Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), Nuno Pombo e Olívio Mota Amador, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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No dia 17 de Julho de 2017, A..., S.A., contribuinte n.º ..., com domicílio fiscal no ..., ..., ...-... ... apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade dos actos de liquidação de retenções na fonte de IRS 2014 n.º 2017 ... de 19-04-2015 e de juros compensatórios correspondentes com o n.º 2017..., que fixou o IRS a pagar no montante de € 60.480,00, e juros compensatórios no montante de € 5.335,49, e de liquidação de retenções na fonte de IRS 2016 n.º 2017... de 06-01-2015 e de juros compensatórios correspondentes com o n.º 2017..., que fixou o IRS a pagar no montante de € 40.319,00, e juros compensatórios no montante de € 733,47.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
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Nulidade das liquidações por falta de autorização para aplicação da disposição antiabuso (em violação do n.º 7 do artigo 63.º do CPPT);
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ilegitimidade do sujeito passivo;
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Aplicação indevida da cláusula geral antiabuso e consequente violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
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No dia 17-07-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 05-09-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 24-12-2014.
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A Requerida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou resposta ao pedido arbitral formulado.
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No dia 16-11-2017, a Requerida apresentou requerimento no processo com o seguinte teor:
“A Autoridade Tributária e Aduaneira, notificada do pedido de pronúncia arbitral deduzido por A..., S.A., com o NIPC ..., no âmbito dos autos à margem referenciados, não apresentou Resposta, ao abrigo do art. 17º do RJAT, por estar a diligenciar a revogação dos actos controvertidos.
Entretanto, por despacho de 16/11/2017, do Sr. Director de Finanças Adjunto, por delegação de competências, da Direcção de Finanças de Braga, foi revogada a decisão de 05/04/2017 e actos consequentes, designadamente os actos de liquidação de retenções na fonte de IRS de 2014 e de 2016, liquidações no 2017 ... e no 2017 ..., bem como respectivas liquidações de juros compensatórios com origem nas correcções promovidas pela inspecção tributária, ao abrigo das ordens de serviço OI2016... e OI2016..., tendo por fundamento a claúsula geral antiabuso do nº 2 do art. 38º da LGT, conforme documento que se junta.
Nos termos supra expostos, e atenta a inexistência de interesse em agir posterior à apresentação do pedido de pronúncia arbitral, deve ser julgada procedente a inutilidade superveniente da lide.”
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A 27-11-2017, a Requerente, notificada para o exercício do contraditório, apresentou requerimento no processo com o seguinte teor:
“A..., S.A., notificada para se pronunciar sobre o requerimento apresentado pela Requerida Autoridade Tributária e Aduaneira que comunicou aos autos a revogação das liquidações impugnadas, entende que ocorre a inutilidade superveniente da lide, apesar de tal revogação, tanto quanto é do conhecimento da Requerente, ainda não ter sido comunicada ao Serviço de Finanças onde corre o respectivo processo executivo.
Assim sendo, requer que seja decretada a extinção da instância com aquele fundamento, determinando-se a condenação no pagamento das custas do processo pela entidade Requerida atendendo a que deu causa à lide, com a consequente devolução da taxa de arbitragem paga pela Requerente.”
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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Por despacho de 16/11/2017, do Director de Finanças Adjunto, por delegação de competências, da Direcção de Finanças de Braga, foram revogados os actos de liquidação de retenções na fonte de IRS 2014 n.º 2017 ... de 19-04-2015 e de juros compensatórios correspondentes com o n.º 2017 ..., que fixou o IRS a pagar no montante de € 60.480,00, e juros compensatórios no montante de € 5.335,49, e de liquidação de retenções na fonte de IRS 2016 n.º 2017 ... de 06-01-2015 e de juros compensatórios correspondentes com o n.º 2017..., que fixou o IRS a pagar no montante de € 40.319,00, e juros compensatórios no montante de € 733,47.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar as matérias provada e não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta aos autos, considerara-se provado, com relevo para a decisão, o facto acima elencado.
B. DO DIREITO
O objecto dos presentes autos é constituído pelos actos de liquidação de retenções na fonte de IRS 2014 n.º 2017 ... de 19-04-2015 e de juros compensatórios correspondentes com o n.º 2017 ..., que fixou o IRS a pagar no montante de € 60.480,00, e juros compensatórios no montante de € 5.335,49, e de liquidação de retenções na fonte de IRS 2016 n.º 2017 ... de 06-01-2015 e de juros compensatórios correspondentes com o n.º 2017 ..., que fixou o IRS a pagar no montante de € 40.319,00, e juros compensatórios no montante de € 733,47.
Conforme resulta do facto dado como provado, por despacho de 16/11/2017, do Director de Finanças Adjunto, por delegação de competências, da Direcção de Finanças de Braga, foram revogados todos os actos tributários objecto do presente processo.
Face ao ocorrido, torna-se inútil o prosseguimento da presente lide, na medida em que, do prosseguimento da mesma, não resultará qualquer efeito sobre a relação jurídica material controvertida, no que as partes estão, de resto, de acordo.
Com efeito, verifica-se a inutilidade superveniente da lide quando, por facto ocorrido na pendência da causa, a solução do litígio deixe de ter interesse e utilidade, o que justifica a extinção da instância (cfr. artigo 277.º, al. e), do Código de Processo Civil). Como referem LEBRE DE FREITAS, JOÃO REDINHA, RUI PINTO[1], a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide “dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou se encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outro meio”.
Assim, se, por virtude de factos novos ocorridos na pendência do processo, o escopo visado com a pretensão deduzida em juízo já foi atingido por outro meio, então a decisão a proferir não envolve efeito útil, pelo que ocorre, nesse âmbito, inutilidade superveniente da lide.
Decorre da actuação administrativa dada como provada que a pretensão formulada pela Requerente, que tinha como finalidade a declaração de ilegalidade e anulação por este Tribunal dos actos sindicados, ficou prejudicada porquanto a supressão desses actos e seus efeitos da ordem jurídica foi conseguida por outra via, depois de iniciada a instância. Na verdade, a prática posterior do acto expresso de revogação das liquidações impugnadas (cfr. art. 79.º, n.º 1 da LGT) implica que a instância atinente à apreciação da legalidade dessas liquidações se extingue por inutilidade superveniente da lide, dado que, por terem sido eliminados os seus efeitos pela revogação anulatória, perde utilidade a apreciação, em relação a tais liquidações, dos vícios alegados em ordem à sua invalidade, ficando sem objecto a pretensão impugnatória contra elas deduzida.
Nestes termos, este Tribunal julga verificar-se a inutilidade superveniente da lide no que concerne ao pedido de anulação dos actos tributários objecto do presente processo, o que implica a extinção da correspondente instância nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e) do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.
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A presente acção foi, de forma causalmente adequada, consequência dos actos de liquidação que constituem o seu objecto, actos esses revogados pela própria AT, que, ao fazê-lo, deu igualmente causa à extinção da lide.
Deste modo, entende-se que é a Requerida quem deve ser responsabilizada pelas correspondentes custas, nos termos do artigo 536.º/3 do CPC.
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C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar superveniente inútil a presente lide, absolvendo a Requerida da instância, condenando-se esta nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 106.867,96, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que a mesma deu causa à presente acção arbitral, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 6 de Março de 2018
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Nuno Pombo)
O Árbitro Vogal
(Olívio Mota Amador)
[1] “Código de Processo Civil anotado”, volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 555