Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 659/2017-T
Data da decisão: 2018-05-07  IRS  
Valor do pedido: € 9.174,59
Tema: IRS - artigo 41.º - Deduções aos rendimentos da categoria F - Período de referência.
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            O árbitro Nuno Cunha Rodrigues, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 27.02.2018, decide nos termos que seguem:

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A... e mulher B..., contribuintes nºs ... e ..., residentes na Rua ..., nº ..., ...-... ..., requereram a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nos números 1 e 2 do artigo 10º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e nos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, com vista à anulação da liquidação de IRS n.º 2017 ... – ano de 2014, no montante de 9.174,59 € (nove mil cento e setenta e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos).
  2. Como fundamento do pedido, os Requerentes alegam, em síntese, que na declaração de IRS apresentada com referência ao ano de 2014, haviam declarado despesas no valor de € 42.153,15 e posteriormente, no decurso da análise interna subjacente à liquidação aqui em causa e mediante a exibição dos comprovativos das despesas suportadas e declaradas com referência a cada prédio, substituíram aquela declaração por outra, em que declararam despesas no valor de € 37.250,53, dando lugar à emissão de nova liquidação de IRS, em substituição da anterior.
  3. Por seu lado, a Requerida - Administração Tributária e Aduaneira (AT) - em resposta ao alegado, contestou a pretensão dos Requerentes, apresentando defesa por impugnação, pronunciando-se pela improcedência do pedido, ou seja, pela manutenção do questionado acto de liquidação entendendo que as despesas fiscalmente aceites são no valor de € 7.036,94 vindo, em consonância, a ser emitida a liquidação de IRS sub judice.
  4. O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 20 de dezembro de 2017, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida AT em 22 de dezembro seguinte.
  5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável e notificou as partes dessa designação em 7 de fevereiro de 2018.
  6. Devidamente notificadas, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  7. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal arbitral singular foi constituído em 27 de fevereiro de 2018.
  8. Regularmente constituído, o Tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
  9. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).
  10. A Requerida apresentou resposta no dia 6 de abril de 2018;
  11. Atento o conhecimento que decorre das peças processuais que integram o presente processo, que se julga suficiente, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a produção de prova testemunhal.
  12. Não foram proferidas alegações escritas por terem sido consideradas desnecessárias.
  13. O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas quaisquer outras questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.

 

II. Matéria de facto:

 

Foram dados como provados os seguintes factos:

  1. Os Requerentes apresentaram, na declaração de IRS de 2014, a quantia total de rendas recebidas no montante de € 62.272,38;
  2. Na mesma declaração de IRS apresentada, com referência ao ano de 2014, os Requerentes tinham declarado despesas no valor de € 42.153,15;
  3. Os SIT não aceitaram as seguintes despesas apresentadas pelos Requerentes:

 

 

 

 

 

 

  1. Não foram igualmente aceites, pelos SIT, as despesas relacionadas com o IMI suportado em ano diferente ao do pagamento;
  2. No caso das despesas de condomínio respeitantes à fracção Q do artigo ..., à fracção N do artigo ... e à fracção H do artigo ..., as despesas aceites atenderam ao período de arrendamento ser inferior a um ano, pelo que foram consideradas, pela Requerida AT, na proporção do período de arrendamento;
  3. Não foram ainda aceites, pela Requerida AT, todas as despesas relacionadas com o pagamento do imposto de selo decorrente da celebração de contrato de arrendamento e com a emissão de certificado energético;
  4.      No exercício do direito de audição, os Requerentes aceitaram a não dedução, para efeitos fiscais, das despesas relacionadas com o projecto de arquitectura, com referência aos artigos ..., ..., ...e outras referentes ao artigo..., e regularizaram o imposto entregando uma de Declaração de substituição, diminuindo o valor das despesas declaradas no montante de € 4.902,63.
  5. Consequentemente os Requerentes substituíram a declaração de IRS por outra, em que declararam despesas no valor de € 37.250,53 € (42.153,16€ - 4.902,63.€), dando lugar à emissão de nova liquidação de IRS, em substituição da anterior;
  6. Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de …, não obstante a regularização voluntária efectuada, consideraram que as despesas fiscalmente aceites eram apenas no valor de € 7.036,94, conforme se encontra expresso no quadro a fls. 9 do relatório de inspecção e com os fundamentos constantes do mesmo;
  7. De entre as despesas declaradas pelos Requerentes e incluídas no valor total supra descrito no ponto viii), os Requerentes incluíram as seguintes quantias, referentes à emissão de certificado energético e ao pagamento de imposto de selo devido pela celebração de contratos de arrendamentos:
    1. Fracção ... – R – Prestação de serviços para a emissão de certificado energético – 110,70€; Emissão de certificado energético – 55,35€; Imposto de selo devido pela celebração de contrato de arrendamento – 15€ (x3) + 14€, num total de 59€;
    2. Fracção ... – Q - Prestação de serviços para a emissão de certificado energético – 196,80€; Emissão de certificado energético – 55,35€; Imposto de selo devido pela celebração de contrato de arrendamento – 48€;
    3. Fracção ... – N - Prestação de serviços para a emissão de certificado energético – 0€ (despesa comum à fracção ...-Q); Emissão de certificado energético – 43,05€; Imposto de selo devido pela celebração de contrato de arrendamento – 20€;
    4. Tudo no total de 588,25€;
  8. De entre as despesas incluídas no ponto viii) supra os Requerentes consideraram as despesas com IMI apurado em 2014 que equivaleram, relativamente às seguintes fracções, aos valores de (cfr. artigo 30.º da petição inicial):
    1. Fracção ...– Q – 260,56€;
    2. Fracção ... – R – 444,24€;
    3. Fracção ... – 98,50€;
    4. Fracção ... – N – 88,84€;
    5. Fracção ...– H – 254,75€;
  9. De forma diversa a Requerida AT considerou que as despesas com IMI, determinado com referência ao ano de 2013 e liquidado em 2014, equivaleram, relativamente às mesmas fracções descritas no número anterior, aos valores anualizados de (cfr. artigo 3.7. da resposta):
    1. Fracção ... – Q – 179,14€;
    2. Fracção ...– R – 315,96€;
    3. Fracção ...– 73,87€
    4. Fracção ... – N – 61.08€;
    5. Fracção ... – H – 187,59€;

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada, conforme resulta do disposto no art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e no art.º 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi art.º 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, a convicção do árbitro fundou-se nos documentos juntos aos autos pelos Requerentes, nomeadamente a liquidação de IRS e os comprovativos do pagamento bem como os documentos juntos pela Requerida AT com o processo administrativo.

 

III. Do mérito do pedido:

 

  1. Enquadramento geral:

A liquidação de IRS identificada nos presentes autos provém de correcção efectuada pela Direcção de Finanças de ..., no âmbito de inspecção interna, às despesas declaradas pelos requerentes no Anexo F da sua declaração de IRS, relacionadas com os imóveis arrendados e geradores de rendimentos prediais (da Categoria F), aos quais são dedutíveis as despesas previstas no artigo 41.º do CIRS.

Os Requerentes, na declaração de IRS apresentada com referência ao ano de 2014, declararam despesas no valor de € 42.153,15 e, posteriormente, no decurso da análise interna subjacente à liquidação aqui em causa e mediante a exibição dos comprovativos das despesas suportadas e declaradas com referência a cada prédio, substituíram aquela declaração por outra, em que declararam despesas no valor de € 37.250,53, dando lugar à emissão de nova liquidação de IRS, em substituição da anterior.

Os Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de ..., não obstante a regularização voluntária efectuada, consideraram que as despesas fiscalmente aceites eram no valor de € 7.036,94 vindo, em consonância, a ser emitida a liquidação de IRS sub judice.

  1. Da suposta falta de fundamentação:

Os Requerentes alegaram que não pode considerar-se suficientemente fundamentada a decisão da Requerida AT de não aceitar a dedução das despesas atendendo a que não cumpriu os requisitos legais de fundamentação, conforme se determina no artigo 268º da Constituição da República Portuguesa e também no artigo 77º da Lei Geral Tributária referindo, a este propósito, a decisão arbitral do processo 336/2016-T.

Na resposta, a Requerida AT alegou a conformidade legal do ato tributário objeto do pedido arbitral.

Os Requerentes alega que não pode considerar-se suficientemente fundamentada a decisão da AT de não aceitar a dedução destas despesas, uma vez que a simples afirmação de que “não se referem a obras de conservação e/ou manutenção pelo que não poderão ser consideradas elegíveis para efeitos do artigo 41º do CIRS por não subsumíveis ao conceito de conservação ali consignado” não esclarece a razão para essa exclusão, atenta a essência das despesas e a previsão constante do artigo 41º do CIRS (cfr. artigo 56.º da petição inicial).

Afirmam os Requerentes que os actos administrativos em geral e, dentro destes, os actos tributários, quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos e contribuintes, carecem de fundamentação expressa, conforme se determina no artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa e também no artigo 77.º da Lei Geral Tributária razão pela qual a fundamentação deve ser expressa, clara, suficiente e congruente, sob pena de anulabilidade do acto por vício de forma.

Em sentido diverso, a Requerida AT defende que a fundamentação é um conceito relativo, que varia em função do tipo legal de acto administrativo, podendo um acto considerar-se fundamentado quando o seu destinatário fica esclarecido sobre as razões que estiveram na base desse acto e que o motivaram.

Consequentemente, afirma a Requerida AT, no caso vertente, a fundamentação do acto de liquidação permitiu aos Requerentes apreender os concretos factos donde ela emerge podendo aceitá-la ou impugná-la estando patenteada nos termos em que os Requerentes deduziram a petição inicial.

Vejamos:

O artigo 286º n.º 3 da CRP impõe que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

O mesmo dever de fundamentação está previsto nos artigos 152º e 153º do Código do Procedimento Administrativo para a generalidade dos atos administrativos, e no artigo 77º da Lei Geral Tributária para os atos administrativos tributários.

Este último artigo – o nº 2 do artigo 77º da LGT -, impõe que “a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Por outro lado, e como corolário da obrigatoriedade da fundamentação dos actos administrativos colocar-se-á o exercício do contraditório que, em última instância terá como virtualidade que o administrado possa afrontar os argumentos contra si produzidos.

Segundo a doutrina e na jurisprudência, a fundamentação legalmente exigível tem de reunir as seguintes características:

- oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido,

- contemporaneidade; deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas ou a pedido,

- clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos,

- plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada, sendo que esta característica se desdobra no dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e no dever de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração)

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a fundamentação do ato administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.

Nesse sentido, veja-se o Acórdão do STA de 10/09/2014, do processo 01226/13, que afirma que:

“I- A Administração Tributária tem o dever de fundamentar os actos de liquidação oficiosa de tributos de harmonia com o princípio plasmado no art.268º da CRP e acolhido nos arts. 125º do CPA, e 77 da LGT. II. O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bónus pater familiae de que fala o art. 487º, nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a optar, de forma esclarecida, por aceitar ou não o acto.”

Em relação do procedimento de inspeção tributária, decorre do artigo 63º nº 1 do RCPIT que os atos tributários ou em matéria tributária poderão fundamentar-se as suas conclusões “através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório”.

No presente caso, os Requerentes tiveram conhecimento do projeto do relatório de inspeção tributária e foram notificados do relatório de inspeção tributária.

Os fundamentos das correções constantes do relatório de inspeção tributária suportam a liquidação do imposto em causa.

Assim, entende-se que os Requerentes tomaram conhecimento do iter cognoscitivo que conduziu à emissão das liquidações em causa nos presentes autos.

Com efeito, considerando o contexto concreto em que foram produzidos o ato de liquidação aqui em apreciação, serão perceptíveis para um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, os fundamentos constantes do relatório final de inspeção tributária que o antecedeu.

Assim, a fundamentação em causa permitiu aos Requerentes agir através de reclamação graciosa e de pedido de pronúncia arbitral, não se evidenciando que os seus direitos de defesa tenham sido colocados em causa ou que a mesma não permitisse perceber o raciocínio adotado pela AT que conduziu à liquidação adicional de IRS do ano de 2014.

Deste modo, entendemos que está cumprido o dever de fundamentação do ato tributário de liquidação objeto do presente processo arbitral.

  1. Da não dedutibilidade das despesas:

Nos presentes autos, entende a Requerida AT que os Requerentes tinham deduzido despesas que não deviam ser consideradas atendendo às seguintes quatro circunstâncias:

  1. As despesas fiscalmente dedutíveis, previstas no artigo 41º do CIRS “são as que respeitam à fracção do prédio arrendado, pagas no ano a que respeita o rendimento declarado, e na proporção do tempo do arrendamento do imóvel” razão pela qual a Requerida AT considerou a não dedutibilidade aos rendimentos prediais auferidos no ano de 2014 de um conjunto de despesas declaradas pelos Requerentes.

Em sentido oposto, consideram os Requerentes que não há apoio legal para a aplicação de um “coeficiente de ocupação/proporção”, já que a lei não faz qualquer referência à proporcionalidade da dedução destas despesas em função da efectiva duração do contrato de arrendamento.

  1. Por outro lado, a Requerida AT considera não serem enquadráveis no artigo 41º do CIRS determinadas despesas suportadas pelos Requerentes e relacionadas com obras de conservação e manutenção de imóveis, imprescindíveis para a formação ou manutenção dos rendimentos prediais por estes declarados considerando que as despesas declaradas “não se referem a obras de conservação e/ou manutenção mas sim de reconversão/reconstrução do imóvel” não tendo, consequentemente, sido aceite a sua dedução.

Entendeu a Requerida AT que, por não se enquadrarem no conceito de despesas de manutenção e/ou conservação, foram corrigidos um conjunto de valores descrito no artigo 3.5. da resposta, que perfazem o total de € 33.984,36, imposto corrigido, sendo que a diferença para os € 35.116,22 respeita às despesas com o IMI suportado e às despesas com o condomínio.

  1. Acresce ainda, para a Requerida AT, não ter sido aceite o IMI suportado em ano diferente ao do pagamento.
  2. Por último, a AT não aceitou, também, as despesas suportadas pelos requerentes com
    1. A obtenção dos certificados energéticos que passaram a ser legalmente exigidos para a celebração de contratos de arrendamento;
    2. O Imposto do Selo que recai sobre estes contratos.

Analisemos cada um dos pontos controvertidos.

  1. Da aplicação de um “coeficiente de ocupação/proporção” decorrente do apuramento da proporcionalidade da dedução das despesas em função da efectiva duração do contrato de arrendamento:

A Requerida AT refere que aos rendimentos prediais são dedutíveis as despesas documentadas, necessárias e diretamente ligadas à obtenção desses mesmos rendimentos, desde que suportadas pelo próprio sujeito passivo alegando ainda que, para efeitos de tributação em sede da categoria F, se atende ao rendimento líquido obtido, isto é, às rendas recebidas deduzidas das despesas suportadas para produzir os rendimentos prediais e para manter na íntegra a respetiva fonte produtora (os prédios objeto de arrendamento).

Por conseguinte, conclui a Requerida AT, as despesas de conservação e manutenção e o IMI pago relativamente a imóvel arrendado durante alguns meses, devem ser proporcionalmente consideradas como dedutíveis tendo por base o número de meses de arrendamento.

Em sentido oposto, consideram os Requerentes que não há apoio legal para a aplicação de um “coeficiente de ocupação/proporção”, já que a lei não faz qualquer referência à proporcionalidade da dedução destas despesas em função da efectiva duração do contrato de arrendamento.

Para a Requerida AT, quando inexistir rendimento bruto, não pode ser considerado qualquer encargo suportado, e quando existir arrendamento parcial, ou seja, apenas durante parte do ano, apenas podem ser consideradas como elegíveis para efeitos do artigo 41º do Código do IRS, as despesas que proporcionalmente se mostrem imputáveis ao número de meses do arrendamento.

Assim, para a Requerida AT, qualquer outra interpretação que não sufrague a posição vertida no relatório de inspeção, viola frontalmente preceitos constitucionais, nomeadamente o princípio da igualdade e o princípio da capacidade contributiva, ao discriminar aqueles que arrendam um imóvel por escassos dias, deduzindo todas e quaisquer despesas previstas no artigo 41º do Código do IRS sem qualquer limite, daqueles que, usando constantemente e durante todo o ano fiscal o imóvel para arrendamento, se vêm na contingência de serem colocados no mesmo patamar de capacidade contributiva (que não é de todo igual) que aqueles outros.

Há, sobre esta questão, abundante jurisprudência que se seguirá de perto. Temos presente, em particular, as decisões do CAAD proferidas nos processos número 103/2017-T, 42/2017-T, 434/2016-T, 338/2016-T, 294/2015-T, 201/2015-T e 435/2014-T que acolhemos sem reservas.

Vejamos:

A Requerida AT aceita parte das despesas com os imóveis em apreço entendendo, no entanto, que apenas são dedutíveis na proporção da ocupação/arrendamento do imóvel.

Acontece que este suposto coeficiente de ocupação não pode ser aceite, desde logo, porque não tem qualquer suporte legal no Código do IRS.

Tal procedimento também não pode ser aceite, porquanto todas as despesas realizadas terão sempre que ser aceites, independentemente da taxa de ocupação.

É que o IRS incide sobre o valor anual dos rendimentos provenientes de determinadas categorias, depois de efectuadas as correspondentes deduções e abatimentos (artigo 1º n.º 1 do Código do IRS).

Assim, a tributação em sede de IRS incide sobre o valor anual dos rendimentos e este apura-se relativamente a cada ano fiscal, que coincide com o ano civil (artigos 1 n.º 1, 22 n.º 1 e 143 do Código do IRS).

Como a operação elementar do cálculo do imposto consiste em determinar o rendimento tributável, através das deduções e abatimentos ao rendimento bruto, não se vê razão para que estas componentes negativas não tenham afinal o mesmo período de referência que tem o rendimento bruto.

Também a regra das obrigações declarativas disciplina no sentido de dever ser apresentada uma única declaração para todo o período anual (artigo 57 n.º 1 do Código do IRS).

É certo que estas regras da anualidade do IRS comportam especialidades, como por exemplo, na limitação ao período de quatro anos da imputação dos rendimentos das categorias A e H (artigo 74 n.º 1 do Código do IRS), na imputação ao ano do trânsito em julgado da decisão de ação sobre rendimentos litigiosos, mesmo que se reportem a vários anos anteriores (artigo 62 do Código do IRS) ou na possibilidade de dedução de perdas de anos anteriores (artigo 55 n.º 2 e 3 do Código do IRS).

No entanto, o artigo 41º do Código do IRS, ou qualquer outro, não contempla qualquer exceção relativamente à citada regra geral da anualidade do IRS.

Com efeito, este dispositivo mais não faz do que afirmar a regra geral: aos rendimentos brutos deduzem-se as despesas.

O artigo nada refere quanto ao período a considerar, uma vez que ele já consta no vertido no artigo 1º do Código do IRS: período anual.

Temos então que concluir que não há que fazer qualquer outra correspondência temporal entre o rendimento bruto e as despesas a deduzir. Há apenas que assegurar que as deduções dizem respeito ao ano civil em que foram pagos ou colocados à disposição os rendimentos prediais.

Estas mesmas conclusões constam de abundante jurisprudência, nomeadamente das decisões arbitrais dos processos n.º 201/2015-T, 294/2015-T e n.º 434/2016-T.

Atento o sentido da jurisprudência consolidada, supra-citada, ao qual se adere por inteiro, impõe-se concluir que não há fundamento legal para que os gastos efectivamente suportados e pagos no ano, pelos sujeitos passivos, relativamente a imóveis que foram fontes produtoras de rendimentos, apenas devam ser declarados, contabilizados e aceites aqueles que correspondem ao período em que o prédio esteve arrendado ou utilizado, nomeadamente os que digam respeito a conservação e manutenção do prédio, a despesas de condomínio, a impostos e a taxas autárquicas.

Nessa razão, as liquidações contestadas enfermam de vício de erro sobre os pressupostos de direito, impondo-se a respectiva anulação.

 

  1. Da não dedutibilidade de determinadas despesas suportadas pelos Requerentes, relacionadas com obras de conservação e manutenção de imóveis:

Entende a Requerida AT que, quanto à possibilidade de deduzir ao rendimento, para efeitos de determinação da matéria coletável, as despesas de manutenção e conservação do imóvel que incumbam ao sujeito passivo e que por ele sejam efectivamente comprovadas, a sua aceitação assenta na premissa de que sem a sua realização, o sujeito passivo não pode obter o rendimento.

Consequentemente, entende a Requerida AT que as despesas de manutenção e de conservação são todas aquelas despesas que se afigurem necessárias efetuar e suportar, para manter o estado do prédio, ou seja, as que se destinem a manter ou repor o prédio com um nível de habitabilidade idêntico ao existente à data da celebração do contrato e as impostas pela administração (cfr. artigos 4.34. e 4.35. da resposta).

Assim, defende a Requerida AT que no ano de 2014 os proprietários podiam deduzir, por cada imóvel arrendado, e a título meramente exemplificativo, pinturas interiores e exteriores, reparação ou substituição do sistema de canalização elétrico; energia e manutenção dos elevadores; energia para iluminação, aquecimento ou climatização central; gastos com porteiros e limpeza; prémios de seguro de prédios e taxas autárquicas, como saneamento e esgotos; segurança do imóvel; seguro de incêndio e quotas de condomínio e que, ao invés não podiam deduzir obras de construção que alterassem a estrutura do imóvel, compra de mobiliário, custos com a certificação energética, instalação de ar condicionado e obras de valorização.

Antes de decidir, importa examinar o que se entende por rendimentos prediais e as deduções permitidas pelo artigo 41º do Código do IRS.

O artigo 8.º n.º 1 do Código do IRS dispõe da seguinte forma:

“1. Consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares (…)”.

E o n.º 2 alínea a) do mesmo artigo refere que:

“2. São havidas como rendas:

As importâncias relativas à cedência do uso de prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência”.

Por outro lado o artigo 41.º do Código IRS, que estipula quais as despesas dedutíveis na categoria F, tinha a seguinte redacção, no ano de 2014:

“1 - Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objeto de tributação no ano fiscal.”

Resultam, deste n.º 1, duas categorias de despesas dedutíveis: a primeira refere-se às despesas de manutenção e conservação e a segunda refere-se ao IMI e ao Imposto de Selo suportados.

É certo que o legislador nunca definiu o que se entende por despesas de manutenção e conservação.

Consequentemente, importa averiguar que despesas podem ser incluídas nas despesas de conservação e quais podem ser integradas nas despesas de manutenção.

A interpretação daqueles conceitos deverá ser efetuada tendo por referência o disposto no artigo 11.º da Lei Geral Tributária (LGT).

Nos termos do n.º 2 do artigo 11º da LGT “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”.

Para interpretar aquele conceito, devemos ainda atender ao anterior Regime do Arrendamento Urbano e ao Código Civil que, no artigo 9.º n.º 3, refere que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.

Tendo em conta esta disposição, o facto do Código do IRS não distinguir o tipo de despesas de conservação que deverão ser dedutíveis, permite-se que todo o tipo de despesas de conservação previstas nos vários ramos de Direito, tais como as despesas de conservação ordinárias e extraordinárias sejam dedutíveis para efeitos fiscais.

Por outro lado, e uma vez que o Código do IRS não faculta qualquer definição de despesas de conservação, importa atender, ao disposto no artigo 11.º do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), ainda que entretanto revogado.[1]

O Regime do Arrendamento Urbano, no artigo 11.º, dispunha que “nos prédios urbanos e, para efeitos do presente diploma, podem ter lugar obras de conservação ordinária, obras de conservação extraordinária (…);

(ii) são obras de conservação ordinária:

a) a reparação e limpeza geral do prédio e suas dependências;

b) as obras impostas pela Administração Pública, nos termos da lei geral ou local aplicável, e que visem conferir ao prédio as características apresentadas aquando da concessão da licença de utilização;

c) em geral as obras destinadas a manter o prédio nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração.

(iii) são obras de conservação extraordinárias ocasionadas por defeito de construção do prédio ou por caso fortuito ou de força maior e, em geral, as que não sendo imputadas a ações ou omissões ilícitas perpetuadas pelo senhorio, ultrapassem, no ano em que se tornem necessárias, dois terços do rendimento líquido desse mesmo ano (…)”.

A este propósito, a decisão arbitral no processo n.º 435/2014-T concluiu que as despesas de conservação “são aquelas que dizem respeito ao estado e funcionamento do edifício em si, e que não se incluem no conceito de despesas de manutenção, como obras de reparação, gerais, periódicas, e, incluindo aquelas que mantenham ou aumentem o valor do edifício, e acrescentem novas mais valias, tais como piscinas, ginásios, elevadores, entre outras, e em especial as que confiram um nível de habitabilidade idêntico ao existente à data da celebração do contrato de arrendamento”.

Na mesma decisão tomada no processo n.º 435/2014-T foi entendido que “as despesas de manutenção são aquelas que digam respeito ao dia a dia do edifício, tais como, a título exemplificativo, as da energia, água, manutenção de elevadores, limpeza, porteiros, e todas as despesas de administração corrente”.

Face à fundamentação de direito, e atendendo aos artigos transcritos e enunciados, a interpretação do conceito de despesas de manutenção e de despesas de conservação deve ser feita no seguinte sentido.

As despesas de manutenção são aquelas que digam respeito ao dia a dia do edifício, tais como, a título exemplificativo, as da energia, água, manutenção de elevadores, limpeza, porteiros, e todas as despesas de administração corrente.

Quanto às despesas de conservação, são aquelas que dizem respeito ao estado e funcionamento do edifício em si, e que não se incluem no conceito de despesas de manutenção, como as obras de reparação, gerais, periódicas, e incluindo aquelas que mantenham ou aumentem o valor do edifício, e acrescentem novas mais valias, tais como piscinas, ginásios, elevadores, entre outras, e em especial as que confiram um nível de habitabilidade idêntico ao existente à data da celebração do contrato de arrendamento.

Importa agora determinar se é justificada a desconsideração das despesas feita pela AT e reclamada nestes autos pelos Requerentes.

A resposta a esta questão exige que se fixe com rigor qual o fundamento para a recusa da AT em aceitar as deduções. Vejamos.

Cumpre dizer que, sem prejuízo da análise posterior que será realizada na presente decisão relativamente às despesas relacionadas com imposto de selo e com a certificação energética, as únicas despesas que não são aceites pela AT como dedutíveis aos rendimentos da categoria F, no ano de 2014, são as seguintes:

  1. Artigo ... – fração Q

As despesas apresentadas suportam as obras efetuadas no imóvel, no montante de € 14.532,12 (declarado apenas € 14.013,72).

  1. Artigo ... – fração R

As despesas apresentadas que suportam as obras efetuadas no imóvel, no montante de € 8.188,21.

  1. Artigo ... – frações C e D

No que concerne à fração C, as despesas apresentadas respeitam a aquisição de móvel de casa de banho, portas, cabides, envernizamento e reparação do material existente. A fatura emitida apresenta um valor para o serviço prestado e envernizamento e um valor global para todo o material, no valor total de € 1.937,52.

No que concerne à fração D, as despesas apresentadas estão concentradas em duas faturas 31 de 15-04-2014 e 88 de 16-10-2014 com os montantes de € 1.961,44 e 1.270,00 respetivamente. A descrição das duas faturas refere materiais e serviços prestados semelhantes.

  1. Artigo ...– fração H

As despesas no valor total de € 1.853,80, respeitam designadamente, a móveis de cozinha, portas de roupeiro e serviço de reparação.

 

Todas as despesas apresentadas pelos Requerentes estavam directamente relacionadas com as fracções arrendadas e encontravam-se documentalmente suportadas.

Por outro lado, e à luz da experiência comum, todas as despesas acima elencadas decorrem da realização de reparações nas fracções que não podem deixar de ser consideradas como de manutenção ou de conservação – estando aqui abrangidas, recorde-se, “as obras de reparação, gerais, periódicas, e incluindo aquelas que mantenham ou aumentem o valor do edifício, e acrescentem novas mais valias”.

Consequentemente, e para efeitos do disposto no artigo 41.º do CIRS, devem ser aceites todas as despesas acima descritas, apresentadas pelos Requerentes.

 

  1. Da não dedutibilidade do IMI suportado em ano diferente ao do pagamento:

Entende a Requerida AT que os encargos com o IMI suportados nos termos do nº 5 do artigo 41º do CIRS são aqueles que tiverem sido pagos no ano da obtenção do rendimento, no caso em 2014 (cfr. artigos 4.39. e 4.40. da resposta).

Em sentido diverso entendem os Requerentes que a previsão legal é diferente, porquanto alude ao “imposto municipal sobre imóveis (…) que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objecto de tributação no ano fiscal”, remetendo, assim, para a liquidação de IMI referente ao ano em que o rendimento predial é gerado e tributado havendo um paralelismo entre o ano da tributação do rendimento predial e o ano da tributação em sede de IMI desse mesmo prédio (cfr. artigos 17.º a 27.º da petição inicial).

Vejamos.

O apuramento da propriedade de um imóvel, para efeitos de determinação do IMI, é operada a 31 de dezembro de cada ano (cfr. artigo 8.º do Código do IMI). A liquidação do IMI ocorre no ano subsequente ao ano correspondente ao do apuramento da propriedade, que é efectuado  a 31 de dezembro do ano anterior.

Ora não parece que o artigo 41.º do Código do IRS preveja uma exceção relativamente à regra geral da anualidade do IRS.

Com efeito, este dispositivo mais não faz do que afirmar a regra geral: aos rendimentos brutos deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação, bem como as despesas com IMI realizadas no ano da obtenção do rendimento.

Não ficam assim dúvidas que não há que fazer qualquer outra correspondência temporal entre o rendimento bruto e as despesas a deduzir.

Há apenas que assegurar que as deduções dizem respeito ao ano civil em que foram pagos ou colocados à disposição os rendimentos prediais.

Especificamente, no que se refere às despesas com IMI pode ser colocada uma outra questão, para rigorosa determinação da janela temporal em que se devem situar as despesas e que é a de saber se o momento relevante, que permite ligar as despesas a determinada data, é a sua efetiva ocorrência ou se é antes aquele em que as deduções são suportadas.

Como a experiência tem demonstrado, acontece por vezes que determinado imposto ou taxa é liquidado nesse mesmo ano mas só são pagos, ou satisfeitos por outra forma, em ano civil posterior.

Crê-se que na lei só há um critério e importa apurá-lo pois, no caso presente, a questão coloca-se.

Ao nível dos rendimentos brutos, cujo paradigma da categoria F são as rendas, a resposta parece facilitada pela clareza da norma; o artigo 8º-1 do CIRS refere, expressamente que o imposto incide sobre as rendas pagas ou postas à disposição, deixando claro que não constituem rendimento de determinado ano nem as rendas cobradas antecipadamente em ano anterior (v.g. a renda de janeiro de um ano que a tradição manda pagar no início do mês de dezembro antecedente, é rendimento do ano em que é efetivamente paga) nem aquelas rendas que o inquilino não tenha chegado a pagar nem a colocar à disposição do senhorio (v.g. através de depósito), por não as ter satisfeito.

Aliás, as rendas que o inquilino não satisfaça e que hajam de ser cobradas judicialmente, constituirão, sem margem para dúvidas, rendimento do ano em que transite em julgado a decisão judicial que permita determinar qual é afinal o valor do rendimento (cfr. artigo 62.º do CIRS) e não são rendimento do ano em que deveriam ter sido pagas de acordo com o contrato de arrendamento.

A mesma linha de raciocínio é também seguida para as deduções, como resulta claramente das disposições concretas da lei.

A norma do artigo 41º-1 do CIRS deixa claro que ao rendimento deduzem-se as despesas que sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas; dito de outro modo, deduzem-se as despesas que tenham sido suportadas no período anual em causa, ainda que a obrigação tenha sido constituída em anos anteriores.

Parece assim claro que o momento relevante para determinação dos rendimentos brutos e das despesas a deduzir obedece a uma ótica de tesouraria e não atende ao momento da constituição nem é seguido o princípio da especialização dos exercícios.

Neste sentido veja-se, entre outras as decisões do CAAD nos processos nº 294/2015-T e nº 103/2017-T.

Não partilhamos, por isso, do entendimento dos Requerentes segundo o qual “esta solução levaria, inclusive, a que fosse dedutível o IMI de um ano em que não foram obtidos rendimentos prediais, apenas porque no ano em que esse IMI foi pago já houve rendimentos prediais, o que nos parece totalmente fora quer do espírito, quer da letra da lei.”

Assiste, por isso, razão à Requerida AT o que significa que, tal como acontece relativamente às despesas de manutenção e conservação, também o IMI dedutível é aquele que tiver sido efectivamente pago no ano da obtenção do rendimento pelo que o valor a deduzir “é o valor do IMI pago no ano a que respeitam os rendimentos” ou seja e no caso concreto, “o IMI pago em 2014”, referente ao ano de 2013.

Foi dado como provado que os Requerentes consideraram que as despesas com IMI apurado em 2014 equivaleu, relativamente às seguintes fracções, aos valores anualizados de (cfr. artigo 30.º da petição inicial):

  1. Fracção ... – Q – 260,56€;
  2. Fracção ... – R – 444,24€;
  3. Fracção ... – 98,50€;
  4. Fracção ...– N – 88,84€;
  5. Fracção  ... – H – 254,75€;

Foi igualmente dado como provado que a Requerida AT considera que as despesas com IMI determinado com referência ao ano de 2013 e liquidado em 2014 equivaleu, relativamente às mesmas fracções descritas no número anterior, relativamente às quais se verifica uma discrepância face aos valores indicados pelos Requerentes, aos valores anualizados de (cfr. artigo 3.7. da resposta):

  1. Fracção ... – Q – 179,14€;
  2. Fracção ...– R – 315,96;
  3. Fracção ... – 73,87€;
  4. Fracção ...– N – 61.08€;
  5. Fracção ... – H – 187,59€;

            Consequentemente não deve ser aceite como dedutível a quantia total de 362,57€ correspondente à diferença entre as despesas com IMI apurado em 2014, invocadas pelos Requerentes, e o total das despesas com IMI determinado com referência ao ano de 2013 e liquidado em 2014, acima descrito, invocado pela Requerida AT.

 

  1. Da não dedutibilidade das despesas suportadas pelos Requerentes com:
    1. A obtenção dos certificados energéticos que passaram a ser legalmente exigidos para a celebração de contratos de arrendamento;
    2. O Imposto do Selo que recai sobre estes contratos.

Ficou por analisar a possibilidade de serem deduzidas, para efeitos do disposto no artigo 41.º do Código do IRS na redacção em vigor em 2014, as despesas suportadas pelos Requerentes com (a) a obtenção dos certificados energéticos que passaram a ser legalmente exigidos para a celebração de contratos de arrendamento e (b) o Imposto do Selo que recai sobre estes contratos.

Vejamos.

A redacção do artigo 41º do CIRS, ao tempo em vigor, era a seguinte:

“1 - Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objecto de tributação no ano fiscal.

2 - No caso de fracção autónoma de prédio em regime de propriedade horizontal, deduzem-se também os encargos de conservação, fruição e outros que, nos termos da lei civil, o condómino deva obrigatoriamente suportar, por ele sejam suportados, e se encontrem documentalmente provados.

3 - Na sublocação, a diferença entre a renda recebida pelo sublocador e a renda paga por este não beneficia de qualquer dedução.”

            Em 2014, como vimos anteriormente, o artigo 41.º permitia a dedução das despesas de manutenção e de conservação, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios arrendados.

            Ora o custo com a emissão do certificado energético que deve acompanhar a celebração de um contrato de arrendamento, ainda que legalmente obrigatório, não pode ser equiparado a uma despesa de manutenção ou de conservação.

            Na verdade, a emissão de um certificado energético não altera as condições de habitabilidade de um imóvel antes servindo para certificar a sua maior ou menor eficiência energética.

            Como tal entende-se que a redacção do artigo 41.º do Código do IRS em vigor à época não permitia a dedução dos custos associados à emissão de certificados energéticos de imóveis arrendados.

            Este entendimento é aliás, confirmado se atendermos à reforma do Código do IRS verificada no final de 2014.

            Nessa altura, a redacção do artigo 41.º foi alterada, no âmbito da reforma feita pela Lei n.º 82-E/2014 de 31 de dezembro, tendo sido alargado o âmbito das deduções permitidas na categoria F o qual passou a contemplar, por exemplo, comissões pelo arrendamento pagas a imobiliárias ou custo do certificado energético, que passaram a ser dedutíveis a partir de então mas que não o eram durante o período de tributação sub judice.

            Ficou ainda por esclarecer a possível dedutibilidade da despesa relacionada com o custo do Imposto do Selo que recai sobre os contratos de arrendamento.

            Aqui, o Código do IRS referia-se à dedutibilidade do “imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objecto de tributação no ano fiscal.”

            Mas o Código não se referia ao imposto de selo que incide sobre os contratos de arrendamento. Como tal entende-se que esta despesa também não pode ser deduzida.

 

  1. Dos juros indemnizatórios e reembolso da quantia paga:

De harmonia com o disposto no n.º 5 do art. 24.º do RJAT, tem-se entendido os tribunais arbitrais podem reconhecer o direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais.

Justifica-se assim, pelo exposto, a análise do pedido de pagamento de juros indemnizatórios aos ora Requerentes.

São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT).

É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços.

Nesse sentido, vejam-se, por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30 de maio de 2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10 de abril de 2013, proc. 1215/12).

Tendo havido, como decorre da presente decisão arbitral, erro imputável aos serviços – o qual conduz à anulação do ato tributário em causa e à consequente devolução dos montantes pagos pela Requerente, nos termos do disposto no art. 173.º, n.º 1, do CPTA, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT –, conclui-se, sem necessidade de mais considerações, pela procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios aos Requerentes.

 

IV - Decisão:

Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide-se:

  1. Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, na parte referente à dedução de despesas no valor de € 37.250,53 ao qual deve ser subtraída a quantia de 588,25€ e 362,57€, nos termos infra descritos, o que perfaz o valor de € 36.299,71€, determinando a anulação da liquidação de IRS referente ao ano de 2014, que deve ser reformulada de forma consequente.
  2. Não consideração, para efeitos do disposto no artigo 41.º do CIRS em vigor em 2014, das seguintes quantias referentes à emissão de certificado energético e ao pagamento de imposto de selo devido pela celebração de contrato de arrendamento:
    1. Fracção ... – R – Prestação de serviços para a emissão de certificado energético – 110,70€; Emissão de certificado energético – 55,35€; Imposto de selo devido pela celebração de contrato de arrendamento – 15€ (x3) + 14€, num total de 59€;
    2. Fracção ... – Q - Prestação de serviços para a emissão de certificado energético – 196,80€; Emissão de certificado energético – 55,35€; Imposto de selo devido pela celebração de contrato de arrendamento – 48€;
    3. Fracção ... – N - Prestação de serviços para a emissão de certificado energético – 0€ (despesa comum à fracção …-Q); Emissão de certificado energético – 43,05€; Imposto de selo devido pela celebração de contrato de arrendamento – 20€;
    4. Tudo no total de 588,25€;
  3. Não consideração, para efeitos do disposto no artigo 41.º do CIRS, da quantia de 362,57€ correspondente à diferença entre as despesas com IMI apuradas em 2014 e o total das despesas com IMI determinado com referência ao ano de 2013 e liquidado e pago em 2014;
  4. Condenar a Requerida AT a reembolsar aos Requerentes o valor do imposto indevidamente pago, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios a calcular sobre o IRS indevidamente pago, nos termos do artigo 43º da LGT na proporção do imposto anulado e desde a data em que esse imposto foi indevidamente pago, até à data em que o sujeito passivo for ressarcido desse imposto, à taxa legalmente devida.
  5. Condenar os Requerentes e Requerida nas custas do processo, na proporção abaixo fixada.

 

V - Valor do processo:

Fixa-se em € 9.174,59 € (nove mil cento e setenta e quatro euros e cinquenta e nove cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n,º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

VI - Custas:

Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 918 (novecentos e dezoito euros), na proporção dos respetivos decaimentos, sendo de 2,55% (23.41€) a cargo dos Requerentes e de 97,45% (894.59€) a cargo da Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 7 de maio de 2018

 

O Árbitro

 

 

(Nuno Cunha Rodrigues)

 



[1] Assim, cfr. AAVV: IRS – códigos anotados e comentados, Lexit, edição outubro 2013, página 135.