Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 292/2017-T
Data da decisão: 2018-05-16  IRC  
Valor do pedido: € 307.957,01
Tema: IRC - depreciações e amortizações - imputação de subsídios ao investimento - dedutibilidade de gastos financeiros.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Dr. João Taborda da Gama e Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:  

 

  1. Relatório

 

1. A..., SA, NIPC ..., com sede no lugar de ..., ..., ...-...  ... concelho de ..., vem, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), artigo 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e dos artigos 96.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentar pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral contra parte da liquidação adicional de IRC n.º 2016..., referente ao exercício de 2013, cujo montante total foi de € 566.452,12, já incluindo € 45.645,28 de juros compensatórios, “sendo objecto do presente pedido arbitral o quantitativo de € 307.957,01, que já inclui os correspondentes juros compensatórios, o qual se encontra calculado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante ATA) em ID. Documento n.º 2016..., Compensação n.º 2016...”.

1.1. A pretensão objeto do pedido de pronúncia arbitral inclui também a anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, a qual correu termos na Direção de Finanças de ... sob o processo n.º ...2016..., indeferimento esse proferido por despacho do Sr. Diretor de Finanças de ..., datado de 20-01-2017, notificado à ora impugnante através de ofício sem número datado de 26-01-2017 (vd. cópia junta como DOC 2);

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 28-04-2017.

3.1.A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), o Senhor Presidente do Conselho Deontológico designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, os quais comunicaram a aceitação da designação dentro do prazo.

3.2. Em 14-06-2017, as partes foram notificadas da designação dos árbitros não tendo arguido qualquer impedimento.

3.2. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 11.º do RJAT, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 30-06-2017.

3.3.Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

 

4. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:

  1. No que se refere à imputação de subsídios em função das quotas mínimas de depreciação objeto do presente pedido arbitral, a Requerente contesta a data considerada pela AT (Janeiro de 2013) para a conclusão e entrada em funcionamento dos projetos de investimento, invocando que, além destes terem sido concluídos bastante mais tarde, “houve a necessidade de períodos experimentais antes da sua entrada em funcionamento, entre outros factos que claramente desmentiam o projecto do relatório de inspecção”;
  2. Para a Requerente, “a ATA afirma, mas não junta qualquer prova da afirmação”: i) “que a facturação era feita em função das necessidades de gestão dos projectos de investimento junto do C... e não de acordo com a sua execução material”; ii) “que os projectos de investimento estavam a ser utilizados desde o início (Janeiro) de 2013 mas não demonstra como é que sustenta esta afirmação;”
  3. Por exemplo, “a ATA refere-se à assinatura de contratos com o C... e à espera de 48 meses para o seu reconhecimento, sem, no entanto e mais uma vez informar e provar quando se iniciou e terminou o referido período de 48 meses, quais os objectivos e que vantagens concretas é que tal suposta demora trouxe à empresa”;
  4. Analisando os documentos juntos como Anexo II alega a Requerente que “As listagens juntas (Vd página 52 a 54, páginas 66 a 68, páginas 82 a 84, e páginas 88 e 89), com o título de “Listagem de investimentos”  referentes a cada um dos 4 projetos enunciados”, (…) “os mapas em causa (que de resto nem indicam a fonte nem explicitam a informação que incorporam) não só não permitem extrair conclusões para fundamentar as correcções referentes à imputação de subsídios, como demonstram que, ao contrário do que diz a ATA, os projectos não poderiam estar concluídos e em funcionamento desde, pelo menos, Janeiro de 2013;”
  5. “Com efeito, muitas datas aí indicadas como sendo datas de aquisição de equipamentos no âmbito dos projectos de investimento são datas do ano de 2013, demonstrando que no início desse ano os projectos de investimento não poderiam ainda estar concluídos e em funcionamento dado que se continuavam a adquirir bens e serviços para neles incorporar”;
  6. O referido Anexo II contém ainda “cópias de 30 faturas referentes a fornecimentos de serviços de consultoria e fiscalização destinados aos projectos em causa durante os anos de 2011, 2012 e 2013, mas a maioria das faturas juntas são, repete-se, datadas do ano de 2013”;
  7. Por outro lado, “não se diga que se tais faturas foram emitidas à A... (ora impugnante) não pela B..., que foi quem contratualmente executou os projectos de investimento, mas por uma entidade terceira, então é porque em 2013 a ora requerente A... já estaria a explorar esses projectos e estaria a contratar serviços a outras empresas”;
  8. Para a Requerente “esta conclusão seria totalmente inconsistente dado que os contratos de execução dos projectos previam a possibilidade de haver contratação de entidades independentes, mormente em áreas mais especializadas, como era o caso da fiscalização”;
  9. Assim e em conclusão, “a ATA não apresentou qualquer prova credível de que o facto tributário em que se baseou – entrada em funcionamento dos projectos de investimento em Janeiro de 2013 – se tivesse verificado efetivamente, decorrendo dos documentos que juntou que, ao contrário, em 2013, esses projectos estavam ainda em execução”;
  10. Para a Requerente a AT não deu cumprimento ao ónus da prova para sustentar as suas afirmações e para desconsiderar vários documentos com indicações contrárias ao que a ATA pretende;
  11. Não obstante não caber à Requerente o ónus de prova, a Requerente junta, ainda, a título de exemplo, “um conjunto de faturas emitidas pela B..., SA (empresa que executou parte significativa dos projectos), datadas de Setembro de 2013 e Janeiro de 2014, referentes aos projectos BS... e V... (Vd. DOC 4)”;
  12. A Requerente junta, também, “cópia de 3 dos relatórios elaborados pelo C..., referentes aos projectos V..., BS... e P... (usando a terminologia do RI), entidade que fez uma verificação física no local, onde se dá conta das datas de início da execução e da data da conclusão dos projectos (DOC 5.1)”;
  13. A Requerente junta também “as sínteses dos relatórios de encerramento lavrados pelo mesmo organismo oficial onde de dá conta das datas de início e de conclusão de cada um dos quatro investimentos em causa, a saber, (usando a terminologia da RI), P..., BS..., BC... e V... (DOC 5.2)”;
  14. Quanto às correções referentes aos encargos financeiros, segundo a Requerente  “A ATA apresenta outro tipo de correcções, estas referentes a gastos de financiamento (Vd. III.2.1.3 do RI) com a seguinte argumentação: a)A A... (A...) “recorre frequentemente a empréstimos bancários, suportando, consequentemente, um montante elevado de encargos financeiros. Desta forma, os juros suportados com empréstimos, despesas com desconto de títulos, imposto de selo e restantes encargos relacionados com o nível de endividamento, no exercício de 2013, totalizam o valor de EUR 2.218.502,21.” (Vd. pág. 18 R.I.);b) Acrescentando de seguida que “Ao mesmo tempo que contrai estes empréstimos e suporta os encargos referidos, a empresa apresenta saldos globalmente devedores nas contas de Outros Devedores e Credores (Contas 27), clientes (Contas 21) e acionistas (Contas 26), de empresas do grupo ou relacionadas, em montantes elevados. Ainda relativamente a estas apresenta saldos credores em fornecedores (contas 22), embora de valores bastante inferiores.” (Vd. pág. 18 R.I);
  15. A Requerente contesta esta argumentação, alegando que a AT não apresenta qualquer prova credível e sustentada sobre as conclusões que extrai;
  16. Pelo contrário bastaria a AT recorrer à Demonstração dos Fluxos de Caixa, que identifica as fontes de financiamento da empresa ao longo do ano em causa e a aplicação que é dada a esses fundos, para se concluir que “não é verdade que os financiamentos contraídos pela A... se encontrem a financiar moratórias a clientes; pelo contrário, os fluxos de caixa gerados pelas atividades operacionais – em concreto, recebimentos de clientes – têm um saldo muito positivo, que é utilizado para colmatar as insuficiências acima identificadas ao nível das atividades de financiamento”;
  17. A Requerente conclui, entre o mais, que: a) “Que os financiamentos contraídos pela A... não foram utilizados para a concessão de crédito e moratórias a clientes”; b) “Está errada a imputação que é feita pela ATA quanto ao destino dado aos financiamentos contraídos pela empresa geradores de encargos financeiros”; c)“Não é correto estabelecer uma relação entre o valor de créditos contraídos junto de terceiros e valores de saldos a< receber de clientes resultantes da venda de produtos; d) É manifesta a sobreavaliação dos saldos considerados pala ATA quanto aos valores a receber registados na conta 26601 – D... SGPS; e)”Que os encargos financeiros considerados pela ATA para base de cálculo do montante a corrigir incluem gastos com garantias bancárias, que não podem ser considerados para o efeito”; f) Verifica-se, assim, uma errónea quantificação do montante dos encargos financeiros a considerar no ajustamento que a ATA pretende efetuar e quanto ao valor que se poderá considerar como mais adequado no caso concreto”;
  18. Em suma para a Requerente que “a correção ao lucro tributável proposta pela ATA relativa aos encargos financeiros suportados com financiamentos utilizados no financiamento a entidades relacionadas deve ser reduzida de € 957.778,62, para € 329.474,75, conforme quadro mencionado no artigo 126.º do pedido arbitral e que se dá por reproduzido;
  19. A Requerente conclui, reproduzindo jurisprudência nesse sentido, que cabia à AT o ónus de prova sobre a indispensabilidade dos custos, o que não se verifica no caso dos autos;   
  20. A Requerente termina pedindo: “que a presente impugnação seja declarada procedente, por provada, determinando-se a anulação da liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 2013, no montante de € 307.957,01, requerendo-se igualmente que a ATA seja condenada ao pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal em vigor, contados desde a data do pagamento até à data em que for processado o competente título de reembolso”.

 

5. A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta e juntou o processo instrutor, invocando, em síntese, o seguinte: 

  1. “Relativamente à questão da imputação de subsídios relacionados com projectos de investimento – quotas mínimas, constante do ponto III.2.1.1.2 RIT, verificou a inspecção tributária que os projectos de investimento P..., BS..., BC... e V..., não obstante a execução das empreitadas,  por parte da B..., S.A., se encontrar concluída e os correspondentes activos a ser utilizados desde o início de 2013, os activos em causa apenas foram reconhecidos como deixando de estar em curso nos meses em que se completou o prazo de 48 meses, contado desde a data da assinatura do contrato de financiamento com o C.../PRODER, tendo as depreciações contabilizadas, nesse exercício, sido calculadas pelo método dos duódécimos”;
  2. Para a Requerida  os activos se encontravam a ser utilizados desde o início do exercício de 2013, combase no facto de “a B... S.A., ter refacturado à Requerente, neste exercício, encargos relativos a gastos com pessoal e segurança, “uma vez que nesse exercício já não era da sua responsabilidade a gestão dos equipamentos objecto da empreitada” e, ainda, em razão de os gastos de exploração e gastos com a certificação de qualidade terem sido suportados pela Requerente no mesmo período”;
  3. “O que significa que à luz do disposto no n.º 3 do art.º 29.º do CIRC e da alínea a) do n.º 2 do art.º 1.º do Decreto Regulamentar n.º 25/2009, que a entrada em funcionamento e utilização dos activos se verificou no início do exercício de 2013, donde resulta que a quota de depreciação deveria ter sido calculada numa base anual e não por duodécimos cobrindo apenas uma parte desse mesmo exercício”;      
  4. “Em consonância com este entendimento, a imputação dos subsídios concedidos pelo C..., também por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 22.º do CIRC, deveria ter sido  efectuada na mesma proporção da depreciação anual calculada sobre o custo de aquisição”, o que significa que “a determinação do valor dos subsídios associados a cada um dos quatro projectos de investimento, a imputar ao exercício de 2013, teve por base o valor das depreciações dos activos reportadas a Janeiro de 2013 até à data considerada pela Requerente como de início de utilização, mas, tendo em consideração as quotas mínimas de depreciação previstas no n.º 6 do art.º 30.º do Código do IRC”;
  5. Quanto aos argumentos da Requerente, alega a Requerida “que a mera menção das datas de conclusão nos Relatórios do C... não constituem, por si só, provas irrefutáveis da entrada em funcionamento dos activos naquelas mesmas datas, porquanto, formalmente os projectos foram dados por concluídos, mas, na realidade, nada impedia que a sua utilização tivesse sido iniciada em data anterior”;
  6. Por outro lado, “a alegação da Requerente sobre a existência de períodos experimentais nada clarifica sobre se todos os activos estavam abrangidos e qual a respectiva duração”, sendo certo que “a Requerente passou a assumir, desde o início do exercício de 2013, encargos conexos com os referidos investimento,  como sejam os gastos de exploração e gastos com a certificação de qualidade, o que “só pode significar que os activos já se encontravam à sua disposição”. 
  7. “Assim sendo”, conclui a Requerida que “a correcção promovida a respeito dos imputação dos subsídios, ao basear-se no disposto na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do art.º 22.º do Código do IRC, não enferma de qualquer vício de ilegalidade”.
  8. No que se refere à desconsideração da dedubilidade dos gastos de financiamento, “permanecem em litígio correcções relativos a gastos de financiamento não aceites, para efeitos fiscais, no valor de €628.303,87.”;
  9. Alega a Requerida “que o motivo que desencadeou a correcção dos gastos de financiamento foi induzido pela verificação, pelos serviços de inspecção tributária, de uma prática adoptada pela Requerente que se revelava no facto de, ao mesmo tempo que contraía empréstimos e suportava os correspondentes gastos, os saldos das contas que reflectiam os movimentos resultantes das relações comerciais e financeiras estabelecidas com sociedades relacionadas -  a saber: Conta # 21 – Clientes, Conta #22- Fornecedores, Conta # 26 – Accionistas e Conta # 27 – Outros Devedores e Credores -  evidenciavam saldos devedores elevados, prazos alongados de pagamento e inexistência de remuneração desses mesmos créditos”;
  10. “O que equivale a dizer que as necessidades de financiamento da Requerente eram acrescidas, em consequência das facilidades de pagamento concedidas  a entidades relacionadas, ou seja, do apoio financeiro que lhes era concedido sem qualquer remuneração, na medida em que vendo-se privada dos meios financeiros que eram devidos pelas entidades relacionadas, tinha de valer-se, para obter liquidez, do recurso a empréstimos”;
  11. “Desta situação assimétrica resulta um desequilíbrio no binómio gastos/rendimentos decorrente da assunção pela Requerente de gastos financeiros que se repercutiam em benefícios ou vantagens na esfera das entidades relacionadas;
  12. “É, portanto, possível estabelecer um nexo de causalidade entre os os financiamentos obtidos e os elevados saldos devedores das contas que reflectem o movimento com as entidades relacionadas, daí a metodologia seguida pela inspecção tributária para o cálculo dos gastos de financiamento não dedutíveis, descrita no ponto III.2.1.3 do RIT que aqui se dá como reproduzida”;
  13. “Nos termos do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, os gastos financeiros são dedutíveis quando comprovadamente sejam indispensáveis para a obtenção de rendimentos ou ganhos  sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, concretizando a alínea c) deste normativo que tal requisito se encontrava preenchido, sempre que os capitais alheios que dão origem aos juros são aplicados na exploração, i.e., na actividade empresarial desenvolvida”;
  14. “Sendo certo que a exploração ou actividade a que se refere a alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º é a desenvolvida pelo sujeito passivo que suporta os encargos financeiros e não as actividades desenvolvidas por entidades relacionadas, pois que, como elucida a jurisprudência (V., entre outros, Acórdão do STA, de 10.07/2002, no processo 0246/02): “as respectivas actividades são autónomas, tendo personalidade e capacidade tributária distintas”;
  15. Em suma, se os devedores em causa não tivessem beneficiado do diferimento das datas de pagamento, afluiriam afluiriam à Requerente meios financeiros que tornariam desnecessária a contracção de financiamentos em montantes tão elevados e isso provocaria logicamente um alívio de gastos financeiros;
  16. Donde ser de concluir que não seria indispensável manter o mesmo nível de individamento caso os recebiemntos das dívidas de entiaddes relacionadas não tivessem beneficiado de moratória, pelo que se considera que os gastos em causa não são dedutíveis para a formação do lucro tributável por não serem qualificados como indispensáveis para a realização dos proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para manutenção da recorrente como fonte produtora.

 

6. Por não haver razões que o justificassem o tribunal dispensou a realização da primeira reunião, prevista no art. 18.º do RJAT, o que fez ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo.

7. Por despacho, de 12 de outubro, o Tribunal designou o dia 22 de novembro de 2017, às 14 horas, para realização da audiência de julgamento.

8. No dia 22 de novembro de 2017 teve lugar a audiência de julgamento, onde se procedeu à inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente (E..., F... e G...).

O Tribunal designou o dia 28 de fevereiro como data para a prolação da Decisão Arbitral e as Partes ficaram de apresentar alegações escritas sucessivas, no prazo de quinze dias. O prazo da prolação da Decisão Arbitral veio a ser prorrogado, por despacho de 22 de fevereiro de 2018, para o dia 28 de abril de 2018 e, por despacho de 21 de abril para o dia 28 de junho. 

9. A Requerente e a Requerida apresentaram alegações reiterando os argumentos apresentados nas anteriores peças processuais. 

 

  1. Saneamento

 

9. 1. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

9.2. O tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.

9.3.O processo não enferma de nulidades.

9.4. Não foram suscitadas exceções.

9.5.Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

 

  1. Mérito

 

III.1. Matéria de facto

 

10. Factos provados

10.1.Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, prévias, e de mérito, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

a) Foi efetuada ação inspetiva, credenciada pela Ordem de Serviço n.º OI2015..., de 2015.05.26, e com despacho de 2015.05.27, motivada por informação da Direção de Finanças de ... que apontava para indícios de irregularidades no reconhecimento de ativos fixos tangíveis e correspondente imputação de subsídios, bem como relativamente à dedutibilidade dos encargos financeiros suportados pela A... .

b)De acordo com a factualidade que consta do RIT, a qual se dá aqui por inteiramente reproduzida, a Requerente apresentou diversas candidaturas a projetos de investimentos potencialmente enquadráveis no PRODER, concretamente:

1.         ...- BC...

2.         ...- BS...

3.         ....- P...

4.         ...– 30 salas – V...

5.         ...– 13 salas – V1...

6.         ...– 9 salas – V9

7.         ...– VI.... – cfr. pág. 11 do RIT.

Neste contexto, a assinatura dos contratos de financiamento dos referidos projetos com o C... foi realizada nos anos anteriores, tendo a maior parte dos subsídios sido recebida até final de 2010, e os apoios sido reconhecidos contabilisticamente em capitais (através da conta 59) por contrapartida de Outros Devedores Diversos (conta 2781), tendo esta ultima sendo creditada à medida que os subsídios foram sendo recebidos, encontrando-se no final de 2013, com um saldo devedor global de € 9.896.901,33, em conformidade com o quadro constante de fls. 12 do RIT.

Como consta do RIT, os referidos investimentos tiveram enquadramento nos Projetos de Interesse Regional (PIR), sendo requisito, entre outros, que a execução material do projeto se encontre concluída no prazo de 48 meses após à assinatura do contrato de financiamento com o C.../PRODER.

Conforme consta do ponto III.2.1.1.2 do RIT («Projetos de investimento - imputação de subsídios – quotas mínimas), «[p]ara a realização dos citados projetos de investimento foram celebrados contratos de gestão de empreitada “chave na mão” com a empresa B... S.A., que tem os mesmos detentores de capital da A... (D...SGPS SA).

Assim, não obstante as condições estabelecidas nos contratos firmados para a execução e faturação dos trabalhos a realizar pela B... SA, estes foram apenas faturados em função das necessidades de gestão dos projetos junto do C... /PRODER e não de acordo com a execução material e contratual dos mesmos.

Os factos descritos provocaram que não obstante a execução das quatro aludidas empreitadas se encontrar concluída e os correspondentes ativos estarem a ser utilizados desde pelo menos o início de 2013, estes apenas foram reconhecidos como tal nos meses em que se completou o referido prazo de 48 meses desde a assinatura do contrato com o C...

Prova disso é a refaturação, no exercício de 2013, de encargos pela B... SA à A..., relativas a pessoal e segurança, uma vez que nesse exercício já não era da sua responsabilidade a gestão dos equipamentos objeto de empreitada.

São também prova dessa utilização os gastos de exploração e de certificação de qualidade registados na contabilidade do sujeito passivo, que evidenciam a utilização dos equipamentos já no início do exercício de 2013.

Assim, para efeito de depreciações estabelece a alínea a) do n.º 2 do artigo 1º do DR 25/2009 de 14 de setembro conjugado com o n.º 3 do artigo 29 do CIRC, com a redação à data, que apenas são aceites as depreciações a partir da entrada em funcionamento ou utilização dos Ativos Fixos Tangíveis.

Sendo assim, de acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 22º do CIRC a inclusão no lucro de subsídios com ativos não correntes, quando se trate de ativos depreciáveis, deve ser efetuada na mesma proporção da depreciação calculada sobre o custo de aquisição, sem prejuízo do n.º 2 do mesmo artigo que prevê para estes casos que a depreciação calculada tem como limite mínimo a que proporcionalmente corresponder à quota mínima de depreciação prevista no n.º 6 do artigo 30º do CIRC.

Adicionalmente foram identificados alguns gastos que foram reconhecidos e classificados como despesas de desenvolvimento, sendo depreciados a 33,33%.

Os referidos gastos estão relacionados com serviços de assessoria com vista a implementar diferentes normas (ISOS) para posteriormente a entidade competente poder proceder à respetiva certificação.

Ora, o dispêndio identificado deve ser reconhecido como gasto quando incorrido, uma vez que não é expectável que fluam para a entidade benefícios económicos que ultrapassem o período contabilístico, não reunindo condições para ser qualificado como ativo de acordo a NCRF 6.

Assim, também os subsídios associados são, desde logo, de reconhecer na sua totalidade, na proporção da percentagem de cobertura de cada um dos projetos.

Nestes termos, a fim de poder determinar a imputação de subsídio associado a cada um dos investimentos e ainda não considerado, uma vez que o sujeito passivo praticou depreciações por duodécimos, foi efetuado o cálculo das depreciações e reintegrações dos ativos/gastos constantes dos quatro projetos de investimento, reportadas a janeiro de 2013 até à data considerada pela A... como de início de utilização, mas apenas tendo em consideração as quotas mínimas de depreciação prevista no n.º 6 do artigo 30º do CIRC (Anexo II).

Assim, foram obtidos os seguintes montantes apurados no referido anexo:

 

Depreciações Exercício (Imputação - quotas perdidas)

 

TAXA

 DE IMPUTAÇÃO SUBSÍDIO

 

Imputação Subsídio

             

PC...

 

          189.939,64  

 

34,98%

 

               66.440,88  

BS...

 

          421.243,60  

 

34,10%

 

             143.644,07  

BC...

 

         609.551,99  

 

36,38%

 

             221.755,01  

V3...

 

          573.513,59  

 

34,54%

 

             198.091,59  

 

           
 

   

       1.794.248,82  

     

629.931,55  

Deste cálculo resulta que não foram contabilizadas depreciações para os investimentos e períodos indicados, no montante de € 1.794.248,82 (tendo em consideração as quotas de depreciação mínimas e os ativos/gastos referenciados), pelo que não tendo sido reconhecidos os subsídios se encontra em falta a imputação a resultados nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 22º do CIRC, dos subsídios imputáveis a cada investimento, no valor global de € 629.931,55.

- cfr. fls. 15 e ss. do RIT.

Como consta do RIT, sob o ponto «III.2.1.3 – GASTOS DE FINANCIAMENTO NÃO ACEITES», consideraram os serviços o seguinte:

«No âmbito da presente auditoria foi ainda constatado que a empresa recorre frequentemente a empréstimos bancários (Anexo IV – Contas 25), suportando, consequentemente, um montante elevado de encargos financeiros. Desta forma, os juros suportados com empréstimos, despesas com descontos de títulos, imposto de selo e restantes encargos relacionados com o nível de endividamento, no exercício de 2013, totalizam o valor de € 2.218.502,21 (Anexo V – Contas 68 e 69). Ao mesmo tempo que contrai estes empréstimos e suporta os encargos referidos, a empresa apresenta saldos globalmente devedores nas contas de Outros Devedores e Credores (Anexo VI - Contas 27), clientes (Anexo VII - Contas 21) e acionistas (Anexo VIII - Contas 26), de empresas do grupo ou relacionadas, em montantes elevados. Ainda relativamente a estas apresenta saldos credores em fornecedores (Anexo IX - contas 22), embora de valores bastante inferiores.

Face ao exposto, os encargos financeiros suportados, nomeadamente os juros e despesas com descontos de títulos, só serão considerados gasto para efeitos fiscais quando os empréstimos contraídos são necessários ao desenvolvimento da atividade, dado que nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 23º do CIRC, consideram-se gastos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, designadamente, os encargos de natureza financeira.

Este artigo estabelece o princípio geral relativo à dedutibilidade fiscal dos gastos suportados pelas entidades sujeitas a IRC e refere no seu n.º 1, alínea c) (epígrafe “gastos”), que “Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora”, elencando, posteriormente, uma lista de gastos onde se incluem os “De natureza financeira, tais como juros de capitais alheios aplicados na exploração, descontos, ágios, transferências, diferenças de câmbio, gastos com operações de crédito, cobrança de dívidas e emissão de ações, obrigações e outros títulos, prémios de reembolso e os resultantes da aplicação do método do juro efetivo aos instrumentos financeiros valorizados pelo custo amortizado”.

Considera-se, assim, que a aceitação como gasto fiscal dos juros e outros encargos deverá obedecer às mesmas regras que são genericamente aplicáveis aos outros gastos suportados pelas empresas, estando, portanto, a sua dedutibilidade condicionada à observância do princípio básico segundo o qual apenas serão fiscalmente dedutíveis quando sejam comprovadamente indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora do respetivo sujeito passivo.

De facto os capitais obtidos, geradores dos encargos financeiros, ao serem canalizados para a concessão de empréstimos ou moratórias a entidades relacionadas não são manifestamente utilizados na atividade da empresa que suporta os encargos, para a qual não revertem rendimentos tributáveis que compensem os gastos, na medida em que estas utilizações não são remuneradas.

Ora, se a empresa contrai empréstimos para depois os “conceder” às empresas do grupo, este montante de empréstimos não se torna necessário à atividade da empresa, logo, não será considerado gasto o montante de encargos relacionados com o nível de endividamento, na proporção que representam os saldos devedores das contas referidas em relação aos empréstimos contraídos.

Assim, foi compilado, mensalmente, para o ano de 2013, o valor dos empréstimos, o montante do saldo globalmente devedor constantes das subcontas da conta 21, 22, 26 e 27 das entidades relacionadas e o montante dos encargos suportados com o nível de endividamento, tendo-se posteriormente apurado a percentagem mensal do montante de empréstimos não necessários à atividade da empresa (resultante dos saldos devedores das empresas do grupo) e consequentemente do montante de encargos suportados não considerados como gasto. 

Importa também acrescentar que não foram identificados e consequentemente não foram levados em consideração quaisquer gastos desta natureza repercutidos a terceiros, isto é, não foram refaturados aos devedores quaisquer valores por estes créditos/moratórias.

De resto, a contabilidade não regista proveitos financeiros associados ou motivados pela imputação às empresas do grupo dos custos suportados derivados do nível de endividamento, pelo que os mesmos não poderão ser considerados gastos fiscais.

Neste contexto, efetuou-se o cálculo dos custos financeiros não aceites, no montante de € 957.778,62, que se evidenciam no quadro seguinte:

2013

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Período

Empréstimos CONTA 25 (1)

Meios Financeiros Libertos para as Empresas do Grupo

%                            (7) = (6/1)

Encargos Totais deduzidos dos encargos repercutidos (8)

Encargos não aceites           (9) = (8x7)

 
 
 
 
 

Resumo contas 26…. (2)

Resumo contas 27…. (3)

Resumo contas Clientes - (4)

Resumo Contas Fornecedores (5)

Meios Totais Libertos      (6 ) = (2+3+4+5)

 
 
 

Janeiro

29.619.572,70

4.983.657,10

2.316.498,80

9.558.347,05

-2.901.026,25

13.957.476,70

47,12%

138.003,69

65.030,76

 

Fevereiro

29.611.826,11

5.626.832,10

2.321.221,40

10.055.843,06

-3.045.415,83

14.958.480,73

50,52%

29.799,44

15.053,25

 

Março

29.571.233,15

5.914.232,10

2.321.221,40

10.576.554,54

-3.222.961,12

15.589.046,92

52,72%

104.566,38

55.124,19

 

Abril

29.568.568,22

6.089.182,10

2.322.207,55

11.219.123,05

-3.632.716,02

15.997.796,68

54,10%

55.859,68

30.222,36

 

Maio

30.564.173,62

3.065.372,68

2.322.524,41

11.851.714,23

-4.112.341,73

13.127.269,59

42,95%

329.971,49

141.722,29

 

Junho

31.868.485,46

3.651.197,68

1.391.662,65

10.423.150,55

-3.053.087,20

12.412.923,68

38,95%

456.286,36

177.725,66

 

Julho

31.865.785,61

3.988.997,68

1.325.065,40

11.022.799,01

-3.265.669,58

13.071.192,51

41,02%

-40.026,99

-16.418,88

 

Agosto

31.678.927,17

4.735.422,68

1.445.065,40

11.542.513,76

-3.419.132,21

14.303.869,63

45,15%

156.036,41

70.454,55

 

Setembro

31.733.203,78

3.778.547,68

1.445.626,60

11.164.823,66

-3.071.297,31

13.317.700,63

41,97%

485.494,09

203.750,78

 

Outubro

32.045.439,50

4.138.232,68

1.445.626,60

12.209.866,02

-4.059.809,15

13.733.916,15

42,86%

146.007,94

62.575,54

 

Novembro

32.185.754,50

4.585.877,68

1.445.626,60

12.644.076,46

-4.251.604,97

14.423.975,77

44,81%

32.485,72

14.558,40

 

Dezembro

32.738.324,15

10.823.352,68

927.225,72

3.737.912,84

-1.547.214,61

13.941.276,63

42,58%

324.018,00

137.979,71

 

Total

--------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------

957.778,62

 
                           

 

 

NOTA: valores resultantes dos anexos IV, V, VI, VII, VIII e IX » - cfr. fls. 18 a 20 do RIT.

c) Para efeitos do disposto no artigo 60º do RCPITA, foi a Requerente notificada do projeto de relatório, através do Ofício n.º..., de 06 de maio de 2016, para o exercício do direito de audição prévia, que exerceu nos termos constantes do Anexo XVII do RIT, apresentado dentro do prazo fixado e que mereceu dos serviços a apreciação constante de fls. 34 e ss. do RIT, os quais se são dão aqui por integralmente reproduzidos, para todos os efeitos.           

d) A AT procedeu a correções ao lucro tributável, no valor global de €945.756,32, de que resultou a liquidação adicional de IRC e juros compensatórios ora impugnada: i) correção constante do ponto III.2.1.1.2 do RIT – Imputação de subsídios com base nas quotas mínimas de depreciação, no montante de €317.452,45; e ii) desconsideração da dedução de gastos com financiamentos (ponto III.2.1.3 RIT), no montante de €628.303,87, na sequência do indeferimento da reclamação graciosa registada no SICAT com o n.º ...2016...

e) Relativamente à questão da imputação de subsídios relacionados com projetos de investimento – quotas mínimas, constante do ponto III.2.1.1.2 RIT, verificou a inspeção tributária que os projetos de investimento PC..., BS..., BC... e VR..., não obstante a execução das empreitadas, por parte da B..., S.A., se encontrar concluída e os correspondentes ativos a ser utilizados desde o início de 2013, os ativos em causa apenas foram reconhecidos como deixando de estar em curso nos meses em que se completou o prazo de 48 meses, contado desde a data da assinatura do contrato de financiamento com o C.../PRODER, tendo as depreciações contabilizadas, nesse exercício, sido calculadas pelo método dos duodécimos.

f)Para os serviços de inspeção os ativos encontravam-se a ser utilizados desde o início do exercício de 2013.

g)Esta conclusão respalda-se no facto de a B... S.A., ter refaturado à Requerente, neste exercício, encargos relativos a gastos com pessoal e segurança, “uma vez que nesse exercício já não era da sua responsabilidade a gestão dos equipamentos objecto da empreitada” e, ainda, em razão de os gastos de exploração e gastos com a certificação de qualidade terem sido suportados pela Requerente no mesmo período.

h)Conforme descrito no RIT, a determinação do valor dos subsídios associados a cada um dos quatro projectos de investimento, a imputar ao exercício de 2013, teve por base o valor das depreciações dos activos reportadas a Janeiro de 2013 até à data considerada pela Requerente como de início de utilização, mas, tendo em consideração as quotas mínimas de depreciação previstas no n.º 6 do art.º 30.º do Código do IRC.

Donde resulta que o total dos subsídios não imputados pela Requerente  (cfr. ponto B1 do RIT) é de €539.475,00, sendo que €317.552,35 respeitam aos subsídios associados a activos depreciáveis, na parte proporcional à quota mínima de depreciação e €222.022,55 respeitam a activos intangíveis (despesas de desenvolvimento).

       

Projectos de investimento

Depreciações Exercício (Imputação – Quotas perdidas)

Gastos reconhecidos como despesas de desenvolvimento e amortizados a 33,33%

Taxa imputação subsídio

Imputação subsídio

Imputação subsídio (excl. despesas desenvolvimento)

PS...

€85.014,58

€104.925,06

34,98%

€66.440,88

 €29.738,10

BS...

€182.136,64

€227.512,02

34,10%

€139.690,19

 €62.108,59

BC...

€237.775,36

€134.091,27

36,38%

€135.252,34

 €86.502,68

V3...

€402.730,40

€170.783,19

34,54%

€198.091,59

€139.103,08

Total

€907.656,97

€637.221,54

 

€539.475,00

€317.452,45

i)A Requerente passou a assumir, desde o início do exercício de 2013, encargos conexos com os referidos investimento, como sejam os gastos de exploração e gastos com a certificação de qualidade.

j) A Requerente juntou cópia de três relatórios elaborados pelo C..., referentes aos projetos V3..., BS... e PC..., donde constam as datas de início e da conclusão dos projetos (Doc 5.1).

l) A Requerente juntou síntese dos relatórios de encerramento lavrados pelo C... donde consta as datas de início e de conclusão de cada um dos quatro investimentos em causa (PC..., BS.., BC... e V3... )- Doc 5.2. 

m) Os projetos BC..., VR... e BS... não estavam em funcionamento em julho de 2013 e o  projeto PC..., que era aquele que estava mais avançado, apesar de nessa data estarem as construções terminadas, encontrava-se numa fase de testes (depoimento da testemunha E...).

n)Segundo o relatório de inspeção a Requerente ao mesmo tempo que contraía empréstimos e suportava os correspondentes gastos, os saldos das contas que reflectiam os movimentos resultantes das relações comerciais e financeiras estabelecidas com sociedades relacionadas -  a saber: Conta # 21 – Clientes, Conta #22- Fornecedores, Conta # 26 – Accionistas e Conta # 27 – Outros Devedores e Credores - evidenciavam saldos devedores elevados, prazos alongados de pagamento e inexistência de remuneração desses mesmos créditos.

o)A Requerente deduziu a presente impugnação apenas contra a decisão de indeferimento proferida no processo nº ...2016..., pelo Director de Finanças de ..., notificado à Requerente pelo ofício de 26.01.2017.

n)A Requerente apresentou em 25.04.2017 o pedido de pronúncia arbitral.

 

10.2. Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

10.3. Fundamentação da matéria de facto

 

O julgamento da matéria de facto teve por base a análise crítica da posição assumida pelas partes, os documentos juntos pela Requerente e o Processo instrutor. Foi igualmente tida em conta a análise crítica da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, em especial a produzida pela testemunha E..., nomeadamente no que diz respeito ao esclarecimento do facto referido no ponto m) do probatório. Aquela testemunha, que acompanhou presencialmente os quatro projetos na sua qualidade de funcionário, desde julho de 2013, da empresa H..., que foi a responsável pela fiscalização e acompanhamento dos projetos, demonstrou perfeito conhecimento dos projetos. 

 

 

III.2. Matéria de Direito

 

 

III.2.1. Quanto à questão da imputação dos subsídios

 

A questão a decidir prende-se com o momento inicial a partir do qual devem ser imputados ao lucro tributável os subsídios recebidos por uma empresa. A Requerente recebeu subsídios do C... para financiar um conjunto de projetos de investimento e iniciou a sua imputação por duodécimos, pelos meses decorridos entre o mês de entrada em funcionamento de cada um dos 4 projetos de investimento e o final do ano de 2013. Esta imputação tem por base a tomada em consideração pela Requerente das seguintes datas de entrada em funcionamento para cada um dos projetos:

 

...  (BS...): junho de 2013;

... (BC...): outubro de 2013;

...  (PC...): abril de 2013; e

... VR...): janeiro de 2014.

 

Já a AT entende que  “ não obstante a execução das quatro aludidas empreitadas se encontrar concluída e os correspondentes ativos estarem a ser utilizados desde pelo menos o início de 2013, estes apenas foram reconhecidos como tal nos meses em que se completou o referido prazo de 48 meses desde a assinatura do contrato com o C...” e, portanto, corrigiu as depreciações entre o mês de janeiro de 2013 e as datas consideradas pela requerente como de efetiva entrada em funcionamento dos ativos e, consequentemente, a imputação dos subsídios em resultados.

 

Ou seja, trata-se aqui de saber se, como a AT alega, os ativos estavam em funcionamento “desde pelo menos o início de 2013”, ou se a entrada em funcionamento ocorreu apenas em data posterior como sustenta a Requerente, questão que é fundamental tendo em conta o quadro normativo aplicável.

 

Com efeito, de acordo com o artigo 22.º do CIRC vigente à altura dos factos, os subsídios são incluídos no lucro tributável nos termos da alínea a) do mesmo artigo: “quando os subsídios respeitem a activos depreciáveis ou amortizáveis, deve ser incluída no lucro tributável uma parte do subsídio atribuído, independentemente do recebimento, na mesma proporção da depreciação ou amortização calculada sobre o custo de aquisição ou de produção, sem prejuízo do disposto no n.º 2”. Segundo o n.º 2 então vigente “nos casos em que a inclusão no lucro tributável dos subsídios se efectue, nos termos da alínea a) do número anterior, na proporção da depreciação ou amortização calculada sobre o custo de aquisição, tem como limite mínimo a que proporcionalmente corresponder à quota mínima de depreciação ou amortização nos termos do n.º 6 do artigo 30.”. E o artigo 30.º, n.º 6 referia então que “para efeitos do número anterior, as quotas mínimas de depreciação ou amortização são as calculadas com base em taxas iguais a metade das fixadas segundo o método das quotas constantes, salvo quando a Direcção-Geral dos Impostos conceda previamente autorização para a utilização de quotas inferiores a estas, na sequência da apresentação de requerimento em que se indiquem as razões que as justificam”. 

O artigo 29.º, n.º 1, do CIRC considerava aceite como gasto a depreciação ou amortização de ativos fixos tangíveis, referindo no n.º 3 que “salvo razões devidamente justificadas e aceites pela Direcção-Geral dos Impostos, os elementos do activo só se consideram sujeitos a deperecimento depois de entrarem em funcionamento ou utilização”.

Estas normas devem ser lidas em conjugação tendo em conta o Decreto Regulamentar n.º 25/2009, de 14/9, segundo o qual, “salvo razões devidamente justificadas e aceites pela Direcção-Geral dos Impostos, as depreciações e amortizações só são considerada (…) relativamente a activos fixos tangíveis e a propriedades de investimento, a partir da sua entrada em funcionamento ou utilização” (artigo 1.º, n.º 2, al. a), e é também esse momento, o da entrada em funcionamento, o momento relevante para determinar o início da vida útil (artigo 3.º, n.º4).

A lei fiscal tem, assim, uma preocupação de não permitir aos contribuintes anteciparem a depreciação dos seus ativos por razões fiscais numa matéria em que a contabilidade, como é comum, dá à empresa uma margem de avaliação sobre o momento em que esta considera que o ativo está disponível para uso. Segundo a Norma Contabilística e de Relato Financeiro n.º 7 – Ativos Fixos Tangíveis, “a depreciação de um ativo começa quando este esteja disponível para uso, isto é, quando estiver na localização e condição necessárias para que seja capaz de operar na forma pretendida” (NCRF 7, 55). Ou seja, a lei fiscal acautela os casos de uma possível antecipação abusiva da depreciação impondo a intervenção autorizativa da AT nos casos em que o sujeito passivo pretenda antecipar o momento inicial da amortização.

 

Nos restantes casos, como é aquele que aqui tratamos, é a entrada em funcionamento ou utilização que é determinante para a definição do momento inicial de amortização, e por referência a este, da imputação dos subsídios no lucro tributável.

A AT baseou a sua conclusão de que os ativos estavam em funcionamento pelo menos desde o início de 2013 – que é o ponto determinante para poder efetuar as correções que abordamos neste ponto – no facto de “de a B... S.A., ter refacturado à Requerente, neste exercício, encargos relativos a gastos com pessoal e segurança, “uma vez que nesse exercício já não era da sua responsabilidade a gestão dos equipamentos objecto da empreitada” e, ainda, em razão de os gastos de exploração e gastos com a certificação de qualidade terem sido suportados pela Requerente no mesmo período.” (assim resumido no artigo 24.º da Resposta”.

Como resulta do previsto no artigo 74.º da LGT, “o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, pelo que era sobre a Requerida que impenderia o dever de fazer prova do facto tributário, ou seja, da verificação dos pressupostos de incidência do imposto em causa.

Mais concretamente, no caso dos autos recai sobre a Requerida o ónus de demonstrar que os ativos se encontravam em funcionamento “pelo menos desde Janeiro de 2013.

Afigura-se porém que a AT não conseguiu criar no Tribunal a convicção de que realmente os ativos, naquela data, estavam em funcionamento.

 Vejamos.

 

(i) Em primeiro lugar, os elementos que a AT indica não permitem concluir se o ativo estava ou não em funcionamento pelo menos em Janeiro de 2013. Por um lado, o facto de haver despesas relativas a um ativo não significa que ele esteja sem qualquer dúvida em funcionamento, cabendo na liberdade de execução contratual das partes ir decidindo se é o empreiteiro ou o dono da obra a suportar custos concretos. Mas em qualquer caso nunca estes elementos permitem a conclusão de que os quatro projetos estariam já em funcionamento em Janeiro de 2013 (por exemplo, são apontados custos de segurança, mas uma obra não terminada tem custos de segurança associados; são referidos custos com pessoal, mas estes são um tipo de custo normal antes de um projeto estar em pleno funcionamento no caso de ativos que vão sendo construídos como é o caso dos ativos em causa). Ou seja, a AT baseia a sua pretensão probatória em factos meramente indiciários e que não apresentam qualquer nexo direto que nos permitiria concluir que o ativo estava já em funcionamento em Janeiro de 2013.

 

(ii) Em segundo lugar, a Requerente junta relatórios do C... (docs 5.1 e 5.2 com o seu Requerimento) que referem expressamente “datas de conclusão” dos investimentos todas elas posteriores a janeiro de 2013 e todas coincidentes com a opção contabilística do sujeito passivo. Trata-se de prova documental, de um organismo público intimamente ligado aos projetos em causa através dos subsídios concedidos, e que realizou ações inspetivas aos projetos, prova documental esta que, por tudo o que se disse, não pode ser desconsiderada; antes tem de ser valorada, em conjunto com a restante prova, tanto mais que a própria AT tentou obter junto deste organismo elementos de prova que optou, a final, por não juntar.

 

(iii) Em terceiro e último lugar, de acordo com a prova testemunhal produzida em audiência, em concreto pela testemunha E..., que acompanhou presencialmente os quatro projetos na sua qualidade de funcionário, desde julho de 2013 da empresa H..., empresa responsável pela fiscalização e acompanhamento da obra, não se pode concluir que qualquer dos quatro projetos estivesse em funcionamento em janeiro de 2013.

A testemunha foi absolutamente perentória quanto aos projetos BC..., VR... e BS... não estarem em funcionamento em julho de 2013, data em que iniciou o serviço à empresa H... . Quanto ao projeto PC... que era aquele que estava mais avançado quando entrou ao serviço, a testemunha referiu que apesar de nessa data estarem as construções terminadas, na sua opinião não se poderia considerar em funcionamento, mas apenas numa fase de testes a correrem em uma ou duas das salas, tendo-se detetado uma série de problemas nesses ensaios que necessitaram de resolução. Aliás, disse, estes testes no projeto PC... serviram também para evitar erros nos outros três projetos que estavam numa fase mais atrasada de desenvolvimento.

 

Ante o exposto, em situação de dúvida, sempre se deveria decidir em sentido favorável à Requerente, ou seja, contra a parte sobre quem incide o ónus da prova.

Em suma, da valoração conjunta dos elementos probatórios trazidos pela Requerente e a Requerida ao Tribunal resulta que não ficou provado, como pretendia a AT, que os ativos em causa estavam em funcionamento “pelo menos desde o início de 2013”, pelo que a liquidação adicional não deve, neste ponto, subsistir, devendo considerar-se correta a contabilização inicialmente feita pelo sujeito passivo.

 

III.2.2. Quanto à questão da dedução dos gastos de financiamento

 

Trata-se aqui de saber se certos gastos de financiamento incorridos pela Requerente são ou não fiscalmente dedutíveis. A AT considera, no seu RIT, depois repetido nas suas peças processuais que “foi ainda constatado que a empresa recorre frequentemente a empréstimos bancários (Anexo IV – Contas 25), suportando, consequentemente, um montante elevado de encargos financeiros. Desta forma, os juros suportados com empréstimos, despesas com descontos de títulos, imposto de selo e restantes encargos relacionados com o nível de endividamento, no exercício de 2013, totalizam o valor de € 2.218.502,21 (Anexo V – Contas 68 e 69)” Fundamentou as correções alegando,  “ao mesmo tempo que contrai estes empréstimos e suporta os encargos referidos, a empresa apresenta saldos globalmente devedores nas contas de Outros Devedores e Credores (Anexo VI - Contas 27), clientes (Anexo VII - Contas 21) e acionistas (Anexo VIII - Contas 26), de empresas do grupo ou relacionadas, em montantes elevados. Ainda relativamente a estas apresenta saldos credores em fornecedores (Anexo IX - contas 22), embora de valores bastante inferiores.” Como sustenta ainda na sua Resposta, em síntese, “as necessidades de financiamento da Requerente eram acrescidas, em consequência das facilidades de pagamento concedidas a entidades relacionadas, ou seja, do apoio financeiro que lhes era concedido sem qualquer remuneração, na medida em que vendo-se privada dos meios financeiros que eram devidos pelas entidades relacionadas, tinha de valer-se, para obter liquidez, do recurso a empréstimos”.

A AT alega que dos financiamentos obtidos pela Requerente, parte destes foi canalizada diretamente, sem qualquer remuneração para empresas do grupo; e que outra parte foi indiretamente afeta a estas outras empresas pela existência dívidas comerciais não pagas, que foram assim também causa da necessidade dos empréstimos que suportou a montante. Em ambos os casos concluí, com base na interpretação que faz do artigo 23.º do CIRC, que os gastos de financiamento não são dedutíveis “por não serem qualificados como indispensáveis para a realização dos proveitos da recorrente sujeitos a imposto ou para manutenção da recorrente como fonte produtora”.

Trata-se portanto de averiguar se os gastos devem ou não ser considerados indispensáveis.

Dos encargos financeiros contabilizados em 2013 (€2.218.502,2), a AT não considerou dedutíveis €957.779,82. Contudo, a Requerente aceitou parcialmente esta correção no valor de €329.474,75 (quantia que considerou estar relacionada como financiamento direto), estando portanto em discussão a quantia remanescente de € 628.303, 87. O Tribunal por isso não entrará diretamente na questão de saber se gastos de financiamento por empréstimos não remunerados feitos a participadas devem ou não ser considerados dedutíveis.

Como colocada pela Requerente, a questão remanescente em análise é então a de saber se “seria indispensável manter o mesmo nível de endividamento, caso os recebimentos das dívidas de entidades relacionadas não tivessem beneficiado de moratórias”. Para responder a esta questão o Tribunal considera fundamental tecer algumas notas sucintas sobre o ponto atual da doutrina e da jurisprudência sobre a matéria da dedutibilidade de gastos.

Como se sabe, o “custo é uma despesa com um fim empresarial, o que não quer dizer uma despesa que tenha um fim imediato e directamente lucrativo; o que é indispensável é que tenha, na sua origem, e na sua origem e na sua causa, o interesse específico da empresa”. “Não se trata de saber se corresponde ou não à mais eficaz defesa dos interesses da empresa: esta é uma questão que não pode ser resolvida mediante a atribuição de um poder intervenção do Estado – nem na veste da Administração, nem mesmo na veste do juiz - de modo a que possa realizar um juízo de mérito sobre uma certa opção de gestão empresarial. Também não pode depender da validação mediante a verificação a posteriori da efectiva geração de proveitos.” (…) “Do ponto de vista da aceitação da perda como custo fiscalmente atendível, fica assim assumido que o requisito da indispensabilidade dos custos para a formação de proveitos deve ser aferido por critérios de racionalidade económica face aos objectivos estatutários, e atendendo, por isso, à razoabilidade e fundamentação das decisões de gestão no momento e nas circunstâncias em que são tomadas – e não, evidentemente, à adequação da decisão a qualquer dever de boa, ou prudente, ou, ainda menos, eficiente administração da empresa que possa ser objecto de um juízo de uma autoridade pública.”  (J. L. Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, Manual de Direito Fiscal Angolano, Coimbra Editora, 2010, p. 330-331). Este caminho já tinha sido aberto entre nós por autores como António Moura Portugal (a indispensabilidade “(…) deve ser aferida a partir de um juízo positivo da subsunção na actividade societária. Este, por sua vez, não deve ser sindicado pelo Fisco ou pelos tribunais, porque a isso obriga a liberdade de iniciativa económica.” António Moura Portugal, A dedutibilidade dos custos na jurisprudência fiscal Portuguesa, Coimbra: Editora, 2004, p. 279) e antes disso por Tomás Cantista Tavares (“A noção  legal de indispensabilidade entre as componentes positivas e negativas do rendimento, pelo contrário, apenas intima uma relação de causalidade económica, no sentido da admissibilidade fiscal dos encargos reputados de indispensáveis pelo órgão de gestão, dado que contribuem, ainda que indirecta ou mediatamente, para a percepção dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtora. Ora, este desiderato verifica-se sempre que - por funcionamento da teoria da especialidade do fim das pessoas colectivas - as operações societárias se insiram na sua capacidade, por subsunção no respectivo escopo estatutário e, em especial, desde que se conectem com a obtenção do lucro, ainda que de forma indirecta ou mediata”. (Tomás Cantista de Castro Tavares, “Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Colectivas: Algumas Reflexões ao Nível dos Custos”, Ciência e Técnica Fiscal, Lisboa: Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 396, outubro-dezembro, 1999, p. 167).

A jurisprudência recolheu também um critério de indispensabilidade centrado no interesse societário visto como um escopo lucrativo direto ou indireto, traçando a linha nas situações abusivas, fraudulentas ou artificiais, sempre dependendo dos elementos de prova concreto de cada caso.

Como recentemente se afirmou no Processo 313/2017-T do CAAD, que seguimos:

Com efeito, relativamente ao critério da indispensabilidade, concordamos com a interpretação ampla do artigo 23.º do Código do IRC, defendida pela Requerente e que tem sido adotada pela jurisprudência do CAAD e dos tribunais judiciais. Seguimos, portanto, o entendimento vertido, por exemplo, no acórdão do STA de 24-09-2014, proferido no âmbito do processo n.º 0779/12, em sede do qual se entendeu que:

“No entendimento que a doutrina e a jurisprudência têm vindo a adoptar para efeito de averiguar da indispensabilidade de um custo (cfr. art. 23.º do CIRC na redacção em vigor em 2001), a AT não pode sindicar a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa, sob pena de se intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade.

II - Assim, um custo será aceite fiscalmente caso, num juízo reportado ao momento em que foi efectuado, seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação económica infrutífera ou economicamente ruinosa, e a AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos).” Não se exige a existência de um nexo causal absoluto entre os custos incorridos e o desenvolvimento da atividade do sujeito passivo entendida como a prossecução do seu objeto social. Basta que o custo seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros e que não se destine à prossecução de objetivos alheios (isto é, dos sócios ou de terceiros).No que diz respeito, em especial, aos custos decorrentes da obtenção de empréstimos (juros) por uma sociedade que visa a concessão de empréstimos a sociedades participadas, integrantes do mesmo grupo fiscal (sujeitas ao RETGS), veja-se o acórdão do tribunal arbitral proferido no processo n.º 587/2014-T, no âmbito do qual se defendeu que:

“Assim, na questão que neste ponto se discute, a dedutibilidade dos juros suportados pela participante dependerá do facto de tais financiamentos contribuíram para, segundo regras normais de gestão, incrementar a expectativa de benefícios futuros ou para manter a fonte produtora (activo financeiro) de ALFA (que concede os suprimentos à sociedade participada). Quer isto dizer que os gastos resultantes do financiamento obtido por ALFA e que depois foi aplicado no financiamento de BETA devem satisfazer uma (ou ambas) das seguintes condições:

a) Estarem associados à expectativa de incremento dos benefícios da participante;

b) Permitirem a manutenção da fonte produtora dos rendimentos (ou seja, contribuírem para a continuidade da actividade das participadas e do consequente reconhecimento continuado do activo financeiro na esfera da participante).”

Mais reforçarmos que a aceitação deve ser global e não apenas parcelar pois há que separar os fluxos de tesouraria dos fluxos económicos

Aliás, quanto a suprimentos gratuitos efetuados por uma empresa que não é uma SGPS a entidades participadas, o STA entendeu recentemente que “no caso dos autos os encargos financeiros suportados pela recorrente não podem contudo ser considerados gastos indispensáveis para efeitos da sua dedutibilidade nos termos do artigo 23 do CIRC. Pela simples razão de tais gastos serem efectuados e suportados por força dos suprimentos gratuitamente concedidos às empresas que lhe são associadas e por si dominadas e no interesse das mesmas. As quais sendo sujeitos passivos autónomos não deixam para efeitos fiscais de ser terceiros em relação à recorrente e sendo como ela igualmente sujeitos passivos de IRC” (Acórdão do STA no Processo 325/16, de 19-04-2017).

Em ambas as decisões existe um problema mais complexo do que aquele que temos de resolver aqui, na medida em que tinha havido financiamento direto à sociedade participada -  o que como vimos, no caso em apreço, a Requerente acabou por entender que não deve ter os efeitos fiscais inicialmente pretendidos (ou seja, acabou por considerar como não dedutíveis os gastos de financiamento associados aos valores que foram considerados como tendo sido diretamente entregues a outras empresas do grupo).

Assim, aquilo que nos resta julgar, neste caso, prende-se com valores que a AT considera deverem ter idêntico tratamento, mas que decorrem já não de quantias diretamente aportadas a empresas do grupo, mas de haver dívidas comerciais de entidades do Grupo. Como a própria AT esclarece na sua Resposta, “quando a inspecção tributária refere que os financiamentos geradores de encargos financeiros foram “canalizados” para a concessão de créditos ou moratórias a entidades relacionadas, importa reter o sentido útil da afirmação, explicitado, aliás, no ponto B.2.2 do RIT a propósito do nexo de causalidade entre os gastos de financiamento e os saldos das contas das operações com entidades relacionadas, e que é, na realidade, o seguinte:” uma parte desses encargos resulta efectivamente dessas transferências, mas outra resulta da falta das mesmas, ou seja, da falta de recebimento das operações com entidades do grupo” (sublinhado nosso). (…) É que, embora os saldos das contas Clientes e Fornecedores possam não ter propriamente associado qualquer utilização de crédito, a AT entende que as moratórias concedidas apenas são possíveis porque “obtém liquidez resultante de empréstimos que não são utilizados para os fins que se destinam mas pelo contrário, para fornecer liquidez  a empresas do grupo, sem fazer repercutir nas mesmas os encargos de financiamento.””

Ao contrário da Requerida, entende-se que a atividade comercial que originou essas dívidas se insere, sem qualquer margem de dúvida na atividade normal da empresa, critério que deve ser utilizado para aferir a indispensabilidade do gasto. O objeto social da empresa Requerente é a “produção e comercialização de cogumelos frescos e enlatados” e as dívidas de clientes aqui em causa resultam da prática desse mesmo objeto social e das especificidades do mesmo.

Por outro lado, o método utilizado pela AT para encontrar o valor de gastos de financiamento não dedutíveis, através dos saldos das contas tendo como contraparte entidades relacionadas (que a própria AT no processo admite que “possam não ter propriamente associado qualquer utilização de crédito”) é um método que abstrai de um modo que não é juridicamente admissível do facto de estarmos perante atrasos de pagamento em relações comerciais normais dentro do objeto e atividade da sociedade.  Ao procurar aplicar aos atrasos de pagamento de clientes uma matriz de decisão desenvolvida a propósito de entregas de dinheiro não remuneradas a participadas por empresas que não são SGPS encontrada com base na análise de saldos da contabilidade, a AT leva longe demais, e para um plano de profunda abstração a aplicação do critério da indispensabilidade dos gastos tal como concretizado pela melhor jurisprudência superior.

Se é verdade que o STA já decidiu que num determinado caso uma sociedade que não seja uma SGPS não pode deduzir os gastos de financiamento com suprimentos e prestações suplementares gratuitas que efetue a empresas associadas, nessa mesma decisão se reiterou o critério da atividade e do objeto social como chave para a aferição da indispensabilidade dos gastos (“AT apenas pode desconsiderar como custos fiscais os que não se inscrevem no âmbito da actividade do contribuinte e foram contraídos, não no interesse deste, mas para a prossecução de objectivos alheios (quando for de concluir, à face das regras da experiência comum que não tinha potencialidade para gerar proveitos). Sendo que a potencialidade de realização de proveitos em nosso entender apenas se deve restringir aos proveitos decorrentes do exercício da actividade da empresa, na prossecução do seu objecto societário” - Acórdão do STA no Processo 325/16, de 19-04-2017, com referências ao Acórdão do STA no Processo 779/12, de 24-09-2014).

Mas tal como afirmou o STA “o controlo a efectuar pela AT sobre a verificação deste requisito da indispensabilidade tem de ser pela negativa, ou seja, a AT só deverá desconsiderar como custos fiscais os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos, não podendo «o agente administrativo competente para determinar a matéria colectável arvorar-se a gestor e qualificar a indispensabilidade ao nível da boa e da má gestão, segundo o seu sentimento ou sentido pessoal; basta que se trate de operação realizada como acto de gestão, sem se entrar na apreciação dos seus efeitos, positivos ou negativos, do gasto ou encargo assumido para os resultados da realização de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora» (VÍTOR FAVEIRO, Noções Fundamentais de Direito Fiscal Português, volume II, página 601.). (…) Ou seja, a AT não se pode intrometer na liberdade e autonomia de gestão da sociedade, sindicando a bondade e oportunidade das decisões económicas da gestão da empresa. Um custo será aceite fiscalmente caso seja adequado à estrutura produtiva da empresa e à obtenção de lucros, ainda que se venha a revelar uma operação economicamente infrutífera ou até ruinosa.O que significa que, nos termos do citado art. 23.º do CIRC, serão considerados gastos fiscais todos aqueles encargos que sejam assumidos de acordo com um propósito empresarial, ou seja, no interesse da empresa e tendo em vista a prossecução do respectivo objecto social” (Acórdão do STA no Processo 779/12, de 24-09-2014)

Aliás, aplica-se também no nosso caso o sentido do reparo certeiro feito pelo STA à AT no processo acima citado: “se a AT tem algum motivo para suspeitar de que os valores reais por que foram celebrados os referidos negócios não são os que constam das escrituras ou que algum deles foi efectuado com o intuito de manipular ilegitimamente a matéria tributável, deveria ter escolhido outro caminho que não o da desconsideração parcial do custo com fundamento na falta de verificação da exigida indispensabilidade” (Acórdão do STA no Processo 779/12, de 24-09-2014).

Com efeito, as relações comerciais e as dívidas que daí possam surgir quando entre entidades relacionadas devem respeitar as condições de mercado e a AT tem sempre o poder de iniciar de efetuar correções com base  no regime de preços de transferência, com as especificidades e garantias previstas aí, e tentar, através desse procedimento, demonstrar que há um aumento de custos numa entidade provocado pelo facto de esta não ter praticado condições de mercado com uma empresa sua associada (artigo 63.º do Código do IRC e Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro). O que não pode é substituir a aplicação deste regime de preços de transferência pela aplicação cega do artigo 23.º, considerando o gasto como não dedutível assente numa cadeia de raciocínios demasiado abstratos, conjeturais e indiretos.

Assim, e em conclusão, a AT não logrou demonstrar a conexão entre os financiamentos obtidos e as operações comerciais que geraram saldos devedores, o que teria de ter feito para, num segundo momento, demonstrar que essas operações e o seu regime não se incluem num conceito de normal atividade de uma empresa que se dedica, precisamente, a essas operações comerciais (de produção e venda de cogumelos), o que também não logrou fazer. Ou seja, os gastos financeiros cuja dedutibilidade fiscal a AT colocou em crise devem ser considerados dedutíveis fiscalmente ao abrigo do artigo 23.º do Código do IRC.

Ante o que vai exposto não pode deixar de improceder a argumentação da Requerida sendo de dar razão à Requerente.

Termos em que se julga procedente o pedido de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa (parcial) e, nesta sequência, a anulação parcial dos atos tributários de autoliquidação de imposto sobre IRC e juros compensatórios referentes ao período de tributação de 2013, refletidos no documento n.º 2016..., Compensação n.º..., no valor global de €307957,01.   

 

III.3. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios

 

A Requerente pede ainda a condenação da Requerida ao pagamento de juros indemnizatórios, contados sobre os montantes já pagos desde as datas desses pagamentos até à data em que for processado ou compensado o crédito resultante da anulação da liquidação impugnada.    

Nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se apure, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços.

Nesse sentido, vd., por exemplo, o seguinte aresto: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30/5/2012, proc. 410/12).

No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa (parcial), pelas razões que se apontaram anteriormente, se encontram preenchidos os pressupostos do direito a juros indemnizatórios.

Apesar de o processo de impugnação judicial ser essencialmente um processo de mera anulação – conforme o disposto nos artigos 99.º e 124.º do CPPT – pode nele ser proferida condenação da administração tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

Por outro lado, há lugar a reembolso do imposto pago pela Requerente, por força do disposto nos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.

Foi também esse o entendimento do tribunal arbitral constituído no âmbito do processo n.º 48/2013-T, onde estavam também em causa pedidos de reembolso e condenação no pagamento de juros indemnizatórios. Concluiu aquele tribunal que: “O pedido de constituição de tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a legalidade da dívida exequenda, pelo que, como resulta do teor expresso no n.º 1 do referido artigo 117.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

Aplicando a doutrina daquele acórdão, considera-se que a ora Requerente tem direito a juros indemnizatórios, sobre a quantia que indevidamente pagou, até à sua integral devolução, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 e 3, al. c), da LGT e art. 61.º do CPPT, à taxa legal aplicável e no valor que vier a ser fixado em sede de execução de sentença, como aliás é solicitado pela Requerente nos pontos 145.º e 146.º do Pedido Arbitral.

 

 

  1. Decisão

 

Termos em que acorda o presente Tribunal em:

  1. Julgar procedente o pedido de anulação (parcial) do despacho de indeferimento do Diretor de Finanças de ..., de 20-01-2017, que correu termos sob o processo n.º ...2016...;
  2. Anular parcialmente o referido despacho e, nesta sequência;
  3. Anular parcialmente os atos tributários de autoliquidação de imposto sobre IRC e juros compensatórios referentes ao período de tributação de 2013, refletidos no documento n.º 2016..., Compensação n.º..., no valor global de €307957,01;
  4. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios até efetivo e integral pagamento, no valor que vier a ser fixado em sede de execução de sentença.   

 

 

  1. Valor do Processo

 

De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º , n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €307.957,01.

 

 

VI. Custas

 

De acordo com o previsto nos artigos 22.º, n.º 4, e 12.º, n.º 2, do RJAT, no artigo 2.º, no n.º 1 do artigo 3.º e nos n.ºs 1 a 4 do artigo 4.º do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, bem como na Tabela I anexa a este diploma, fixa-se o valor global das custas em €5 508,00, a cargo da Requerida.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 16 de maio de 2018.

 

Os árbitros,

 

Fernanda Maçãs (presidente)

 

                                                                                   

 

Dr. João Taborda da Gama (vogal)

                                              

 

 

                                         Dr. Luís Ricardo Farinha Sequeira (vogal)