O árbitro José Rodrigo de Castro, designado nos termos do artigo 6º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, acorda no seguinte:
1. Relatório
Os Requerentes A…, com o NIF … e B …, com o NIF …, casados, com domicílio na Rua …– …-… …, doravante designados por “Requerentes”, solicitaram em 28 de Novembro de 2017 a constituição de Tribunal Arbitral, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 2.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária “RJAT”, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, por discordarem do indeferimento da reclamação graciosa e, consequentemente, da liquidação de IRS do ano de 2016, com o n.º 2017…, no valor a pagar de € 1.762,70.
A referida reclamação graciosa foi apresentada em 10 de setembro de 2017, com o n.º …2017…, que visava a apreciação da legalidade da liquidação do IRS do ano de 2016, por a AT não ter considerado o disposto no n.º 10 do artigo 31.º do Código do IRS (CIRS), relativamente aos rendimentos profissionais da categoria B – trabalho independente, auferidos pela Requerente B… .
A reclamação foi objeto de projeto de indeferimento, notificado aos Requerentes para audição prévia, nos termos do disposto na alínea b) do artigo 60.º da LGT, direito que foi exercido, contrapondo os seus argumentos.
A AT apresentou a sua interpretação da norma em causa e considerou que a liquidação se mostrava correta, pelo que converteu em definitiva a decisão provisória em 4 de Outubro de 2017, que notificou aos Requerentes por ofício de 6 do mesmo mês e que terá sido recebido a 13 de Outubro.
Não se tendo conformando os Requerentes com a decisão de indeferimento, apresentaram em 28 de Novembro de 2017, o presente pedido de impugnação arbitral, que foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT.
Em 22 de dezembro de 2017 procedeu o CAAD à designação do árbitro Dr. José Rodrigo de Castro, que aceitou, tendo sido nomeado em 18 de Janeiro de 2018 e comunicado aos Requerentes na mesma data, e em 7 de Fevereiro de 2018 foi constituído o presente Tribunal Arbitral Singular, também comunicado às partes, que não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro.
Os Requerentes argumentam, quer em sede de reclamação graciosa, quer agora em sede do tribunal arbitral, que a Requerida (AT), na liquidação de IRS do agregado, do ano de 2016, com o n.º 2017…, não procedeu corretamente à liquidação do IRS, por não ter em conta o verdadeiro sentido e alcance do disposto no n.º 10 do artigo 31.º do Código do IRS, relativamente à determinação do rendimento líquido da categoria B auferido pela Requerente B… nesse ano de 2016.
A Requerida AT fez, por outro lado, a sua interpretação da norma do n.º 10 do artigo 31.º do CIRS, no sentido de o coeficiente de 0,75, a que se refere a alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 31.º do CIRS, aplicável na determinação do rendimento líquido das atividades profissionais, por conta própria, especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º do mesmo Código, não ser suscetível da redução em 50% prevista no aludido n.º 10 do artigo 31.º, por a Requerente ser beneficiária de rendimentos profissionais em 2016, e ter auferido, nesse mesmo ano, simultaneamente, rendimentos da categoria A, conforme declaração mod. 3 de IRS oportunamente apresentada.
Refira-se, desde já, que a Requerente B… iniciou a sua atividade de prestação de serviços como Explicadora, por conta própria, a que corresponde o Código 8010 da Tabela de Atividades do artigo 151.º do CIRS, em 1 de Dezembro de 2016, tendo nesse mesmo ano declarado rendimentos profissionais na importância de € 9.702,88, bem como, simultaneamente, rendimentos brutos da categoria A no valor de € 15.494,20.
A Requerida, apresentou a sua Resposta em 7 de março de 2018, tendo procedido à junção do Processo Administrativo.
Não havendo outra prova a produzir, nem tendo sido suscitadas exceções, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, por despacho da mesma data de 7 de Março, que determina também a notificação das partes para alegações escritas, bem como fixa a data de 30 de Abril para a prolação da decisão.
Os Requerentes apresentaram as suas alegações em 20 de Março e a Requerida em 2 de Abril.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído em 7 de Fevereiro de 2018, nos termos do preceituado nos art.ºs. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2 do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não há excepções nem qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Com base nos elementos que constam do processo e documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, consideram-se provados os seguintes factos:
a) Os Requerentes A… e B…, apresentaram em 28 de Maio de 2017 a sua declaração mod. 3 de IRS respeitante ao ano de 2016 e respetivos anexos, em que se incluem um Anexo H e dois Anexos B, sendo um destes Anexos B respeitante aos rendimentos da atividade profissional exercida por conta própria pelo Requerente A…, de Consultor Fiscal (Código 4012), e outro respeitante também a rendimentos da atividade por conta própria de Explicadora (Código 8010), auferidos pela Requerente B…, ambos da Tabela Anexa a que se refere o artigo 151.º do Código do IRS.
b) Da mesma declaração pode constatar-se que o Requerente A… já vinha exercendo a atividade profissional por conta própria, pelo menos desde 2015, enquanto que a Requerente B… apenas declarou rendimentos profissionais por conta própria em 2016, no valor de € 9.702,88, ano em que iniciou a sua atividade em 1 de Dezembro e em que declarou também rendimentos da categoria A – trabalho dependente, na importância de € 15.494,20.
c) O regime de tributação declarado, relativamente aos rendimentos profissionais por conta própria, foi o do Regime Simplificado, nos termos dos artigos 28.º e 31.º do CIRS.
d) Com base na referida declaração, a AT procedeu à respetiva liquidação de IRS do ano de 2016, tendo apurado imposto a pagar de € 1.762,70, oportunamente notificado aos Requerentes.
e) Estes não se conformando com o valor resultante do ato de liquidação n.º 2017…, no referido valor de € 1.762,70, apresentaram em 24 de julho de 2017 reclamação graciosa contra o ato de liquidação, cujo procedimento teve o n.º …2017…, alegando ter a Requerente B… direito à aplicação do disposto no n.º 10 do mesmo artigo 31.º, para efeitos de redução em 50% do coeficiente de 0,75 aplicável por força da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 31.º do CIRS, para determinação do rendimento líquido da sua atividade profissional, por conta própria, especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do mesmo Código.
f) Entendem os Requerentes, conforme Resposta em direito de audição sobre o Projeto de Despacho de indeferimento da citada Reclamação, que nos termos referidos no aludido n.º 10.º do artigo 31.º, o coeficiente de 0,75% deve ser reduzido em 50% e 25%, respetivamente “no período de tributação do início da atividade e no período de tributação seguinte”, exceto se, “nesses períodos” o sujeito passivo em causa auferir igualmente rendimentos das categorias A e/ou H.
g) Mais argumentam que “a expressão nesses períodos tem necessariamente de se reportar aos períodos referidos na primeira parte da norma”, ou seja, que o período de tributação de uma atividade não é, como entende a AT, a totalidade do ano fiscal, mas “o período que decorre entre a data do seu início e o dia 31 de Dezembro desse ano fiscal”.
h) A Requerida assim não entendeu e indeferiu a reclamação, que foi notificada aos Requerentes para efeitos de audição prévia, direito que foi exercido por escrito em 10 de setembro de 2017, nos termos e com os fundamentos sucintos antes referidos, indeferimento convertido em definitivo e notificado aos Requerentes em 13 de outubro de 2017.
i) Do indeferimento da reclamação foi apresentada impugnação arbitral, com idênticos fundamentos da reclamação graciosa e da resposta escrita em direito de audição, pelo que urge apreciar e decidir.
2.2. Factos não provados
Os factos eventualmente relevantes não provados são os seguintes
-
A que meses respeitam os rendimentos de trabalho dependente – por conta de outrem – enquadrados na Categoria A do IRS, auferidos em 2016 pela Requerente B…;
-
Falta de prova do pagamento do IRS liquidado de 2016, no valor de € 1,762,70, apesar do referido no artigo 17.º da PI.
-
Não se conhece dos autos se a Requerente B… cessou eventual atividade que tenha exercido, de profissional por conta própria, há menos de 5 anos.
2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
Os factos provados tiveram por base a apreciação crítica da posição processual assumida por cada uma das partes, bem como a análise crítica dos documentos apresentados e das informações oficiais juntas ao processo, cuja autenticidade e veracidade não foram impugnadas por nenhuma das partes.
3. MATÉRIA DE DIREITO
-
QUANTO À ILEGALIDADE DA LIQUIDAÇÃO
No caso em apreço é impugnada a decisão de indeferimento da reclamação graciosa da liquidação de IRS n.º 2017…, respeitante ao ano de 2016, no valor de € 1.762,70 e o consequente ato de liquidação.
Está em causa, em qualquer dos casos, a não aplicação, no referido ato de liquidação de IRS do ano de 2016, do n.º 10 do artigo 31.º do Código do IRS, em que se prevê a redução em 50% do coeficiente de 0,75% aplicável por força da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 31.º do CIRS, aos rendimentos da Categoria B auferidos em 2016 pela Requerente B…, para determinação do rendimento líquido da sua atividade profissional, por conta própria, especificamente prevista na tabela a que se refere o artigo 151.º do mesmo Código (Código 8010).
O fundamento dos Requerentes e, em especial da Requerente B…, que é a beneficiária de ambos os rendimentos em causa e a favor de quem é reivindicada a aplicação da redução em 50% do coeficiente 0,75, é o de que, para ela, o ano de 2016 tem dois períodos de tributação – sendo um, que vai de 1 de Janeiro a 30 de Novembro (ou anteriormente, não se conhece dos autos) e outro, de 1 a 31 de dezembro desse mesmo ano de início da atividade de 2016.
E fundamenta a sua interpretação com base no elemento literal da norma do n.º 10 do artigo 31.º, bem como no elemento teleológico…
…Quando na mesma norma se refere que:
“… são reduzidos em 50% e 25% no período de tributação do início da atividade e no período de tributação seguinte,…[1]”
E, ainda que…
“…no período de tributação do início da atividade e no período de tributação seguinte, respetivamente, desde que, nesses períodos[2], o sujeito passivo não aufira rendimentos das categorias A ou H.
E sustentam ainda a sua interpretação com base no elemento teleológico, argumentando que…
“…O legislador fala em período de tributação e não em ano fiscal…”
E que…
“Quando se acumulam rendimentos das categorias B com A e/ou H, o legislador entendeu que os rendimentos da categoria B são um mero complemento dos rendimentos das categorias A e/ou H, não sendo propriamente uma situação em que existe risco e se potencia a mobilidade social”[3].
E ainda que…
…“Deste modo, percebe-se a intenção do legislador: incentivar quem inicia uma atividade, mas limitar o incentivo a quem tem efetivamente risco por não ter simultaneamente rendimentos das categorias B com A e/ou H”.
Finalmente, concluem que…
…“A expressão “nesses períodos” constante do n.º 10.º do artigo 31.º do CIRS deve ser entendida como referente ao ‘período de tributação do início da atividade’ e ao ‘período de tributação seguinte’, também mencionados nesse preceito”.
E reforçam o seu entendimento, face às “posições tomadas anteriormente pela AT, de que o período de tributação de uma atividade no ano do seu início é o período que decorre entre a data do seu início e o dia 31 de Dezembro desse ano fiscal”.
E que é por isso que o legislador “utiliza a expressão ‘período de tributação’ e não ‘ano fiscal’, para especificar que se refere ao período temporal da tributação da atividade”.
A Requerida, por sua vez, quer em sede de apreciação da reclamação graciosa quer em sede de Resposta, quer de Alegações, contrapõe o entendimento dos Requerentes, com os seguintes argumentos.
Por um lado, o de que o “IRS incide sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias, ou seja, incide sobre o rendimento global obtido durante o ano”.
E, por outro, no sentido de que “em sede de IRS não há qualquer período especial de tributação, mas sim um único período – o anual”.
Mais refere a AT que, no CIRS, o enquadramento no Regime Simplificado de Tributação é feito, designadamente, “em conformidade com o valor anual de rendimentos estimado, constante da declaração de início de atividade”, independentemente do momento do seu início e não com o valor “de períodos de tributação parcelares.”
Donde, conclui a AT que “o período de tributação é anual, único, correspondendo ao período de tempo que decorre entre o dia 1 de Janeiro e o dia 31 de Dezembro de um mesmo ano”.
Mais refere que, “contrariamente, em sede de IRC, o período de tributação pode não coincidir com o ano civil”, tal como decorre do n.º 1 do artigo 8.º do CIRC.
A Requerida releva ainda que não coloca em causa o elemento teleológico subjacente à disposição do n.º 10 do artigo 31.º do CIRS, invocado pelos Requerentes, mas entende que esta norma não se aplica ao sujeito passivo B, B…, “uma vez que auferiu rendimentos da categoria A e da categoria B, em 2016, ou seja, no mesmo ano fiscal”.
A Requerida contraria o paralelismo que os Requerentes fazem do IRS com o IVA, por não ser tal comparação legalmente possível, dada a diferente natureza dos dois impostos (o IRS incide sobre o rendimento enquanto que o IVA incide sobre o consumo).
E contraria também, por ausência de fundamento legal, a consideração de alguns rendimentos complementares de outros, conf. argumento dos Requerentes, constante do art.º 52.º da PI, que remete para o suposto entendimento do legislador, no sentido de que “quando se acumulam rendimentos da categoria B com A e/ou H, … os rendimentos da categoria B são um mero complemento dos rendimentos da categoria A e/ou H, não sendo propriamente uma situação em que existe risco e se potencia a mobilidade social”
Em sede de Alegações escritas, os Requerentes vêm descrever de novo os factos e apresentar a mesma tese que consta da PI, quer do ponto de vista do elemento literal, quer do elemento teleológico, sem novos argumentos relevantes, reafirmando, com base no elemento literal e no teleológico que “a expressão ‘nesses períodos’ constante do n.º 10.º do artigo 31.º do CIRS deve ser entendida como referente ao ‘período de tributação do início de atividade’ e ao ‘período de tributação seguinte’ também mencionados nesse preceito”.
Os elementos trazidos de novo com algum relevo, procuram reforçar a sua tese com a invocação do facto de “qualquer despesa incorrida pelo sujeito passivo antes do início do período de tributação da atividade (quanto estas concorrem para efeitos da determinação do rendimento tributável) não é considerada como despesa fiscalmente aceite pela AT precisamente porque não foram incorridas durante o período de tributação”.
A Requerida apresentou, por sua vez, as suas Alegações em 2 de Abril, mantendo a sua posição de inexistência de qualquer ilegalidade na liquidação em causa e reiterando a posição defendida na sua Resposta, que vai no sentido de no IRS apenas existir, em cada ano civil, um único período de tributação, que vai de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro.
Importa agora analisar o conteúdo das normas em causa, na parte relevante para os autos, na redação em vigor até 31 de Dezembro de 2016:
“ Art.º 31.º - Regime simplificado
1 – No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:
…
-
0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º.
…
10 – Os coeficientes previstos nas alíneas b), c) e f) do n.º 1 são reduzidos em 50% e 25% no período de tributação do início da atividade e no período de tributação seguinte, respetivamente, desde que, nesses períodos, o sujeito passivo não aufira rendimentos das categorias A ou H.
11 – O disposto no número anterior não é aplicável nos casos em que tenha ocorrido cessação de atividade há menos de cinco anos.
…”
Importa agora proceder à sua correta interpretação jurídica, auxiliando-nos dos elementos, meios, fatores ou critérios, que devem utilizar-se harmónica e não isoladamente, designadamente através do elemento literal e dos elementos histórico, racional e teleológico[4].
O elemento literal ou gramatical resulta das palavras em que a lei se exprime e constitui o ponto de partida do intérprete e o limite da interpretação.
Mas o intérprete, face a dúvidas, tem de socorrer-se dos elementos lógicos, já antes referidos, quais sejam, o histórico, o sistemático e racional ou teleológico.
O elemento histórico atende à história da lei, designadamente, trabalhos preparatórios, à Exposição de motivos, ao preâmbulo, relatórios e, eventualmente, circunstâncias sociais, políticas e económicas em que a lei foi elaborada e, daí, esta forma de interpretação também ser conhecida como histórico-sociológica.
O elemento sistemático permite que as leis se interpretam numa perspetiva global, por meio de uma análise sistemática do ordenamento jurídico, porquanto a ordem jurídica forma um sistema, no seu todo.
Quanto ao elemento teleológico, deve atender-se à finalidade da norma jurídica, subjetiva ou objetivamente, ou seja, deve atender-se à atenção do legislador na elaboração da norma, e, para isso, deve analisar-se o processo legislativo da sua criação e a finalidade da mesma, ou seja, a sua “ratio legis”.
Comecemos, então, face a estes princípios da interpretação das normas, por conhecer o sentido e alcance das que estão em causa.
Relativamente à interpretação literal e face às posições tomadas pelas partes, facilmente se conclui que a letra da lei não nos conduz, de per si, a uma interpretação inequívoca, pelo que temos de socorrer-nos de outras formas.
Quanto ao elemento histórico, o Tribunal reconhece que no preâmbulo da Lei n.º 82-E/2014, de 31/12, que procede a uma reforma da tributação das pessoas singulares (com alterações a outra legislação no domínio da fiscalidade), e que entre outras alterações ao CIRS aditou os n.ºs 10 e 11 ao artigo 31.º, o legislador esclarece que a reforma do CIRS se mostra “orientada para a família, para a simplificação e para a mobilidade social…”.
E reconhece que uma das alterações que vai no sentido indicado pelo legislador desta reforma, é, v.g., a do n.º 2 do artigo 13.º, que introduz a tributação separada dos membros do agregado familiar, salvo opção pela tributação conjunta.
Trata-se, de facto, de uma reforma orientada para a família, para a simplificação e para a mobilidade social.
Já o aditamento dos n.ºs 10 e 11 ao artigo 31.º não parece terem todo o alcance pretendido pelos Requerentes, embora se lhe reconheça alguns desses objetivos, nas situações expressamente neles previstas, designadamente pelo benefício a qualquer um dos membros dos agregados ou a ambos, pela redução ao rendimento tributável em certas circunstâncias e, portanto, ser essa alteração dirigida à família, monoparental ou não, com tributação separada ou conjunta.
E também uma proteção à criação de auto-emprego, através da atividade por conta própria, de natureza profissional e empresarial, dadas as dificuldades económico-financeiras que o país atravessava e, em consequência, de desemprego que atingia as famílias. Não havia praticamente criação de emprego, a não ser o da iniciativa privada.
Daí o legislador ter criado alguns estímulos ao auto-emprego. Mas, para que esta redução ao rendimento tributável na categoria B pudesse ser possível, o legislador da reforma exigiu e exige que o sujeito passivo que inicie a sua atividade profissional por conta própria, constante especificamente da lista anexa ao CIRS, num determinado ano (independentemente do momento em que o faz), não acumule os seus rendimentos da categoria B com rendimentos do trabalho dependente (categoria A) ou rendimentos de pensões (categoria H).
E entende-se esta exigência do legislador, porque tratando-se de redução ao rendimento tributável da categoria B, não parece fazer sentido que o beneficiário ou beneficiários dessa redução ao rendimento pudessem acumular estes rendimentos com os da categoria A e/ou H.
Lembra-se que é a primeira vez, desde a vigência da Reforma da tributação do rendimento pessoal em 1989, que esta norma do n.º 10, bem como outras inovadoras, designadamente a da tributação separada, foi introduzida pelo legislador da Reforma de 2014, em período de crise económico-financeira do país.
O Projeto da Reforma elaborado pela respetiva Comissão tem por sub-título “Uma Reforma do IRS orientada para a Simplificação, a Família e a Mobilidade Social”.
Relativamente ao Mandato que lhe foi conferido, pode extrair-se o seguinte, a pág.s 38:
“a) Revisão e simplificação do IRS e demais regimes fiscais aplicáveis ao rendimento das pessoas singulares, de forma a simplificar o regime e respetivas obrigações declarativas e a facilitar o cumprimento das obrigações inerentes a este imposto, de acordo com as melhores práticas internacionais;
b) Promoção da mobilidade social através, designadamente, da avaliação da tributação que incide sobre os rendimentos do trabalho, com o objetivo de reconhecer e valorizar o mérito e o esforço;
c) Proteção das famílias, tendo nomeadamente em consideração a importância da natalidade, através da avaliação das bases gerais da tributação da família em sede de IRS e do reforço das políticas fiscais familiares, de forma a contribuir para a inversão do atual défice demográfico na sociedade portuguesa”.
Mais adiante, no Ponto 3.2.3 - A unidade fiscal, é proposto pela Comissão “que a tributação separada seja a regra, salvaguardando, no entanto, a possibilidade de opção pela tributação conjunta para os casados e para os unidos de facto”.
E ainda, no Ponto 3.3.5 – A mobilidade social, no mesmo Relatório é referido o seguinte:
“Uma das vertentes que assume maior relevância, no contexto de qualquer sistema fiscal de tributação dos indivíduos, é a imposição a que está sujeito o rendimento derivado do factor trabalho, dadas as suas profundas consequências, não só em termos de justiça fiscal mas também de evolução económica e social.
A consideração de que o mérito e o esforço devem ser premiados deveria, por princípio, ser tomada em atenção no momento da tributação. Esta exigência resulta ainda mais acentuada numa altura, como aquele que neste momento vivemos[5], em que existe uma necessidade de fomentar o empreendedorismo e a produtividade”.
Nesta sequência, de citar também o Ponto seguinte 3.3.6 – A opção tomada, no qual se refere o seguinte:
“ A Comissão debruçou-se sobre várias formas possíveis de alcançar este objetivo. Com base nessa reflexão, concluiu que qualquer solução quanto a esta matéria deve ser extremamente cautelosa[6], sob pena de se poder estimular formas de fraude que não só são contraproducentes como, também, podem corresponder a um sinal contrário face ao enorme esforço que se tem produzido para combater a evasão fiscal.
Daí que se tenha concluído não ser recomendável diferenciar fiscalmente as várias formas de remuneração do trabalho dependente.
…
Por outro lado, quanto à categoria B (trabalho independente) a Comissão propõe a redução da tributação dos empreendedores que iniciem a atividade pela primeira vez no âmbito do regime simplificado”.
De relevar o que é referido no Ponto 3.4.2 – Categoria B (rendimentos empresariais e profissionais), do mesmo Relatório, em que se refere no primeiro § o seguinte:
“Quanto à categoria B (rendimentos empresariais e profisionais), procurou-se que, relativamente aos sujeitos passivos cujo rendimento seja apurado com base em contabilidade organizada, se apliquem soluções equivalentes às vigentes em IRC”.
E na sequência desta iniciativa, é referido no Ponto 5.1.9 – Categoria B, Redução da tributação para empreendedores que iniciem atividade:
“Um dos vetores de desenvolvimento dos trabalhos desta comissão foi a promoção da mobilidade social, procurando-se incentivar a produtividade e a capacidade de iniciativa dos trabalhadores portugueses.
Neste âmbito, propõe-se a adoção no IRS das regras de ingresso no regime simplificado, estabelecidas no Código do IRC, nos termos dos quais, nos exercícios de arranque de atividade haverá uma redução do lucro tributável estimado, procurando, tanto quanto possível[7], acolher no regime as condições usualmente prevalecentes nestes períodos temporais.
Desta forma, incentiva-se o empreendedorismo individual e, desse forma, a mobilidade social em geral”.
Por sua vez, na Exposição de Motivos constante da Proposta de Lei n.º 256/XII, é referido, a este propósito, que:
“A reforma do IRS que agora se propõe é uma reforma estrutural dos rendimentos das pessoas e assenta em três pilares: (i) é uma reforma orientada para as famílias; (ii) é uma reforma que promove a mobilidade social e geográfica; (iii) é uma reforma que simplifica significativamente o imposto”.
De seguida, na mesma Exposição de Motivos, o Governo explicita estes três princípios, referindo-se à consideração no IRS dos ascendentes a cargo, a majoração da dedução dos dependentes e ascendentes, a criação de vales sociais, a opção pela tributação separada e a promoção do empreendedorismo individual e o apoio no início da atividade empresarial, com a criação “de um regime muito favorável para os trabalhadores por conta de outrem que optarem por iniciar uma atividade económica por conta própria, reduzindo em 50% no primeiro ano e 25% no segundo ano o IRS a pagar”.
E daí, a consagração dos n.ºs 10 e 11.º do artigo 31.º do CIRS, mas com cautelas avisadas, para prevenir a evasão fiscal.
Através desta forma de interpretação, que se encontra interligada com a sistemática, começa a clarifica-se algum sentido das normas em causa.
Importa prosseguir, agora, relativamente ao elemento sistemático, segundo o qual deve atender-se à unidade do sistema fiscal, o que, aliás, se determina quer no Relatório da Comissão, quer na Exposição de Motivos do Governo que apresenta a Proposta de Lei da Reforma do IRS, quando, quer no Ponto 3.4.2, quer no 5.1.9 do Relatório, se propõe a adoção de regras de ingresso no início da atividade do IRS idênticas[8] às estabelecidas no Código do IRC.
E, de facto, no Código do IRC, encontramos no artigo 86.º-B, n.º 5, uma norma que refere o seguinte:
“Os coeficientes previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 e o limite previsto no n.º «2 são reduzidos em 50% e 25% no período de tributação do início da atividade e no período de tributação seguinte, respetivamente”.
De citar também, por relevante, o disposto no n.º 2 do mesmo artigo 86.º-A do CIRC:
“2 – No período de início de atividade, o enquadramento no regime simplificado de determinação da matéria coletável faz-se, verificados os demais requisitos, em conformidade com o valor anualizado dos rendimentos estimado[9], constante da declaração de início de atividade”.
E a este propósito de início de atividade e de período de tributação, veja-se o que no artigo 8.º, n.ºs 1 e 4 do CIRC é consagrado:
“1 – O IRC, salvo disposto no n.º 10, é devido por cada período de tributação, que coincide com o ano civil, sem prejuízo das exceções previstas neste artigo.
4– O período de tributação pode, no entanto, ser inferior a um ano:
a) No ano do início de tributação, em que é consttituído pelo períoodo decorrido entre a data em que se inicia a atividade… e o fim do período de tributação.
….”
Pode ver-se, desde já, que o legislador da Reforma consagrou regras idênticas às do IRC e até utilizou as expressões “período de tributação[10]” que constam do n.º 2 do artigo 86.º-A do CIRC, onde essa mesma expressão faz sentido, dado o disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 8.º do mesmo Código.
Porém, não introduziu normas idênticas às dos referidos n.ºs 1 e 4 do CIRC, que seria a única forma legal de consagrar no IRS períodos de tributação diferentes do ano civil ou fiscal. Porém, tal não se verificou.
Finalmente, quanto ao elemento teleológico, deve atender-se ao pensamento do legislador, ou seja, à mens legis, bem como ao alcance ou finalidade das normas.
Chegados aqui, e já na posse de todos os elementos citados, terá de ser pela conjugação de todas estas formas de interpretação das normas em causa, que se conseguirá fazer uma interpretação das mesmas que não ofereça dúvidas ao Tribunal.
Lembra-se que está em causa saber se, para efeitos de aplicação ou não da redução em 50% do coeficiente de 075% para determinação do rendimento da atividade profissional da Requerente B… no ano de 2016, em que iniciou a sua atividade em 1 de Dezembro, nesse mesmo ano de 2016, haverá dois períodos de tributação como pretendem os Requerentes, ou, ao contrário, apenas um, o ano fiscal de 2016 no seu todo, como defende a Requerida.
E isto porque, considerando-se a existência de um único período de tributação, coincidente com o ano civil, então a norma do n.º 10 do artigo 31.º do CIRS não será aplicável no caso em apreço, como defende a AT, por a Requerente B… ter auferido nesse mesmo ano, rendimentos das categorias A e B, conforme, aliás, constam da respetiva declaração de IRS.
Ao contrário, se a tese dos Requerentes for a que corretamente faz interpretação da norma, então, a Requerente B… tem direito à pretendida redução, em 2016, em 50% do coeficiente de 0,75%, que é o correspondente à natureza dos rendimentos auferidos.
Vejamos, então:
É dado como certo, por claramente evidenciado pela Comissão e pela Proposta de Lei do Governo, que era sua intenção criar um incentivo ao empreendedorismo, nos primeiros e segundo ano de atividade, pelos fundamentos já antes expressos, e, por isso, foi introduzido na Lei n.º 80-º-E/2014, de 31 de dezembro, com entrada em vigor em 1 de Janeiro de 2015, um aditamento das normas dos n.ºs 10 e 11 ao artigo 31.º do CIRS, que voltamos a citar, por relevantes:
“ Art.º 31.º - Regime simplificado
1 – No âmbito do regime simplificado, a determinação do rendimento tributável obtém-se através da aplicação dos seguintes coeficientes:
…
-
0,75 aos rendimentos das atividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151.º.
…
10 – Os coeficientes previstos nas alíneas b), c) e f) do n.º 1 são reduzidos em 50% e 25% no período de tributação do início da atividade e no período de tributação seguinte, respetivamente, desde que, nesses períodos, o sujeito passivo não aufira rendimentos das categorias A ou H.
11 – O disposto no número anterior não é aplicável nos casos em que tenha ocorrido cessação de atividade há menos de cinco anos.
Ficou, desde modo, cumprido o desiderato da Comissão e do Governo, com este aditamento, em termos idênticos[11] aos já existentes no CIRC.
E reforçamos idênticos, já que a filosofia da tributação em IRC não tem, nem pode ter o mesmo conceito e, muito menos, no CIVA.
Sabe-se que no IRC o período de tributação é anual, podendo, no entanto, ser inferior, conforme n.ºs 1 e 4 do artigo 8.º deste Código. E por não ter sido criada uma norma equivalente a esta do IRC, não pode deixar de concluir-se que o legislador não teve intenção de ir tão longe como no IRC, até porque no IRS foi criada a exigência da não cumulação de rendimentos das categorias B com a A e/ou H, categorias estas que no IRC, no aspecto em causa, não existem.
Por outro lado, conhece-se, com evidência, que o legislador do Código do IRS, desde sempre definiu que a tributação incide sobre o valor anual dos rendimentos das diversas categorias e não introduziu, nem inicial, nem nas diversas reformas que se seguiram, qualquer norma idêntica à dos n.ºs 1 e 4 do artigo 8.º do CIRC, em que se preveja que o período de tributação possa ser inferior a um ano.
Veja-se, por todas, as situações em que o contribuinte possa ser considerado residente em território português v.g. de março a dezembro ou mesmo desde 1 de Dezembro e se preveja que aqui mantém a sua residência, e ainda quando há falecimento de um dos cônjuges.
E nestes e noutros casos, as deduções a que os sujeitos passivos têm direito são sempre consideradas na totalidade (quer as de natureza de dedução ao rendimento quer as de dedução à coleta) e não são repartidas por períodos de tributação, designadamente, as da alínea a) do n.º 1 do artigo 25.º, bem como as das várias alíneas do n.º 1 do artigo 78.º do, todas do Código do IRS e isto por não haver períodos de tributação para além do anual.
Ainda o argumento dos Requerente de que o legislador consagrou dois períodos de tributação em IRS, sendo um a partir do início da atividade profissional ou empresarial, com fundamento no facto de não serem consideradas as despesas inerentes à atividade anteriores a esta, não faz qualquer sentido, dado que, embora a tributação seja anual, as despesas da atividade (e somente no regime da contabilidade - o que não é o caso dos autos -) têm de respeitar o princípio da especialização. De resto, vigora no IRS o princípio dos rendimentos auferidos e das despesas incorridas em cada ano fiscal.
No entanto, todas as deduções no IRS, designadamente as do artigo 75.º, são anuais e não por períodos de tributação.
Daí que, com base nas formas de interpretação antes referidas e desenvolvidas, segundo os princípios do Direito, quer sejam com base na interpretação Literal, na Histórica, na Lógico-sistemática e na Teleológica, não se vê como poderá ser dado outra interpretação ao conteúdo do n.º 10 do artigo 31.º do CIRS, em análise, que não seja a de que, em IRS, o período de tributação é anual, por ausência de norma idêntica à dos n.º e e 4 do artigo 8.º do CIRC e por força do princípio geral consagrado no artigo º 1 do CIRS e das demais regars de liquidação aplicáveis.
E mesmo quanto ao argumento dos Requerentes, constante do art.º 52.º da PI, que remete para o suposto entendimento do legislador, no sentido de que “quando se acumulam rendimentos da categoria B com A e/ou H, … os rendimentos da categoria B são um mero complemento dos rendimentos da categoria A e/ou H, não sendo propriamente uma situação em que existe risco e se potencia a mobilidade social”, entende este Tribunal que esta “proteção” dos rendimentos da categoria B, no caso em apreço, não pode conduzir à interpretação da “mens legis” no sentido de que a tributação nem sempre é anual, com possibilidade da existência de dois períodos de tributação em IRS no mesmo ano fiscal.
E essa proteção e potenciação à mobilidade fiscal existem, desde que respeitados os pressupostos exigidos, quais sejam os da não acumulação, no mesmo ano fiscal de rendimentos das categorias B com A e/ou H, no ano de início da atividade e no seguinte.
Veja-se, por todas, uma situação em que a atividade profissional por conta própria se inicie a 1 de Fevereiro e este contribuinte tenha auferido rendimentos da categoria A apenas no mês de Janeiro desse mesmo ano.
Será que, neste caso, se poderá afirmar que é aplicável o disposto no n.º 10 do artigo 31.º do CIRS, porque os rendimentos da categoria B, relativos a 11 meses do ano fiscal, são mero complemento dos da categoria A de apenas 1 mês e que aqueles devem ser protegidos?
Certo que não é defensável que o legislador tivesse em mente a proteção dos rendimentos da categoria B, desde que, no mesmo ano, tenham sido auferido também rendimentos das categorias A e/ou H, independentemente de ter havido ou não coincidência temporal quanto ao recebimento desses mesmos rendimentos.
Ora, se assim parece ser com toda a evidência, não poderá o legislador ter querido a aplicação da redução do coeficiente, para uma situação em que o início da atividade ocorreu em 1 de Dezembro - como aconteceu no caso dos autos - e não a ter querido para quem a iniciasse em 1 de Fevereiro.
Aliás, recorda-se que, conforme Anexo B da B…, que integra a declaração de IRS dos Requerentes, pode constatar-se que os rendimentos da categoria A auferidos pela mesma B… em 2016, cujo período temporal se desconhece, e que tanto podem reportar-se a 1 como a 11 meses, foram de € 15.494,20, e os da categoria B, relativos apenas ao mês de Dezembro, foram de € 9.702,88, num só mês!
Aliás, a conclusão de que em IRS apenas existe um único período de tributação que é anual, retira-se da própria expressão do n.º 10.º em causa, quando se refere à redução em 25% do coeficiente “no período de tributação seguinte” ao do início da atividade. Ora, o período de tributação seguinte é todo ano fiscal, como não podia deixar de ser e, no entanto, o legislador chamou-lhe também período de tributação, a que não poderá deixar de se atribuir o significado de ano fiscal.
Se esse é, sem dúvida, o significado de período de tributação para o ano seguinte ao do início da atividade, porque há-de sê-lo diferente relativamente ao ano de início? Como é evidente, não pode haver duas formas de interpertação.
Assim sendo, não pode este Tribunal apoiar a interpretação dos Requerentes, nem os seus fundamentos, porquanto:
-
Período de tributação em IRS é um só - o ano fiscal correspondente ao ano civil;
-
A proteção dada a este tipo de rendimentos da categoria B pelo legislador só pode ser entendida quando, no ano fiscal de início de atividade e no seguinte, não haja acumulação de rendimentos da categoria B com os da A e/ou H.
-
O mesmo legislador da Reforma deixou esse entendimento bem claro, quando se referiu ao “período de tributação seguinte”, ou seja, no ano fiscal seguinte, reduzindo, nesse caso, em 25% o coeficiente de 0,75.
-
Relativamente à expressão “período de tributação seguinte” já não se admite sequer qualquer outra interpretação que não seja a do ano fiscal, por absurda que seria a interpretação de que no ano seguinte poderiam continuar a existir dois períodos de tributação.
Este é, pois, o entendimento do Tribunal, por considerar que está a fazer uma correta interpretação das normas em causa, da melhor forma, tendo em conta a finalidade da lei e o pensamento do legislador, que, de facto, pensou na aplicação de um “benefício” a quem, em determinado período do ano fiscal inicie o exercício de uma atividade profissional, por conta própria, constante especificamente da Tabela de Atividades, a que se refere o artigo 151.º, anexa ao CIRS (e no ano seguinte), desde que não aufira, nesses mesmos anos, rendimentos das categorias a e/ou H.
Este Tribunal entende desta forma, por todos os fundamentos antes expressos e por não poder deixar de ter em conta a exigência de um mínimo de correspondência verbal das normas, como se exige no artigo 9.º do CC, com o sentido e alcance da lei nos termos antes referidos, considerando ainda que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
4. JUROS INDEMNIZATÓRIOS
A Requerente pede ao Tribunal que seja condenada a AT no pagamento de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento das liquidações contestadas, com base em erro imputável aos serviços, nos termos do artigo 43.º, n.º 1 da LGT.
Nos termos conjugados do artigo 43.º, n.ºs 1 e 2 da LGT e do artigo 61.º, n.º 5 do CPPT, a AT será condenada ao pagamento de juros indemnizatórios quando, devido a erro, (de facto ou de direito) imputável aos serviços daquela, o contribuinte pague indevidamente um tributo e este venha a ser considerado indevido em razão de o ato ou atos de liquidação serem anulados em consequência de impugnação judicial – como foi o caso.
Mais é referido nas citadas normas que os juros indemnizatórios são contados desde a data do pagamento do imposto à emissão da respetiva nota de crédito, sendo calculados de acordo com a aplicação da taxa prevista nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10 da LGT e no artigo 559.º, n.º 1 do Código Civil.
Deste modo, por se verificar que a liquidação do IRS em causa se mostra corretamente efetuada e não enferma de qualquer vício de violação de lei, não pode reconhecer-se o direito aos Requerente ao pagamento de quaisquer juros indemnizatórios.
5. DECISÃO
Nestes termos, acorda este Tribunal Singular em:
-
Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, por, como anteriormente expresso, não serem acolhidos como válidos os fundamentos invocados pelos Requerentes para anulação da liquidação de IRS objeto do presente pedido;
-
Declarar correta a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º …2017…;
-
Declarar a legalidade da liquidação de IRS n.º n.º 2017…, respeitante ao ano de 2016, no valor de € 1.762,70;
-
Indeferir, consequentemente, o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, por não se verificarem os pressupostos exigidos pelo artigo 43.º, n.ºs 1 e 2 da LGT e artigo 61.º, n.º 5 do CPPT.
6. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, 297.º, n.º 2 do C.P.C., 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor em € 1.762,70.
Custas pelos Recorrentes.
Notifique-se.
Lisboa, 5 de Abril de 2018.
O Árbitro Singular,
(José Rodrigo de Castro)
[1] A cheio e sublinhado do Tribunal.
[3] Os Requerentes citam o Relatório da Comissão para a Reforma Fiscal (págs, 39 e 40), no qual se determina que esta foi a via fiscal encontrada para promover a mobilidade social, bem como para promover a produtividade e capacidade de iniciativa dos trabalhadores portugueses.
[4] Vide Ac. STA, P.º 701710, de 29-11-2011.
[5] Refere-se a 2014, em pleno período de crise económico-financeira e de trabalho.
[6] Sublinhado do Tribunal
[7] Sublinhado do Tribunal.
[8] Sublinhado do Tribunal
[9] Sublinhado do Tribunal
[10] Sublinhdo do Tribunal
[11] Sublinhado do Tribunal