoridade competente de Jersey para a autoridade competente de Portugal de harmonia com o disposto no artigo 13º da Diretiva da Poupança, isto é, no caso em concreto, inexistindo certificado de residência fiscal em Portugal emitido para o Contribuinte por parte da Autoridade Tributária Portuguesa, por via de autorização expressa do beneficiário efetivo dos rendimentos (contribuinte) dada ao seu agente pagador, para este comunicar a Informação correspondente.

- A Informação tratada e enviada pela Autoridade Fiscal de Jersey à Autoridade Tributária Portuguesa, nos termos do Acordo Portugal – Jersey, faz fé, ao abrigo do disposto nos números 1 e 4 do artigo 76 da Lei Geral Tributária (LGT).»

            Ou seja, tendo as autoridades fiscais de Jersey verificado a obtenção de rendimentos por parte de um residente fiscal português, o Requerente, naquele território, ao abrigo do Acordo Portugal – Jersey, comunicaram os rendimentos por ele obtidos nesse mesmo território. Daí que a Requerida tenha entendido que, caso os rendimentos fossem de se considerar obtidos no Reino Unido ou na Irlanda, igual comunicação teria sido realizada por esses Estados, ao abrigo do referido mecanismo de troca de informação. O que não aconteceu.

            Deveria o Requerente apresentar documento emitido pelas autoridades fiscais dos respetivos Estados, a declarar que os rendimentos em causa tinham origem nesses outros Estados (Reino Unido e Irlanda), e que foram sujeitos a retenção na fonte.

            Nos mesmo despachos proferidos em sede de reclamação graciosa é dito que «a maioria da documentação apresentada pelo reclamante reconduz a aplicações de capital realizadas através de uma conta sedeada em Jersey do Banco B... . Nessa medida, os referidos rendimentos terão fonte em Jersey. E são tributados para efeito do IRS à taxa de 35 por cento, ao abrigo do disposto no artigo 72º do Código do IRS (número 11 para os anos de 2012 e 2013, número 12, para o ano de 2014)».

            Nos termos do artigo 76.º da LGT, “n.º 1. As informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei e n.º 4: São abrangidas pelo nº 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado”.

            Termos em que competia ao Requerente apresentar prova, de igual valor probatório, nomeadamente declaração emitida pelas autoridades fiscais do Reino Unido e/ou da Irlanda, que comprovasse que os rendimentos, apesar de pagos numa conta do Requerente em Jersey, conforme alegado, tiveram origem e foram sujeitos a tributação naqueles Estados. Ora, dos documentos juntos pelo Requerente não consta qualquer declaração ou certificado emitido pelas autoridades fiscais do Reino Unido e/ou da Irlanda. Na verdade, os documentos juntos pelo Requerente, aparentemente, indiciam o por si alegado quanto à origem do rendimento, esbarrando-se contudo com a comunicação emitida pelas autoridades fiscais de Jersey. De todo o modo em reforço do que se observa a este propósito, dir-se-á que a Requerida não aceitou os questionados documentos como suficientes para comprovar os rendimentos obtidos como originários do Reino Unido e/ou da Irlanda pelo Requerente, não se vislumbrando qualquer motivo para que os mesmos documentos sejam bastantes para provar a origem do rendimento e respetiva retenção na fonte levada a cabo pelo Banco, para o que remete para o disposto no art. 440º do CPC.

            Diremos desde logo que dos documentos apresentados pelo Requerente deduz-se, com segurança, quando confrontado com a redacção do artigo 363º, n.º 2 do Código Civil que aqueles não revestem a natureza de documentos autênticos.

            Pelo que vem dito, a argumentação do Requerente quanto à origem dos rendimentos está, pois, deslocada, uma vez que estamos perante documentos particulares, emitidos por terceiros, sendo certo que a Administração Tributária não os aceitou como contraprova de modo a neutralizar ou invalidar a prova coligida (artigo 346º do Código Civil), conforme comunicação emitida pelas autoridades fiscais de Jersey. Note-se, a este propósito, que a Administração Tributária não aceitou os documentos em causa para comprovar, como dissemos atrás, os rendimentos obtidos no Reino Unido e/ou Irlanda pelo Requerente, em face de documentação oficial do território de Jersey.

            Conclui a Requerida, sustentando a legalidade do acto de liquidação contestado pela Requerente que deverá, assim, ser mantido, defendendo, em qualquer circunstância, a inexigibilidade de juros compensatórios por não se verificar qualquer erro imputável aos serviços.

 

7. O Requerente veio apresentar requerimento defendendo ter apresentado todos os documentos com o requerimento inicial, tendo os referidos pela Requerida sido enviados por correio electrónico, face à incapacidade de o fazer através do sistema informático do CAAD, não tendo possível submetê-los por essa via por ter excedido a respectiva capacidade com a junção dos demais

 

II – Saneamento

 

8.1. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

8.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

8.3. A cumulação de pedidos é admissível.

8.4. Por poder prefigurar excepção consubstanciada em preterição do disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 10º do RJAT, aprecia-se, desde já, a invocada inexistência ou apresentação extemporânea de documentos suscitada pela Requerida.

 

Alega a Requerida não ter o Requerente junto com o requerimento inicial os documentos aí identificados com os n.ºs 11 a 22, dizendo constatar que “os mesmos efectivamente não constam da plataforma do CAAD” e que, por isso, deles não tomou conhecimento.

Não se vislumbra qual o fundamento da Requerida para tal afirmação.

É que, pelo contrário, da consulta ao sistema informático do CAAD constata-se que tais documentos foram remetidos por correio electrónico em 06-09-2017, estando ali legíveis e consultáveis, desde então.

Acresce, dizemos nós, que, ainda que tal junção tivesse ocorrido em momento posterior, nenhuma irregularidade poderia ser apontada, tendo presente a data em que a Requerida foi notificada da apresentação do pedido – 22-09-2017 – ou seja, em momento em que há muito constavam do processo os documentos em causa.

A imposição decorrente do disposto no art. 108º, n.º 3 do CPPT e 10º, n.º 2, d) do RJAT, tem em vista delimitar, atentos os articulados existentes no processo tributário, o âmbito do exercício do contraditório, impondo-se, por isso, a junção das provas com o requerimento inicial por forma a facultar-se o exame das mesmas na contestação/resposta. Todavia, pese embora tal restrição, nada impede que no processo de impugnação judicial, sejam apresentadas em momento posterior – até à apresentação das alegações - mediante a aplicação de multa pela sua apresentação tardia. Situação, essa sim, não aplicável ao processo arbitral.

Assim, tendo presente que na data da notificação da apresentação do pedido à Requerida – 22-09-2017 – já constavam do processo todas as provas documentais a que se faz referência no requerimento inicial, em nada tendo a Requerida sido coarctada no exercício do seu direito ao contraditório, nenhuma irregularidade existe, improcedendo o por si invocado.

 

8.5. O processo não enferma de nulidades.

 

III – MATÉRIA DE FACTO E DE DIIREITO

 

III.1. Matéria de facto

 

9. Matéria de facto

9.1. Atendendo às posições assumidas pelas partes e à prova documental junta aos autos consideram-se provados, com relevo para apreciação e decisão das questões suscitadas (tendo presente que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada- cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT)., os seguintes factos:

  1. O Requerente, de nacionalidade britânica, era, para efeitos fiscais, residente em território nacional nos anos de 2012, 2013 e 2014.
  2. O Requerente apresentou declarações de IRS, relativamente aos anos de 2012, 2013 e 2014, onde no Anexo J das referidas declarações foi indicado, no campo 408 do quadro 4, relativo a juros o montante de € 48.116,32 (no ano de 2012), de € 44.483,51 (no ano de 2013) e de € 53.393,70 (no ano de 2014) e, na linha 601 do quadro 6, que os referidos rendimentos provinham de Jersey.
  3. Em resultado da apresentação daquelas declarações, a AT emitiu as seguintes liquidações de IRS:

- n. º..., de 2015, com imposto a pagar de 16.840,72 €;

- n.º..., de 2015, com imposto a pagar de 16.888,51 €;

- n.º..., de 2015, com imposto a pagar de 20.543,22 €.

  1. O Requerente é titular de conta bancária sediada em Jersey;
  2. Em cumprimento do Acordo entre a República Portuguesa e Jersey sobre troca de informações em matéria fiscal, a AT recebeu da Administração de Jersey informação oficial de rendimentos auferidos pelo Requerente nos anos em causa.
  3. O requerente apresentou reclamações graciosas relativamente às três liquidações de IRS acima referidas.
  4. No decurso da tramitação dos referidos processos de reclamação graciosa, o Requerente recebeu, em 07 de Março de 2016, e-mail do Serviço de Finanças de Cascais ..., do seguinte teor:

- “Com referência ao email que antecede, cumpre-me informar que, para efeitos de comprovação do valor e proveniência de rendimentos auferidos no estrangeiro, bem como o montante do respectivo imposto pago, o sujeito passivo deverá exibir declaração emitida ou autenticada pelas autoridades fiscais do respectivo país, diligência que através do presente email desde já se solicita”.

  1. O Requerente foi notificado do projecto de indeferimento total, relativamente ao ano de 2012 e parcial, relativamente aos anos de 2013 e 2014, cujos teores se dão como reproduzidos, em que, em suma, se dizia:

- O reclamante alega que só por erro mencionou como “Código do País” da fonte dos rendimentos de capitais declarado o “832”, correspondente a Jersey;

- Esses rendimentos, designadamente de juros e dividendos, tendo fonte em Jersey, são, para efeitos de IRS, tributados à taxa de 35%;

- Consultados os registos informáticos ao dispor da Direcção de Serviços Relações Internacionais, inexiste qualquer pedido feito pelo contribuinte para aplicação de benefícios convencionais ou acordados, como residente fiscal em Portugal, relativamente aos anos de 2012 2013 e 2014 (respectivamente, relativamente a cada uma das reclamações graciosas);

- Acresce que a única informação oficialmente apresentada pelo contribuinte reconduz a aplicações de capital, realizadas através de uma conta sedeada em Jersey do Banco B...”;

- Nessa medida, os rendimentos em causa terão fonte em Jersey”.

Nos projectos relativos aos anos de 2013 e 2014, concluiu-se do seguinte modo:

- Só assim não será relativamente aos rendimentos cuja entidade devedora foi C..., e também D... (esta apenas para o ano de 2014), empresas inglesas, sendo, portanto, rendimentos provenientes do Reino Unido, a que corresponde o código 826.

  1. O Requerente exerceu oportunamente o direito de audição, cujo teor se dá por reproduzido, em que, em suma, reiterou que se deveu a lapso a inserção nas declarações de IRS, de Jersey como fonte dos rendimentos, além de ter alegado o vício de falta de fundamentação.
  2. Nas reclamações graciosas apresentadas pelo Requerente foram proferidos despachos de indeferimento total, relativamente ao ano de 2012 e de deferimento parcial, relativamente aos anos de 2013 e 2014, que se dão como reproduzidos.
  3. Despachos esses que foram notificados ao Requerente em 8 de Junho de 2017.

 

9.2. Não se provou que os rendimentos em causa não tenham tido origem em Jersey.

 

9.3. Fundamentação da matéria de facto:

 

A matéria de facto dada como provada e não provada assentou no exame crítico dos documentos e do processo administrativo juntos aos autos e, de modo particular, às regras do ónus da prova àqueles respeitante, designadamente à insuficiência de prova.

 

III.2. Matéria de Direito

 

Do confronto entre os articulados, resulta evidente que a única questão do dissídio se restringe à determinação do local da fonte dos rendimentos objecto da tributação. Em IRS

Como questão prévia, diga-se que concordamos com o Requerente quando alega que o “território da fonte do rendimento não se poderá nunca confundir com o território onde se localiza a entidade onde os referidos rendimentos são pagos”.

Daí que, efectivamente, não poderá ser o facto de o Requerente possuir conta bancária em Jersey e onde terão sido creditados os rendimentos de capitais aqui em causa, que será o elemento determinante para caracterizar o país da fonte dos rendimentos.

Estamos, pois, de acordo com o Requerente. Os rendimentos que eventualmente tivessem tido origem noutros países e que naquela conta bancária tivessem sido creditados, nem por isso, deixariam de ser considerados como tendo o seu território da fonte naqueles mesmos países.

Diz o Requerente que os rendimentos de capitais aqui em causa foram por ele obtidos no Reino Unido e na Irlanda e a conta bancária de Jersey apenas serviu como “agente na compra de títulos em nome do Requerente”.

Sucede, todavia, que não logrou fazer prova dessa factualidade.

É determinante, para o caso, a informação prestada à AT pela Autoridade competente de Jersey, ao abrigo do Acordo entre a República Portuguesa e Jersey sobre Troca de Informações em Matéria Fiscal, aprovado pela Resolução da Assembleia da República n.º 41/2011.

Informação prestada pela Autoridade de Jersey, ao abrigo da troca automática de informações relativas aos rendimentos de capitais, dando conta do recebimento pelo Requerente dos rendimentos em causa.

Diga-se, a este propósito, não ser correcta a asserção que é feita no requerimento inicial a propósito dos rendimentos que o Requerente recebeu das sociedades C... e D..., com sede no Reino Unido, para a alegada similitude de situações. Relativamente a esses rendimentos a AT não recebeu qualquer informação oficial de Jersey e aceitou como bons os documentos que o Requerente apresentou nas reclamações graciosas, para prova da proveniência dos mesmos, o que levou a AT a dar procedência ao pedido do Requerente relativamente àqueles.

Diferente é o que se passa com os outros rendimentos, agora em causa, relativamente aos quais a AT recebeu informação de Jersey informando que o Requerente aí os obteve.

Dispõe o artigo 74.º da LGT que “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

No caso, tendo presente que não houve qualquer correcção pela Requerida às declarações apresentadas pelo Requerente (sendo certo que não está aqui em causa a presunção de verdade e de boa fé das mesmas, estabelecida no art. 75º da LGT), crê-se como pacífico que o ónus da prova dos factos por ele alegados, no pedido arbitral, lhe compete.

Para efeitos de prova, entendemos também ser determinante a informação oficial prestada pela Autoridade de Jersey.

A este propósito estabelece o n.º 4 do art. 76º da LGT que “são abrangidas pelo n.º 1 as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado”, estabelecendo o referido n.º 1 que “as informações prestadas pela inspecção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, nos termos da lei”.

Quer dizer, a informação prestadas pela Administração de Jersey – que, no caso, se sustenta em factos objectivos – faz fé.

Não olvidamos, todavia, que o preceito em causa não consagra qualquer prova plena, ou seja, insusceptível de prova em contrário. Como dizem Diogo Leite Campos, Benjamim Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa – LGT 4ª ed, pag. 672: “deve entender-se o n.º 4 com o sentido de que a atribuição de força probatória às informações de administrações tributárias estrangeiras não prejudica a possibilidade de prova em contrário nem a de gerar dúvidas sobre os factos nelas afirmados, como forma de contrariar a sua força probatória”.

Quer isso dizer que, não obstante a declaração prestada pela Autoridade de Jersey, nada impediria o Requerente de fazer prova em contrário do que aí se alega ou, até, de apenas gerar dúvidas fundadas sobre a mesma.

Sucede que para abalar o que consta daquela informação oficial, o Requerente limitou-se a juntar cópias do que designa por prospectos, comunicações com o banco, extractos bancários e documentos similares, escritos em língua inglesa e produzidos em país estrangeiro.

Documentos que a Requerente expressamente impugnou e alegou que, em qualquer circunstância seriam insuficientes para provar o por ele pretendido por, designadamente, não estarem legalizados.

Ora, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 365º do CC, “se o documento não estiver legalizado, nos termos da lei processual, e houver fundadas dúvidas acerca da sua autenticidade ou autenticidade do reconhecimento, pode ser exigida a sua legalização”, preceito que também se aplica para documentos particulares passados no estrangeiro.

Sendo certo que é hoje quase pacificamente assente que a legalização de documentos passados em país estrangeiro não é hoje requisito da sua autenticidade, a qual só se torna necessária quando se levantarem fundadas dúvidas sobre essa autenticidade.

Da conjugação de todos os preceitos vindos de referir, resulta então que competirá ao tribunal, no uso da livre apreciação da prova – e tendo presente a impugnação arguida pela Requerida – apurar se os documentos trazidos aos autos são suficientes para abalar a informação recebida da Autoridade de Jersey.

E concluímos que não o são. Pondo em confronto tal informação oficial com os documentos que o Requerente traz para os autos, somos forçados a concluir que os mesmos não são, por si, susceptíveis de contrariar ou de abalar o nela constante: a obtenção de rendimentos pelo Requerente em Jersey.

Donde se conclui não padecerem de quaisquer vícios os despachos de indeferimento e de deferimento parcial das reclamações graciosas e, consequentemente, dos actos de liquidação impugnados que, por isso, devem ser mantidos.

 

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar totalmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, dele absolver a Requerida.
  2. Condenar o Requerente no pagamento das custas do processo.

 

 

V. VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 54.272,45 €, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI. CUSTAS

 

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em 2.142,00 €, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

Notifique-se.

 

Lisboa, 25 de Maio de 2018

 

O Árbitro

 

 

(António Alberto Franco)