Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 517/2017-T
Data da decisão: 2018-04-30  IRC  
Valor do pedido: € 358.536,50
Tema: IRC - Crédito de imposto por dupla tributação internacional -- tributação pelo estado da fonte em violação de convenção sobre dupla tributação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros que constituem este Tribunal Arbitral acordam no seguinte:

 

 

I - RELATÓRIO

 

  1. Constituição do tribunal arbitral e tramitação do processo

 

A…, S.A., com sede na Rua …, n.°…, …, Braga, NIPC…, veio, nos termos legais, apresentar pedido de pronúncia arbitral, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Requerente designou como árbitro o Prof. Doutor Rui Duarte Morais. O dirigente máximo da Administração Tributária designou como árbitro o Prof. Doutor Manuel Pires. Os árbitros designados pelas partes, que aceitaram exercer tal função, acordaram em designar o Conselheiro Carlos Cadilha como árbitro presidente, o qual também aceitou a designação.

O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 20/12/2017.

A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual concluiu pela improcedência do pedido.

Tendo a Requerente prescindido da produção de prova testemunhal, foi dispensada a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, por falta de objeto.

As partes apresentaram alegações escritas, nas quais sustentaram as suas posições iniciais.

 

  1.  Pedido de pronúncia arbitral

 

         A Requerente pede a anulação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.° 2017…, no valor de € 73.521,48, relativa ao exercício de 2007, da liquidação n.° 2017…, no valor de € 10.753,90, relativa ao exercício de 2008, e da liquidação de IRC n.° 2013… no valor de € 277.825,74, relativas ao exercício de 2009.

 

  1. Objeto do litígio

A Requerente entende que as liquidações impugnadas são ilegais na medida em que resultam da não-aceitação da dedução à coleta de IRC (crédito de imposto) do valor correspondente ao imposto por si pago em Marrocos, incidente sobre pagamentos feitos pela sua sucursal aí localizada à “casa mãe”, a que teria direito nos termos do art. 23º da CDT vigente entre os dois países.

Para além de sustentar o seu direito a tal crédito de imposto, a Requerente entende que as liquidações em causa violam os princípios constitucionais da boa-fé, da confiança, da igualdade e da segurança jurídica. Mais em concreto, argumenta que Portugal, ao assinar uma CDT com outro país, garante aos seus residentes que nele serão tributados nos termos decorrentes de tal convenção e, ainda, que se não vigorasse uma CDT entre o Reino de Marrocos e Portugal, aquele país seria livre para tributar as operações em causa, mas, então, não seria questionada em Portugal a dedução efetuada a título de crédito de imposto por dupla tributação internacional, em razão do disposto na lei interna portuguesa.

A AT contrapõe que, sendo o imposto cobrado por Marrocos não conforme com a CDT em vigor entre os dois países, o valor aí pago não é dedutível em Portugal por força do disposto no n.º 2 do art.º 91.º (anterior art.º 85.º) do Código do IRC.

        

II - FACTOS PROVADOS

Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma sociedade comercial cujo objeto social consiste na realização de empreitadas de obras públicas, indústria de construção civil, compra e venda de imóveis e prestação de serviços de engenharia.
  2. A Requerente exerce atividade em Marrocos, através de uma sucursal — a B… .
  3. A “casa mãe” da Requerente, sedeada em Portugal, debitou à sucursal (estabelecimento estável) em Marrocos, por referência aos períodos de tributação em causa, faturas relacionadas com o transporte e montagem de equipamentos; faturas relacionadas com estudos e projetos associados às empreitadas realizadas em Marrocos; faturas relacionadas com o apoio administrativo ao funcionamento da sucursal (faturas de que se encontram juntas cópias em anexo ao RIT).
  4. Os pagamentos efetuados pela sucursal B… à respetiva “casa mãe” sofreram, em Marrocos, uma tributação por aplicação da taxa de 10%., em valores correspondentes a €14. 68.369,89 (2007), €10.000,00 (2008) e €254.002,56 (2009).
  5. A Requerente reclamou graciosamente das liquidações oficiosas emitidas pela AT portuguesa e, na sequência do indeferimento de tais reclamações, recorreu hierarquicamente, recursos que obtiveram provimento parcial no tocante aos exercícios de 2007 e 2008, tendo as liquidações ora impugnadas, relativas a estes dois exercícios, resultado da correção administrativa das inicialmente emitidas.
  6. Entre Portugal e o Reino de Marrocos vigora a CDT aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 69-A/98, publicada em 23.12.1998, a qual, no tocante à repartição do direito à tributação do lucro das empresas (art. 7º), segue o Modelo da OCDE vigente à data.
  7. Em 23 de Janeiro de 2012, a Requerente requereu à Direção de Serviços das Relações Fiscais Internacionais que diligenciasse no sentido de dirimir o descrito problema de dupla tributação, resultante do incumprimento por Marrocos do previsto em tal CDT, através de acordo amigável com as autoridades competentes deste país. 

III - Factos não provados

Não ficou provado que a Requerente (nomeadamente, através da sua sucursal em Marrocos) tenha efetuado quaisquer diligências junto da administração fiscal marroquina no sentido da anulação das liquidações de imposto incidentes sobre os pagamentos efetuados à “casa mãe” e/ou que tivesse recorrido de tais liquidações junto dos tribunais do Reino de Marrocos.

 

III - SANEAMENTO

  As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas.

 

Não foram alegadas exceções de que cumpra conhecer.

Não se verificam nulidades que obstem ao conhecimento do mérito.

Os pedidos formulados pela Requerente são cumuláveis, nos termos do artº 3.°do RJAT.

 

 

 VI – DECIDINDO

 

VI- DECIDINDO

 

Importará começar por precisar o seguinte: os serviços em causa foram prestados pela “casa mãe”, situada em Portugal, à sucursal marroquina. Os rendimentos derivados de tais operações são, pois, imputáveis à “casa mãe” e não à atividade do estabelecimento estável sito em Marrocos. Na perspetiva da tributação por Marrocos do lucro do estabelecimento estável aí situado, os valores em causa constituem gastos, como aliás preceitua o artigo 7º, nº. 3, da Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Marrocos, os quais, aliás, foram aí aceites, como confessa a Requerente. Não está, pois, em causa a tributação, por Marrocos, do rendimento (lucro) de um estabelecimento estável aí situado, extensão de uma sociedade residente em Portugal, mas sim a tributação (pelo país da fonte) de lucro de um não residente não imputável à atividade exercida nesse país através de estabelecimento estável. Foi, aliás, nesta perspetiva que a administração fiscal marroquina procedeu à tributação dos rendimentos (valores pagos pela sucursal marroquina) em causa, invocando para tal o disposto no art. 5º, II, do seu Code General des Impôts relativo a rendimentos auferidos, nesse país, por sociedades não residentes, não imputáveis à atividade de estabelecimento estável aí situado.

Perguntar-se-á, de seguida: nesta situação, pode afirmar-se que Marrocos incumpriu com a CDT, como sustenta a Requerente? A resposta é afirmativa mercê do disposto no artigo 7º nº.1 da citada convenção.

Mas, diferentemente do que parece entender a Requerente, não cabe a um Estado Contratante arcar, sem mais, com as consequências financeiras do incumprimento das obrigações convencionais pelo outro Estado Contratante, devendo os sujeitos passivos afetados acionar os meios de garantia previstos pela lei do país “infrator” ou/e pela convenção (artigo 25º da citada convenção luso-marroquina) de modo a aquele Estado reconhecer a ilegalidade. Assim sendo, uma vez que a tributação ocorrida em Marrocos não foi conforme com a CD, o crédito de imposto considerado pela ora Requerente viola o disposto no artigo 23º nº.1 da convenção acima mencionada e no artigo 91.º nº. 2 (anterior artigo 85.º) do Código do IRC: quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.

O que, na realidade, se coloca é a aplicação errónea por Marrocos da CDT celebrada com Portugal, questão que, como se escreveu acima, deveria ter sido colocada junto das entidades competentes desse país, o que não aconteceu. Só perante a recusa final, por Marrocos,  do reconhecimento do seu incumprimento das respetivas obrigações convencionais  é que a Requerente poderia questionar se resultariam ofendidos os princípios constitucionais da boa fé, da confiança, da igualdade e da segurança jurídica, visto só então se teria verificado uma maior tributação de um residente no território português que obteve rendimentos noutro país com o qual existe convenção do tipo mencionado, mas que não cumpriu as respetivas obrigações, do que um residente que obtenha rendimentos noutro país com o qual não existe convenção, pois que este aproveitaria do crédito por dupla tributação internacional concedido unilateralmente pela lei portuguesa.

Resta a questão da abertura do procedimento amigável solicitada pela Requerente. Se a AT cumpriu ou não com as suas obrigações decorrentes do requerimento que, neste sentido, lhe foi apresentado é questão que, manifestamente, excede o objeto deste processo, o qual se circunscreve – de resto, como peticionado – à apreciação da legalidade das liquidações impugnadas. Acresce que os tribunais arbitrais (CAAD) sempre seriam incompetentes, em razão da matéria, para apreciar uma tal questão.


 VI – DECISÃO

Termos em que se conclui pela total improcedência do pedido.

Tendo em consideração o disposto nos artigos 306º, nº 2, do CPC, artigo 97.º-A, n.º 1, do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor do processo em € 358.536,50, sendo as custas da responsabilidade da requerente atento, desde logo, o disposto no n.º 2 do art.º 5º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 30 de Abril de 2018

 

O Árbitro-Presidente

 

(Carlos Cadilha)

 

O Árbitro Vogal

 

(Rui Duarte Morais)

 

O Árbitro Vogal

 

(Manuel Pires)