Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Nuno Cunha Rodrigues e Sérgio Pereira da Silva, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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No dia 27 de Abril de 2017, A… LDA., NIPC…, com sede na Rua …, nº…, …, …, …, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRC e tributações autónomas n.º 2017…, e respectivos juros compensatórios, relativo ao ano de 2013, no valor total de € 194.069,32, e do acto de liquidação de IRC e tributações autónomas n.º 2017…, e respectivos juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, no valor total de € 471.198,92.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:
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a preterição de formalidade essencial referente à inexistência do direito de audição antes da liquidação dos juros compensatórios;
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a anulação das liquidações por se considerarem verificados os gastos que a AT considerou como não dedutíveis;
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a falta de fundamentação da liquidação dos juros compensatórios.
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No dia 28-04-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 14-06-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 30-06-2017.
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No dia 21-09-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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No dia 30-11-2017, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Verificando-se a falta de junção do PA, conforme imposto pelo artigo 17.º/2 do RJAT, foi a Requerida notificada a 21-02-2018 para proceder à sua junção, o que só veio a fazer a 09-04-2018.
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Foi prorrogado por duas vezes o prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, por despachos de 28-12-2017 e de 21-02-2018.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A Requerente tem por objecto social “a indústria de construção civil, compra, venda, revenda, dos adquiridos para esse fim; permuta e arrendamento de prédios urbanos ou rústicos, elaboração de estudos, projectos de urbanização e obras e gestão de imóveis e condomínios”.
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A Requerente está, e estava em 2013 e 2014, enquadrada para efeitos de IRC no regime geral de tributação de rendimentos.
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A sociedade “B…” foi constituída em 27-09-2012 e tem como único acionista C…, detentor de 600.000 acções no valor de 1 dólar de Hong Kong, que corresponde à totalidade do capital.
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A sociedade “B…” actua em todos os continentes, à excepção do continente africano, e presta serviços no sentido de criar as condições para a obtenção de autorizações de residência em programas de “Vistos Gold” ou semelhantes, para Chipre, Grécia, Irlanda, Malta, Portugal, Espanha e Estados Unidos da América.
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A “B…” tem mais de 17 escritórios, 750 associados e 600 trabalhadores e foi premiada pela Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa, em 29 de Outubro de 2015, com o “Prémio de Mérito Empresarial”.
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Os primeiros contactos entre a Requerente e a “B…” tiverem lugar em Novembro de 2012.
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O Sr. D… (Project Director) e o Sr. E…, representantes da “B…”, fizeram uma prospecção com vista a obter promotores e imóveis seleccionáveis para o programa “Golden Visa” e, nesse contexto, contactaram o Eng. F… .
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O Eng. F… representava várias sociedades que, individualmente, não preenchiam os requisitos impostos pela B… quanto à quantidade de imóveis disponíveis. Contudo, em conjunto, as sociedades A…, G…, H… e I… preencheram-se esses requisitos, nomeadamente, quanto ao número de unidades para venda com a mesma localização.
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Foi celebrado um contrato de prestação de serviços entre a Requerente e a “B…”, designado por “Framework Agreement”, através do qual a Requerente se comprometeu a pagar uma retribuição por cada imóvel vendido a um comprador indicado pela “B… .
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Para 2013, estava previsto, a título de “Assistance Fee”, o pagamento de um montante equivalente a 15% do valor de cada venda, líquido de impostos.
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Através deste contrato, a “B…” obrigou-se a promover e divulgar os imóveis da Requerente junto dos cidadãos chineses.
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A “B…” prestou os seguintes serviços:
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elaboração de brochuras e outro material promocional sobre Portugal e sobre o mercado imobiliário nacional;
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acompanhamento dos cidadãos chineses aquando a sua deslocação a Portugal para visitar os imóveis;
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pagamento das despesas de deslocação, alojamento e alimentação, bem como de outras despesas relacionadas com a estadia e a visita aos imóveis;
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serviço de intérprete;
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contratação de motoristas para fazer as deslocações dos cidadãos chineses em Portugal, nomeadamente, entre o aeroporto e o hotel, serviços de estrangeiros e fronteiras, bancos, restaurantes e os principais pontos turísticos de Portugal;
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acompanhamento dos cidadãos chineses na abertura de contas bancárias;
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assistência aos cidadãos na decoração dos imóveis e na ligação à rede de electricidade, gás e água;
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prestação de serviços jurídicos.
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A “B…” fez acções de promoção sobre as vantagens e benefícios de se viver em Portugal, em várias cidades da China.
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Essas acções contaram com a presença de membros do Governo da República Popular da China, embaixadores, cônsules e representantes da agência para o investimento e comércio externo de Portugal (AICEP) como oradores convidados.
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A “B…” contractou o ex-futebolista J… para promover Portugal como um bom destino para viver e para investir.
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No ano de 2014, através de um “Amendment 2 to Framework Agreement”, foi alterada o valor da retribuição referida em 10., de 15% para 20%.
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Este aumento foi justificado pela B… com a necessidade de aumentar o investimento na promoção do imobiliário português na China, face à concorrência do imobiliário espanhol que se tinha, entretanto, acentuado.
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Em Janeiro de 2014, a Requerente aumentou o preço das fracções em 5% de modo a suportar o aumento da comissão.
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Os pagamentos à B… foram efectuados mediante transferências bancárias do K… .
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Os valores pagos pela Requerente situavam-se entre os 15,7%, em 2013, e 18,35%, em 2014, do preço recebido pelas vendas dos imóveis.
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O valor da comissão era imposto, não tendo a Requerente qualquer hipótese de discutir o respectivo valor.
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As mediadoras que prestavam serviço igual à “B…” cobravam valores idênticos pelo serviço prestado.
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A sociedade “L…, SA”, pagou em 07 de Outubro de 2014 o valor de €113.400,00 à sociedade “M…, Ld.ª”, sedeada em Macau, por serviços de mediação numa venda de um imóvel pelo preço de €630.000,00.
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O referido pagamento corresponde a uma comissão de 18%, e foi aceite pela AT como custo, e não sujeito a tributação autónoma, nos procedimentos inspectivos relativos às ordens de serviço OI2016… e OI2016… .
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Nos exercícios de 2013 e 2014, a Requerente efectuou pagamentos de serviços de medição à sociedade “B…”, com sede em Hongkong, no valor de €477.250,00, em 2013, e de €802.063,00 referente ao ano de 2014.
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Na contabilidade da Requerente e nas facturas emitidas, os serviços prestados pela “B…” constam como serviços de Marketing e Publicidade.
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Em 2014, a conta de gastos relativa a marketing e publicidade exibia um saldo total de €959.313,00, o qual incluía €157.250,00 de gastos que respeitavam a 2013. No mesmo ano, a conta de IVA suportado exibia um saldo de €220.701,68, que incluía €36.167,50 de IVA daqueles gastos com marketing e publicidade.
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No exercício de 2013, as fracções vendidas a clientes de nacionalidade chinesa com intervenção da “B…”, foram as seguintes:
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Relativamente à venda das fracções S e J do artigo matricial…, estas foram contabilizadas em 2013, no entanto, os gastos contabilizados com marketing e publicidade, no total de €157.250,00, o IVA liquidado e o IVA suportado não dedutível de €36.167,50 foram contabilizados em 2014.
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O custo de venda das fracções foi de €2.209.010,66, repartido do seguinte modo:
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No exercício de 2014, as fracções vendidas a clientes de nacionalidade chinesa com intervenção da “B…”, foram as seguintes:
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Os gastos contabilizados como publicidade e marketing, no total de €157.250,00, das fracções S e J do Lote 14, bem como o IVA correspondente, no total de €36.167,50, foram contabilizados em 2014, embora as respectivas vendas tenham sido registadas em 2013.
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O custo da venda das fracções aos clientes chineses foi de €3.421.919,91, repartido do seguinte modo:
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A 31-12-2012, a requerente tinha um encargo financeiro junto da banca de €7.830.390,00.
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A título de juros a Requerente pagou à banca, de 2006 a 2014, os seguintes montantes:
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2006: €63.082,35;
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2007: €189.572,74;
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2008: €309.199,00;
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2010: €282.701,27;
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2011: €202.617,72;
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2012: €447.140,72;
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2013: €473.615,08;
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2014: €113.830,33.
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No ano de 2013, as vendas da Requerente foram as seguintes:
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A evolução dos produtos e volume de negócios de 2012 para 2013, foi a seguinte:
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No ano de 2014, as vendas da Requerente foram as seguintes:
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Dos referidos montantes reportados a 2013 e 2014, €56.60563 e €34.703,97, respectivamente, são imputáveis a empréstimo à sociedade “G…”, do grupo da Requerente.
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A sociedade “B…” tinha parceiros na China, que lhe angariavam os clientes, com quem dividia a comissão.
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Foram trocados várias centenas de “emails” entre as sociedades do gerente Eng. F… e a sociedade “B…”, desde 5 meses antes da venda do primeiro imóvel, até ao termo da relação comercial entre as sociedades.
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A venda dos imóveis processava-se do seguinte modo:
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Um potencial comprador, indicado pela “B…”, chegava a … e era recebido por um tradutor, que o acompanhava durante o período que permanecia em …, e por um motorista, que o acompanhava em todas as deslocações que fazia em Portugal aos imóveis e a alguns pontos turísticos de referência, ao nível gastronómico, paisagístico e cultural, ambos contratados pela “B…”
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Os potenciais clientes deslocavam-se aos escritórios de advogados “N…” e “O…” onde lhes era apresentado o programa “Golden Visa” em Portugal.
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O potencial cliente iniciava uma visita a 10 empreendimentos imobiliários de referência, e, desses 10, escolhia 2 ou 3 para encetar negociações.
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Fechado o negócio, o tradutor contratado pela “B…” preenchia o “Property Purchase Confirmation Form”, facultado pela “B…”, escrito em inglês e em mandarim, com as condições do negócio, identificava o imóvel, o preço, as condições de pagamento e a data previsível para a escritura.
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Esse documento era assinado pelo cliente e pelo promotor e depois anexado ao contrato promessa de compra e venda.
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O contrato promessa de compra e venda era elaborado pelo escritório de advogados “N…” ou “O…”, contractado pela “B…”, e assinado pelo cliente, pelo promotor e pelo tradutor.
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O promotor emitia o recibo correspondente ao sinal recebido ao que se seguia uma ida ao SEF para fazer uma recolha dos dados biométricos.
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Por fim, o promotor pedia o averbamento do nome do comprador na matriz.
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Os escritórios de advogados “N…” e “O…” tinham escritório na China e, em representação da “B…” preparavam e acompanhavam toda a operação.
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A “B…” intentou uma acção contra Requerente, onde pediu o pagamento do valor de €75.596,12, titulado pela factura nº 069/2015 de 13.04.2015, a título de comissão de uma venda, acção essa que se encontra a correr termos com o nº …/15…T8… na Instância Central –…secção Cível, …, da Comarca de ….
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O referido litígio surgiu porquanto a Requerente se recusou a pagar comissões relativas às quais a B… não apresentou o documento 21RFI e o certificado de residência para o ano de 2015.
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A Requerente foi alvo de um procedimento de inspecção externa de âmbito geral para efeitos de controlo do cumprimento de obrigações tributárias dos exercícios de 2013 e 2014, através da Ordem de Serviço nº OI2016… e OI2016…, de 29-09-2016.
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No âmbito da acção inspectiva foram detectadas várias incorrecções, nomeadamente aos gastos considerados para efeitos de apuramento da matéria tributável respeitantes ao exercício de 2013 e 2014, no montante de €477.250,00 e de €802.063,00, respectivamente.
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No capítulo 7 do Relatório de Inspecção Tributária é feita referência expressa aos juros compensatórios.
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A Requerente foi notificada do Projecto de Relatório de Inspecção e para querendo, exercer o seu direito de audição, nos termos do art. 60º da LGT e artigo 60º RCIPT.
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No dia 28-12-2016, a Requerente exerceu o seu direito de audição, tendo alegado o seguinte:
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Os Serviços de Inspecção Tributária emitiram o Relatório Final de Inspecção Tributária, do qual consta o seguinte:
48- A Requerente foi notificada das demonstrações de liquidação de IRC nº 2017 … e n.º 2017 … e da liquidação de juros compensatórios, as quais incorporam as correcções efectuadas em sede de inspecção.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Em especial, os factos constantes dos pontos 6 a 8, 12, 13, 14, 21, 22, 40 a 43 e 45, tiveram em consideração os depoimentos prestados na reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, que corroborou e complementou a prova documental disponível, tendo sido de especial relevância as declarações de parte de F…, conjugadas com o depoimento de P…, que demonstrou conhecimento directo da totalidade da matéria constante dos referidos pontos, relatando os factos de forma coerente e objectiva, em termos que, na parte em que incidiram, foram confirmados pelos restantes depoimentos, e se revelaram em consonância com a prova documental disponível nos autos, não quedando a este Tribunal qualquer dúvida razoável acerca da verificação dos factos em questão, tal como foram tidos como provados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
Não se deram como não provados factos alegados pelas partes, incompatíveis com os factos dados como provados.
B. DO DIREITO
Na presente acção arbitral está em causa aferir da legalidade da correcção e tributação autónoma relativas aos gastos com pagamentos feitos pela Requerente à sociedade “B…”.
Vejamos então.
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No que diz respeito à correcção e tributação autónoma relativas aos gastos com pagamentos à sociedade “B…”, considerou a AT, em suma, que a Requerente não demonstrou, como lhe competia, a efectividade das operações nem a razoabilidade do valor correspondente aos gastos que contabilizou, considerando, resumidamente, que:
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a prova reunida não permite, concretamente, por referência ao descritivo das facturas em causa, identificar a concreta prestação de serviços aí identificada;
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não há igualmente prova que, concretamente, permita aferir da importância real das vantagens auferidas pela celebração do contrato com as duas entidades sedeadas em Hong Kong;
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a Requerente, relativamente à operação em causa não tem prova para demonstrar o carácter normal da mesma.
Em causa, está a aplicação dos artigos 65.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (vigente em 2013) e 23.º-A/1/r) (vigente em 2014), e 88.º, n.º 8 do mesmo Código, que estabelecem o seguinte, no que ao caso interessa:
“Artigo 65.º
Pagamentos a entidades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado
1 – Não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável as importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.
2 – Considera-se que uma pessoa singular ou colectiva está submetida a um regime fiscal claramente mais favorável quando o território de residência da mesma constar da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças ou quando aquela aí não for tributada em imposto sobre o rendimento idêntico ou análogo ao IRS ou ao IRC, ou quando, relativamente às importâncias pagas ou devidas mencionadas no número anterior, o montante de imposto pago for igual ou inferior a 60 % do imposto que seria devido se a referida entidade fosse considerada residente em território português.
3 – Para efeitos do disposto no número anterior, os sujeitos passivos devem possuir e, quando solicitado pela Direcção-Geral dos Impostos, fornecer os elementos comprovativos do imposto pago pela entidade não residente e dos cálculos efectuados para o apuramento do imposto que seria devido se a entidade fosse residente em território português, nos casos em que o território de residência da mesma não conste da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças.
4 – A prova a que se refere o n.º 1 deve ter lugar após notificação do sujeito passivo, efectuada com a antecedência mínima de 30 dias.”
“Artigo 23.º-A
Encargos não dedutíveis para efeitos fiscais
1 - Não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação:(...)
r) As importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português, e aí submetidas a um regime fiscal identificado por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças como um regime de tributação claramente mais favorável, salvo se o sujeito passivo provar que tais encargos correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado.”
“Artigo 88º
Taxas de tributação autónoma
(...)
8 - São sujeitas ao regime do n.º 1 ou do n.º 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respetivamente, 35 % ou 55 %, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou coletivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado. (...)
14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores relacionados com o exercício de uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não isenta de IRC.”
O território de Hong Kong estava incluído, em 2013 e 2014, na «lista dos países, territórios e regiões com regimes de tributação privilegiada, claramente mais favoráveis», que consta da Portaria n.º 292/2011, de 8 de Novembro, que alterou a Portaria n.º 150/2004, de 13 de Fevereiro.
Como se referiu, em causa no caso sub iudice está a prova, imposta por ambas as supra-citadas normas, relativamente à efectividade das operações e ao carácter normal ou não exagerado das operações.
a.
Relativamente ao primeiro dos pontos referidos, não se tem por justificada qualquer dúvida, relativamente à ocorrência das operações e questão.
Com efeito, como resulta da matéria provada, a Requerente teve um aumento no volume de negócios de 2012 para 2013, de mais de 90%, sendo que cerca de dois terços de tal volume está directamente relacionado com vendas a clientes chineses e que, no ano de 2014, esta clientela mais de 98% do volume de negócios da Requerente.
Para além disso foi junta documentação comercial e correspondência trocada entre a Requerente e a B… relativa a essas actividades, e foi nesse sentido a prova produzida em audiência, por quem teve em Portugal contacto directo com essas actividades.
Acresce ainda que não é colocado em causa o efectivo pagamento dos valores facturados e contabilizados como gasto, e que se verifica que a Requerente liquidou e entregou ao Estado IVA sobre aqueles valores.
Por fim, e como se escreveu no processo arbitral 198/2017T, que se debruçou sobre situação análoga à dos presentes autos:
“Aliás, o facto, que não é controvertido, de a Requerente ter vendido grande quantidade de imóveis a cidadãos chineses é uma prova indirecta, mas convincente, de que houve uma eficiente actividade de angariação, pois sem esta não se vislumbra como poderiam ter conhecimento de que a Requerente dispunha de imóveis para venda. Por outro lado, o facto de que a remuneração da B… só era paga precisamente se fosse se tivesse como resultado a concretização das vendas, assegura que não houve pagamentos que não tivessem subjacente actividade de angariação.
Por isso, não se justifica que não se considere provado que os gastos suportados pela Requerente com pagamentos à B… correspondem a operações efectivamente realizadas.
Neste contexto, afigura-se manifestamente injustificado exigir, para prova da efectividade da actividade desenvolvida pela B…, a «identificação dos recursos humanos envolvidos, horas aplicadas e taxas horárias por consultor», a «evidência de reuniões, "surveys"; «saber se quem executou tem experiência profissional», pois, para além de serem informações que normalmente não serão acessíveis a quem contrata a uma empresa estrangeira serviços de angariação, não haverá grande preocupação do adquirente quando se trata de pagamentos que são efectuados apenas em função dos resultados.
Deve dizer-se mesmo que a exigência de «identificação dos recursos humanos envolvidos» e o apuramento da respectiva experiência profissional numa actividade com a dimensão da descrita está para além dos limites da razoabilidade, pois, na sua literalidade, abrangerá a identificação de todos os que prestaram os serviços de transporte por avião, de serviços em restaurantes e hotéis, motoristas de táxis, etc.”.
Assim, é de considerar existir prova suficiente de que os pagamentos em questão correspondem a operações efectivamente realizadas.
Relativamente às considerações da Requerida, assentes no descritivo das facturas em causa, que fazem, no período ora em causa, a serviços de “Marketing”, para lá de ter sido devidamente explicada pela prova testemunhal produzida, notar-se-á apenas que é hoje pacífico que “Em sede de IRC, o documento comprovativo e justificativo dos custos para efeitos do disposto nos arts. 23º, nº1, e 42º, nº 1, alínea g), do CIRC, não tem de assumir as formalidades essenciais exigidas para as facturas em sede de IVA, uma vez que a exigência de prova documental não se confunde nem se esgota na exigência de factura, bastando tão-só um documento escrito, em princípio externo e com menção das características fundamentais da operação, uma vez que ao contrário do que se passa com o IVA, em sede de IRC, a justificação do custo consubstancia uma formalidade probatória e, por isso, substituível por qualquer outro género de prova.”[2].
Isto mesmo é reconhecido, expressamente, no RIT, pelo que carecem de sustentação as considerações tecidas pela Requerida na sua Resposta, quando afirma:
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“não poderá a Administração, a Requerente e com a devida vénia, e respeito que é muito, o Tribunal, ficcionar uma outra qualificação das operações em causa;”;
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“atribuirmos uma outra qualificação, às facturas emitidas e ao que consta na contabilidade, implica desde logo que os gastos com marketing e publicidade que a Requerente pretende deduzir não possam ser legalmente admitidos”;
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“as facturas emitidas não correspondem aos serviços que foram efectivamente prestados”.
Com efeito, como a própria AT também concede, as facturas em sede de IRC não têm natureza ad substantiam, pelo que as suas eventuais insuficiências ou irregularidades não contendem, por qualquer forma, com a materialidade que se venha a apurar, sobretudo quando, como é o caso, tais insuficiências ou irregularidades não assumam, face àquela materialidade, qualquer relevância relativamente ao cálculo e apuramento do imposto devido, notando-se a este respeito, que no próprio RIT se lê que “independentemente da qualificação da intervenção do intermediário, o que releva para efeitos fiscais será antes a averiguação da eventual obediência aos requisitos que impedem a desconsideração como gastos do exercício” e que “Para efeitos da aferição dos requisitos de dedutibilidade em sede de IRC a legislação fiscal coloca a ênfase no pagamento a uma entidade localizada numa jurisdição de fiscalidade privilegiada, independentemente da qualificação que possa ser conferida à respetiva atuação, seja a de mediador imobiliário, comissionista, agente comercial, ou qualquer outra”.
Deste modo, não há aqui qualquer ficção, pelo contrário (ficção será considerar que estão em causa determinados serviços, perante evidências claras que tal não ocorre), mas, unicamente, aferir da “obediência aos requisitos que impedem a desconsideração como gastos do exercício” dos pagamentos em questão.
Relativamente à não existência de prova que permita aferir da importância real das vantagens auferidas pela celebração do contrato com as duas entidades sedeadas em Hong Kong, julga-se que a mesma é evidente, quer da evolução do volume de negócios da Requerente antes e durante da existência da relação comercial com aquelas empresas, quer do peso da clientela residente na China, durante a vigência daquela mesma relação, quer da evolução do preço das fracções transaccionadas pela Requerente, de que a facturação desta dá conta.
b.
Relativamente ao carácter normal e não exagerado das operações em questão, julga-se, também, que está suficientemente produzida prova nesse sentido.
Com efeito, quer tendo em conta a dimensão da operação de angariar, transportar e acompanhar clientes para imóveis valorizados em centenas de milhar de euros, da China para Portugal, superando o fosso geográfico e cultural notoriamente existente, quer considerando o publicamente conhecido estado do sector imobiliário em Portugal nos anos de 2012 e seguintes, quer considerando a valorização dos imóveis que se verificou, e que a documentação recolhida pela própria AT denota, se compreenderá a ordem de valores das comissões que a Requerente pagou.
Acresce também que, conforme resulta da matéria de facto apurada, a Requerente estava fortemente endividada, e que o escoamento dos seus stocks, por via da clientela chinesa proporcionada pela B…, permitiu uma diminuição substancial do seu passivo, e, correspondentemente, dos encargos financeiros suportados, ganho este que haverá, necessariamente, de se equacionar na valoração da normalidade e não exagero das operações em questão.
Nota-se, ainda, que no caso ora em causa, as comissões em questão ascenderam a valores entre os 15% e os 20%, estando provado que uma concorrente da Requerente pagou uma comissão de 18% a uma empresa sedeada em Macau, tendo a AT aceite o correspondente gasto, o que evidencia que, de facto, o que impressiona a AT não é o valor da comissão, mas localização de quem a aufere.
Daí que não se tenham quaisquer dúvidas que os valores em questão correspondem, no seu contexto, a operações normais e não têm carácter exagerado.
Repristinando o quanto se escreveu no já referido acórdão arbitral proferido no processo 198/2017T:
“Para decidir se há ou não exagero não pode tomar-se como termos de comparação as percentagens das comissões que a Autoridade Tributária e Aduaneira diz serem cobradas habitualmente pelas empresas imobiliárias, entre 3% e 5%, pois a desenvolvida pela B… não se limita à que normalmente é levada a cabo na mediação imobiliária, que não envolve despesas da ordem das que se provou serem suportadas pela B… (pagamento de viagens, alojamento, alimentação, transportes, intérpretes, etc.).
Por outro lado, a aferição do requisito do não exagero, deverá ser efectuada tendo em conta a situação do sujeito passivo, procurando apurar se o pagamento deve considerar-se excessivo, sob a sua perspectiva, no contexto em que tem de decidir pagar os serviços.
Desta perspectiva, será exagerado o pagamento quando se demonstrar que o sujeito passivo podia obter o que o mesmo serviço por quantia inferior
Resulta da prova produzida que a Requerente pretendia vender o mais rapidamente possível os imóveis, pois estava previsto que o processo de construção e venda dos imóveis estivesse concluído até 2010, cinco anos após o início do processo de construção, e ainda não os tinha conseguido vender até 2013 e 2014, devido à situação de crie económica e financeira que afectava Portugal.
A prova produzida é também no sentido de que a Requerente não conseguia obter a angariação de clientes com pagamento de comissões inferiores, quer à B…, que não as aceitava, nem a outros prestadores de serviços de angariação, pois nenhum lhe proporcionava clientes que pagassem os preços de venda que a Requerente pretendia para si obter.
Nestas condições o pagamento não se pode considerar exagerado, pois está justificado pela necessidade de obtenção dos serviços de angariação e não haver alternativa a preço inferior.
A razoabilidade dos pagamentos efectuados à B… é ainda reforçada pelo facto de a Requerente não ser afectada pelos pagamentos que lhe fazia, pois apenas lhe pagava quando concretizasse a venda dos imóveis e o que pagava à B… acrescia ao preço de venda que a própria Requerente fixava e pretendia obter para si.
Pelo exposto, conclui-se que a Requerente provou que os pagamentos efectuados à B… não foram anormais nem exagerados.”
Como se refere no aresto transcrito, julga-se que a aferição do carácter normal e não exagerado das operações se deve reportar ao caso concreto, tendo em conta a situação específica em que tais operações se realizaram, não se podendo formular “tabelas” ou fórmulas a priori, que excluam mecanicamente determinados tipos de operações do âmbito da razoabilidade, ou as remetam para o plano do exagero, via esta que aparentemente terá sido seguida no RIT, onde se pode ler que “com base no senso comum e a partir de um juízo empírico, sem necessidade de recurso a conhecimentos técnicos (...) a taxa paga pela A… se afigura exagerada”.
No caso, todavia, as comissões em questão surgem no cenário de crise económica aguda, em que o mercado estava, praticamente, parado, e em que os serviços remunerados por aquelas comissões aportam um significativo valor acrescentado ao produto vendido, desde logo, e no caso, por permitirem a sua venda, libertando fundos para a redução do passivo e correspondentes encargos financeiros associados.
Por outro lado, sendo o serviço pago, unicamente, em função do resultado, verifica-se um risco acrescido para o prestador, que tem de suportar – notoriamente – custos avultados para trazer clientes “do outro lado do mundo”, e uma segurança adicional para o adquirente dos serviços, que apenas se constitui na obrigação de pagar, tendo assegurado o retorno decorrente da concretização das suas vendas, sendo de notar, ainda, que a actividade em questão permitia acomodar o custo adicional, assegurando uma margem de lucro para o vendedor.
Por fim, no caso não se detecta, nem é substanciado pela AT, qualquer indício concreto de fraude ou evasão fiscal.
Deste modo, e em face de todo o exposto, julga-se que, na parte ora em causa, enferma o acto tributário objecto da presente acção arbitral de erro nos pressupostos de facto, e consequente erro de direito, devendo por isso anulando, e procedendo consequentemente o pedido arbitral.
A liquidação de juros compensatórios, tem por pressuposto a liquidação de imposto cuja anulação determina a consequente anulação daquela.
Face à procedência integral do pedido arbitral, com base nos fundamentos expostos, fica prejudicado o conhecimento das demais questões colocadas pela Requerente.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
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Anular o acto de liquidação de IRC e tributações autónomas n.º 2017…, e respectivos juros compensatórios, relativo ao ano de 2013, no valor total de € 194.069,32, e o acto de liquidação de IRC e tributações autónomas n.º 2017…, e respectivos juros compensatórios, relativo ao ano de 2014, no valor total de € 471.198,92;
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Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante determinado infra.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 665.266,24, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 9.792,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 30 de Abril de 2018
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Nuno Cunha Rodrigues)
O Árbitro Vogal
(Sérgio Pereira da Silva)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[2] Ac. do STA de 05-07-2012, proferido no processo 0658/11, disponível em www.dgsi.pt.