Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr.ª Marisa Isabel Almeida Araújo e Dr. Hélder Faustino (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 24-01-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
A…, LDA., pessoa colectiva n.º…, com sede em… – …, …-... …, doravante designada como “Requerente”, veio ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou ”RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando declaração de ilegalidade dos actos tributários de liquidação n.º 2016…, no valor de € 90.571,01, e 2016…, no valor de € 8.738,73, relativas ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes dos períodos 2012 06T e 2013 03 e inerentes liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016…, no valor de € 14.223,37, e 2016…, no valor de € 1.116,64.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 09-11-2017.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 04-01-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 24-01-2018.
Em 27-02-2018, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.
Em 03-04-2018, foi realizada uma reunião, em que foi produzida prova testemunhal e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
As Partes apresentaram alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
-
Em cumprimento da Ordem de Serviço Externa n.º OI 2015… e OI2015…, foi desenvolvido pela Divisão de Inspecção Tributária II (DIT II), da Direção de Finanças de …, um procedimento de inspecção externo aos exercícios de 2012 e 2013 – da Requerente;
-
Na referida acção inspectiva foi elaborado o relatório da inspecção tributária que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em se refere, além do mais o seguinte:
RELATÓRIO DE INSPEÇÃO TRIBUTÁRIA
l - CONCLUSÕES DA AÇÃO INSPETIVA
Do procedimento inspetivo externo, relativamente aos exercícios de 2012 e 2013, resultaram correções desfavoráveis ao sujeito passivo, conforme descrito e fundamentado no Capitulo III do presente relatório.
(...)
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
(...)
III.2- IVA
1 - Vendas para sujeitos passivos pertencentes a Outro Estado Membro
A A… ao longo dos anos de 2012 e 2013, emitiu várias faturas para destinatários sediados noutros Estados Membros, isentando as respetivas operações, nos termos do artigo 14 do RITI. Considera-se transmissões Intracomunitárias de bens:
– Saída de bens do território nacional, com destino a outro Estado Membro da União Europeia;
- Efetuadas a título oneroso;
- Efetuadas de acordo com o previsto no artigo 3º do CIVA;
- Efetuadas por sujeitos passivos registados para efeitos de IVA no respetivo Estado Membro.
Nos termos da aliena a) do artigo 14º do RITI estão isentas de imposto "As transmissões de bens, efetuadas por um sujeito passivo dos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 2º, expedidos ou transportados pelo vendedor, pelo adquirente ou por conta destes, a partir (to território nacional para outro Estado Membro com destino ao adquirente, quando este seja uma pessoa singular ao coletiva registada para efeitos do imposto de valor acrescentado em outro Estado Membro, que tenha utilizado o respetivo número de identificação para efetuar a aquisição o aí se encontre abrangido por um regime de tributação das aquisições intracomunitárias de bens." (negrito e sublinhado nosso)
Por, em relação a algumas faturas relacionadas com transmissões intracomunitárias de bens, existirem dúvidas relativamente à prova da salda dos bens do Território Nacional para Outro Estado Membro, no dia 6 de Novembro de 2015, foi notificado o sujeito passivo, para:
Relativamente às faturas mencionadas no quadro 3, queira apresentar
- Documentos comprovativos da salda dos bens do Território Nacional para outro Estado Membro ou Pais terceiro, bem como confirmação da receção dos bens pelo destinatário;
- Comprovativo do recebimento das faturas."
No dia 20 de novembro de 2015, em resposta à notificação concluiu-se que, relativamente à linha 1 do quadro (fatura nº 134), linha 4 do quadro (fatura nº 247), linha 5 do quadro (fatura nº 249), linha 6 do quadro (fatura nº 250), linha 7 do quadro (fatura nº 276), e a linha 8 do quadro (fatura nº 277), as dúvidas relativas à saída dos bens do Território Nacional para outro Estado Membro ou Pais terceiro ficaram esclarecidas.
No anexo 8 constam cópia da notificação efetuada em 6 de novembro de 2015 ao sujeito passivo e cópia da resposta à notificação, relativamente ao ponto 5, datada de 20 novembro de 2015.
Passamos de seguida a análise das restantes faturas.
Foi o sujeito passivo notificado para apresentar
"- Documentos comprovativos da saída dos bens do Território Nacional para outro Estado Membro ou
Pais terceiro, bem como confirmação da receção dos bens pelo destinatário;
- Comprovativo do recebimento."
Em resposta à notificação a A… respondeu "No que diz respeito à (atura supra mencionada, seguem em anexo diversos comprovativos as transferências que perfazem 30% do valor total do "Sales Contract" nº ... contraído com o fornecedor B… CO Ltd.
Pela pesquisa efetuada foi possível chegar à seguinte conclusão:
Nunca foi por nós rececionada a respetiva encomenda devido ao facto de não termos possibilidade de pagar os restantes 50%, sendo assim o contrato ficou sem efeito".
Em anexo a A… junta cópia de um contrato de 37 tratores "... …", provenientes da China no valor de 777.000 dólares U.S.A., e comprovativo de transferências bancárias no valor de 266 460 dólares U.S.A. para B… CO Ltd. Ou seja, o que a A… junta é um contrato em que ela pretende adquirir 37 tratores "... FT904" e pretende demonstrar que a aquisição não ocorreu, por falta de pagamento Mas o que está em causa é uma venda de tratores efetuada pela A… e não uma compra.
Nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 23º do RITI, conjugado com artigo 7º também do RITI e do artigo 3º do CIVA e ainda a alínea b) do nº1 do artigo 29º do CIVA, a fatura é emitida quando existe a transmissão do bem, ou seja, a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
Ora, se a A…, Lda emitiu a fatura em 16-06-2012, é porque transmitiu os bens constantes das mesmas. E contabilisticamente, a fatura está reconhecida como Vendas - foi contabilizada numa subconta da 71 - Vendas.
Para usufruir de isenção de IVA tem que reunir os requisitos estabelecidos na lei. E a não aplicação do imposto tem que ser invocado, conforme já referido na alínea e) do nº 5 do artigo 36º do CIVA).
Na fatura nº 168, foi mencionado que estava isenta de IVA ao abrigo da aliena a) do nº8 e 9, do artigo 6º do CIVA. Diz-nos a alínea a) do nº8 do artigo 6º o seguinte:
"8 - Não obstante o disposto no n.º 6, são tributáveis as seguintes operações:
a) Prestações de serviços relacionadas com um imóvel sito no território nacional, incluindo os serviços prestados por arquitetos, por empresas de fiscalização de obras, por peritos e agentes imobiliários, e os que tenham por objeto preparar ou coordenar a execução de trabalhos imobiliários, assim como a concessão de direitos de utilização de bens imóveis e a prestação de serviços de alojamento efetuadas no âmbito da atividade hoteleira ou de outras com funções análogas, tais como parques de campismo".
E o nº9 do artigo 6º do CIVA o seguinte:
"9 - O disposto na alínea b) do n.º 6 não tem aplicação relativamente às seguintes operações:
a) Prestações de serviços de transporte de bens, com exceção do transporte intracomunitário de bens, pela distância percorrida fora do território nacional,
b) Prestações de serviços de transporte intracomunitário de bens, quando o lugar de partida ocorra fora do território nacional,
c) Prestações de serviços acessórias do transporte, que sejam materialmente executadas fora do território nacional;
d) Prestações de serviços que consistam em trabalhos efetuados sobre bens móveis corpóreos e peritagens a eles referentes, quando executadas total ou essencialmente fora do território nacional;
e) Prestações de serviços efetuadas por intermediários agindo em nome e por conta de outrem, quando a operação a que se refere a intermediação tenha lugar fora do território nacional.
f) Prestações de serviços de carácter cultural, artístico, cientifico, desportivo, recreativo, de ensino e similares, incluindo feiras e exposições, não abrangidas pela alínea e) do n.º 7, compreendendo as dos organizadores daquelas atividades e as prestações de serviços que lhes sejam acessórias, que não tenham lugar no território nacional.
g) Locação de um melo de transporte, que não seja de curta duração, quando o destinatário for uma pessoa estabelecida ou domiciliada fora do território nacional.
h) Prestações de serviços de telecomunicações, de radiodifusão ou televisão e serviços por via eletrónica, nomeadamente os descritos no anexo D, quando o destinatário for uma pessoa estabelecida ou domiciliada fora do território nacional."
Nos termos da alínea e) do nº 5 do artigo 36 do CIVA (à data dos factos)
5 - As faturas ou documentos equivalentes devem ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos:
e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;" (negrito e sublinhado nosso)
Pela descrição constante das faturas, parece-nos que o motivo justificativo para não aplicação do imposto não se enquadra, pois estamos perante a venda de bens e não de prestações de serviços.
Contudo passaremos à análise se os bens transmitidos se encontram isentos de IVA nos termos da alínea a) do artigo 14º do RITI (transmissão intracomunitária de bens) ou da alínea a) do artigo 14º do CIVA (exportação).
Para aplicação da isenção prevista na alínea a) do artigo 14º do RITI ou na alínea a) do 14º do CIVA, os bens tem que sair do território nacional para Outro Estado Membro ou para fora da Comunidade. O sujeito passivo não faz qualquer prova que os bens saíram do Território Nacional.
Nem no RITI, nem no Código do IVA existe alguma "suspensão temporal' para a salda do bem do Território Nacional, como acontece por exemplo nas vendas efetuadas a um exportador nacional (de forma sucinta, o artigo 6º do Decreto-Lei n.º 198/90, de 19 de Junho, prevê um regime de isenção de imposto sobre o valor acrescentado nas vendas de mercadorias de valor superior a € 1000,00 efetuadas por um fornecedor a um exportador nacional, desde que sejam exportadas no mesmo estado e no prazo de 60 dias a contar da data de aceitação da declaração aduaneira de exportação, contudo, caso o vendedor não tenha na sua posse o certificado visado pelos serviços aduaneiros, no prazo de 90 dias a contar da emissão da fatura, tem que proceder à liquidação do IVA).
O sujeito passivo deveria ter procedido à liquidação e entrega do IVA, no montante de 112.039,20€, nos cofres do Estado, infringindo assim o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 8º, nº 1 do artigo 27º e alínea b) do n.º 1 do artigo 41.º todos do Código do IVA. A taxa de IVA a aplicar é a constante da alínea b), do nº 1 do artigo 18º do Código de IVA.
Foi o sujeito passivo notificado para:
"- Documentos comprovativos da saída dos bens do Território Nacional para outro Estado Membro ou Pais terceiro, bem como confirmação da receção dos bens pelo destinatário;
- Comprovativo do recebimento."
Em resposta à notificação a A… respondeu "A fatura por nós emitida relativa a 6 sistemas de GPS ao nosso cliente C…, S.L, estavam incluídos em tratores dos quais tínhamos dado sinalização mas que acabamos por não fornecer.
Como o negócio do Suriname acabou por não se concretizar na totalidade este material não chegou a ser fornecido, tendo ficado nas nossas instalações em stock".
Conforme já anteriormente referido, nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 23º do RITI, conjugado com artigo 7º também do RITI e do artigo 3º do CIVA e ainda a alínea b) do nº1 do artigo 29º do CIVA, a fatura é emitida quando existe a transmissão do bem, ou seja, a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
Ora, se a A…, Lda emitiu a fatura em 20-09-2012, é porque transmitiu os bens constantes das mesmas. E contabilisticamente, a fatura está reconhecida como Vendas - foram contabilizadas numa subconta da 71 - Vendas.
Para usufruir de isenção de IVA tem que reunir os requisitos estabelecidos na lei. E a não aplicação do imposto tem que ser invocado, conforme já referido anteriormente (alínea e) do nº 5 do artigo 36º do CIVA).
O motivo da isenção invocado pela A… é "artigo 14º do RITI".
Para aplicação da isenção prevista na alínea a) do artigo 14º do RITI ou na alínea a) do 14º do CIVA, os bens têm que sair do território nacional para Outro Estado Membro ou para fora da Comunidade.
Nem no RITI, nem no Código do IVA existe alguma "suspensão temporal" para a salda do bem do Território Nacional.
O sujeito passivo deveria ter procedido a liquidação e entrega do IVA, no montante de 11.575,20€, nos cofres do Estado, infringindo assim o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 8º, nº 1 do artigo 27º e alínea b) do n.º 1 do artigo 41º todos do Código do IVA. A taxa de IVA a aplicar é a constante da na alínea b), do nº 1 do artigo 18º do Código de IVA.
Ao não proceder à liquidação e 6 entrega do IVA, no montante de 123.614.00 €. relativamente a faturas emitidas pela A… a sujeitos passivos pertencentes a Outro Estado Membro em que a mercadoria não saiu do território nacional, o sujeito passivo infringiu o número 1º do artigo 27º do Código do IVA
2 - IVA deduzido em montante superior ao constante no documento de suporte
Na análise aos extratos de conta do IVA dedutível constatou-se que a A… deduziu o valor superior ao constante na fatura.
O IVA suportado na aquisição do trator foi de €4.810,00, porém o sujeito passivo deduziu a importância de €8.510,00. e contabilizou na conta 2432213 - À Taxa Normal.
Ao deduzir IVA superior em € 3.700,00, infringindo assim o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 19º do Código do IVA.
(...)
III.3 - Resumo dos acréscimos ao Resultado Líquido (IRC) e IVA em falta
(...)
O montante do imposto exigível, conjuntamente com a respetiva declaração periódica, deve ser entregue até ao dia 15 do segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações, conforme previsto no número 1 do artigo 27.º, conjugado com a alínea c) do número 1 do artigo 29.º e alínea b) do número 1 do artigo 41.", todos os artigos do Código do IVA.
O montante do imposto exigível, conjuntamente com a respetiva declaração periódica, deve ser entregue até ao dia 10 do segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações, conforme previsto no número 1 do artigo 27.º, conjugado com a alínea c) do número 1 do artigo 29.º e alínea a) do número 1 do artigo 41.", todos os artigos do Código do IVA.
-
A Requerente exerceu o direito de audição sobre o projecto de Relatório da Inspecção Tributária, alegando que, além do mais, que emitiu as facturas referidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira antes de o negócio se concretizar, mas este não se concretizou, não tendo emitido notas de crédito por erro, não tendo as mercadorias referidas nas facturas entrado em território nacional;
-
Com o exercício do direito de audição, a Requerente apresentou os documentos e emails que constam do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
-
Na sequência do exercício do direito de audição, a Autoridade Tributária e Aduaneira referiu no Relatório da Inspecção Tributária o seguinte, além do mais:
Da leitura dos email's verifica-se que os mesmos dizem respeito essencialmente à C... S.L.. embora tenham sido redigidos por um funcionário da A…, Lda, Sr. G…, quando são assinados por D.., é em nome da C… ou da Direção da C… .
Ao longo do procedimento inspetivo, o Sr. D…, sempre deu a entender que a C… era gerida por um terceiro e que o mesmo não tinha ligações à C… .
Contudo, pela leitura aos emails constamos que o Gerente da A… Lda também pratica atos de gestão/ gerência na C… SL.
E já praticava atos de gestão em 2 de Junho de 2012, como se pode observar no texto do email que consta das paginas 59 a 64 do Anexo III, do direito de audição. Data anterior à emissão das duas faturas:
(...)
Ou seja, estamos perante entidades com relações especiais. O gerente da sociedade A…, Lda tem o poder de exercer uma influência significativa nas decisões de gestão da sociedade C…, SL.
(...)
No articulado 10.º vem o sujeito passivo alegar que não rececionaram a mercadoria que estava para entrega nos fornecedores, e que devido à situação insustentável causado pelo atraso de mais de 4 meses de pagamento relacionados com o contrato de fornecimento de equipamentos viram-se obrigados a pedir diretamente estas verbas ao cliente e provar-lhe, por via dos relatórios da E…, que o material estava preparado desde julho de 2012. Alega ainda que eram eles a colocar em causa a continuidade do acordo feito pelas partes.
Argumenta também que, a mercadoria nunca foi por nós rececionada, por sua vez também nunca chegou a ser expedida, (anexo IV Págs 1/10).
(...)
Pelos emails remetidos parece-nos que houve mercadoria a ser expedida nos contentores MSCUT… e MSCUSE… . Da análise dos emails do anexo IV, anexo III (Folha 96), e anexo V verifica-se que os contentores MSCUT… e MSCUS… dizem respeito a 20 tratores. Eventualmente poderá tratar-se de mercadoria que saiu diretamente da China para o porto Paramaribe (Suriname).
(...)
A AT em sítio algum concluiu pela indevida emissão da fatura, o que a AT concluiu é que houve emissão de duas faturas, isentas de IVA, por a mercadoria se destinar a outro-Estado Membro ou pais terceiro.
Nos termos da alínea b) do nº1 do artigo 23º do RITI, conjugado com artigo 7º também do RITI e do artigo 3º do CIVA e ainda a alínea b) do nº1 do artigo 29" do CIVA, a fatura é emitida quando existe a transmissão do bem, ou seja, a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade.
Também nos diz Clotilde Celorico Palma (Estudos de Imposto sobre o valor Acrescentado, Lisboa, Almedina, 2006, p.275) "fatura assume-se como um documento destinado a fazer prova da afirmação, por um comerciante, do seu crédito perante o cliente, devido a uma operação de venda ou de prestação de serviços." A Fatura "será o documento em que o vendedor faz a discriminação completa das mercadorias que vende ao comprador e em que indica as despesas que efetuou, bem como as vantagens que concede nos preços e as condições de entrega e pagamento. (A. Filomeno de Sousa Leite, Compêndio das Noções de Comércio, 2ª edição, p. 107, citado por Clotilde Celorico Palma, ibidem).
Para aplicação da isenção prevista na alínea a) do artigo 14º do RITI ou na alínea a) do 14º do CIVA, os bens têm que sair do território nacional para Outro Estado Membro ou para fora da Comunidade. O sujeito passivo não faz qualquer prova que os bens saíram do Território Nacional, logo tem que ser liquidado o IVA.
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Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IVA n.º 2016…, no valor de € 90.571,01, e 2016…, no valor de € 8.738,73, relativas ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), referentes dos períodos 2012 06T e 2013 03 e correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016…, no valor de € 14.223,37, e 2016…, no valor de € 1.116,64 (documentos n.ºs 1 a 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
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Em 04-01-2017, a Requerente apresentou reclamação graciosa das liquidações que teve o n.º …2017… (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A reclamação graciosa foi indeferida (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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A sociedade F… e a sociedade C… SL celebraram entre si um contrato mediante o qual esta última se obrigava a fornecer equipamento e máquinas destinado a exploração de uma plantação com uma área de 2000 hectares da espécie botânica Millettia Pinanatta em Saramacca, SURINAM;
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A 23-04-2012, a Requerente e sociedade C… SL assinaram outro contrato em que a primeira se obriga a fornecer e fazer a manutenção dos equipamentos e maquinaria agrícola, no âmbito do referido projecto no Suriname desenvolvido pela F…, sua cliente (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Neste contrato, o preço acordado foi de 4.375.314,00€, ficando estipulado entre as partes que seria pago um adiantamento de 30% e os restantes 70% à medida das entregas do material;
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A Requerente aplicou os 30% do preço total na compra de equipamento e máquinas a diversos fornecedores, bem como na reserva dos restantes itens objecto do contrato de fornecimento assinado entre a C… SL e a Requerente;
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A Requerente efectuou junto dos seus fornecedores as encomendas das máquinas e equipamentos destinados a serem posteriormente expedidos para o SURINAME;
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As mercadorias indicadas nas facturas n.ºs 168 e 243 foram encomendadas pela Requerente ao fornecedor B…Co. Ltd, com sede na República da China, em …, para serem expedidas por conta da C… SL para a F…;
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A F… não dava sinais de pagar o preço dos equipamentos encomendados pela Requerente e, atenta a situação de insolvência da C… SL, diligenciou junto da F… no sentido de que o pagamento fosse concretizado;
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A Requerente mantinha a expectativa de que os pagamentos fossem efectuados pela F… pelo que provisionou os valores das duas facturas e manteve os registos na contabilidade, esperando receber a transferência do dinheiro a breve trecho;
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Só mais tarde a Requerente teve conhecimento de que houve problemas na F… e que o pagamento não seria concretizado;
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A transacção não se realizou e a Requerente sofreu uma perda do adiantamento de 30% que efectuou;
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A Requerente não pôde pagar a restante mercadoria adquirida aos fornecedores chineses e estes não a expediram;
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Os tratores ... e 6 sistemas de auto-piloto de GPS nunca chegaram a ser expedidos ao cliente da C… SL, porque não foi pago o remanescente do preço (70%) e os fornecedores retiveram os equipamentos;
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Nenhuma máquina adquirida pela Requerente para ser expedida directamente para a F… chegou a entrar no território nacional;
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A Requerente emitiu facturas à C… SL, sem IVA porquanto as máquinas encomendadas iriam ser expedidas para o cliente da C…, SL., a F…, assim que fosse recebido o remanescente do preço;
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Em 09-11-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo e na prova testemunhal.
A prova testemunhal confirmou o que é alegado pela Requerente quanto ao não fornecimento das mercadorias a que se reportam as facturas n.ºs 168 e 243.
3. Matéria de direito
A Requerente emitiu duas facturas relativas a transmissão de bens para a sua cliente C… SL, com sede em Espanha, não tendo liquidado IVA.
Na factura n.º 168 relativa ao fornecimento de 36 tractores foi mencionado que estava isenta de IVA ao abrigo da aliena a) do nº 8 e 9, do artigo 6º do CIVA.
Estas normas reportam-se a prestação de serviços e não a venda de mercadorias.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não de poderiam aplicar as isenções previstas na alínea a) do artigo 14.º do RITI ou na alínea a) do 14.º do CIVA, porque os bens têm que sair do território nacional para Outro Estado Membro ou para fora da Comunidade e a Requerente «não faz qualquer prova que os bens saíram do Território Nacional».
No que concerne à factura n.º 243, relativa 6 sistemas “Auto Piloto” (que da prova produzida resulta que se trata de sistemas GPS destinados a serem instalados nos tractores que não chegaram a ser fornecidos), o motivo da isenção invocado pela Requerente é "artigo 14º do RITI".
Também neste caso, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não se aplica a isenção porque «os bens têm que sair do território nacional para Outro Estado Membro ou para fora da Comunidade».
A Requerente invoca que nenhuma das transmissões de bens se realizou, por o negócio não se ter concretizado na totalidade, em face da falta de pagamento da empresa situada no Suriname a quem se destinavam as mercadorias.
A Autoridade Tributária e Aduaneira concluiu que se realizaram as transmissões por terem sido emitidas facturas («se a A…, Lda emitiu a fatura em 16-06-2012, é porque transmitiu os bens constantes das mesmas»; «e a A…, Lda emitiu a fatura em 20-09-2012, é porque transmitiu os bens constantes das mesmas»), por estarem contabilizadas «numa subconta da 71 - Vendas».
Os esclarecimentos prestados pela Requerente durante o procedimento tributário e na reclamação graciosa, bem como a prova documental e testemunhal apresentada, levam o Tribunal Arbitral a formar a convicção de que não se realizaram as transmissões, pelas razões invocadas e explicadas pela Requerente.
O facto de terem sido facturas não significa que tenham sido realizadas as transmissões correspondentes, como é facto notório, constatável quotidianamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira e pelos Tribunais.
Aliás, em sede de IVA, sendo as facturas emitidas antes das operações serem efectuadas, surgem frequentes situações em que as facturas têm de ser anuladas ou corrigidas, como se refere expressamente no n.º 2 do artigo 78.º do CIVA, para as situações em que nas facturas foi liquidado IVA.
Não existindo transmissão, está-se perante uma situação de inexistência de facto tributário, em que não há suporte factual para a tributação.
De resto, em processo arbitral, como no processo de impugnação judicial, basta a dúvida fundada sobre a existência do facto tributário para justificar a anulação, como decorre do n.º 1 do artigo 100.º do CPPT subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
Pelo exposto, tem de se concluir que as liquidações impugnadas, ao terem assentado no pressuposto de que se realizaram as transmissões, enferma de erro sobre os pressupostos de facto que justifica a sua anulação, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no artigo 2.º, alínea c), da LGT.
As liquidações de juros compensatórios têm como pressupostos as respectivas liquidações de IVA (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que enferma do mesmo vício.
4. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
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Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
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Anular as liquidações de IVA n.ºs 2016… e 2016… e as liquidações de juros compensatórios n.ºs 2016 … e 2016 … .
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 114.649,75.
6. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Lisboa, 02-05-2018
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Marisa Isabel Almeida Araújo)
(Hélder Faustino)