Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 607/2017-T
Data da decisão: 2018-05-03  IRC  
Valor do pedido: € 2.641.009,79
Tema: IRC - Dedutibilidade de custos - Encargos financeiros - Fusão por incorporação.
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Decisão Arbitral

 

 

            Os árbitros Dr. Jorge Manuel Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Suzana Fernandes da Costa e Dr. António Alberto Franco (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 06-02-2018, acordam no seguinte:

           

            1. Relatório

 

            A…, LDA., NIPC…, com sede no …, …, …, …-… Sintra (doravante, "Requerente "), veio, ao abrigo dos artigos 10.º e 2.º, n.º 1, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante “RJAT”), apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à declaração de ilegalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (adiante, "IRC"), identificada com o n.º 2016…, de 14-09-2016, no valor de € 2.641.009,79 e de Demonstração de Liquidação de Juros, identificada com o n.º2016…, de 16-09-2016, que, de acordo com a Demonstração de Acerto de Contas, identificada com o n.º 2016…, deu origem a imposto a pagar no valor de € 2.641.009,79.

A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar indemnização por garantia indevida.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 22-11-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 16-01-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 06-02-2018.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo que o pedido deveria ser julgado improcedente.

Por despacho de 13-03-2018, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram, alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente em face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do RJAT.

As partes estão devidamente representadas, são legítimas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  • A Requerente iniciou a sua atividade em 19 de outubro de 1990 com a designação de B…- SGPS Lda;
  • A 10 de janeiro de 2006, a Requerente alterou a sua designação para C… Lda (doravante C…), tendo em 26 de dezembro do mesmo ano sido sujeita a uma cisão da qual resultou a sociedade D…- SGPS Lda, com o NIPC…;
  • Em 1 de agosto de 2007, a Requerente é adquirida pela E… pelo montante de € 122.611.711,00, alterando a sua designação para A… Lda em 4 de Dezembro desse mesmo ano;
  • A Requerente detinha a totalidade do capital das seguintes entidades:

1. F…, S.A., NIPC: …

2. G… LDA, NIPC: …

3. H… LDA, NIPC: …

4. I… LDA, NIPC: …

5. J…, S.A., NIPC: …

6. K…, S.A., NIPC: …

7. L… S.A., NIPC: …

8. M…, S.A., NIPC: …

9. N…LDA, NIPC: …

10.O… LDA, NIPC: …

11.P… S.A., NIPC: …

12.Q…, S.A, NIPC: …

13.R…, S.A., NIPC: …

14.S… SA., NIPC: …

A Requerente encontra-se colectada actualmente para o exercício de «Actividades de prática médica de clínica especializada, em ambulatório - AE 86220», tendo como objecto secundário «Actividades de contabilidade e auditoria; consultoria fiscal - CAE 69200».

  •  Até 25 de Junho de 2007, a E… era detida pela T… SGPS, S.A., praticamente não registando actividade social;
  • Em 26 de Junho de 2007, a T… SGPS, S.A., alienou as suas quotas na E… à sociedade U… S.A.R.L., com sede …, Luxemburgo, (doravante “U…”), a qual entretanto alterou a sua designação para V…;
  • No dia da aquisição, a U… procedeu ao aumento de capital da E…, passando este de € 5.000,00 para € 40.896.711,00, aumento este que teria sido realizado, alegadamente, em numerário;
  • A 10 de Dezembro de 2007, a U… procedeu a um novo aumento de capital da E…, passando este de € 40.896.711,00, para € 57.773.878.00 (conforme certidão permanente do Registo Comercial anexa ao RIT), aumento este realizado, segundo a certidão, em numerário;
  •  Em Julho de 2008, a sociedade E… passou a denominar-se W…, Lda. (doravante W…) e mudou a sua sede, anteriormente na …, para a actual, em …;
  •  Em Dezembro de 2008, a W… incorporou, por fusão, a sua participada A… Lda – NIPC …, passando a incorporante a adoptar como sua a designação que era a da sua incorporada e, bem assim, a assumir as funções e objecto social da sociedade incorporada;
  • Por via dessa fusão passou a Requerente a ser titular directa de uma série de empresas no ramo da saúde, operando principalmente no âmbito da diálise;
  • Em Dezembro de 2009, a Requerente procedeu à fusão por incorporação com as empresas do grupo, passando a partir dessa data a dedicar-se à prestação de serviços médicos;
  • A A…, titular do NIPC…, corresponde às designações anteriores B…– SGPS Lda. (até Janeiro de 2006) e A... (até Agosto 2007), tendo cessado a actividade devido à fusão por incorporação com a sociedade aqui Requerente;
  • A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma acção inspectiva à Requerente, relativa aos exercícios de 2013 e 2014, levada a cabo através das Ordens de Serviço n.ºs Ol2015…, de 10.04.2015 e OI2015…, de 15.06.2015;
  •  Nessa inspecção a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou o Relatório da Inspecção Tributária que consta do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III.1.2 - Dos factos apurados

No âmbito da inspeção, apuraram-se os seguintes factos relacionados com estas sociedades:

a) A E…, até à sua aquisição em 2007 pela U… foi uma entidade sem qualquer tipo de atividade, tendo registado pequenos prejuízos decorrentes dos custos administrativos da sua existência;

b) Após a sua aquisição, procederam a um aumento de capital de € 5.000,00 para € 40.901.711,00, aumento este, realizado em dinheiro, segundo declaração do gerente da sociedade (ata n.º 13)- (anexo 2);

c) Pela análise à contabilidade da E… dos anos de 2007 e 2008, efetuada no âmbito das Ordens de Serviço n.ºs OI2010…/…, foi possível verificar que o requisito da realização em dinheiro NUNCA se cumpriu, tanto mais que, durante o exercício de 2007, não existe evidência de movimentos nas contas de disponibilidades (anexo 7, de 2 folhas), bem como pelo facto de, em termos contabilísticos, o aumento de capital se ter efetuado não por contrapartida de disponibilidades, mas sim por conta de dívidas de contas de terceiros;

d) Em 28 de junho de 2007, a entidade E… procedeu à emissão de um empréstimo obrigacionista, no valor de € 81.700.000,00, totalmente subscrito pela sócia única, U… S.A.R.L. (anexo 8, de 12 folhas);

e) Para tanto, foi deliberado, em 27 de junho de 2007, conforme Ata n.º 14 da sociedade E… (anexo 9, de 2 folhas), que, atendendo às necessidades de capitalização para fazer face às transacções que se propunha efetuar e tendo a intenção de proceder ao pagamento do preço ao abrigo do contrato de cessão de quotas representando a totalidade do capital social da sociedade C…, procederiam à emissão de um empréstimo obrigacionista no montante de € 81.700.000,00, o qual seria totalmente subscrito pela sócia única ( U…S.A.R.L.);

f) Para a realização do empréstimo obrigacionista, tiveram ainda intervenção a X…, S.A., a qual procede ao pagamento de juros à sociedade subscritora U..., e a Y… SA, a qual procedeu ao registo deste empréstimo;

g) Mais uma vez, da análise à contabilidade, constatou-se que os € 81.700.000,00 NUNCA deram entrada nas contas da entidade, constando este montante como dívidas de terceiros por contrapartida de empréstimos;

h) A aquisição da C… deu-se em 1 de agosto de 2007 pelo preço de €122.611.711,00 (anexo 3);

i) Esta operação foi registada na contabilidade através de uma transferência de saldos devedores - dívidas de terceiros - sócios (pelo aumento de capital e pelo empréstimo obrigacionista) para investimentos financeiros, ao invés de uma saída de disponibilidades, pelo que se conclui que os meios monetários relativos quer ao aumento de capital, quer ao empréstimo obrigacionista, NUNCA deram entrada nas contas da E… (anexo 10, de 2 folhas);

j) Relativamente aos juros, tal como decorre da contabilidade dos anos de 2007 e 2008, os mesmos foram pagos através da X…, S.A., pela entidade C…, sociedade adquirida através daquele empréstimo (anexo 11, de 3 folhas) porque a E… nunca teve uma atividade operacional, dado que serviu apenas como veículo para a aquisição da C…;

k) Estes mesmos juros pagos à entidade U… não foram sujeitos a imposto em Portugal, nos termos do Decreto-Lei n.º 193/2005, de 7 de novembro;

I) Nos dois anos em que foi efetuada a análise à contabilidade da E… no âmbito das Ordens de Serviço acima identificadas, constatou-se não ter tido resultados operacionais de relevo, apresentando prejuízos em virtude dos resultados financeiros negativos, decorrentes do empréstimo obrigacionista que, refira-se mais uma vez, era pago pela C… (entidade adquirida pela E..);

m) Em dezembro de 2008, procederam à incorporação da Z… (antiga C…) na W… (antiga E…), com efeitos a janeiro do ano seguinte (anexo 5);

n) Atendendo ao facto de a sociedade W… (anteriormente E…) deter a totalidade do capital social da Z… (anteriormente C…), tal incorporação foi realizada através de um processo de fusão;

o) Com esta operação, todo o património da incorporada Z… foi transferido para a sua incorporante, W…;

p) Para além do processo de incorporação destas duas entidades, também se procedeu à alteração da firma da incorporante para A…, Lda., adotando, assim, a designação da incorporada;

q) Com a referida incorporação, todos os ativos e passivos se englobam numa mesma entidade, passando a entidade incorporada, que gerava os proveitos e/ou ganhos, a suportar os encargos estabelecidos entre a entidade U… e a entidade E…, decorrentes do empréstimo obrigacionista para aquisição da sociedade C…;

r) Nos exercícios de 2013 e 2014, o montante de juros contabilizados na sociedade atual e pagos à sociedade mãe, foi de € 8.473.969,38 e € 8.522.308,56, respetivamente;

(...)

Do exposto, temos que a U…, sociedade de direito Iuxemburguês, única detentora do capital da sociedade E…, dotou-a de capital (numa primeira fase aumentando-lhe o capital social e numa segunda fase subscrevendo a totalidade das obrigações que esta emitiu), com o intuito de vir a adquirir, através dela, a sociedade C…, seu objetivo primeiro. Tratando-se a E…, de uma sociedade sem qualquer atividade operacional, serviu, a mesma, de “veículo" para a concretização desta transação.

Assim, na sequência das operações referidas - aumento de capital e subsequente emissão de empréstimo obrigacionista (sem que, em nenhuma das situações, o dinheiro tenha dado entrada), a sociedade E… procede à aquisição da C… .

Ora, do empréstimo obrigacionista decorre o pagamento de juros. Seria expectável que esses juros estivessem a ser pagos pela E…, beneficiária do empréstimo. Contudo, dada a inexistência de atividade operacional por parte da E…, logo, a inexistência de ganhos, é a C… que assume o pagamento desses juros junto da U…, o que equivale a dizer que é a própria C… a suportar os juros do empréstimo contraído para a sua própria aquisição.

Após a aquisição da C…, esta passou a designar-se Z…, enquanto a E… alterou a sua designação para W… . Como esta era a única detentora do capital social da Z…, ocorreu um processo de incorporação por fusão com efeitos a 01 de Janeiro de 2009. Com esta operação, todo o património, da incorporada Z… foi transferido para a sua incorporante, W…, resultando desse processo a "A…, LDA", NIPC…, alvo desta ação de inspeção. Não obstante o englobamento de todos os ativos e passivos numa mesma entidade, continuou, contudo, a ser a entidade incorporada, W…, a responsável pelo pagamento dos encargos financeiros existentes entre a Iuxemburguesa U… e a antiga E…, uma vez que continua a ser a única geradora de ganhos.

O processo de reorganização e crescimento do grupo A…, por via da aquisição de diversas clínicas, utilizando, para tal, a E…, sociedade esvaziada de conteúdo operacional, servindo apenas como “sociedade-veículo”, constitui prova da artificialidade das operações nas quais tomou parte, designadamente, a afetação, na sua esfera de gastos, dos juros, que são, na realidade, gastos da U…, S.A.R.L.

Através da dedução dos juros, ao lucro da A…, que aproveitam a um terceiro (U…), foi a mesma indevidamente utilizada para obter deduções de gastos excessivas, ou melhor, para financiar a produção de um rendimento que não lhe é imputável. De facto, para a maioria das entidades espera-se que haja uma correlação clara entre lucro e rendimento. A mensuração da atividade económica através dos lucros gerados pela mesma atividade é uma forma eficaz de verificar e garantir que a capacidade de deduzir gastos com juros é compensada com as atividades que geram rendimento e criação de valor para a unidade.

Além disso, dependendo da definição de ganhos usados, este é um indicador útil da capacidade da entidade para cumprir com as suas obrigações de pagar juros e, portanto, é um dos principais fatores para determinar o montante de divida que uma entidade é capaz de pedir emprestado.

Conforme já descrito, no caso da A…, a mesma não teve capacidade de pagar por si só os juros decorrentes do empréstimo obrigacionista, sendo obrigada a contrair um empréstimo com a empresa-mãe para fazer face a esses juros.

A existência da A… como uma estrutura jurídica, que revestida de forma legítima, na realidade, desvirtua os fins para os quais foi utilizada nas operações descritas, vai ao ponto de tornar nula ou irrelevante a tributação efetiva sobre as suas operações. É verdade que a liberdade de escolha da forma jurídica adotada para a realização dos negócios deve estar dentro dos limites legais impostos pelo ordenamento jurídico, sob pena de se estar perante um ilícito fiscal. Contudo, e conforme ficou demonstrado, a prática usada pela A… permitiu separar artificialmente o lucro tributável da entidade beneficiária dos processos de fusão, das atividades que geram esse mesmo lucro.

De facto, dado não haver comprovativos das entradas de capital na sociedade ora inspecionada, decorrentes, quer do aumento de capital, quer do empréstimo obrigacionista, leva-nos a crer estarmos perante uma operação que, pelo ponto de vista da A…, legitima a saída de capitais a título de juros, com a agravante de que os mesmos não foram sujeitos a imposto em Portugal (via retenção na fonte), em virtude do aproveitamento de um diploma legal (Decreto-Lei n.º 193/2005 de 7 de Novembro), configurando a obtenção de uma vantagem fiscal concretizada através da redução do lucro tributável, mediante a dedução dos gastos incorridos com o financiamento.

Numa perspetiva de acquisition finance assume especial interesse o caso, em que a empresa adquire o controlo, sendo a aquisição financiada, em medida significativa, através de dívida; a especificidade é que normalmente é criada uma empresa-veículo e é esta que vai comprar a empresa-alvo recorrendo para o efeito, essencialmente a capitais alheios. Após a aquisição, empresa-veículo e empresa-alvo fundem-se, assumindo, assim, a empresa adquirida a própria dívida para a adquirir. O adquirente confia, portanto no cash-flow gerado pela empresa-alvo para pagar a dívida.

Em conclusão, esta operação conduziu à obtenção de uma vantagem fiscal, concretizada através da redução do lucro tributável, mediante a dedução dos gastos incorridos com o financiamento.

III.1.3 - Da notificação efectuada ao sujeito passivo

A A… foi notificada em 13 de maio de 2015 e 17 de julho de 2015 para comprovar a "indispensabilidade” dos custos e/ou gastos incorridos com os juros suportados com o empréstimo obrigacionista para a obtenção dos proveitos, para os exercícios de 2013 (anexo 12, de 02 folhas) e 2014 (anexo 13, de 02 folhas).

Das correspondentes respostas da A…, começamos por salientar a relativa ao exercício de 2013, datada de 2 de junho de 2015 com a entrada nesta Direção de finanças de Lisboa sob o n.º … da mesma data (anexo 14, de 37 folhas):

> exercício de 2013:

- Em 2007, a AA… acordou a aquisição de parte do negócio do grupo C… dedicada à prestação de cuidados de saúde renal em diversas jurisdições;

- Para tal, constituiu uma sociedade com sede no Luxemburgo (V… SARL) com a finalidade de adquirir ou constituir sociedades em cada uma das jurisdições em que a C… possuía atividade, com o propósito de concretizar a aquisição das sociedades do grupo C… ou ainda, caso fosse possível, adquirir os ativos e passivos dessas mesmas entidades;

- Em Portugal, aquela operação traduziu-se na aquisição da sociedade C… pela E…, pois era na C… que se encontrava o alvo da E… (clínicas de diálise);

- Para tal, a V… SARL dotou a empresa portuguesa de capital e dívida com a finalidade de proceder à aquisição da C…;

- Esta via foi escolhida, de acordo com os argumentos aduzidos na resposta, por se adequar às melhores práticas internacionais, por incutir disciplina financeira pela pressão que exercem sobre os resultados, e a saída de capitais via dívida ser mais simples que a distribuição de dividendos, entre outras razões.

- É afirmado que a intenção do grupo A… seria a aquisição das clínicas e não as sociedades, o que na nossa jurisdição não é possível face a regras próprias das Administrações Regionais de Saúde;

- Também foi intenção do grupo simplificar a estruturas das participações que detinha, o que fez através de uma reorganização bifásica;

- Esta reorganização passou, em primeiro lugar, pela fusão da C… na A… (ex- E…) e, em segundo lugar, proceder à fusão das restantes entidades na A…, o que teve de ter o aval das Administrações Regionais de Saúde;

- As duas fusões, independentemente de terem acontecido em datas distintas, reportaram-se à data de 1 de janeiro de 2009;

- Destacam no ponto 24 a fls. 6 os motivos económicos subjacentes ao processo de fusão, a qual “de um ponto de vista económico-financeiro, trouxe benefícios económicos para o Grupo e, consequentemente, para a Economia Nacional. ";

- Relativamente à dedutibilidade dos encargos financeiros suportados com o empréstimo obrigacionista subscrito pela casa-mãe, temos nos pontos 26 a 42 considerandos sobre esta matéria, os quais sumariza no ponto 42:

Em suma, por forma a atestar a indispensabilidade de um determinado gasto para a geração de proveitos ou para a manutenção da fonte produtora, deverá verificar-se:

- O enquadramento do gasto no âmbito da atividade do sujeito passivo e não de qualquer outra entidade, ainda que dele relacionada;

- Uma conexão entre o gasto e o proveito sujeito a imposto, ainda que de forma indireta;

- O gasto deverá ter, na sua origem e na sua causa, o interesse específico da empresa ou, dito de outra forma, deverá obedecer a critérios de racionalidade económica face aos objetivos estatutários e atender à razoabilidade e à fundamentação das decisões de gestão no momento e nas circunstâncias em que são tomadas."

- Quanto ao caso em concreto, divide a exposição em duas situações: a dedutibilidade dos encargos financeiros em data anterior à fusão e após a fusão;

- Assim, em momento anterior à fusão, temos que o empréstimo foi contraído para aquisição da C…, o que não era alheio de todo ao objeto social da empresa;

- Os encargos financeiros “foram incorridos na estrita prossecução da atividade da Exponente e em seu benefício único e exclusivo" e que, sem esse financiamento, não teria condições de concretizar a aquisição da C…, “aquisição essa que, juntamente com a subsequente gestão das respetivas partes de capital, constituíram uma parte importante da atividade da Exponente em momento anterior a fusão. ”;

- Mais refere que, sem aquela aquisição, “ver-se-ia potencialmente privada de um conjunto de rendimentos" e que não usufruiu do disposto no artigo 32.º do Estatuto dos benefícios fiscais relativamente às mais-valias e menos-valias realizadas, pelo que os encargos financeiros suportados cumpriam as condições para serem considerados como indispensáveis para a geração de proveitos;

 

- Relativamente ao período após fusão, não se poderá questionar a indispensabilidade dos gastos uma vez que “(i) estão diretamente relacionados com a atividade do sujeito passivo, bem como com o seu objeto social, (ii) contribuem para a geração de rendimento sujeito a imposto e (iii) são manifestamente indispensáveis. ”;

- Relativamente ao primeiro aspeto, temos que o objeto social da A… passou a ser o seguinte: “1 - Consultoria e prestação de serviços empresariais nas áreas de gestão administrativa, financeira e de pessoal, contabilidade, informática, investigação científica, formação profissional, a comercialização de aparelhos, utensílios e produtos destinados ao setor de prestação de cuidados de saúde e a elaboração de estudos e prestação de cuidados médicos em todas as especialidades, bem como a prestação e serviços conexos ou afins. 2 – As atividades constantes do objeto social poderão ser desenvolvidas, total ou parcialmente, de modo indireto, mediante a titularidade de ações ou participações de e em sociedades com objeto idêntico ou análogo", mantendo-se até à atualidade;

- Esta alteração de atividade teve como objetivo acomodar as atividades desenvolvidas pelas sociedades incorporadas, passando a A… a desenvolver, por via da fusão, todas as atividades desenvolvidas pelas sociedades incorporadas;

- Assim, “a fusão da C… na Exponente não resultou no desaparecimento de nenhum ativo na esfera desta última (nomeadamente partes de capital) que tenham estado na origem do empréstimo obrigacionista que gerou encargos financeiros, mas sim na conversão daquele ativo no conjunto de ativos e passivos que aqueles títulos já representavam.“;

- E como tal os encargos financeiros “enquadraram-se forçosamente na atividade da Exponente após a fusão, i. e., destinaram-se, em substância, a financiar a aquisição do património suficiente e necessário para o desenvolvimento, na sua esfera, da atividade de prestação de cuidados de diálise anteriormente desenvolvida pelas subsidiárias, a título individual.";

- Relativamente à indispensabilidade dos gastos, refere que “sem o empréstimo obrigacionista a Exponente não teria “adquirido” os ativos e passivos, nomeadamente as unidades de cuidado de negócio de prestação de cuidados de saúde as quais são, de facto, a fonte de rendimento - sujeito a imposto - primordial da Exponente em momento posterior a fusão.";

Resumindo no ponto 70 temos que:

- “A atividade desenvolvida pela Exponente, após a fusão, incluía a prestação de cuidados de saúde, com recurso aos meios humanos e materiais, bem como os ativos e passivos, das entidades incorporadas, a qual se enquadra plenamente no seu objeto social;

- Sem o financiamento em apreço, a aquisição da C… não teria sido possível e, sem ele, a subsequente fusão, que permitiu à Exponente desenvolver a sua atividade geradora de proveito sujeito a imposto;

- Na verdade, o financiamento em apreço pode ser encarado como se destinando, desde o início, à aquisição dos ativos e passivos que compõem a globalidade do património das sociedades incorporadas.

- Com efeito, a fusão não deve ser encarada como representando uma alteração à realidade económica consolidada da sociedade incorporante e incorporadas, já que a mesma se mantém intacta;

- Não ocorreu, em qualquer momento, qualquer confusão entre os encargos financeiros suportados pela Exponente e a atividade de terceiros."

 

Assim, nestes termos, e após a exposição efectuada pelo sujeito passivo, cabe-nos tecer as nossas próprias considerações.

III.1.4 - Da análise à operação e correções propostas

III.1.4.1 - Custos com empréstimo obrigacionista

Com a incorporação da A…, Lda. (NIPC…) na sua empresa mãe, W…, Lda. (NIPC…), todos os ativos e passivos se englobaram numa única entidade, passando os cash-flows libertados pela atividade e o património da entidade incorporada, a suportar os encargos decorrentes do empréstimo obrigacionista celebrado entre a U… e a E…, empréstimo que veio a permitir a aquisição da sociedade C… .

O mesmo é dizer que, com a fusão, os cash-flows libertados pela atividade da sociedade incorporada, passaram a suportar os custos com a sua própria aquisição.

(...)

Importa assim, relativamente a 2013, e atento o disposto no artigo 23.º do Código do IRC, ao tempo, verificar em concreto, se os custos do empréstimo obrigacionista que permitiu a aquisição da C… são comprovadamente indispensáveis gare a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.

(...)

Em suma, entende o Supremo Tribunal Administrativo, na sua mais recente Jurisprudência no que se refere ao requisito de indispensabilidade constante do artigo 23.º do Código do IRC que:

- os custos (. . .) não podem deixar de respeitar, desde logo, à própria sociedade contribuinte;

- para que determinada verba seja considerada custo daquela é necessário que a atividade respectiva seja por ela própria desenvolvida, que não por outras sociedades;

- Os custos indispensáveis equivalem (...) aos gastos contraídos no interesse da empresa (...) a dedutibilidade fiscal do custo depende, apenas, de uma relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa;

- Os custos indispensáveis equivalem aos gastos contraídos no interesse da empresa ou, por outras palavras, em todos os atos abstratamente subsumíveis num perfil lucrativo;

No caso concreto temos que os custos com a aquisição da sociedade C… (posteriormente A…, Lda.), que haviam sido incorridos pela E… (posteriormente W…, Lda.), por via da fusão, passaram a ser suportados pelos cash-flows gerados pela entidade adquirida.

Com a fusão, a atividade desenvolvida pela sociedade incorporante passou a corresponder integralmente à atividade que já vinha sendo exercida pela sociedade incorporada, sendo que o empréstimo obtido pela E… teve como único objetivo a obtenção de capital para aquisição da C… .

A W… (antiga E…) apenas surgiu como veículo para concretizar a aquisição da C… A…, Lda. (antiga C…).

Aquando da Fusão, a W… (antiga E…) assumiu a denominação da A…, Lda., o que na prática traduziu, tão só e apenas, o cancelamento do registo do sujeito passivo com o NIPC e registo n.º … .

Não obstante o cancelamento do registo do sujeito passivo…, é a A…, Lda. (antiga C…), a sociedade que prossegue a sua atividade anterior, agora sob o NIPC … e não a W…, já que esta sociedade nada acresceu ao objeto prosseguido pela A…, Lda. (antiga C…), e que teve por epílogo a adoção da firma A…, Lda.

Os custos objeto de análise apenas serviram para a redução do resultado fiscal da sociedade resultante das fusões, não se tendo alcançado qualquer efeito positivo em termos financeiros.

Em conclusão, a utilização do veículo (E…) da forma descrita, permitiu que os gastos de financiamento que seriam suportados pela empresa Iuxemburguesa (U…, S.A.R.L.), numa aquisição directa, passaram a ser suportados pelo património da sociedade operacional (A…), sendo integralmente deduzidos ao resultado desta, após a incorporação do seu património na sociedade veículo, com o respectivo impacto a nível fiscal (EBITDA), conforme análise efectuada no ponto "II - 3.5.2 Balanço e Demonstração de Resultados".

(...)

Ora, no caso da A…, os gastos suportados com o empréstimo obrigacionista não estão relacionados com a sua actividade empresarial, nem serviram à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais gastos, embora inscritos na sua contabilidade, não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro (V..., anterior U… S.A.R.L.), não sendo aceites para efeitos de cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC.

Quanto à resposta à nossa notificação efetuada a 17 de julho de 2015, relativa ao ano de 2014, que deu entrada nesta Direção de finanças de Lisboa a 14 de agosto de 2015, sob o nº … (anexo 15, de 27 folhas) destacamos:

> exercício de 2014:

Relativamente ao exercício de 2014, o sujeito passivo repete a argumentação aduzida para o ano de 2013, contudo, estabelece um "ponto prévio":

- Chama a atenção para o facto de que a notificação por nós efetuada, a 17 de julho de 2015, para comprovação da indispensabilidade dos custos e/ou gastos incorridos com os juros suportados com o empréstimo obrigacionista para a obtenção dos proveitos no exercício de 2014, não ter tido em consideração que a Lei n.º 2/2014 de 16 de janeiro (reforma do IRC), conferiu uma nova redação ao art.º 23º do CIRC, passando, o mesmo, a estatuir, no seu nº1, que “Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IR", afastando, assim, da letra da lei, o conceito de indispensabilidade que, de acordo com o sujeito passivo, era um conceito "fortemente debatido”, o que terá levado a Comissão que presidiu à Reforma do IRC, a apresentar essa alteração com o intuito de afastar o “notório grau de incerteza para os sujeitos passivos quanto à dedutibilidade de certos gastos", o que originava “um apreciável volume de litigância fiscal';

- O sujeito passivo considera que, deste modo, a Comissão afastou “a interpretação do conceito de indispensabilidade como significando uma necessária ligação causal entre gastos e rendimentos";

- Afirma ainda o sujeito passivo nesse seu ponto prévio que, “não obstante a referida alteração legislativa, a notificação agora recebida da AT, faz referência à anterior redação do artigo 23º do Código do IRC, ainda que a mesma não se encontrasse vigente em 2014. Contudo, atendendo aos princípios de cooperação e de boa-fé (. . .), irá procurar enquadrar e sustentar a dedutibilidade dos encargos financeiros, em apreço, à luz da anterior redação do artigo 23º do Código do IRC”;

- Faz ainda referência a um “Acórdão do Tribunal Arbitral, relativo ao Processo n.º 42/2015-T, o qual opôs a Exponente à AT no seguimento de uma liquidação adicional efetuada pela AT à exponente, no sentido de recusar, nomeadamente, a dedutibilidade dos encargos financeiros por si suportados com o empréstimo obrigacionista em crise, precisamente à luz do conceito de indispensabilidade... adiantando que, relativamente a este conceito, o referido acórdão refere que “...a atividade empresarial que gere custos dedutíveis há-se ser aquela que se traduza em operações que tenham um propósito, um intuito (e não um obrigatório nexo de causalidade imediato) de obtenção de rendimento ou a finalidade de manter o potencial de uma fonte produtora de rendimento. . . "

- Em última análise, o sujeito passivo entende que “a avaliação da indispensabilidade, para a obtenção de proveitos, dos juros com o empréstimo obrigacionista, deverá atender, nomeadamente, ao contexto em que aquele financiamento foi obtido e às operações que lhe sucederam e que poderão ser relevantes para o propósito acima identificado";

- Ora foi exatamente atendendo ao contexto em que aquele financiamento foi obtido e não, unicamente, com base, no conceito de indispensabilidade, que a AT desconsiderou aqueles gastos relativamente aos exercícios de 2007 a 2012;

- Aliás, no relatório de inspeção referente ao último dos exercícios alvo de correção (2012), a AT cita, na respetivo pag. 24, um Acórdão do Centro de Arbitragem Administrativa (criado pelo Decreto-Lei nº 10/2011 de 20 de Janeiro), proferido no Processo n.º 14/2011-T, no qual se conclui, relativamente a uma estrutura de negócio com contornos comparáveis ao caso em análise, que “os fundos em apreço possuem como finalidade, destino e uso a aquisição das próprias participações sociais da Requerente pela sociedade D... SGPS, pelo que a afetação do empréstimo não se prende com a atividade nem com ativos detidos pela sociedade que dele é devedora, a aqui Requerente, mas sim com ativos detidos pela sua própria sócia “.(...) Deste modo, tendo em conta estas cláusulas e a fusão realizada, impõe-se concluir que a finalidade do financiamento, em causa respeita estritamente à aquisição das participações sociais (. . .) Verifica-se no caso que a entidade que pode aproveitar, no seu interesse próprio, como fonte de rendimentos este ativo não é a entidade que suporta, em exclusivo, os custos relativos ao financiamento da aquisição do ativo (...), mas sim uma entidade distinta (...) (sublinhado nosso)

- Ora, no caso da A…, os gastos suportados com o empréstimo obrigacionista não estão relacionados com a sua atividade empresarial, nem serviram à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais gastos, embora inscritos na sua contabilidade, não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro (V… S.A.R.L., anterior U… S.A.R.L.), não podendo ser, por esse facto, aceites para efeitos de cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC;

- Desta forma, por recurso à utilização de “um veículo” (E…), esses gastos de financiamento passaram a ser suportados pelo património da sociedade operacional (A…, Lda), após a incorporação do seu património na sociedade veículo, sendo, então, integralmente deduzidos ao respetivo resultado, com natural impacto a nível fiscal (EBlTDA), quando, e conforme argumentação anterior (reforçada pela jurisprudência do STA e do CAAD), estes gastos de financiamento decorrentes do processo de reestruturação do grupo, aproveitam apenas à sociedade V…, S.A.R.L., (anterior U… S.A.R.L);

- Assim, os gastos aqui objeto de análise, acabaram por servir para a redução do resultado fiscal da sociedade originada pelos dois processos de fusões;

- Residem, pois, também neste aspeto, os argumentos da nossa posição relativamente à desconsideração de tais gastos e não apenas na indispensabilidade dos mesmos. Efetivamente, as notificações que efetuámos, no sentido de solicitar a justificação para a ocorrência destes gastos financeiros, tinham por base o artigo 23º do CIRC e, como tal, faziam referência ao conceito de indispensabilidade que constava do seu texto. Contudo, como acabou de se demonstrar, a nossa decisão não se baseia, unicamente, nesse conceito, pelo que o facto de o mesmo ser referido na notificação relativa ao exercício de 2014, pese embora a redação do referido artigo já não 0 contemplar, não altera em nada a nossa posição.

 

Do exposto, ao lucro/prejuízo fiscal declarado pelo sujeito passivo, iremos corrigir o montante dos juros relativos ao empréstimo obrigacionista, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC e atendendo à jurisprudência que se pronunciou sobre esta matéria e que, atrás, foi referida.

O montante destes gastos financeiros é o seguinte (conforme documentos juntos no anexo 16, de 04 folhas):

 

 

 

 

(...)

III.1.4.2 - Encargos com Suprimentos

           Nos termos das alíneas j), k) e l) do ponto III.1.2 temos que, relativamente aos juros, tal como decorre da contabilidade do sujeito passivo dos anos de 2007 e 2008, os mesmos foram pagos através da X…, S.A., pela entidade C…, sociedade adquirida através daquele empréstimo, porque a E… nunca teve uma atividade operacional, conforme já anteriormente referido e tal como evidenciam as operações registadas na contabilidade da entidade, refletidas nos balancetes analíticos dos exercícios de 2007 e 2008 da E… (cfr. anexo 17, de 9 folhas), onde constam meros registos em contas de custos e proveitos financeiros.

           Ora, nesses mesmos exercícios (2007 e 2008), a U…, para além do empréstimo obrigacionista, procedeu a empréstimos através de suprimentos a diversas sociedades do grupo, tendo sido a C… a maior destinatária desses suprimentos, no valor de € 37.359.426,00 (anexo 18, de 6 folhas).

           Assim, temos que a C… recebeu suprimentos da U…, via E…, destinando parte desses suprimentos recebidos ao pagamento dos juros do empréstimo obrigacionista da sociedade-mãe (E…), já que a mesma, conforme mencionamos nos parágrafos anteriores, não tinha qualquer atividade operacional que gerasse influxos financeiros.

           Estes juros pagos pela C… à U… foram registados na E… como dívida a terceiros (C…), ou seja, a C… pagou juros de um empréstimo obrigacionista cujos intervenientes foram a U… (credora) e a E… (devedora), constituindo estes juros um crédito da C… à E… .

           Constatamos que este crédito à E… não rendeu qualquer rendimento, independentemente de, por via disso, a C… estar a suportar um encargo com um juro de suprimento para fazer face ao pagamento de juros que deveriam ser encargo efetivo da sociedade-mãe E… .

           Esquematicamente, temos o seguinte:

 

 

           O montante dos juros que a C… pagou à U… (responsabilidade da participante E…) nos exercícios de 2007 e 2008 ascende à quantia de € 11.664.656,99 (anexo 11), repartido entre € 3.874.826,75 referente a 2007 e € 7.789.830,24 referente a 2008. Este montante constituía um crédito da E… sobre a C… (suprimentos), na medida em que esta última não tinha meios financeiros para liquidar os juros do empréstimo obrigacionista.

           Com a fusão, anularam-se os montantes das dívidas entre as sociedades portuguesas, mantendo-se apenas o registo da dívida à sociedade Iuxemburguesa no montante de € 47.399.162,66 referente a suprimentos, montante este, influenciado pela quantia acima referida (€ 11.664.656,99) referente ao pagamento dos juros do empréstimo obrigacionista nos exercícios de 2007 e 2008 pela C… .

           Assim, e nos termos do disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC, iremos proceder à correção dos juros suportados, relativos a suprimentos, na proporção dos € 11.664.656,99 face ao valor da dívida de suprimentos (€ 47.399.656,99).

           Assim, os montantes dos juros suportados nos exercícios referidos e contabilizados como gastos do período na conta “691155 - Juros empresas do grupo - a pagar” foram do seguinte montante (anexo 19, de 2 folhas):

 

(...)

 

 

 

 

      (...)

           Ora, atendendo à evolução da conta de suprimentos ao longo do ano de 2014, e da verificação dos juros registados pela A…, concluímos que os juros estimados mensalmente e registados pelo sujeito passivo na conta “691155 - Juros empr. Grupo - a pagar", foram calculados tendo por base o valor do passivo associado.

           Desta forma, entendemos que o melhor procedimento para corrigir os juros aí registados é considerar, em cada momento, o valor do passivo e não o saldo a 31.12.2014, obtendo-se, desta forma, uma maior aproximação à realidade dos juros estimados.

           A demonstração dos cálculos da correção proposta encontra-se nos seguintes dois quadros (em euros):

 

 

 

 

III.3 - Resumo das correções

As correções a efetuar ao declarado pelo sujeito passivo, são as constantes do quadro abaixo

 

 

 

 

Assim, o lucro/prejuízo fiscal que foi declarado será corrigido e igual a:

 

  • Na sequência das correções propostas no Relatório da Inspeção Tributária, a Autoridade Tributária e Aduaneira elaborou a liquidação de IRC e juros compensatórios com o n.º 2016…, de 14-09-2016, no valor de € 2.641.009,79 (incluindo € 103.983,33 de juros compensatórios), a Demonstração de Liquidação de Juros, identificada com o n.º2016…, de 16-09-2016, que, de acordo com a Demonstração de Acerto de Contas, identificada com o n.º 2016…, deu origem a imposto a pagar no valor de € 2.641.009,79; (documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  • Em 22-03-2017, a Requerente deduziu reclamação graciosa tendo por objeto os atos referidos na alínea anterior, que teve o n.º …2017…;
  • A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 23-08-2017, proferido pelo Senhor Director de finanças Adjunto em regime de substituição, que manifesta concordância com uma informação cujo teor se dá como reproduzido, em se refere, além do mais o seguinte:

                                    2 - Custos com o empréstimo obrigacionista:

2.1 - A reclamante alega que deve ser aceite a dedutibilidade dos juros do empréstimo obrigacionista contabilizados como gastos da reclamante no exercício de 2014 com base no nº 1 do art. 23º do CIRC, na redação então vigente, porque o empréstimo obrigacionista emitido pela E… em 2007 foi necessário para a aquisição, nesse ano, do grupo C… em Portugal,

Parece também alegar que o empréstimo obrigacionista foi necessário para atividade do grupo em Portugal.

Embora, em termos gerais, o proprietário de uma empresa (ou grupo de empresas) influencie o modo como é desenvolvida a atividade, não parece que as despesas incorridas com a mudança de proprietário sejam de considerar como necessárias para a atividade.

A reclamante parece alegar nos seguintes moldes: a E… teria tido necessidade de emitir o empréstimo obrigacionista para financiar o desenvolvimento da sua atividade, efetuado sobretudo pela aquisição da C…, Lda.

No entanto, no relatório é descrita uma realidade diferente (no ponto III.1.2-c), g), i) e j) – fls. 365):

 

A E… agiu como um veículo para a aquisição do grupo C… em Portugal, facto já relatado no Relatório de Gestão da E… do ano de 2007 (fl. 375-verso);

Nunca se cumpriu o requisito da realização em dinheiro do seu capital social inicial (condição para poder haver lugar a um empréstimo obrigacionista);

O empréstimo obrigacionista também não se traduziu numa entrada efetiva de dinheiro.

Nos pontos 26º e 27º da reclamação é explicado que não foram efetuadas essas entradas de dinheiro na E… por desnecessidade de uma efetiva transferência de fundos, dado que o pagamento à BB… pela aquisição das participações e créditos relativos à sociedade portuguesa de grupo C… (a C…, Lda) foi feito pela U…, não se justificando a passagem do dinheiro por Portugal.

Tal leva a concluir que as razões porque não houve necessidade da transferência do dinheiro para Portugal (para a E…), sejam as razões porque não houve necessidade do empréstimo obrigacionista, ou, mais especificamente no caso em análise, dos gastos incorridos em 2014 com 0s respetivos juros (não enquadramento no art. 23º de CIRC).

2.2 - A reclamante alega ainda que a análise feita no relatório conduziria a recorrer ao disposto no art. 33º da LGT (Ineficácia de atos e negócios jurídicos).

Essa alegação não é aqui analisada, visto ter caráter hipotético.

2.3 - É ainda alegado que foi a sociedade incorporante na fusão que contraiu o empréstimo obrigacionista e que não se verificou qualquer alteração dessa realidade com a fusão.

Em rigor, a ora reclamante é a sociedade resultante da fusão, a qual passou a incorporar também a antiga C…, pelo que não parece incorreto o facto assinalado no relatório de que, com a fusão, a antiga C… (e atividade geradora dos proveitos e ganhos) passou a suportar os gastos da sua própria aquisição.

2.4 - Também não se justifica a alegação de os gastos de financiamento respeitaram em 2014 os limites previstos no art. 67º do CIRC, visto que esse artigo prevê apenas limites à dedutibilidade desses gastos no cálculo do lucro tributável, não se tende a correção objeto de reclamação baseado no disposto nesse artigo, mas no art. 23º do mesmo Código.

2.5 - Quanto à alusão às decisões de CAAD nos processos mencionados na reclamação - cf. ponto I-2-a acima (no relatório é também feita menção à decisão no procº 42/2015-T - cf. fls. 375-verso e 371), é de referir que, por versar o exercício de 2009, não é aplicável relativamente ao IRC do exercício de 2014.

2.6 - Dado o exposto nos pontos anteriores, é de manter a correção objeto de reclamação.

3- Encargos com suprimentos:

Ao contrário do alegado na reclamação, a afirmação no relatório de que o montante de € 47.399.162,66 foi influenciado pela quanta de € 11.664.656,99. afigura-se como correta.

O valor de € 11.664.656,99 influenciou o de € 47.399.162,66 no seguinte sentido: o financiamento da despesa relativa aos juros do empréstimo obrigacionista (utilizado na aquisição, em benefício de terceiro, das atividades da C… em Portugal - cf. ponto II-1-a acima), refletir-se no valor dos financiamentos necessitados pela reclamante, pelo que uma parte dos juros suportados em 2014 pela reclamante por financiamentos da U…/V… (nas proporções mencionadas acima no ponto II-1-b) não se revela necessária para a atividade para afeitos da aplicação do nº 1 do art 23º do CIRC.

Assim, também neste caso é de manter a correção.

(...)

2 - Em audição prévia, vem a reclamante apresentar uma exposição (f.s. 389 a 393) na qual reitera o alegado

É alegado que os encargos financeiros incorridos com a aquisição de participações sociais devem ser aceites fiscalmente. Há, no entanto, que distinguir entre a aquisição por uma sociedade de participações sociais de outras, passível de gerar rendimentos para essa sociedade (lucros, mais-valias) e a aquisição por terceiros da própria sociedade, em que tal não se verifica.

Também se discorda da afirmação de que a entidade que contraiu o empréstimo foi sempre a mesma, antes e depois da fusão. Conforme referido acima no ponto III-2.3, com a fusão, a. reclamante passou a incorporar a antiga C…, ou seja, a atividade geradora dos provemos e ganhos.

  • A Requerente prestou garantia para suspender a execução fiscal n.º …2016…, que foi instaurada para cobrança coerciva da quantia liquidada (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  • Em 21-11-2017, a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.

 

 

2.2. Factos não provados

 

Não se provou que o valor de € 11.664.656,99 relativa a suprimentos tenha influenciado a dívida de € 47.339.163,32.

A Requerente dá uma explicação pormenorizada sobre a forma como foi determinado o valor de € 47.339.163,32 (artigos 300.º a 338.º do pedido de pronúncia arbitral e 106.º a 115.º das alegações da Requerente) que não é rebatida de forma convincente pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se no Relatório da Inspeção Tributária e nos documentos juntos com a petição inicial, não havendo controvérsia sobre eles.

 

3. Matéria de direito

 

 

A Requerente tinha como designação societária originária E…, Lda. e era inicialmente sedeada na …, com actividade de prestação de serviços de natureza contabilística e económica, consultadoria e direcção de empresas e outras atividades financeiras e económicas.

Em 26 de junho de 2007, a T… SGPS, S.A., alienou as suas quotas na E… à sociedade U… S.A.R.L., com sede no Luxemburgo, a qual entretanto alterou a sua designação para V… .

Em julho de 2008 a sociedade E… altera a sua firma e sede para W…, Lda. (doravante W…), alterando a sede, anteriormente na … e estabelecendo-se em Sintra, na atual sede. Em dezembro de 2008, procedeu-se à incorporação da Z… (antiga C…) na W…, (antiga E…) com efeitos a janeiro do ano seguinte. A dita incorporação foi realizada através de um processo de fusão e, por meio desta operação, todo o património da incorporada Z… foi transferido para a sua incorporante, W… . Procedeu-se também à alteração da firma da incorporante para A…, Lda., adotando assim a incorporante a designação social da incorporada.

Neste contexto, passou a entidade incorporada, que gerava os proveitos ou ganhos, a suportar os encargos estabelecidos entre a entidade U… e a entidade E…, decorrentes do empréstimo obrigacionista para aquisição da sociedade C… .

Para a AT, com a fusão, os rendimentos gerados pela actividade da sociedade incorporada passaram a suportar os custos com a sua própria aquisição, sendo certo que os fundos não foram utilizados na respetiva exploração. Considerou-se, em consonância, que não eram dedutíveis ao abrigo do disposto no art. 23.º do CIRC, na redacção anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro.

Com a fusão, anularam-se pois os montantes das dívidas entre as sociedades portuguesas, mantendo-se apenas o registo da dívida à sociedade luxemburguesa no montante de € 47.399.162,66 referente a suprimentos, montante este ainda influenciado, segundo a AT, pela quantia de € 11.664.656,99 referente ao pagamento dos juros do empréstimo obrigacionista nos exercícios de 2007 e 2008 pela C… .

            A correção específica efetuada relativamente a este último ponto respeita aos juros de suprimentos correspondentes à parte dos suprimentos necessários ao financiamento de custos com o empréstimo obrigacionista, os quais a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não aproveitaram à Requerente. A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não se demonstra que o montante de € 11.664.656,99 não esteja incluído no valor dos suprimentos, tanto mais que a sociedade C…, Lda. pagou diretamente esses juros por conta da sociedade E…, Lda. em virtude de esta sociedade não dispor de meios financeiros para proceder à liquidação dos juros. Assim, e para a AT, na falta dessa demonstração, o fundamento da correção reconduz-se ao da correção relativa ao empréstimo obrigacionista.

No Relatório da Inspecção Tributária é incluída fundamentação relativamente aos exercícios de 2013 e 2014, mas, para os presentes autos, apenas está em causa a liquidação relativa a este último exercício.

Relativamente ao exercício de 2013, a Autoridade Tributária e Aduaneira utilizou no Relatório da Inspecção Tributária fundamentação com base no conceito de indispensabilidade dos custos que constava do artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redacção então vigente, citando jurisprudência e doutrina elaboradas com base nessa anterior redacção.

Relativamente ao exercício de 2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira manteve idênticas correcções já não com base no conceito de indispensabilidade dos custos, mas com os seguintes fundamentos:

 

–   no caso da A…, os gastos suportados com o empréstimo obrigacionista não estão relacionados com a sua atividade empresarial, nem serviram à manutenção da fonte produtora de rendimentos. Tais gastos, embora inscritos na sua contabilidade, não beneficiam a sua atividade nem o respetivo interesse empresarial, mas antes aproveitam a um terceiro (V… S.A.R.L., anterior U… S.A.R.L.), não podendo ser, por esse facto, aceites para efeitos de cálculo do resultado fiscal, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 23.º do Código do IRC».

-    desta forma, por recurso à utilização de “um veículo” (E…), esses gastos de financiamento passaram a ser suportados pelo património da sociedade operacional (A…, Lda), após a incorporação do seu património na sociedade veículo, sendo, então, integralmente deduzidos ao respetivo resultado, com natural impacto a nível fiscal (EBlTDA), quando, e conforme argumentação anterior (reforçada pela jurisprudência do STA e do CAAD), estes gastos de financiamento decorrentes do processo de reestruturação do grupo, aproveitam apenas à sociedade V…, S.A.R.L., (anterior U…);

-    assim, os gastos aqui objeto de análise, acabaram por servir para a redução do resultado fiscal da sociedade originada pelos dois processos de fusões;

–   residem, pois, também neste aspeto, os argumentos da nossa posição relativamente à desconsideração de tais gastos e não apenas na indispensabilidade dos mesmos. Efetivamente, as notificações que efetuámos, no sentido de solicitar a justificação para a ocorrência destes gastos financeiros, tinham por base o artigo 23º do CIRC e, como tal, faziam referência ao conceito de indispensabilidade que constava do seu texto. Contudo, como acabou de se demonstrar, a nossa decisão não se baseia, unicamente, nesse conceito, pelo que o facto de o mesmo ser referido na notificação relativa ao exercício de 2014, pese embora a redação do referido artigo já não 0 contemplar, não altera em nada a nossa posição.

 

O artigo 23.º, n.º 1, do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, estabelece o princípio de que «para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC».

À face desta nova redacção, para relevância fiscal dos gastos, já não é necessário, como se referida na redacção anterior, que eles «comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora».

De acordo com o actual texto da lei, é hoje claro que não é exigido para a relevância dos gastos que eles tenham sido geradores de proveitos, sendo bastante que eles tenham sido suportados no interesse da empresa, com a intenção de obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC, como já se entendia anteriormente (neste sentido, entre muitos, pode ver-se o acórdão arbitral de 13-02-2015, proferido no processo n.º 585/2014-T). Para uma análise da evolução doutrinal na interpretação do conceito fiscal de gasto pode ver-se António Martins, “A dedutibilidade dos gastos e a nova redação do art.º 23.º, n.º 1 do CIRC: uma nota”, RFPFP (2015), ano 8, n.º 1, pág. 113.

 

Assim, a questão que se coloca é saber se os gastos suportados com o empréstimo obrigacionista estão relacionados com a actividade empresarial ou aproveitam apenas a um terceiro.

No acórdão arbitral proferido no processo n.º 42/2015-T esclareceu-se o que se deve entender por actividade da empresa, para este efeito:

 A atividade produtiva não deverá ser entendida num sentido restritivo, mas sim amplo, significando atividade relacionada com uma fonte produtora de rendimento da entidade que suporta os gastos. Ao buscar-se o sentido do conceito de atividade das empresas, ele não pode circunscrever-se a meras ou simples operações de produção de bens ou serviços. Dizer que um custo tem de verificar uma relação com a atividade só pode querer dizer verificar uma relação com as operações económicas globais, de exploração, ou com as operações ou atos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos.

Nesse sentido, a atividade de uma empresa consistirá nas operações resultantes do uso do seu património, em particular dos seus ativos e da gestão dos seus passivos. Ou seja, na forma como a sua gestão utilizará o património empresarial no âmbito das diversas operações (produtivas, comerciais, de investimento e desinvestimento, de financiamento geral, de aquisição de participações financeiras e outras) que, no seu conjunto, permitem que a entidade em questão cumpra o seu objeto económico: a busca (imediata ou a prazo) de um excedente económico (lucro).

O ponto que este tribunal quer sublinhar é o seguinte: a “atividade” de uma empresa não se esgota, como muitas vezes parece emergir de algumas interpretações, no conjunto de atos operacionais. “Atividade” é também o conjunto de operações que têm por propósito a realização de investimentos ou a alienação de ativos, a aquisição de participações financeiras e sua posterior alienação, a aplicação de liquidez em investimentos ou títulos de curto prazo e sua gestão, os recebimentos e pagamentos resultantes de rendimentos e gastos operacionais ou não operacionais, e muitas outras aqui não expressamente referidas.

A gestão das empresas tem, no essencial, como propósito obter um excedente a partir do uso dos ativos que são detidos pelas entidades económico-empresariais. Tais ativos são, até por via da sua classificação normativo-contabilística, divididos em diferentes tipos. Ativos fixos tangíveis/imobilizados (v.g., máquinas afetas à produção), intangíveis (v.g., patentes de fabrico), ativos financeiros (v.g., participações sociais), ativos não correntes detidos para venda (v.g., máquina que deixou de estar afeta à produção e se pretende alienar a curto prazo), inventários/existências (v.g., matérias primas) e assim por diante.

Constituindo este vasto leque de ativos os meios de que a gestão dispõe para gerar rendimentos e excedentes, é natural que a compra de ativos físicos para investimentos e sua eventual alienação (desinvestimento), a compra e venda de participações financeiras, a aplicação de liquidez, os recebimentos e pagamentos da atividade, tudo isso faz parte do que se consideram atos normais ou apropriados da gestão de uma empresa.

 

 

No caso em apreço, afigura-se ser claro que os gastos suportados com o empréstimo obrigacionista se relacionam com a actividade ou interesse da Requerente, pois as fusões e os financiamentos a elas destinados destinaram-se a alterar a sua estrutura e dimensão económica, estando conexionados com os resultados que esta dimensão viabiliza.

Por outro lado, o financiamento teve como destino não só a aquisição das participações sociais, mas também, necessariamente, dos activos e passivos a estas subjacentes.

Como se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 42/2015-T:

 

Com efeito, em decorrência das operações de fusão, a mesma sociedade (a Requerente) passou a deter, como elementos patrimoniais contabilizados ou reconhecidos no seu balanço, os ativos e passivos da sociedades operativas (v.g.F…, S.A;G…, Lda, H…, Lda) e continuou a inscrever, também no seu balanço, o capital próprio e os passivos financeiros que suportavam as participações sociais que antes representavam este conjunto de elementos patrimoniais.

Quer isto dizer que, antes da fusão, a A… detinha, no lado direito do balanço fontes de financiamento providas da U… (hoje V…) pagando juros por aquelas fontes que consubstanciavam dívida; e, no seu ativo, participações sociais nas entidades operativas. Com a fusão, a mesma entidade (a Requerente) continua a deter os passivos já referidos (dívidas à participante U…) e substituiu as participações sociais - que se anularam com a fusão - passando pois a reconhecer os ativos e passivos das sociedades operativas cuja aquisição, recorde-se, constituíram a causa essencial do endividamento da A… face à U… (V…).

Em suma: a fusão mantém na Requerente o financiamento pelo qual esta pagou juros, e teve como consequência patrimonial a junção, no mesmo balanço, dos ativos que tal dívida financiava e continuou a financiar. Não já ativos financeiros, mas a sua real tradução em ativos e passivos de cariz operacional.

É pois claro que a dívida da Requerente à sociedade mãe - e os juros daí resultantes - se inscrevem no interesse ou atividade da A… . Há uma ligação económica clara entre a dívida que vence juros e os ativos e os passivos que tal dívida suporta.

Para mais, tais ativos e passivos (dívida financeira) passam a estar reconhecidos no balanço da mesma entidade. Assim, não vê o Tribunal como - na tese da AT - o facto de a dívida ser originária de fundos que a U… cedeu à Requerente pode conduzir, sem mais, ao desrespeito do requisito da indispensabilidade então previsto no artigo 23.º do CIRC.

(...)

Mesmo numa perspetiva estrita de nexo económico entre rendimentos e gastos, ele existe. Os rendimentos derivados do negócio estão relacionados com os juros pagos para a sua aquisição. Numa ótica patrimonial há, até, maior aproximação entre ativos e capitais que os financiam, agora inscritos na mesma entidade. Não colocando em causa a AT o propósito económico das operações de reorganização levadas a cabo, a desconsideração dos juros pagos não tem suporte no artigo 23.º do CIRC.

Até se poderá aventar que, sendo certo que em muitas operações de reorganização os ativos figuram numa determinada entidade e a dívida que os financia poderá estar noutra, já no caso em apreço a fusão conduziu uma junção de ativos e passivos cujas operações de gestão se inscrevem, por certo, no interesse ou atividade da Requerente.

 

Mas, mesmo que se entendesse subsistirem dúvidas sobre o interesse da Requerente nas operações referidas, não se exigindo actualmente, para relevância fiscal de gastos, a comprovação da indispensabilidade exigida pelo artigo 23.º, n.º 1, do CIRC na redacção anterior à Lei n.º 2/2014, essas eventuais dúvidas sobre a relação dos gastos com o interesse da empresa teriam de ser processualmente valoradas, num processo jurisdicional, a favor do sujeito passivo e não contra ele, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

Por outro lado, a referência que se faz na alínea c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC a «juros de capitais alheios aplicados na exploração» não tem o alcance de limitar a estes juros os gastos dedutíveis, pois os tipos de encargos de natureza financeira aí indicados têm natureza meramente exemplificativa, como decorre do uso da expressão «tais como», sendo a regra a que se extrai do corpo do n.º 1 da parte inicial da alínea c) a de que, quanto a gastos de natureza financeira, são dedutíveis «todos os gastos (...) incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC».

De qualquer modo, no caso em apreço, os capitais obtidos pela Requerente, cuja disponibilidade gerou a dívida de juros, estão aplicados na exploração da Requerente, em activos de cariz operacional, sendo estes que lhe proporcionam os rendimentos sujeitos a IRC.

Quanto à questão dos encargos com suprimentos, não se provou que o valor de € 11.664.656,99 tenha influenciado a dívida de € 47.339.163,32.

Na verdade, a Requerente dá uma explicação pormenorizada sobre a forma como foi determinado o valor de € 47.339.163,32 (artigos 300.º a 338.º do pedido de pronúncia arbitral e 106.º a 115.º das alegações da Requerente) que não é posta em causa pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

A Autoridade Tributária e Aduaneira refere no artigo 44.º da sua Resposta que «não foram encontradas evidências que inequivocamente demonstrassem que o montante de € 11.664.656,99 não estejam incluídos no valor dos suprimentos, tanto mais que a sociedade C…, Lda. pagou directamente esses juros por conta da sociedade E…, Lda. em virtude de esta sociedade não dispor de meios financeiros para proceder à liquidação dos juros».

Mas, como já se referiu, à face da redacção vigente do artigo 23.º, n.º 1, alínea c), CIRC, em que não se exige a comprovação da indispensabilidade dos gastos, as dúvidas fundadas que possam existir sobre qualquer ponto da matéria de facto devem ser valoradas processualmente a favor do sujeito passivo, por força do disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, o que equivale processualmente a considerar que não correspondem a realidade os factos invocados pela Autoridade Tributária e Aduaneira que não sejam considerados provados.

Por isso, para além de também quanto a esta questão valerem as considerações que atrás se fizeram sobre o regime vigente em 2014 sobre a relevância fiscal de gastos, tem de se concluir que a correcção relativa aos suprimentos enferma de erro sobre os pressupostos de facto.

            Pelo exposto, o acto de liquidação de IRC impugnado enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, que justifica a sua anulação, artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.

            A liquidação de juros compensatórios, que tem como pressuposto o acto de liquidação de IRC (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, enfermam dos mesmos vícios, pelo que também se justifica a sua anulação.

 

 

4. Indemnização por garantia indevida

 

            A Requerente formula pedido de indemnização por garantia indevida.

            O artigo 171.º do CPPT estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda».

O pedido de constituição do tribunal arbitral e de pronúncia arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.

O regime do direito a indemnização por garantia indevida consta do artigo 53.º da LGT, que estabelece o seguinte:

 

 

Artigo 53.º

Garantia em caso de prestação indevida

            1. O devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objecto a dívida garantida.

            2. O prazo referido no número anterior não se aplica quando se verifique, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.

            3. A indemnização referida no número 1 tem como limite máximo o montante resultante da aplicação ao valor garantido da taxa de juros indemnizatórios prevista na presente lei e pode ser requerida no próprio processo de reclamação ou impugnação judicial, ou autonomamente.

            4. A indemnização por prestação de garantia indevida será paga por abate à receita do tributo do ano em que o pagamento se efectuou.

 

No caso em apreço, foi prestada garantia bancária, e os erros subjacentes às liquidações de IRC e juros compensatórios impugnadas são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois elas foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro ocorresse.

Assim, verificam-se os requisitos previstos nos n.ºs 1 e 2 do transcrito artigo 53.º, pelo que a Requerente tem direito a indemnização pelos prejuízos resultantes da garantia prestada, dentro dos limites previstos no n.º 3 do mesmo artigo.

Não havendo elementos que permitam determinar o montante da indemnização, a condenação terá de ser efectuada com referência ao que vier a ser liquidado em execução do presente acórdão (artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

 

            5. Decisão

 

Termos em que acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

– anular a liquidação de IRC e juros compensatórios n.º 2016…, a Demonstração de Liquidação de Juros, identificada com o n.º2016…, e a Demonstração de Acerto de Contas, identificada com o n.º 2016…, deu origem a imposto a pagar no valor de € 2.641.009,79;

– anular a decisão da reclamação graciosa n.º …2017…;

– julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevida e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente a indemnização que for liquidada em execução do presente acórdão.

 

6. Valor do processo

 

   De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 2.641.009,79.

 

            7. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 33.966,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 03-05-2018

 

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

(Suzana Fernandes da Costa)

 

 

(António Alberto Franco)