Decisão Arbitral
RELATÓRIO
1. A… e mulher, B…, contribuintes fiscais … e …, respetivamente, residentes na Rua …, …, …-… …, tendo sido notificados das liquidações adicionais do IRS dos anos de 2012 (2017…, de 24 de maio, 2017…, de 30 de maio) e de 2013 (2017…, de 26 de maio e 2017…, de 21 de junho), nos montantes de, respetivamente, € 126 527,54 (cento e vinte e seis mil quinhentos e vinte e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos) e € 168 682,78 (cento e sessenta e oito mil seiscentos e oitenta e dois euros e setenta e oito cêntimos), tudo num total de € 295 210,32 (duzentos e noventa e cinco mil duzentos e dez euros e trinta e dois cêntimos), por se entender que existem acréscimos patrimoniais não justificados vieram, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 2º e dos números 1 e 2 do artigo 10º, ambos do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, e dos artigos 1º e 2º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral, para declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação adicional acima mencionados, bem como os juros compensatórios a elas referentes.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 27.09.2017.
3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como tribunal arbitral coletivo o Senhor Conselheiro Dr. José Poças Falcão, o Professor Doutor Jónatas Machado, e o Dr. José Rodrigo de Castro, tendo a sua aceitação sido confirmada em 15.11.2017.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Por força do preceituado na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 06.12.2017.
Descrição dos factos
6. No requerimento de pronúncia arbitral, A… e mulher, B… (doravante designados por Requerentes), vieram pedir a declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação 2017…, de 24 de maio, 2017…, de 30 de maio, 2017…, de 26 de maio e 2017…, de 21 de junho, bem como os juros compensatórios a elas referentes.
7. Os Requerentes foram objeto de uma ação de inspeção em relação ao IRS dos anos de 2012 e 2013, conforme ordens de serviço OI2015… e OI2016…, que constam dos autos.
8. No entender dos Serviços de Inspeção da Autoridade Tributária, foram efetuados depósitos nas contas bancárias dos Recorrentes, sem que tenha sido demonstrada a origem e a sujeição a tributação, razão pela qual se entendeu estarem reunidos os pressupostos para que tais rendimentos sejam qualificados como acréscimos patrimoniais não justificados e para que a determinação do rendimento coletável do IRS dos anos de 2012 e 2013 seja efetuada através da aplicação de métodos de avaliação indireta.
9. A Autoridade Tributária notificou os Recorrentes, em 19 de fevereiro de 2015, solicitando que fosse efetuada a prova da fonte de rendimentos que estava na base do aumento dos rendimentos.
10. Em 18 de março de 2015, os Recorrentes enviaram cópia dos extratos das contas bancárias do C…, do então designado D… e do E…, para além dos saldos das contas de aforro.
11. Os Serviços de Inspeção da Autoridade Tributária concluíram que se encontram devidamente comprovadas, em relação aos anos de 2012 e 2013, as importâncias constantes das contas à ordem e a prazo do C…, do D…, do E… e da Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública.
12. Em relação à F…, os Serviços de Inspeção Tributária entenderam que havia necessidade de averiguar os movimentos, tendo solicitado aos Recorrentes a justificação para a origem dos inúmeros movimentos a crédito nos anos em causa, a qual deveria ser acompanhada dos documentos de suporte.
13. Os Recorrentes, por comunicação do dia 30 de outubro de 2015, justificaram os movimentos com os inventários e ativos fixos tangíveis provenientes do exercício da atividade de mercearia, que havia sido exercida pela Recorrente até ao final do ano de 2009, adiantando ainda que, ao longo dos anos, foram efetuados, na conta da F… em causa, depósitos referentes aos vencimentos do filho e da nora dos Recorrentes.
14. Os Serviços de Inspeção Tributária entenderam que a aceitação das razões invocadas teria que ter na sua base os documentos comprovativos, nomeadamente as faturas e os recibos referentes às operações em causa.
15. Os Recorrentes não conseguiram disponibilizar todos os documentos que foram solicitados pelos Serviços de Inspeção, razão pela qual foram efetuadas correções ao rendimento coletável do IRS dos anos de 2012 e 2013, no montante total de € 428 588,93 (quatrocentos e vinte e oito mil quinhentos e oitenta e oito euros e noventa e três cêntimos). Como consequência das correções referidas, a coleta do IRS dos anos em causa foi igualmente corrigida, daí resultando um montante de imposto a pagar no valor total de € 257 153,36 (duzentos e cinquenta e sete mil cento e cinquenta e três euros e trinta e seis cêntimos).
16. A AT, ao abrigo do disposto no art. 17.º do RJAT, juntou, em 29.01.2018, o processo administrativo e a sua Resposta ao pedido de pronúncia arbitral da Requerente, onde sustenta a procedência das exceções de incompetência material do CAAD no domínio da aplicação de métodos indiretos, do caso julgado material e da impropriedade do meio processual, ou alternativamente, a improcedência do pedido arbitral por não provado, com a devida absolvição da Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
Argumentos das partes
17. Os argumentos e contra-argumentos esgrimidos pelas partes dizem respeito, fundamentalmente, à legitimidade da avaliação indireta e à competência do tribunal arbitral do CAAD para conhecer da respetiva impugnação.
11. Para fundamentar a sua posição, alega a Requerente que as liquidações contestadas
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A alínea f) do nº 1 do artigo 87º da Lei Geral Tributária (LGT) dispõe que a avaliação indireta pode efetuar-se em caso de “acréscimo de património ou despesa efetuada, incluindo liberalidades, de valor superior a € 100 000, verificados simultaneamente com a falta de declaração de rendimentos ou com a existência, no mesmo período de tributação, de uma divergência não justificada com os rendimentos declarados".
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O nº 3 do artigo 89º-A da LGT determina que verificadas as situações previstas na alínea f) do nº 1 do artigo 87º, cabe ao sujeito passivo a comprovação de que correspondem à realidade os rendimentos declarados e de que é outra a fonte das manifestações de fortuna ou do acréscimo de património ou da despesa efetuada.
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A exigência legal no sentido de caber aos sujeitos passivos a prova da origem dos rendimentos, em relação às contas de depósitos à ordem ou a prazo, apenas entrou em vigor no dia 29 de outubro de 2012, através da Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro.
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Ainda que o normativo em causa estabeleça que tal exigência, em relação aos depósitos nas contas bancárias, produz efeitos a partir do dia 1 de janeiro de 2012, a verdade é que a documentação de suporte exigível para efetuar a comprovação é anterior ao ano de 2012.
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Não é aceitável que se possa exigir a apresentação de documentos comprovativos anteriores a 2012, pela simples razão de que, até à entrada em vigor da lei, não havia obrigatoriedade de fazer essa prova e, muito menos, a obrigatoriedade de guardar tais documentos com essa finalidade, já que a mesma não existia.
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A partir do momento em que saiu a lei (outubro de 2012) ficaram os contribuintes a saber que devem justificar os acréscimos provenientes de depósitos em contas bancárias e que, para garantir essa justificação, devem, para além dos documentos bancários, apresentar outros documentos comprovativos, os quais, porém, só a partir do ano de 2012 entram obrigatoriamente na lista dos documentos exigíveis para comprovar o que a lei, a partir do ano de 2012, passou a exigir.
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Tal exigência legal apenas pode fazer sentido para comprovar as situações que ocorram a partir de janeiro de 2012 e que tenham na sua base, para além dos documentos bancários, outros documentos posteriores à data da entrada em vigor do normativo que faz tal exigência.
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Os Recorrentes entregaram toda a documentação que tinham disponível e os documentos justificativos pretendidos dizem respeito a factos todos eles ocorridos em momento anterior à data da entrada em vigor da lei, em 2012, pelo que a sua não apresentação não pode ter como consequência a determinação indireta do rendimento coletável, como pretende a Autoridade Tributária.
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Deve o presente Recurso ser julgado procedente e provado, determinando-se a anulação das correções efetuadas ao rendimento coletável do IRS dos anos de 2012 e 2013, com fundamento em violação da lei, por não poder ser exigível aos Recorrentes a apresentação de documentos comprovativos que não eram exigíveis em momento anterior ao da entrada em vigor da lei referente aos acréscimos patrimoniais decorrentes de depósitos em contas bancárias, como parece ser de justiça.
18. Em sentido contrário, a argumentação desenvolvida pela Requerida assenta nos seguintes tópicos:
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A impugnação dos atos de liquidação em causa tem por base uma ação de inspeção OI2015… e OI2016…, onde foram aplicados métodos indiretos, dado não ter sido apresentada a prova prevista no artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT, no que diz respeito à totalidade dos valores depositados.
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Os artigos 2º e 4º n.º 1 do RJAT e o artigo 2º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março, que no seu conjunto definem o âmbito de competência do CAAD e estatuem sobre o objeto da vinculação da AT pelas respetivas decisões, excluem a apreciação de pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributária, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão.
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A falta de vinculação da AT corresponde a incompetência material do tribunal arbitral, na medida em que uma decisão por ele proferida não produziria quaisquer efeitos sobre a parte que haveria de o executar, consubstanciando uma exceção dilatória inominada.
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Visando a pretensão das Requerentes a apreciação de atos de liquidação em resultado da aplicação de métodos indiretos de determinação da matéria coletável, relativamente a IRS, correspondente aos exercícios de 2012 e 2013, a mesma versa sobre matéria subtraída à competência material deste tribunal arbitral.
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Através de sentença de 30 de Abril de 2017, transitada em julgado a 16-05-2017, no âmbito de processo judicial que correu termos na …Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o n.º …/16… BELRS, originado pelo recurso interposto pelos ora Requerentes face à fixação da matéria tributável por aplicação de métodos indiretos em sede de IRS aos anos de 2012 e 2013, foi decidido que se mostram verificados os pressupostos da avaliação indireta da matéria coletável realizada ao IRS dos Recorrentes, não padecendo de qualquer ilegalidade a decisão de avaliação indireta da matéria tributável efetuada, deve a mesma manter-se na ordem jurídica.
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Não podem os Requerentes pretender juntar documentação superveniente a fim de colmatar a insuficiência probatória patente no processo judicial que correu os seus termos no Tribunal Tributário de Lisboa e transitou em julgado, não sendo possível qualquer reapreciação, seja por este Tribunal, seja por qualquer outro Tribunal superior.
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Consubstancia-se a exceção dilatória de caso julgado material a que se refere o disposto no artigo 577.º-i) do CPC, a qual determina a absolvição da instância nos termos do artigo 278.º-e) do mesmo diploma legal.
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O meio idóneo para, a partir de documentos supervenientes, fazer abalar a legalidade dos atos de liquidação em escrutínio, provenientes de um ato de fixação da matéria tributável por aplicação de métodos indiretos, quando, inclusive, dessa mesma fixação já houve lugar ao julgamento, transitado em julgado, do recurso interposto nos termos do disposto no artigo 146.º-B do CPPT, não é a impugnação arbitral.
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As decisões de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, embora se insiram num procedimento de liquidação de um tributo, pelo que as ilegalidades de que tais atos enfermem só podem ser arguidas no seu próprio processo impugnatório, não podendo ser invocadas na impugnação do ato de liquidação do tributo que vier a ser praticado com base no ato de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos a que se refere o art. 89.º-A da LGT.
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Cabe invocar a exceção dilatória inominada de inidoneidade ou impropriedade do meio processual utilizado pelos Requerentes, devendo a Requerida ser absolvida da instância.
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A alegação dos Requerentes – de que a norma do artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT que impõe o ónus probatório a cargo do contribuinte, em relação aos depósitos bancários, só entrou em vigor com a Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, que entrou em vigor a 01-01-2012, não sendo por isso exigível a prova dos depósitos de vendas ocorridas antes dessa data – é somente válida para o teor do artigo 89.º-A, n.º 1, al. d) da LGT, segundo a qual «A soma em instituições financeiras residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças, cuja existência e identificação não seja mencionada nos termos previstos no artigo 63.º-A no ano em causa.»
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Apesar de o artigo 89.º-A, n.º 1, al. d) da LGT respeitar a depósitos bancários, não só não foi aplicada “in casu”, como nem faz sentido que o seja, porquanto respeita a uma “fattispecie” totalmente diferente da dos autos, uma vez que a conta aberta na F…, Portugal, não configura, obviamente, uma conta em instituição financeira de país com regime fiscal mais favorável.
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A documentação agora junta pelos Requerentes – prints de alegadas transferências de quantias para os Requerentes ou pretensos recibos de quitação emitidos por entidades terceiras – não prova a origem dos valores em falta e que em sede de processo judicial foram dados como injustificados, não se conhecendo se são ou não verdadeiros, porquanto se tratam de meros documentos particulares não emitidos por entidade oficial.
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Esses documentos não justificam o circuito itinerário dos montantes em falta nem justificam os valores integrais que se encontram em falta para os anos de 2012 e 2013, que deveriam ter sido declarados pelos Requerentes e não o foram, sem o peso da tributação que sobre os mesmos se abateria.
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Não merecem censura os atos de liquidação impugnados, não lhes tendo sido assacados quaisquer vícios próprios, independentes dos que possam decorrer do ato que fixou a matéria tributável com recurso a métodos indiretos.
Reunião arbitral do artigo 18º do RJAT
19. Por se entender ser desnecessária, prescindiu-se da reunião prevista no artigo 18º do RJAT.
Alegações finais
20. Nas suas alegações, os Requerentes não responderam às exceções dilatórias suscitadas, de incompetência material do tribunal arbitral do CAAD, de caso julgado e de inidoneidade do meio processual adotado, reiterou as razões de direito apresentadas na petição inicial.
21. Os Requerentes afirmaram a junção de documentos comprovativos de determinados pagamentos envolvendo transações entre eles e as empresas G…, Lda, H…, Lda, I… e J…, SA. (Documentos enviados pelo sujeito passivo, 10.12.2017).
22. Os Requerentes alegaram ter entregue toda a documentação que tinham disponível, sendo certo também que os restantes documentos justificativos pretendidos pela Requerida dizem respeito a factos todos eles ocorridos em momento anterior à data da entrada em vigor da lei, em 2012, reiterando que a sua não apresentação não pode ter como consequência a determinação indireta do rendimento coletável e a liquidação adicional do imposto, como pretende a AT.
SANEAMENTO
23. Foram invocadas as exceções dilatórias de incompetência material do tribunal arbitral do CAAD, de caso julgado e de inidoneidade do meio processual adotado pelas Requerentes, cuja decisão impede que se avance imediatamente para a apreciação do mérito da causa.
24. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (arts. 5.º, n.ºs 1 e 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT)
25. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.
FUNDAMENTAÇÃO
Factos dados como provados
26. Com base nos documentos trazidos aos autos e sem prejuízo de outros factos acessórios com eles relacionados constantes dos autos, são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:
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No ano de 2012 os Requerentes declararam em sede de IRS rendimentos no valor de € 10 145,25. (PA)
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No ano de 2013 os Requerentes declararam em sede de IRS rendimentos no valor de € 12 836,36. (PA)
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Os Requerentes foram objeto de uma ação de inspeção em relação ao IRS dos anos de 2012 e 2013, conforme ordens de serviço OI2015… e OI2016... (PA 2)
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De acordo com a informação constante da declaração modelo 39 constatou-se que, relativamente aos Requerentes, foram creditadas nas suas contas bancárias nos anos de 2012 e 2013 vários montantes a título de juros e outros rendimentos, nalguns casos pagos por entidades não residentes, respetivamente no valor total de € 127 930,14 e € 223 165,42. (PA 8 e 19)
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Os Requerentes foram notificados das liquidações adicionais do IRS dos anos de 2012 (2017…, de 24 de maio, 2017…, de 30 de maio) e de 2013 (2017…, de 26 de maio e 2017…, de 21 de junho), resultantes da aplicação de métodos indiretos, nos montantes de, respetivamente, € 126 527,54 (cento e vinte e seis mil quinhentos e vinte e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos) e € 168 682,78 (cento e sessenta e oito mil seiscentos e oitenta e dois euros e setenta e oito cêntimos), tudo num total de € 295 210,32 (duzentos e noventa e cinco mil duzentos e dez euros e trinta e dois cêntimos), por se entender que existem acréscimos patrimoniais não justificados. (PA 1)
Factos não provados
27. Com relevo para a decisão sobre o mérito não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados.
Motivação
28. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
29. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
30. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Questão decidenda
Exceções dilatórias
31. A AT na sua Resposta de 29 de janeiro de 2018, vem invocar, por exceção, a incompetência material do CAAD em matéria de aplicação de métodos indiretos.
32. Nela recorda a Requerida que os atos de liquidação ora impugnados têm a sua argumentação escorada na ação de inspeção determinada pela OI2015… e OI2016…, que conduziram à aplicação de métodos indiretos.
33. E que esta atuação da AT resultou da ausência de prova relativamente à totalidade dos movimentos bancários na F…, relativamente aos anos de 2012 e 2013, tal como era exigido pelo artigo 89.º-A, n.º 3 da LGT.
34. Mais refere a AT que os Requerentes pretendem através da presente impugnação arbitral, impugnar os atos de liquidação de IRS resultantes da aplicação de métodos indiretos para os referidos anos de 2012 e 2013.
35. Mais realça que é confessado no artigo 10.º do pedido arbitral, que oportunamente apresentaram o recurso previsto no artigo 146.º-B do CPPT no Tribunal Tributário de Lisboa, P.º…/16… BELRS, contestando a aplicação de métodos indiretos relativamente à mesma matéria agora em análise, recurso que não obteve provimento, conforme anexo ao processo administrativo junto pela AT aos presentes autos.
36. A Requerida releva que pretendendo agora os Requerentes colmatar a insuficiência probatória patente no processo judicial que correu seus termos no TT de Lisboa, cuja decisão já transitou em julgado, entendem que a pretensão dos Requerentes não pode ser apreciada no presente processo arbitral.
37. E fundamenta a sua tese com apoio no disposto no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, relativo à competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável, citando ainda o decidido no Processo Arbitral n.º 17/2012-T, de 14 de Maio, que caraterizou a presente exceção como “incompetência do tribunal arbitral” nos termos seguintes:
“Na verdade, a falta de vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira ao tribunal arbitral traduz-se na imediata impossibilidade da eficácia subjetiva de um julgado que, se fosse proferido por este tribunal nas matérias excluídas, não produziria quaisquer efeitos sobre a parte que haveria de o executar, consubstanciando, portanto, falta de jurisdição, a qual é delimitada em função da matéria e, portanto, consubstancia a incompetência material deste tribunal.
É, pois, para nós inequívoco, que a falta de jurisdição do tribunal para dirimir o litígio configura efetivamente a exceção dilatória de incompetência e não qualquer outra, fazendo-se, atenta a natureza arbitral do tribunal, uma leitura integrada do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, com o n.º 1 do seu artigo 4.º e, ainda, com o mencionado artigo 2.º da Portaria de Vinculação acima transcrita”.
38. Por outro lado, a Requerida faz questão de remeter também para a decisão proferida no Processo Arbitral n.º 70/2012-T, de 31 de Outubro de 2012 (onde se caraterizou a presente exceção como “dilatória inominada da falta de vinculação da ATA”), nos seguintes termos que dela são citados:
“Entendemos, assim, que a requerida não se encontra vinculada à jurisdição do CAA quanto a esta matéria. Consideramos que se trata duma exceção dilatória inominada e não incompetência material uma vez que a portaria não revogou a norma de competência atribuída ao tribunal arbitral pelo Decreto-Lei n.º 10 /2011, de 20 de Janeiro. A norma deste decreto-lei que atribui competência continua em vigor. O que se verifica é a ausência de vinculação da ATA no que respeita ao tipo de atos em questão. Em todo o caso, a consequência é a mesma: a absolvição da instância arbitral”.
39. Mais entende a Requerida ser relevante referir os comentários do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa ao RJAT, publicados no “Guia da Arbitragem Tributária”, citando o que é dito pelo Senhor Conselheiro a fls. 138 e 139:
“Embora a alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT inclua nas competências dos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria coletável e determinação da matéria coletável em que foram utilizados métodos indiretos, a Administração Tributária afastou essa possibilidade ao excluir expressamente da sua vinculação àqueles tribunais as ‘pretensões relativas a atos de determinação da matéria coletável e atos de determinação da matéria tributária, ambos por métodos indiretos, incluindo a decisão do procedimento de revisão’ – alínea b) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-º-A/2011, de 22 de Março”.
40. Donde, conclui a Requerida, que resulta de forma clara e pacífica que a AT não se encontra vinculada à jurisdição arbitral relativamente a atos de determinação da matéria coletável por métodos indiretos, e, bem assim, à decisão do procedimento de revisão, e, que, portanto daqui decorre a absolvição da instância.
41. Por outro lado, a Requerida entende que se trata um caso julgado material, conforme sentença de 30-4-2017, no processo n.º …/16… BELRS, … Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa, este sim competente para apreciar a matéria em questão e que se decidiu da seguinte forma:
“Analisados os acréscimos patrimoniais verificados e os montantes declarados pelos Recorrentes em sede de IRS, resulta óbvia e manifestamente desproporcionada a divergência e absoluta discrepância entre estes valores, o que conduz no caso sub Júdice à verificação dos pressupostos objetos plasmados no artigo 87.º, n.º 1, al. f) da LGT”….
Mais referindo a douta decisão que:
“Não obstante o ónus de prova que lhe incumbia, resultou não provado nos autos que os depósitos na conta da F… tivessem origem na venda de bens do inventário e dos ativos fixos tangíveis que foram atribuídos à Recorrente, na sequência da cessação da atividade de mercearia, exercida pela mesma até ao ano de 2009”.
Donde a conclusão da mesma decisão:
“Assim sendo, não padece de qualquer ilegalidade a decisão de avaliação indireta da matéria tributável efetuada nos presentes autos, que deve manter-se na ordem jurídica, termos em que terá, naturalmente, que improceder o presente recurso”.
42. E a Requerida vem reforçar a impossibilidade de o presente Tribunal Arbitral, que não é de Recurso da decisão tomada por aquele, que nem podia ser, tomar conhecimento do mérito da presente ação, sob pena de correr o risco de contradizer o decidido anteriormente por outro tribunal.
43. E que é nestes termos que a Requerida argui a exceção dilatória de caso julgado material a que se refere o disposto no artigo 577.º-i) do CPC, que determina a absolvição da instância nos termos do artigo 278.º-e) do mesmo diploma legal.
44. Sucede que os Requerentes no presente Recurso Arbitral, reconhecem ter apresentado Recurso Judicial no Tribunal Tributário de Lisboa, que foi julgado improcedente por decisão de 30 de Abril de 2017, em razão da prova parcial (feita apenas até 2009) quanto aos movimentos bancários na conta da F… e reconhecem também que, de facto, não fizeram, perante a AT, a prova que lhes era exigida pelo n.º 3 do artigo 89.º-A da LGT, que assim determina, verificadas as situações previstas na alínea f) do n.º 1 do artigo 87.º também da LGT, como era o caso.
45. O que os Requerentes pretendem agora é apresentar os esclarecimentos e juntar os documentos necessários à efetivação da prova que então não efetuaram e que levou à aplicação de métodos indiretos para determinação do rendimento tributável relativamente a 2012 e 2103, por se encontrarem agora em condições de fazê-lo.
46. E, por isso, os Requerentes apresentaram com a sua PI um conjunto de 12 anexos, com a alegada prova dos movimentos bancários da sua conta na F…, até aos anos de 2012 e 2013, inclusívé.
47. Por outro lado, contestam que lhes seja legalmente exigível a prova da origem dos rendimentos em causa, tendo em conta, segundo eles, que tal exigência, em relação às contas de depósitos à ordem ou a prazo, apenas passou a ser legalmente possível a partir de 1 de Janeiro de 2012, data da entrada em vigor da Lei n.º 55.º-A/2012, de 29 de Outubro, quando os suportes documentos exigidos se destinavam a comprovação anterior ao ano de 2012.
48. A respeito dos argumentos acabados de referir nos números anteriores, a AT responde que relativamente aos documentos supervenientes que pretendem juntar no conjunto dos 12 anexos referidos, tal não é legalmente possível, por não ser este tribunal arbitral o competente para conhecer da ilegalidade da aplicação de métodos indiretos, conforme já demonstrado, e, por outro, não reconhecer aos documentos valor probatório bastante.
49. Por outro lado, contrapõe a Requerida que não assiste razão aos Requerentes quanto à impossibilidade legal da exigência de documentos de prova anteriormente a 2012, com base na norma do artigo 89.º-A, n.º 1, al. d) da LGT, que impõe o ónus probatório ao contribuinte, em razão da entrada em vigor em 1-1-2012 da Lei 55.º-A/2012, de 29 de Outubro, o que só válido relativamente a instituições financeiras residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável – o que não o caso da F… .
50. A Requerida, em reforço da sua tese, vem citar, de novo, mais alguns ensinamentos do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotada, Áreas Editora, Volume II, artigo 146.º-B, pág.s 570-571, segundo o qual:
“Assim, estas decisões de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos assumem a natureza de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, embora se insiram num procedimento de liquidação de um tributo. A atribuição desta natureza de atos destacáveis implica que as ilegalidades de que tais atos enfermem só possam ser arguidas no seu próprio processo impugnatório, não podendo ser invocadas na impugnação do acto de liquidação do tributo que vier a ser praticado com base no ato de avaliação da matéria coletável por métodos indiretos a que se refere ao artigo 89.º-A da LGT. Na verdade, essa separação do âmbito das impugnações contenciosas do ato destacável e do ato final é, precisamente, a finalidade que visa como a tributação ao primeiro dessa natureza de ato destacável, que se justifica por ser diferente a entidade que pratica o ato”.
51. Logo e assim sendo, não podem as alegadas ilegalidades provenientes da fixação da matéria coletável por aplicação dos métodos indiretos ser invocadas na impugnação dos atos de liquidação que lhe são subsequentes.
52. Donde, conclui a Requerida que não deve ser julgada procedente a exceção dilatória da idoneidade ou impropriedade do meio processual utilizado pelos Requerentes, pelo que deve a Requerida ser absolvida da instância.
Mérito
53. Por todo o exposto e face aos argumentos expendidos pelas partes, em especial pela Requerida, apoiada na doutrina e jurisprudência citadas, parece não restarem dúvidas a este Tribunal de que:
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Uma leitura integrada do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, com o n.º 1 do seu artigo 4.º e, ainda, com o mencionado artigo 2.º, al. b) da Portaria n.º 112.º-A/2011, de 22 de Março, de Vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira, permite concluir, sem margem para dúvidas, que este Tribunal Arbitral é Materialmente Incompetente por falta de vinculação da AT para apreciar o mérito da causa e, consequentemente, os documentos adicionalmente oferecidos;
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Também, face à imediata impossibilidade da eficácia subjetiva de um julgado que, se fosse proferido por este tribunal nas matérias excluídas, não produziria quaisquer efeitos sobre a parte que haveria de o executar, consubstanciando, portanto, falta de jurisdição, a qual é delimitada em função da matéria e, portanto, consubstancia a incompetência material deste tribunal[1].
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Mas, mesmo a considerar que não se está perante perante uma incompetência material deste tribunal, sempre se estará perante uma exceção dilatória dita inominada que, só por si, impede este Tribunal Arbitral de apreciar o mérito ou demérito da causa;
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Tratando-se de apreciação de prova adicional para efeitos de apuramento da matéria coletável que foi determinada por métodos indiretos, e, portando de atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa, não podem ser invocados na presente impugnação arbitral e que, portanto, este Tribunal Arbitral também dela não poderá conhecer.
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Finalmente, este Tribunal não pode igualmente apreciar do mérito da causa, para que não seja colocado numa posição de contradição com o Tribunal Tributário de Lisboa, onde a legalidade da determinação por métodos indiretos foi apreciada e decidida desfavoravelmente aos Requerentes.
DECISÃO
Termos em que este Tribunal Arbitral decide:
- Julgar procedente a invocada exceção dilatória inominada de inidoneidade ou impropriedade do meio processual utilizado pelos Requerentes;
- Declarar-se materialmente incompetente para conhecer do mérito da causa e, por consequência, absolver a Requerida da instância, nos termos do artigo 278.º-e) do CPC.;
- Absolver a Requerida da instância;
- Julgar improcedente o Recurso dos Requerentes, pelos fundamentos profusamente expressos.
- Manter na ordem jurídica os atos de liquidação adicional de IRS dos anos de 2012 (2017…, de 24 de maio, 2017…, de 30 de maio) e de 2013 (2017…, de 26 de maio e 2017…, de 21 de junho), nos montantes de, respetivamente, € 126 527,54 (cento e vinte e seis mil quinhentos e vinte e sete euros e cinquenta e quatro cêntimos) e € 168 682,78 (cento e sessenta e oito mil seiscentos e oitenta e dois euros e setenta e oito cêntimos), tudo num total de € 295 210,32 (duzentos e noventa e cinco mil duzentos e dez euros e trinta e dois cêntimos).
Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 295 210,32 (duzentos e noventa e cinco mil duzentos e dez euros e trinta e dois cêntimos) nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem a cargo dos Requerentes em € 5.202,00 nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.
Lisboa, 12 de abril de 2018
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Dr. José Poças Falcão
(Presidente)
Professor Doutor Jónatas Machado
(Vogal)
Dr. José Rodrigo de Castro
(Vogal)
[1] Cf. decidido no Processo Arbitral n.º 17/2012-T, de 14 de Maio, a cuja tese este Tribunal adere.