DECISÃO ARBITRAL
I - RELATÓRIO
A…, S.A., contribuinte nº…, com sede em Lisboa, adstrita ao Serviço de Finanças de Lisboa …, veio, em 22 de Agosto de 2017, nos termos do disposto no artigo 76º nº 2, conjugado com o corpo do artigo 102 º , n º 1, e com a alínea e) do nº 1 desse mesmo artigo e o artigo 99º, todos do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e artigo 2º nº 1 alínea a) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos de indeferimento tácito do seu pedido de revisão oficiosa do Imposto do Selo (IS) referente aos anos de 2014 e de 2015, liquidado através das liquidações nº 2014…, de 20 de Março de 2015, referente ao ano de 2014, no montante de € 33.093,62 e 2015…, de 4 de Abril de 2016, referente ao ano de 2015, no montante de € 33.093,62.
Afirma que o pedido de revisão foi apresentado em 21.04.2017, ocorrendo em 21.08.2017 o seu indeferimento tácito, achando-se dentro dos três meses previstos nos artigos 102º, nº 1, al. d) do CPPT e artigo 10º, nº 1, alínea a) do RJAT, o seu pedido impugnatório.
O pedido foi aceite em 23 de Agosto de 2017.
Como a Requerente não indicou árbitro, foram os signatários designados pelo Conselho Deontológico do CAAD e aceitaram o encargo no prazo legal.
Notificadas dessa designação, as partes nada disseram, ficando o tribunal arbitral constituído em 21 de Novembro de 2017.
A Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), notificada para responder, solicitar, querendo, a produção de prova adicional, e juntar cópia do processo administrativo, respondeu, defendendo-se por impugnação, juntou o processo administrativo, tudo no prazo legal, deduzindo defesa por impugnação, mas não requereu a produção de prova adicional.
Por não ser considerada útil, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18º do RJAT e as partes convidadas a alegar por escrito, o que não fizeram.
Foi designado o dia 21 de Maio de 2018 para a decisão arbitral.
II - SANEAMENTO
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é competente para decidir.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e acham-se regularmente representadas.
O processo não enferma de nulidades e não há excepções ou questões prévias impeditivas da apreciação de mérito.
III- MATÉRIA DE FACTO
Com relevo para a decisão, e em resultado do exame dos documentos juntos ao processo, julgam-se provados os factos seguintes que, ademais, não são controvertidos:
a)
A Requerente é uma sociedade com sede em Lisboa que se dedica à compra e venda de bens imobiliários e consultoria e gestão de imóveis.
b)
Era proprietária, em 31 de Dezembro de 2013 e como tal se manteve até, pelo menos, 31 de Dezembro de 2014, do prédio urbano inscrito na matriz como terreno para construção sob o artigo matricial …, da freguesia da …, concelho de Lisboa, cujo valor patrimonial tributário (VPT) era, nessa data, de € 3.236.540,00.
c)
O terreno tem uma área total de 2.704,570 m2
d)
Em 03/08/2012 a Requerente viu aprovado pela Câmara Municipal de Lisboa o projecto de arquitectura que lhe submetera, para uma área bruta de construção de 7.212,220 m2, no identificado terreno, sendo 1.625,700 m2 destinados a habitação e o demais a serviços e comércio.
e)
Foi notificada, em 28 de Março de 2015, da liquidação do IS 2014…, de 20 de Março de 2015, de imposto referente ao ano de 2014, no montante de € 33.093,62, através da nota de cobrança nº 2015…, documento para pagamento da primeira de três prestações, no montante de € 11.031,22.
f)
Foi mais tarde notificada para o pagamento das segunda e terceira prestações do imposto referente ao ano de 2014 através das notificações nºs. 2015… e 2015…, respectivamente.
g)
A Requerente foi também notificada em 8 de Abril de 2016 da liquidação do IS nº 2015…, de 4 de Abril de 2016, imposto referente ao ano de 2015, no montante de € 33.093,62, através da nota de cobrança nº 2016…, para pagamento da primeira de três prestações, no montante de € 11.031,22.
h)
Posteriormente foi notificada para o pagamento das segunda e terceira prestações do imposto referente ao ano de 2015 através das notificações nºs. 2016… e 2016…, cada uma no montante de € 11.031,20.
i)
As liquidações identificadas resultaram da aplicação da Verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS).
j)
Em 21 de Abril de 2017 deduziu reclamação graciosa contra as referidas liquidações, sem que tenha obtido decisão.
k)
A Requerente procedeu aos pagamentos seguintes:
em 30/04/2015, € 11.031,22, 1ª prestação do IS de 2014;
em 31/07/2015, € 11.031,20, 2ª prestação do IS de 2014;
em 21/12/2015, € 11.031,20, 3ª prestação do IS de 2014;
em 29/04/2016, € 11.031,22, 1ª prestação do IS de 2015;
em 01/08/2016, € 11.031,20, 2ª prestação do IS de 2015;
em 21/11/2016, € 11.031,20, 3ª prestação do IS de 2015.
Não ficaram por provar quaisquer factos relevantes para a decisão da causa.
III - MATÉRIA DE DIREITO
O imposto do selo é o mais antigo dos impostos vigentes em Portugal.
Nascido essencialmente como um imposto sobre documentos – o selo garantia a sua autenticidade -, a sua incidência alargou-se ao longo do tempo da sua vigência, abrangendo hoje factos tributários de variada natureza.
Com a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que introduziu na Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) a verba 28, passou a incidir, além do mais, e para o que aqui importa, sobre a propriedade dos “(…) prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI) seja igual ou superior a € 1.000.000”.
Além disso, mediante a verba 28.1, ficaram também sujeitos a IS os prédios “com afectação habitacional”.
A Lei nº 80-C/2013, de 31 de Dezembro, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2014, alterando a verba 28.1, fez incidir o imposto sobre os prédios habitacionais ou terrenos “(…) para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Assim, os terrenos para construção de valor superior a € 1.000.000, mesmo que tivessem edificação, prevista ou autorizada, para habitação, só passaram a estar sujeitos a IS com a vigência da Lei 80-C/2013.
Não foi este o entendimento pretérito da AT, que considerou, à luz do regime anterior à lei de 2013, bastar, para a “afectação habitacional”, que os terrenos para construção tivessem projecto aprovado para a construção de prédios para habitação, ou que estivessem classificados como para construção em zonas previstas como habitacionais.
A jurisprudência, porém, não acolheu este entendimento, decidindo, em numerosos casos, de que são exemplo os muitos invocados pela Requerente, que a “afectação habitacional” exigia uma edificação susceptível de em concreto servir fins habitacionais – ou seja, um terreno sem nada edificado nunca poderia preencher o requisito legal da “afectação habitacional”, dado que um mero terreno não é habitável.
Temos, assim, que, a partir da vigência da Lei 80-C/2013, estão sujeitos a IS os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário seja superior a € 1.000.000;
- todos esses prédios, desde que os titulares não sejam pessoas singulares e residam em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável;
- os prédios com afectação habitacional e
- os terrenos para construção, autorizada ou prevista, para habitação, independentemente da pessoa sua titular.
Dispõe o artigo 1º nº 6 do Código do Imposto do Selo que que o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), ou seja, nos termos do artigo 2º nº 1 deste último diploma,
“(…) prédio é toda a fracção de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial”.
Prédios urbanos são os que não caibam na definição de rústicos do artigo 3º do CIMI (artigo 4º), e de acordo com o nº 1 do artigo 6.º, podem ser
habitacionais,
comerciais,
industriais ou para serviços,
terrenos para construção,
e outros.
Terrenos para construção são, conforme o artigo 6º nº 3 do CIMI, “(…) os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido no título aquisitivo, exceptuando- se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações (…)”.
De acordo com o artigo 3º do CIS, “o imposto constitui encargo dos titulares do interesse económico nas situações referidas no artigo 1º”, concretizando o seu nº 3, na alínea u), que se considera “titular do interesse económico” “o sujeito passivo referido no nº 4 do artigo anterior”, ou seja, o sujeito passivo aludido no artigo 8º do CIMI, a saber, o “proprietário do prédio em 31 de dezembro do ano a que o imposto respeitar” (nº 1 do falado artigo 8º).
Tendo em conta que a Requerente era proprietária do prédio aqui em causa à data de 31 de Dezembro de 2014, e continuava a sê-lo em 31 de Dezembro de 2015, não restam dúvidas de que é ela o sujeito passivo do imposto atinente a 2014 e 2015 – o que, aliás, não contesta.
Assim definida a incidência subjectiva, importa passar à objectiva.
Viu-se já que a Requerente é uma sociedade com sede em Portugal, e que o seu prédio é um terreno para construção, por ela destinado a edificações para uso comercial, habitacional, e serviços, com projecto de arquitectura aprovado para o efeito, e tem um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000.
Parecem, pois, preenchidos os requisitos da norma de incidência da verba 28.1 da TGIS.
A Requerente defende que não.
Diz ela que “o thema decidendum do presente Pedido de Revisão é o de saber da susceptibilidade dos terrenos para construção integrarem a previsão normativa da norma de incidência ínsita à Verba 28.1 da TGIS segundo a letra da lei em vigor para o ano fiscal de 2013, ou seja, se um mero terreno para construção pode ser considerado, para efeitos de aplicação da referida verba, prédio com afectacão habitacional”, já que, em seu entender, a AT considera, erradamente, que a norma de incidência ínsita à Verba 28.1 da TGIS, e na letra da lei em vigor no momento do facto tributário, a 31 de Dezembro de 2013, se aplica a um simples terreno para construção, reconhecendo-lhe afectação habitacional, ainda que nele nada haja sido construído ou edificado.
Mas, para a Requerente, não se pode considerar que "terreno para construção" se enquadre no conceito de prédios "com afectação habitacional' para efeitos de incidência de IS segundo a letra da verba 28.1. da TGIS.
Ora, a Requerente esquece que a lei aplicável ao caso vertente não é a de 2012, mas a de 2013, posto que esta começou a vigorar no início do ano de 2014, e o imposto liquidado respeita aos anos de 2014 e 2015.
E a verba 28.1 da TGIS, após a Lei 83-C/2013 abrange, claramente, os terrenos para construção habitacional, e não apenas os prédios já com efectiva afectação habitacional.
A expressão “afectação habitacional” deixou de constar da verba 28.1, que passou a referir-se a prédios habitacionais e a terrenos “para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
Donde resulta que, para o caso, é estéril a discussão sobre o significado a atribuir a essa abandonada expressão.
O que não esgota a questão, pois não pode ainda dar-se por certo que, quando, como aqui acontece, a edificação prevista não é exclusivamente para habitação, os terrenos destinados a essa edificação estejam abrangidos pela verba 28.1 a TGIS, na versão da lei 83-C/2013.
Como já se viu, o legislador não quis sujeitar a IS todos os prédios urbanos, mas só as edificações destinadas a habitação e os terrenos para os quais esteja prevista ou autorizada essa edificação (ressalvado o caso, que acima se referiu, mas agora não importa, dos prédios cujos titulares não sejam pessoas singulares e residam em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável).
O prédio da Requerente não está edificado; é um mero terreno, no qual se prevê vir a construir um edifício destinado a comércio, serviços e habitação.
Patentemente, a lei não pretende tributar em IS os terrenos para construção destinada a comércio e/ou serviços. Nem sequer visa abranger os edifícios para instalação de comércio e serviços.
Limita a incidência do imposto (abstraindo, agora, dos prédios erigidos) aos terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista seja para habitação.
Por outro lado, o prédio objecto de tributação é um só, sendo impossível cindi-lo em três – um, a parte destinada a construção com afectação habitacional, outro, a parte destinada a construção com afectação a comércio, outro ainda, a parte destinada a construção com afectação a serviços.
Tratando-se de um único prédio (terreno para construção), não pode afirmar-se que a edificação nele autorizada ou prevista é para habitação. Isso é apenas uma meia verdade; verdade seria, do mesmo modo, se se dissesse que a edificação nele autorizada ou prevista é para comércio, ou que é para serviços.
A não se entender assim estaria a alargar-se o âmbito da norma de incidência, fazendo-a abranger aquilo que claramente está fora dela – os terrenos para construção cuja edificação autorizada ou prevista é para comércio e/ou serviços.
Em súmula, a situação em apreço não está abrangida pela norma de incidência invocada pela Requerida – a verba 28.1 da TGIS – e esta, ao aplica-la, incorreu em vício de violação de lei.
IV – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido da Requerente, anulando-se as liquidações impugnadas e condenando-se a Requerida a restituir à Requerente o imposto do selo por ela pago, acrescido de juros indemnizatórios, desde a data dos pagamentos efectuados até ao reembolso.
IV – VALOR DO PROCESSO
Visto o artigo 97º-A nº 1 alínea a) do CPPT, aplicável ex vi alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 29º do RJAT e nº 2 do artigo 3º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor do processo em € 66.187,24.
IV – CUSTAS
As custas, que se computam em € 2.448,00 ficam a cargo da Requerida, que sai vencida, de acordo com o disposto nos artigos 12º nº 2 e 22º nº 4 do RJAT e 4º nº 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa.
Notifique-se.
Lisboa, 21 de Maio de 2018.
Os árbitros
(José Baeta de Queiroz)
(Carla Castelo Trindade)
Com Voto Vencido anexo
(Marcolino Pisão Pedreiro)
Com declaração de voto anexo
DECLARAÇÃO DE VOTO
Na decisão proferida no proc. 452/2016-T (na sequência de idênticas decisões proferidas nos processos 482/2015-T e 395/2016-T em que também fui árbitro) consta a seguinte posição sobre questão análogo à que está em discussão no presente processo:
“Entendemos, à luz do elemento teleológico, que o legislador ao fazer incidir a tributação da verba 28.1 em lotes de terreno para construção está a antecipar a tributação do “luxo”, que constitui o pressuposto da tributação, na medida em que, embora não ocorrendo, ainda, a possibilidade do imóvel de elevado valor patrimonial ser objeto de utilização habitacional, o mero facto de se ser proprietário dum terreno destinado à edificação dum imóvel com tais características e, também ele, desde logo, detentor de valor patrimonial tributário de elevado valor, faz supor a capacidade contributiva acrescida, pressuposto e critério desta tributação.
Mas esta capacidade contributiva acrescida, este “luxo”, só se verifica caso a construção autorizada ou prevista o seja para habitação de “luxo”, ou seja, para unidade habitacionais com valor superior a um milhão de euros.
A “ratio legis” do preceito não é, de modo algum, a tributação de lotes de terreno destinados a habitações de valor médio ou de habitação social, aparentemente decorrente do elemento literal da norma, pois um lote de terreno para construção destinado a construção de habitações de valor médio ou inferior pode atingir um valor superior a um milhão de euros, o que poder depender, designadamente, do números de fogos a edificar.
Impõe-se, pois, uma interpretação restritiva do preceito, no sentido de se considerar que estão sujeito a tributação os lotes de terreno para construção mas, apenas e tão só, no caso da construção autorizada ou prevista ser para habitações de elevado valor ou seja, para unidades habitacionais de valor superior a um milhão de euros (“cessante ratione legis cessat eius dispositivo”).
Acresce que a interpretação da norma que aqui se perfilha, para além de se encontrar em perfeita sintonia com o elemento teleológico e de ter na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, é a que melhor de coaduna com a unidade do sistema jurídico e, designadamente, com o princípio da interpretação conforme à constituição. Na verdade, caso se entendesse que a tributação dos lotes de terreno prevista na verba 28.1 da TGIS não se circunscreve a lotes destinados à edificação de habitações de elevado valor, tal implicaria, a possibilidade da tributação incidir sobre terrenos destinados a habitações de valor médio ou, até, de habitação social, o que, além de violar claramente os princípios da igualdade e da capacidade contributiva, afrontaria, ainda, manifestamente, o art. 65º da Constituição da República Portuguesa.”
Embora mantendo esta posição, voto a decisão sub judice na medida em que, a não ser correta a interpretação do preceito que perfilhei nos processos mencionados, considero ser o enquadramento jurídico correto pelos precisos fundamentos nela expostos, e que, nesta medida, subscrevo.
(Marcolino Pisão Pedreiro)
DECLARAÇÃO DE VOTO
Salvo o devido respeito, que é muito, não perfilho o entendimento supra referido. Divergi, portanto, da posição que fez vencimento, votando vencido, pelas razões essenciais que passo a resumir.
Sou da opinião que muito dificilmente conseguirei defender que a sujeição a imposto se aplicará unicamente a terrenos para construção exclusivamente destinados a habitação tal como se propugna na presente decisão. A lei não diz isso e não estou em crer que tenha sido esse o objectivo do legislador quando alargou o âmbito de incidência aos terrenos para construção.
Não escondo que a questão de constitucionalidade me oferece dúvidas, mas aqui acompanho a declaração de Voto Vencido do Senhor Conselheiro do Tribunal Constitucional João Pedro Caupers no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 156/2016 quando refere que “(…) estas [dúvidas] alargam-se a diversas disposições da regulamentação do imposto de selo, um imposto anacrónico e irracional. Debalde se procurará ali uma qualquer lógica tributária aceitável, mais parecendo a respetiva tabela uma lista de “resíduos” avulsos que o Estado fisco entende dever tributar – ou porque não cabem em mais nenhum imposto, ou porque, sendo já tributados, simplesmente, precisa de mais dinheiro. Que traço comum existirá entre as apostas mútuas, as aquisições de bens, os créditos, as comissões, as apólices de seguro, os títulos de crédito, a propriedade de imóveis? Qual a lógica interna do sistema?”. Assim, não acompanho o teor do acórdão do Tribunal Constitucional, proferido no Processo n.º 156/2016, que julgou considerou que “se o aditamento dos terrenos para construção feito pela Lei n.º 83-C/2013 à verba n.º 28.1 da TGIS não é arbitrário, ele é, em qualquer caso, violador do princípio da igualdade tributária consagrado nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, quer porque não respeita a diferente capacidade contributiva dos proprietários dos prédios sobre os quais incide, atingindo indiscriminadamente contribuintes com e sem a força contributiva necessária para suportar o imposto, quer porque as diferenciações que introduz entre os que são abrangidos e excluídos do seu âmbito de incidência não são proporcionais, sendo inadequadas para satisfazer o fim visado pela norma, que é o de tributar de forma agravada os patrimónios imobiliários de maior valor em termos que satisfaçam “o princípio da equidade social na austeridade”.
O que se quis, segundo entendo, e segundo tem sido largamente aceite, foi tributar imóveis de luxo. Todos aqueles cujo valor patrimonial apontasse para uma capacidade contributiva acima da média por parte do proprietário. E esta existe independentemente de estarmos perante um terreno onde só se construam imóveis para habitação ou onde se construam também imóveis para serviços ou comércio.
É que se assim for bastava que um único fogo fosse destinado a comércio ou a serviços para automaticamente se estar fora do escopo de sujeição.
Posto isto seria da opinião de manter o acto tributário contestado não dando portanto procedência ao pedido da Requerente.
Carla Castelo Trindade