Decisão Arbitral
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Paulo Ferreira Alves e Dr.ª Mariana Vargas (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 05-03-2018, acordam no seguinte:
1. Relatório
A..., S.A., com NIF..., com sede no..., ..., nº.../..., ..., ...-..., Porto (doravante «Requerente»), veio na qualidade de sociedade gestora e representante do FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO B..., titular do número de identificação fiscal ... (doravante designado por ”Fundo") ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou ”RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a declaração da ilegalidade do acto de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis ("AIMI”) com o n.º 2017..., emitida pela Autoridade. Tributária e Aduaneira (”AT”) com referência ao ano de 2017, no montante total de € 78.945,12.
A Requerente pede ainda o reembolso da quantia paga com juros indemnizatórios.
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 22-12-2017.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 12-02-2018 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 05-03-2018.
Em 16-04-2018, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente e que deve ser notificada ao Ministério Público a decisão final.
Por despacho de 16-04-2018, foi dispensada reunião e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.
Tendo a Requerente declarado não pretender alegar, foi decidido que o processo prosseguisse para decisão final, com dispensa de alegações.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
Antes de mais, importa esclarecer a questão da competência suscitada pela Autoridade Tributária e Aduaneira e o âmbito dos poderes de cognição deste Tribunal Arbitral.
2. Questão da competência do Tribunal Arbitral
A Autoridade Tributária e Aduaneira nos artigos 90.º a 92.º alude a incompetência do Tribunal Arbitral para conhecer da questão da legalidade da tributação incidir sobre terrenos para construção cuja afectação potencial seja comércio, indústria ou serviço, por apenas um prédios estar nessa situação.
O Tribunal Arbitral tem competência para apreciar a legalidade de actos de liquidação como resulta do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
No caso em apreço, é impugnado um acto de liquidação e o Sujeito Passivo tem o direito de imputar-lhe as ilegalidades que entender, mesma que se venha a entender que não tem razão, sendo o Tribunal Arbitral competente para apreciar se elas afectam ou não a liquidação.
O facto de apenas um dos terrenos para construção estar nas condições referidas pela Requerente pode ter a ver com o âmbito de procedência da sua pretensão, no caso de alguma parte dever ser julgada procedente, mas nada tem a ver com a questão da competência do Tribunal Arbitral, pois a Requerente pode imputar as ilegalidades que entender à totalidade da liquidação.
Por outro lado, o facto de um dos terrenos se encontrar nas circunstâncias referidas pela Requerente basta para concluir que todas as questões de inconstitucionalidade que tenham como pressupostos tais circunstâncias são questões de inconstitucionalidade concreta e não de inconstitucionalidade abstracta, pois a sua solução tem potenciais reflexos na liquidação impugnada.
Nestes termos, não se verifica incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar qualquer questão suscitada.
3. Poderes de cognição do Tribunal Arbitral
A Autoridade Tributária e Aduaneira invoca o princípio da separação e interdependência dos poderes como obstáculo aos poderes de cognição deste Tribunal Arbitral.
Haverá, decerto, algum equívoco, pois, num Estado de Direito, é aos Tribunais e não a quaisquer outros órgãos, designadamente os que têm competências legislativas e executivas, que compete administrar a justiça, «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados» (artigos 202.º, n.ºs 1 e 2, da CRP), para o que têm de interpretar e aplicar as leis para dirimir os litígios entre os cidadãos e a Administração.
E é também aos Tribunais que a CRP atribui o poder der controlar a constitucionalidade das leis, emitidas pelos órgãos com poder legislativo (artigo 204.º da CRP)
A presente decisão é proferida por um Tribunal, pelo que tem carácter jurisdicional, e no exercício do seu poder jurisdicional cabe-lhe aplicar a lei, segundo a sua interpretação, não estando apenas sujeito à lei, tal como a interpreta, não estando obrigado a adoptar a interpretação adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou a que hipoteticamente adoptariam os órgãos com poder legislativo se lhes fosse atribuída a competência para a aplicação da lei aos litígios pendentes nos Tribunais.
Por outro lado, no exercício da sua actividade interpretativa o Tribunal Arbitral não está limitado pela letra da lei, devendo adoptar todos os critérios de interpretação previstos na lei, designadamente os indicados no artigo 9.º do Código Civil e 11.º da LGT: «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada», apenas não podendo considerar «o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal», que pode mesmo ser «imperfeitamente expresso».
É o exercício deste poder jurisdicional que é concretizado nesta decisão arbitral, à luz dos critérios de interpretação legais.
4. Matéria de facto
4.1. Factos provados
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No ano de 2017, o Fundo era proprietário dos seguintes imóveis:
– terreno para construção com o artigo matricial ..., sito na freguesia ... em Lisboa, com o valor patrimonial tributário de € 9.224.524,90 e com «tipo de coeficiente de localização: Habitação»;
– terreno para construção com o artigo matricial ..., sito na freguesia ... em Lisboa, com o valor patrimonial tributário de € 8.728.951,24 e com «tipo de coeficiente de localização: Serviços»;
– fracção AB do prédio em regime de propriedade horizontal com o artigo matricial ... sito na freguesia ... em Lisboa, com o valor patrimonial tributário de €865.218,15;
– fracção Z do prédio em regime de propriedade horizontal com o artigo matricial ... sito na freguesia ... em Lisboa, com o valor patrimonial tributário de € 869.670,23;
– fracção U do prédio em regime de propriedade horizontal com o artigo matricial ... sito na União das freguesias de ... e ..., com o valor patrimonial tributário de € 117.459,84 (documentos juntos com a Resposta, cujos teores se dão como reproduzidos);
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O Fundo foi notificado da liquidação de AIMl n.º 2017..., emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira (”AT”) com referência ao ano de 2017, no montante total de € 78.945,12, com prazo de pagamento no mês de Setembro de 2017 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 15-09-2017, o Fundo pagou a quantia liquidada;
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Na liquidação referida foi considerado o valor tributável de € 19.736.281,05 (documento n.º 1)
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O Fundo é regido pelo Regulamento de Gestão do Fundo de Investimento Imobiliário Fechado B..., que consta do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
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Os imóveis estão contabilizados, no Balancete dos fundos, na respectiva Classe 3 – Activo imobilizado, aqui se incluindo, de acordo com as limitações decorrentes do Plano de Contas dos Fundos de Investimento Imobiliários, todos os imóveis em causa, quer os que são detidos para venda, quer os que são detidos para rentabilização através do arrendamento ou outra via (Documento 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
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Em 21-12-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.
4.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto
Não há factos relevantes para decisão da causa que não se tenham provado.
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e pela Autoridade Tributária e Aduaneira com a Resposta.
Não há controvérsia sobre a matéria de facto.
5. Matéria de direito
5.1. Posições das Partes
A Requerente defende, em suma:
– o regime legal instituído pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, exclui da incidência do AIMI «os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º» do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), pelo que apenas são abrangidos os prédios urbanos afectos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos naquele artigo 6.º;
– pretendeu-se criar um imposto sobre a fortuna imobiliária, em que os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, reconhecendo que a mera detenção desses imóveis não constitui um factor demonstrador de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis;
– a ratio legis que esteve na génese da regra de exclusão de incidência objectiva, consagrada no n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, assentou, essencialmente a intenção de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, por força das suas actividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respectivo objecto social;
– não pode incidir AIMI sobre os imóveis do Fundo:
Subsidiariamente, a Requerente defende que não pode ser considerado no apuramento do valor patrimonial tributário sujeito a AIMI, "terrenos para construção” cuja potencial utilização coincida com fins “comerciais, industriais ou serviços”, o que sucede com o terreno para construção com o artigo matricial ... . A Requerente entende que a tributação incidindo sobre terrenos para construção com estes fins, é incompatível com o princípio constitucional da igualdade.
Subsidiariamente, a Requerente entende que o regime legal do AIMI é contrário ao princípio constitucional da igualdade e ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:
– o AIMI tem natureza de tributação real e não pessoal;
– o legislador afastou da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros” mas, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o activo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, ao não os incluir na delimitação negativa consagrada, pelo que não afastou da incidência todos os prédios afectos às actividades económicas;
– a restrição foi efectuada atendendo à classificação dos prédios e não à sua ligação com determinada actividade económica;
– a Requerente pretende uma interpretação ab-rogante da norma, introduzindo-lhe um sentido que não foi consagrado pelo legislador na letra da lei, ainda que meramente de forma imperfeitamente expressa, ampliando, assim, o âmbito da exclusão de tributação de forma a abranger a totalidade dos prédios detidos pelos Fundos;
– quanto à ratio legis, o AIMI visa atingir uma parcela do património dos sujeitos passivos do imposto, incidindo sobre os bens imóveis constitutivos de um património, reconhecível juridicamente como capital de uma determinada entidade (singular ou colectiva), mas optou-se no n.º 2 do artigo 135.º-B por uma delimitação negativa da incidência, excluindo do AIMI imóveis que, pela sua potencial afectação, podem ser economicamente reconhecidos como factores de produção, a título de capital, ou seja, como bens intermediários que, conjugados com os demais factores de produção, produzem novas utilidades – bens económicos que satisfazem necessidades;
– nesta delimitação da incidência real fica patente que o critério adoptado pretende ser universalmente objectivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efectivo dado aos prédios;
– no âmbito da sua liberdade conformadora, o legislador afastou da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais;
– o critério escolhido pelo legislador – a classificação dos prédios urbanos como industriais, comerciais ou para serviços e outros – foi adoptado em detrimento de outros que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efectivo dado aos prédios;
– a intenção de pretender assegurar “a ausência de impacto na atividade económica”, não levou, no entanto, à exclusão da incidência do imposto das sociedades comerciais e de outras entidades equiparadas que, por terem por objecto a prossecução de actividades económicas seriam afectadas em maior ou menor grau pelo ónus do imposto;
– a delimitação negativa de incidência foi consagrada na incidência objectiva e não na incidência subjectiva;
– os bens em causa e especialmente os terrenos para construção não são meramente instrumentais ao exercício da actividade do Fundo, integram o próprio núcleo da actividade económica, são o objecto do comércio ou indústria, pois, destinam-se a revenda ou, no caso dos terrenos para construção, também à transformação em caso de neles serem erigidas construções para subsequente venda;
– os imóveis excluídos da sujeição ao AIMI, nos termos do n.º 2 do art.º 135.º-B do CIMI, é que desempenham uma função instrumental às actividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, na medida em que constituem edificações que servem de suporte ao funcionamento das referidas actividades, e não são por si mesmos geradores de rendimentos;
– os Fundos, como aquele aqui representado pela Requerente, são estruturas de investimento colectivo de capitais obtidos junto dos investidores, e o paradigma que subjaz ao regime fiscal que lhes é aplicável tem sido orientado pelo princípio da neutralidade que consiste no desenho da tributação dos Fundos, tanto quanto possível, nos mesmos termos em que seriam tributadas as pessoas que investem directamente nos activos imobiliários ou mobiliários que constituem os patrimónios dos fundos;
– sendo o substrato da actividade dos Fundos de Investimentos Imobiliários constituído por direitos reais sobre imóveis, se o legislador se lhes concedesse um regime de excepção, estaria a privilegiar o investimento indirecto em activos imobiliários através do recurso a este produto financeiro e a abrir a porta a comportamentos de evasão fiscal;
– a interpretação da Requerente é claramente ab-rogante da lei, transvertida de impulso legiferante e, a ser acolhida, viola o princípio constitucional da separação e interdependência de poderes, consagrado nos artigos 2.º e 111.º da CRP, constituindo-se o mesmo como referência e limite aos poderes de cognição dos tribunais no exercício da sua função no seio do Estado de Direito (cf. artigos 202.º e 203.º da CRP);
– não ocorre a inconstitucionalidade por violação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva;
– a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode deixar de aplicar a lei com fundamento em inconstitucionalidade, pois está sujeita ao princípio da legalidade;
– não são devidos juros indemnizatórios se se concluir pela inconstitucionalidade do regime legal do AIMI.
Indicando a Requerente uma ordem de subsidiariedade na imputação de vícios à liquidação impugnada, será de observá-la na sua apreciação, como decorre da alínea b) do n.º 2 do artigo 124.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.
5.2. Questão do âmbito de incidência objectiva do AIMI em função da afectação às actividades económicas dos imóveis habitacionais e terrenos para construção
A Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Orçamento do Estado para 2017) aditou ao CIMI o capítulo XV, com os artigos 135.º-A a 135.º-K, de que consta o regime do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI).
No artigo 135.º-A define-se a incidência subjectiva deste imposto, estabelecendo-se que «são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português», sendo «equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis».
O artigo 135.º-B define a incidência objectiva deste imposto adicional estabelecendo o seguinte:
Artigo 135.º-B
Incidência objectiva
1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.
A Requerente defende que este regime exclui da incidência do AIMI «os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º» do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), pelo que apenas são abrangidos os prédios urbanos afectos a fins habitacionais e os terrenos para construção, tal como definidos naquele artigo 6.º.
O artigo 6.º do CIMI estabelece o seguinte:
1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.
Desta delimitação negativa de incidência, a Requerente extrai a conclusão de que se pretendeu criar um imposto sobre a fortuna imobiliária, em que os prédios urbanos afectos às actividades económicas não estarão sujeitos a tributação em AIMI.
A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento».
No entanto, não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ou não ao funcionamento das pessoas colectivas.
Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa.
Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos ao funcionamento das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.
«Na falta de outros elementos que induzam à eleição do sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto (nem sempre exacto) de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento. ( [1] )
No caso em apreço, em face do afastamento da redacção proposta em que se dava relevância à afectação dos imóveis, não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil.
Por isso, é de concluir que o facto de o Fundo destinar os imóveis referidos nos autos às suas actividades económicas não afasta a incidência do AIMI.
5.3. Questão de não poder ser considerado no apuramento do valor patrimonial tributário sujeito a AIMI, "terrenos para construção” cuja potencial utilização coincida com fins “comerciais, industriais ou serviços”
A Requerente defende o artigo 135.º-B do CIMI deve ser interpretado com o sentido de que não releva para efeitos do AIMI o valor tributável dos terrenos para construção que não se destinam a habitação em coerência com a opção legislativa de excluir da incidência os prédios classificados como «comerciais, industriais ou para serviços».
Para além disso, a Requerente defende que a aplicação do AIMI a terrenos para construção para os fins referidos, paralelamente à exclusão dos prédios com esses fins, é incompatível com o princípio constitucional e legal da igualdade (artigos 13.º, e 104.º, n.º 3, da CRP e 5.º e 55.º da LGT).
Por isso, a Requerente defende que não deve relevar para determinação do valor tributável do AIMI o valor do terreno para construção com o artigo matricial ..., que está indicado na caderneta predial que foi determinado com base no «tipo de coeficiente de localização: Serviços».
Não é questionado que este terreno se destina a construção de prédio «para serviços», como leva a concluir o tipo de coeficiente de localização utilizado.
Sendo o facto tributário escolhido como índice de capacidade contributiva a titularidade de património imobiliário de valor considerado elevado, não terá coerência não aplicar o tributo a edifícios destinados a serviços ( [2] ) e aplicá-lo aos terrenos que se destinam à sua construção, cujo valor é incorporado no valor dos edifícios.
Assim, numa perspectiva que tenha em mente a unidade do sistema jurídico (artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil), que tem valor interpretativo decisivo, imposto pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica ( [3] ), deverá interpretar-se extensivamente a exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI relativa aos prédios urbanos classificados como «para serviços» como expressando uma intenção legislativa de excluir também da tributação os terrenos destinados à construção desses prédios.
De qualquer forma, a adoptar-se uma interpretação literal desta norma, com o sentido de todos os terrenos para construção estarem abrangidos pela incidência do AIMI, ela será materialmente inconstitucional, sendo incompaginável com o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), ao considerar facto tributário a titularidade de terrenos para construção de prédios destinados a serviços e não a titularidade dos prédios neles construídos, por consubstanciar um tratamento desprivilegiado dos contribuintes que se encontram na primeira situação, sem justificação material, pois é necessariamente menor a capacidade contributiva indiciada pelo património imobiliário nessa situação, que terá de estar presente, e com aumento, na segunda.
Em situações de injustificado tratamento discriminatório, traduzido na imposição de um dever ou encargo com violação do princípio da igualdade, o que é ilegítimo é, em princípio, o acto de imposição do dever apenas a alguns dos contribuintes, devendo a desigualdade ser resolvida com eliminação dos deveres ou encargos para quem com eles foi discriminatoriamente onerado. ( [4] )
Pelo exposto, é ilegal a liquidação impugnada na parte em que inclui no valor tributável o valor patrimonial do terreno para construção com o artigo matricial ..., pelo que se justifica a sua anulação, na parte respectiva, de harmonia com o disposto no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.
5.4. Questão da inconstitucionalidade do AIMI
Subsidiariamente, a Requerente invoca a inconstitucionalidade do AIMI, com dupla argumentação, que convém apreciar separadamente.
5.4.1. A tributação indiscriminada de todos os "terrenos para construção": a (ilegal) desconsideração do critério legal da afectação do prédio
A Requerente defende «que o regime de tributação em AIMI é contrário ao princípio basilar da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e, em paralelo, contrário ao princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva consagrados no artigo 104.º, n.º 3 do mesmo diploma», também referido nos artigos 5.º e 55.º da LGT.
Explicitando a sua imputação de inconstitucionalidade, a Requerente defende, em primeira linha, que «o regime legal do AIMI, em concreto o respectivo artigo 135.º-B do Código do IMI - quando interpretado no sentido de incluir no âmbito de aplicação do AIMI os “terrenos para construção” com fins de comércio, indústria, serviços ou outros - é manifestamente contrário ao princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado.
Trata-se da questão que já foi apreciada no ponto anterior, pelo que se remete para o que aí foi referido, que apenas se aplica à parte da liquidação que tem como pressuposto o valor do terreno para construção destinado a serviços.
5.4.2. A inconstitucionalidade por tributação do substrato de uma actividade económica
No entender da Requerente, em suma:
– deve ser atendida a natureza dos sujeitos passivos onerados com a tributação resultante do mesmo, em concreto o facto de serem abrangidas por este Adicional entidades que exercem, enquanto actividade compreendida nos respectivos objectos estatutários, a actividade de compra, venda, construção e arrendamento de imóveis;
– no caso de sociedades comerciais (ou outras entidades) que desenvolvam uma actividade daquela natureza, a propriedade de imóveis consubstancia o substrato patrimonial da própria actividade económica, sendo um meio essencial (quase único) para a prossecução da mesma, pelo que não se encontra verificado o pressuposto de tributação essencial, i.e., o pressuposto de que a propriedade daqueles imóveis constitui um indício de uma acrescida capacidade contributiva ou de riqueza;
– no caso dos fundos de investimento imobiliário, em face da actividade que legalmente podem desenvolver, os imóveis são factores produtivos e meios para o exercício da sua actividade económica que não são indício de acrescida capacidade contributiva;
– este Adicional penaliza de forma injustificadamente agravada este sector de actividade, em detrimento dos restantes;
– a imposição desta tributação não tem qualquer relação com o rendimento real da actividade desenvolvida por estas entidades - no limite, onerando-as mesmo que as mesmas tenham resultados negativos;
– o artigo 135.º-A do Código do IMI - quando interpretado no sentido de incluir no âmbito de aplicação subjectivo do AIMI entidades que desenvolvem uma actividade imobiliária -, promove um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em manifesta violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados no artigo 104.º, n.º 3 do mesmo diploma;
– especialmente no que concerne aos terrenos para construção são aplicáveis as razões em que se baseou o Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 250/2017, de 24 -05-2017.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em primeira linha, que está obrigada a aplicar a lei, não podendo desaplicá-la com fundamento em inconstitucionalidade.
Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira defende, no essencial:
– que as escolhas subjacentes à delimitação da incidência objectiva do AIMI foram efectuadas dentro da margem de “liberdade de conformação legislativa” e não violam os princípios da igualdade e tributação em função da capacidade contributiva, à face da doutrina e da jurisprudência do Tribunal Constitucional;
– está-se perante um «imposto parcelar sobre determinadas manifestações de capacidade contributiva», pelo que não é «normativamente adequado proceder a uma comparação entre o valor global do património de outros contribuintes», devendo, antes, tomar como base de comparação, para aferir da observância do princípio da igualdade, os patrimónios de outros Fundos com o mesmo objecto social;
– «a diferente valoração e tributação de um imóvel com afetação habitacional face a um imóvel destinado a comércio, indústria ou serviços resulta da diferente aptidão dos imóveis em causa, a qual sustenta o diferente tratamento dado pelo legislador que, por razões económicas e sociais, decidiu, no âmbito da sua liberdade conformadora, afastar da incidência do imposto os imóveis destinados a outros fins que não os habitacionais»;
– a circunstância de outros contribuintes detentores de património imobiliário
identicamente valioso ficarem isentos do tributo que justificará uma específica censura constitucional à norma em sindicância;
– os fundos de investimento imobiliários são titulares de bens tidos pelo legislador como manifestação de particular fortuna;
– os imóveis não são meramente instrumentais ao exercício da actividade dos Fundos, pois integram o próprio núcleo da actividade económica, são o objecto do comércio ou indústria, pois, destinam-se a revenda ou, no caso dos terrenos para construção, a transformação em caso de neles serem erigidas construções para subsequente venda;
– diferentemente, os imóveis excluídos da sujeição ao AIMI, nos termos do n.º 2 do art.º 135.º-B do CIMI, desempenham uma função instrumental às actividades económicas industriais, comerciais ou de serviços, na medida em que constituem edificações que servem de suporte ao funcionamento das referidas actividades, e não são por si mesmos geradores de rendimentos;
– a circunstância de um dado bem valer, como “fator de produção de riqueza" não é suficiente para contrariar a constatação de que o correspondente titular detém um imóvel apenas acessível a detentor de peculiar riqueza e, assim, capacitado para suportar uma contribuição adicional para a desejada consolidação orçamenta;
– o princípio da igualdade impõe uma igualdade horizontal, ou seja, que todos os que são titulares da mesma forma de riqueza sejam tributados da mesma maneira;
– como qualquer imposto sobre o património, o AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda dos bens imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial dos terrenos.
No que respeita à invocada obrigação de a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicar a lei, não lhe competindo fiscalizar a inconstitucionalidade, é irrelevante para apreciação da legalidade da liquidação impugnada, pois este Tribunal Arbitral tem tal competência, pois não pode «aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados» (artigo 204.º da CRP).
Por isso, a obrigação de a Autoridade Tributária e Aduaneira aplicar a lei não constitui fundamento para afastar a eventual ilegalidade da liquidação.
No artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa proclama o princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei e o artigo 104.º, n.º 3, da CRP estabelece que «a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos».
Como vem sendo uniformemente entendido pelo Tribunal Constitucional, o princípio da igualdade, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento material bastante. O princípio da igualdade não proíbe se estabeleçam distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e racional. ( [5] )
A criação do AIMI, como tributo complementar sobre o património imobiliário, que visou introduzir na tributação «um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados» (Relatório do Orçamento para 2017, página 60) compagina-se com o objectivo de a tributação do património dever contribuir para a igualdade entre os cidadãos, afirmado no n.º 3 do artigo 104.º da CRP, pois a progressividade tem como corolário, tendencialmente, impor maior tributação a quem tem maior capacidade contributiva.
Por outro lado, a exclusão de tributação dos prédios especialmente vocacionados para a actividade produtiva, designadamente os «comerciais, industriais ou para serviços», encontra fundamento constitucionalmente aceitável na obrigação de o Estado promover o aumento do bem-estar económico, que pressupõe bom funcionamento das actividade produtivas e constitui uma das suas incumbências prioritárias no âmbito económico [artigo 81.º, alínea a), da CRP].
Para além disso, na linha do que se entendeu no acórdão arbitral de 17-03-2016, proferido no processo n.º 507/2015-T, deverá entender-se que, enquanto a titularidade de património imobiliário destinado a habitação de valor elevado é um indício tendencialmente seguro de abastança económica, superior à da generalidade dos cidadãos, não se pode considerar que exista indício seguro de superior capacidade contributiva quando se está perante a titularidade de direitos sobre imóveis destinados ao exercício de actividades económicas (comerciais, industriais, prestação de serviços ou afins), pois eles têm de ser adequados ao funcionamento das respectivas empresas, não sendo a sua dimensão e correlativo valor indício de abastança.
Assim, terá fundamento constitucionalmente aceitável a restrição da incidência do AIMI aos prédios habitacionais e terrenos para construção de prédios habitacionais, que veio a ser consagrada na redacção aprovada para o n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI, na interpretação que atrás se adoptou.
A específica situação dos fundos de investimento imobiliário, como entidades de investimento colectivo detentoras de património imobiliário destinado a habitação, não se afigura merecer um tratamento especial relativamente à generalidade dos cidadãos que individualmente se encontram na mesma situação.
Na verdade, as actividades que os fundos podem desenvolver, indicadas no artigo 210.º do Regime Geral dos Organismos de Investimento Colectivo, aprovado pela Lei n.º 16/2015, de 24 de Fevereiro (aquisição de imóveis para arrendamento ou destinados a outras formas de exploração onerosa; aquisição de imóveis para revenda; aquisição de outros direitos sobre imóveis tendo em vista a respectiva exploração económica; realização de obras de melhoramento, ampliação e de requalificação de imóveis; desenvolvimento de projectos de construção e de reabilitação de imóveis), são livremente acessíveis à generalidade dos proprietários de imóveis, mesmo à margem de estruturas empresariais.
Por outro lado, a titularidade de um património imobiliário de valor elevado pelos fundos de investimento imobiliário evidencia, como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI, e que «corresponde ao objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social» (Relatório do Orçamento para 2017, página 57).
Por isso, a não incidência do AIMI sobre os valores dos prédios habitacionais ou terrenos para construção de habitação pertencentes a fundos de investimento imobiliário, constituiria um injustificado tratamento fiscal privilegiado em relação à generalidade dos restantes proprietários de imóveis com aquelas características.
Pelo exposto, a imposição aos fundos de investimento imobiliário do AIMI relativamente ao seu património constituído por imóveis habitacionais e terrenos para construção destinados a habitação não se afigura materialmente inconstitucional, à face dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva.
6. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
A Requerente formula pedido de restituição das quantias arrecadadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como de pagamento de juros indemnizatórios.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que «na qualidade de órgão da Administração Pública, não tem competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de constitucionalidade» e «consequentemente, aos serviços da AT não pode ser imputado qualquer erro de facto ou de direito, dada a obediência à lei que enforma toda a sua actividade».
6.1. Possibilidade de apreciação em processos arbitrais tributários de pedidos de pedidos de reembolso de imposto pago e juros indemnizatórios
De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.
Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios de direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.
Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso dos montantes indevidamente pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.
6.2. Direito a reembolso
Pelo que se referiu, o pedido de pronúncia arbitral apenas procede parcialmente, relativamente ao primeiro pedido subsidiário, quanto à parte da liquidação que tem subjacente o valor do terreno para construção destinado a serviços.
O valor da liquidação respectiva é de € 34.915,80.
Na sequência da ilegalidade parcial do acto de liquidação, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
Pelo exposto, procede o pedido de reembolso da quantia de € 34.915,80.
6.3. Juros indemnizatórios
Como resulta do ponto 5.3. a ilegalidade da liquidação não resulta de inconstitucionalidade, mas sim da interpretação que se deve fazer do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI.
Assim, não tem aplicação aqui a jurisprudência invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira sobre a inexistência de direito a juros indemnizatórios nos casos em que a ilegalidade da liquidação deriva de inconstitucionalidade.
A Requerente pagou a quantia liquidada e tem direito ao reembolso da quantia de € 34.915,80.
Pelo que se referiu, a ilegalidade parcial do acto de liquidação é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois emitiu a liquidação por sua iniciativa, com errada interpretação da lei, na parte referida.
Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante a reembolsar.
Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
7. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, quanto à questão da aplicação do AIMI ao valor do terreno para construção com o artigo matricial ...;
-
Anular parcialmente a liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis ("AIMI”) com o n.º 2017..., quanto ao valor de € 34.915,80;
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Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso da quantia paga, quanto ao valor de € 34.915,80 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar a Requerente desta quantia;
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Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar esses juros à Requerente calculados sobre a quantia de € 34.915,80, deste a data do pagamento até a data da emissão da nota de crédito;
-
Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às restantes questões e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos respectivos pedidos.
8. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de € 78.945,12.
9. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.448,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira nas percentagens de 55,77% e 44,23%, respectivamente.
10. Notificação ao Ministério Público
A Autoridade Tributária e Aduaneira requer a notificação desta decisão arbitral ao Ministério Público.
Uma vez que o Ministério Público não tem representação especial perante os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD (artigo 4.º, n.º 1 do Estatuto do Ministério Público), comunique-se esta decisão à Procuradoria-Geral da República, para os fins que tiver por convenientes.
Lisboa, 24-04-2018
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Paulo Ferreira Alves)
(Mariana Vargas)
[1] BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, página 182.
[2] No caso em apreço, a questão apenas se coloca em relação a um terreno para construção de edifício ou edifícios destinados a serviços.
[3] BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, página 191.
[4] Essencialmente neste sentido, GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume I, 4.ª edição, 2007, página 344.
[5] Essencialmente neste sentido, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional:
– n.º 143/88, de 16-6-1988, proferido no processo n.º 319/87, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 183;
– n.º 149/88, de 29-6-1988, proferido no processo n.º 282/86, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 378, página 192;
– n.º 118/90, de 18-4-90, proferido no processo n.º 613/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 396, página 123;
– n.º 169/90, e 30-5-1990, proferido no processo n.º 1/89, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 397, página 90;
– n.º 186/90, de 6-6-1990, proferido no processo n.º 533/88, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 398, página 81;
– n.º 155/92, de 23-4-1992, proferido no processo n.º 204/90, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 416, página 295;
– n.º 335/94, de 20-4-1994, proferido no processo n.º 61/93, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 436, página 129;
– n.º 468/96, de 14-3-1996, proferido no processo n.º 87/95, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 455, página 152;
– n.º 1057/96, de 16-10-1996, proferido no processo n.º 347/91, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, página 284;
– n.º 128/99, de 3-3-1999, proferido no processo n.º 140/97, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 485, página 26.