Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 375/2017-T
Data da decisão: 2018-04-18  IVA  
Valor do pedido: € 282.433,10
Tema: IVA – Direito à dedução.
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Decisão Arbitral

 

 

 

I - RELATÓRIO

 

Em 16/06/2017, veio A…, LDª., com o NIPC  … e sede em …, solicitar a constituição de tribunal arbitral com vista à anulação do despacho de indeferimento do recurso hierárquico e, consequentemente, a declaração de ilegalidade e consequente anulação dos actos tributários de liquidação adicional e juros compensatórios de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) com os nºs…, respeitante ao período 1112T, … , respeitante ao período 1203T, …, respeitante ao período 1206T, …, respeitante ao período 1209T, …, respeitante ao período 1212T, …, respeitante ao período 1303T, …, respeitante ao período 1306T, …, respeitante ao período 1309T, …, respeitante ao período 1312T, no valor impugnado de € 269.600,66, bem como a anulação das correspondentes liquidações de juros compensatórios nºs. 2015…, 2015…, 2015…, 201…, 2015…, 2015…, 2015… e o 2015…, no montante respeitante às liquidações adicionais de IVA contestadas, a inclusão do valor de € 166.938,37 na conta corrente, relativo ao crédito de imposto utilizado pela Requerida para efeitos de compensação da dívida resultante da emissão das referias liquidações adicionais de IVA e a restituição do valor pago de € 103.202,29, acrescido de juros indemnizatórios.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite em 19/06/2017.

Não escolheu árbitro, sendo os signatários indicados pelo Conselho Deontológico do CAAD; aceite o encargo no prazo legal, e na falta de oposição à designação, o tribunal arbitral ficou constituído em 29/08/2017.

Notificada para responder em 29/08/2017, a AT fê-lo em 02/10/2017, depois de junto o pertinente processo administrativo.

 

Em 16/11/2017 teve lugar a reunião a que se refere o artigo 18º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), com inquirição das testemunhas apresentadas pela Requerente, após o que as partes alegaram oralmente e o tribunal anunciou a decisão para 28/02/2018.

 

Posteriormente, por despacho arbitral, o Tribunal decidiu prorrogar o prazo para a prolação da decisão arbitral por dois meses, ao abrigo do disposto no artigo 21º nº 2 do RJAT.

 

 - A fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

As correcções levadas a cabo pela Autoridade Tributária com respeito à dedução do IVA incorrido com a aquisição dos bens de mobiliário do … e restantes despesas de conservação e manutenção, no valor total de € 269.600,66 carecem de fundamentação legal, sendo, portanto, ilegais, por violação do disposto nos artigos 19° e seguintes do Código do IVA (CIVA), pelo que deverão ser anuladas as correspondentes liquidações adicionais de IVA, atendendo a que tais bens e serviços:

Foram adquiridos pela Requerente no âmbito da sua actividade empresarial (e não em contexto particular, ainda que sejam utilizados na prestação de serviços de alojamento ao seu titular), pelo que se encontram cumpridos os pressupostos enunciados pela alínea a) do n° 1 do artigo 20° do Código do IVA;

São necessários à realização das operações realizadas pela Requerente que, sendo tributadas em IVA, conferem o direito à dedução nos termos dos artigos 19º e seguintes do Código do IVA;

Não respeitam a bens imóveis, pelo que não poderia nunca ser limitada a dedução do respetivo IVA por força do disposto no n° 7 do artigo 19º do Código do IVA (para além de que tal norma não estava em vigor à data dos factos e como a intenção aquando da respetiva aquisição foi a de afetar tais bens à empresa, o IVA incorrido é dedutível, devendo a utilização para fins privados ser equiparada a uma prestação de serviços efetuada a título oneroso);

Constituem despesas normais de exploração face à actividade por si exercida, pelo que, independentemente da natureza e do montante, não podem ser qualificadas como de luxo, estando, portanto, ilidida a presunção constante da alínea e) do n° 1 do artigo 21º do Código do IVA.

- A AT, por seu turno, vem responder, em síntese, alegando:

O IVA suportado pela Requerente com «a aquisição de obras de arte e bens de mobiliário (recheio do palácio)», € 6.492,00 no período 0906T e € 197.928,00 no período 0912T, é excluído liminarmente do direito à dedução, nos termos da alínea e) do nº 1 do artigo 21.º do Código do IVA.    

O IVA dos gastos com a parte habitacional, social, jardins e demais zonas exteriores não agrícolas do …, mais concretamente as despesas na composição e manutenção dos jardins, do edifício e piscina, corresponde a uma utilização exclusivamente privada das referidas áreas, não sendo possível a sua dedução nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20º do CIVA.

 

II – SANEAMENTO

O tribunal arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2º, nº 1, alínea a), 5º e 6º, nº 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas, nos termos dos artigos 4º e 10º do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3.

O processo não enferma de nulidades, e não há nulidades, excepções ou questões prévias que devam apreciar-se e obstem à apreciação e decisão da causa.

 

III – OS FACTOS

III – 1 – Factos provados

a) A Requerente iniciou a sua actividade no dia 15/05/2009, tendo como objecto social a administração, gestão e exploração de bens imobiliários, gestão e exploração da "…", compra e venda de imóveis e exploração agrícola, viticultura, produção de vinhos comuns, licorosos e espumantes. (cfr. documento n.º 2 junto pela Requerente com a sua petição arbitral).

b) A sua actividade principal está enquadrada, de acordo com a Classificação Portuguesa de Atividades Económicas — CAE, Rev 3, no Código de Atividade 01210, que se caracteriza por "Cultura de uvas de mesa e para vinho", e a atividade secundária no Código de Atividade 68200 que se caracteriza por "Arrendamento de bens imobiliários".

c) A Requerente integra o Grupo B…, que opera nos sectores de atividade da saúde, do imobiliário, da tecnologia e da produção e comercialização de vinhos, tendo como Presidente  C… cfr. depoimento da testemunha D…).

d) A Requerente adquiriu a propriedade denominada … ou …, no dia 31/08/2009, através de contrato de locação financeira celebrado com o Banco E… (cfr. documento n.º 3 junto pela Requerente com a petição arbitral).

e) A referida propriedade é constituída por uma área de vinha e um palácio e instalações de suporte.

f) A Requerente adquiriu igualmente, ainda em 2009, mobiliário diverso e obras de arte que compunham o acervo histórico do palácio, com o objetivo de o manter devidamente equipado, preservando o respetivo valor histórico, suportando com esta aquisição IVA no montante de € 204.420 e registando-o contabilisticamente numa conta de imobilizado (cfr. documento n.º 4 junto pela Requerente com a petição arbitral e processo administrativo junto pela Requerida).

g) O pagamento do valor relativo a mobiliário e recheio do palácio, incluindo IVA, foi efectuado por C…, sendo, posteriormente, convertido em financiamento do valor em causa concedido à Requerente. (cfr. documento n.º 5 junto pela Requerente com a petição arbitral).

h) A Requerente celebrou, em 01/10/2010, com a F…, Lda., empresa do Grupo B…, um contrato de cessão de exploração da área agrícola da … juntamente com os equipamentos, utensílios e máquinas usadas em tal exploração agrícola, tendo em vista o desenvolvimento da actividade vinícola por aquela entidade, por cinco anos, com início a 01/10/2010 e termo a 30/09/2015, pelo valor de € 600.000, correspondente a sessenta rendas mensais de € 10.000 mensais cada, acrescido de IVA. (cfr. documento n.º 6 junto pela Requerente com a sua petição arbitral).

i) A Requerente é titular das marcas nacionais, para a classe 33 da classificação de Nice, n.º…, "…" e n.º…, "…", as quais são utilizadas pela F… na sua actividade, conforme previsto no contrato de cessão de exploração.

j) A Requerente e a F… acordaram, em 01/01/2011, num aditamento ao referido contrato de cessão de exploração com vista a incluir o acesso e utilização por parte da cessionária à parte habitacional e social do palácio, incluindo jardins e demais zonas exteriores não agrícolas, por um período de 180 dias em cada ano de duração do contrato inicial (cfr. documento n.º 8 junto pela Requerente com a sua petição arbitral).

k) No acesso e utilização da parte habitacional e social do palácio do … integram-se ainda os serviços de duas trabalhadoras da Requerente e a utilização de serviços, baixelas e outros equipamentos e mobiliário existente no palácio (cfr. documento n.º 8).

l) A F… passou a utilizar na promoção e venda dos seus produtos a imagem, quer exterior, quer interior, incluindo o mobiliário do …, de acordo com a estratégia do Grupo de posicionar os vinhos produzidos na … pela F… no mercado de vinhos de gama alta. (cfr. depoimento da testemunha D…).

m) A presença em tal segmento de mercado por parte da F… requer uma estrutura de apoio às diversas atividades que envolvem a produção e comercialização dos vinhos (tais como a realização de reuniões com clientes e imprensa, apresentações de produtos por esta comercializados e realização de provas de vinho), a qual tem de se coadunar com a imagem de prestígio que esta pretende que tais marcas transmitam ao mercado, razão pela qual foram efetuados os referidos aditamentos que permitiram a utilização e acesso à parte habitacional e social do palácio do … (cfr. depoimento da testemunha G…, embora não tenha conseguido precisar o número de eventos anuais.).

n) Pelos serviços adicionais a serem prestados pela Peticionante à F…, os quais foram aditados ao contrato celebrado entre as partes, foi acordado um aumento do preço global do mesmo, no montante de € 285.000, a que correspondeu um acréscimo da renda mensal pela utilização e pelo acesso ao palácio do …, no montante mensal de € 5.000, acrescido de IVA (cfr. documento n.º 8 junto pela Requerente com a petição arbitral).

o) A 01/01/2013, e com efeitos a partir desta data, foi efectuado um segundo aditamento ao referido contrato de cessão de exploração, tendo em vista alargar o respectivo período de vigência, inicialmente de 60 meses, para 147 meses, até 31/12/2022 (cfr. documento n.º 9 junto pela Requerente com a petição arbitral).

p) Foi acordada uma redução do valor da renda mensal a pagar pela F…, relativamente à parte agrícola, de € 10.000 para € 2.750 (ao qual acresce IVA), a partir de 01/01/2013 (cfr. documento n.º 9 junto pela Requerente com a petição arbitral).

q) O preço global do contrato em apreço manteve-se em € 600.000 (27 meses x € 10.000 + 120 meses x € 2.750).

r) Quanto ao acesso e utilização por parte da F… à parte habitacional e social do palácio …, incluindo jardins e demais zonas exteriores não agrícolas da …, as partes decidiram reduzir o período de uso por parte da F… dos serviços em causa e, consequentemente, o respectivo preço, estabelecendo que o direito de aceder e utilizar a parte habitacional, social, jardins e demais zonas exteriores não agrícolas do palácio do …, por parte da F…, seria limitado a 120 dias por ano, por um valor mensal de € 2.250 acrescido de IVA (cfr. documento n.º 9 junto pela Requerente com a petição arbitral).

s) O contrato de cessão de exploração celebrado com a F… não impede que a Requerente ceda, em datas não marcadas pela primeira, a zona habitacional, social, jardins e demais zonas exteriores não agrícolas da …. a terceiros (cfr. documento n.º 9 junto pela Requerente com a petição arbitral).

t) As instalações habitacionais do palácio do … são utilizadas para alojamento do sócio-gerente da Peticionante quando este se desloca a Portugal, sem que a Requerente tenha cobrado qualquer contrapartida por esses serviços de alojamento.

u) A Requerente foi objecto de uma inspecção externa (ordens inspectivas n.ºs OI2015…, OI2015…, OI2015…, OI2015… e OI2015… que, no tocante ao IVA, incidiu sobre os anos de 2011 a 2013, da qual emergiram as liquidações impugnadas (relatório de inspecção junto pela Requerida).

v) Consta do relatório de inspecção:

“IVA

a) Correções técnicas

i) IVA deduzido indevidamente nos anos de 2009, 2010, 2011, 2012 e 2013

 

Imobilizado

Existências

Outros bens e serviços

total

2009

207.14Z53

537,49

2.441

210.121,05

2010

720,00

 

7.573,78

8293,78

             2011

1.485,44

0,00

17.059, 14

18.544,58

2012

0,00

112,68

20.295,43

20.408,41

2013

1.179,90

0,00

20.817,45

21.997,35

 

III — 1. Correções em IVA

III — 1.1 Correções em IVA — períodos de 2009 e 2010

A alínea a) do n.º 1 do art.º 20º do CIVA só permite a dedução de IVA suportado em bens e serviços que estejam diretamente e exclusivamente afetos ao exercício da atividade económica do SP, pelo que o IVA deduzido em gastos com a parte habitacional, social, jardins e demais zonas exteriores não agrícolas do "…”, não é dedutível quer seja por se destinar a fins alheios à atividade do SP, quer seja pelos factos revelarem uma intenção de uso pessoal.

Para além do referido anteriormente, uma parte significativa dos gastos, nomeadamente o recheio do Palácio, relativamente aos quais foi deduzido IVA, é relativa a bens de luxo, pelo que o IVA não é dedutível nos termos da alínea e) do n.º 1 do artº 21 0 do CIVA

 

III — 1.1.1 Crédito de imposto formado no ano de 2009

II — 1.1.1.1 — Conta 24321 —Existências

Do IVA suportado e deduzido de existências do ano de 2009 não é dedutível o suportado com gastos de manutenção dos jardins do palácio (Anexo 12 fis. 1 a 2), atendendo a que não estão diretamente e exclusivamente afetos ao exercício de atividade económica pelo SP e destinam-se a uso próprio do titular do SP e em geral em fins alheios á atividade exercida.

(…)

III — 1.1.1.2 - Conta 24322 - Imobilizado

Relativamente às aquisições de bens do imobilizado e imobilizações em curso não é considerado dedutível o IVA suportado com a aquisição de obras de arte e bens de mobiliário (recheio do palácio), bem como, as despesas na composição e manutenção dos jardins do edifício e piscina, registadas na contabilidade da empresa, como Imobilizações em curso (Anexo 12 fis. 3 a 4), atendendo a que não estão diretamente e exclusivamente afetos ao exercício de atividade económica pelo SP. Mais trata-se de bens de luxo destinados a uso próprio do titular do SP e em geral em fins alheios ao SP.

(…)

Refira-se ainda que relativamente à compra de obras de arte e mobílias efetuada ao E… em 2009-08-25, no montante de 989.640,00 € mais IVA de 197.828,00 € o pagamento foi registado na contabilidade do SP, mas efetuado diretamente por conta bancária particular do sócio-gerente, em 2009-08-34 (Anexo 12 fis. 5a7).

 

III — 1.1.1.3. Conta 24323 — Outros bens e serviços

Do IVA suportado e deduzido de outros bens e serviços não é dedutível o suportado com gasóleo de aquecimento (do palácio e piscina), manutenção dos jardins e vários gastos do palácio (como, por exemplo utensílios de cozinha, lâmpadas, reparações), Anexo 12 fis. 8 a 1I, atendendo a que não está diretamente e exclusivamente afeto ao exercício de atividade económica do SP e destina-se a uso próprio do titular do SP e em geral em fins alheios à atividade exercida.

(…)                

III — 1.1.2. Crédito de imposto formado no ano de 2010

III — 1.1.2.1. Conta 24322 -  Imobilizado

Esta conta inclui a dedução de IVA referente a dois recibos de desenhador (registados como ativos tangíveis em curso) que não estão afetos à atividade do SP. Não obstante, a partir do mês de abril continuam a existir estes recibos, mas contabilizados como honorários, conta 622412. Estes recibos são passados por H…, porém não são respeitam a serviços efetivamente prestados pelo emitente dos recibos, atendendo a que tem como finalidade justificar pagamentos mensais a favor de I… conforme provam as transferências bancárias e declarações da mesma.

(…)

 

III — 1.1.2.2. Conta 24323— Outros bens e serviços

Relativamente ao IVA suportado e deduzido no ano de 2010 com gastos em outros bens e serviços de despesas com a parte habitacional e espaço envolvente de lazer do … não é dedutível o montante de 7.573,78 € conforme tabela seguinte e Anexo 13 fls. I a 20, atendendo a que não está diretamente e exclusivamente afeto ao exercício de atividade económica do SP e destinam-se a uso próprio do titular do SP e em geral em fins alheios à atividade exercida.

(…)

Acresce, que são referentes a um valor fixo mensal de 1.200,00 € mais IVA (à taxa de 20% até junho/2010 e 21% até dezembro/2010) mas o efetivo titular dos rendimentos é I…, pelo que se trata de uma operação simulada e em que o IVA também não é dedutível nos termos do n.0 3 do artº 19º do CIVA (Anexo 13 fls. 1 a 20).

Acresce ainda, que foi deduzido IVA relativo a duas faturas (uma de transporte, documento interno no 30/90016 e outra de consumíveis agrícolas) passadas em nome de outro J…, Lda, pelo que também não é aceite o IVA deduzido nos termos do nº 2 do artº 19º do CIVA.

 

III — 1.2. Correções em IVA — períodos de 2011, 2012 e 2013

Em 2011, 2012 e 2013 vigora o contrato de cessão de exploração no qual ficou acordado que, são da responsabilidade da F… Lda todas e quaisquer despesas e encargos decorrentes da exploração, pelo que o IVA das despesas referidas nos pontos seguintes não é dedutível no termos do artigo 20º, nº 1, alínea a) do CIVA, o qual só permite a dedução do IVA que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a Imposto.

III — 1.2.1. IVA deduzido indevidamente no ano de 2011

III — 12.1.1. — Crédito de Imposto formado em períodos anteriores

O SP na declaração de Janeiro de 2011 apresenta (campo 61) um crédito de IVA no montante de 226.986,91 € que se reporta aos anos de 2009 e 2010, ou seja, desde o início de atividade- De acordo com o disposto no nº 3 do art.º 45º da LGT o prazo de caducidade é o do exercício do direito ao reporte.

Atendendo ao referido nos pontos III 1.1.1. e 1.1.2., o crédito de imposto que consta da DP 2011 03T (campo 61) no montante de 218.414,83 € é referente a IVA deduzido indevidamente, pelo que o reporte de IVA de 03T11 é corrigido nesse montante, conforme quadro seguinte:

(…)

III – 1.2.1.2 - Conta 24322 - Imobilizado

O Imposto deduzido indevidamente no ano de 2011, relativamente a imobilizado, diz respeito a uma máquina de cortar relva e preparação de terreno dos jardins do palácio (Anexo 14 fls. 1 a 3), atendendo a que não estão diretamente e exclusivamente afetos ao exercício de atividade económica pelo SP e destinam-se a uso próprio do titular do SP e em geral em fins alheios à atividade exercida.

(…)

III — 1.2.1.3. Conta 24323 — Outros bens e serviços

Do IVA suportado e deduzido no ano de 2011 relativo a gastos contabilizados como outros bens e serviços não é dedutível o referente às despesas com a parte habitacional e espaço envolvente de lazer do … no montante de 17.059,14 €, conforme tabela seguinte (Anexo 14 fls. 4 a 58), atendendo a que não estão diretamente e exclusivamente afetos ao exercício de atividade económica pelo SP e destinam-se a uso próprio do titular do SP e em geral em fins alheios à atividade exercida.

 

 
 


(…)

 

Acresce, que são referentes a um valor fixo mensal da 1.200,00 € mais IVA de 276,00 € (à taxa de 23%) de honorários de desenhador, porém não são respeitam a serviços efetivamente prestados pelo emitente dos recibos, atendendo a que tem como finalidade justificar pagamentos mensais a favor de particular, conforme mail recolhido da contabilidade do SP e auto declarações da particular {I…) fica demonstrado que se trata duma operação simulada e o IVA também não é dedutível nos termos do nº3.do artº19º do CIVA.

Acresce ainda, que o documento de suporte não é valido, pois foi emitido a outo SP (F...), logo o IVA não é dedutível nos termos do n.º 2 do artigo 19º do CIVA.

De acordo com o contrato de cessão de exploração da vinha, estes gastos são da responsabilidade da empresa cessionária (F…, Lda.), logo verifica-se que estão afectas ao espaço envolvente e não à vinha.

III – 1.2.2. IVA deduzido no ano de 2012

III – 1.2.2.1 – Conta 24321 - Existências

 
 


Os gastos registados na conta IVA dedutível — existências respeitam a árvores e despesas de manutenção dos jardins do Paço (Anuo 15 fls. 1 a 2), atendendo a que não estão directamente e exclusivamente afectos ao exercício de actividade económica peto SP e destinam-se a uso próprio do titular do SP e em geral em fins alheios ao SP.

 

(…)

III — 1 .2.2.2. Conta 24323 — Outros bens e serviços

As despesas que originaram dedução do IVA são, na maioria, associadas a gastos do palácio e espaço envolvente, peto que o IVA não é dedutível atendendo que não estão directamente e exclusivamente afectas ao exercício de actividade económica pelo SP e destinam-se a uso próprio do titular do SP e em geral em fins alheios ao SP. Em relação às despesas de água, electricidade, gasóleo agrícola e honorários do agricultor, consideram-se também despesas da propriedade afecta ao espaço envolvente do palácio e não da vinha. Tendo em consideração que as despesas de exploração da vinha são da responsabilidade da cessionária, conforme contrato de cessão de exploração (Anexo 15 fls. 3 a 74).

(…)

Acresce que são referentes a um valor fixo mensal de 1.200,00 € mais IVA de 276,00 € (à taxa de 23%) em serviços de desenhador (janeiro a setembro), arquitetura (outubro) e engenharia (novembro e dezembro), porém não são respeitam a serviços efetivamente prestados pelos emitentes dos recibos, atendendo a que tem como finalidade justificar pagamentos mensais a favor de particular (I…), conforme mail recolhido da contabilidade do SP e auto declarações da particular fica demonstrado que se trata de uma operação simulada e o IVA também não é dedutível nos termos nº3 do artº 19º do CIVA.

III — 1.2.3.  IVA deduzido indevidamente no ano de 2013

III — 1.2.3.1. — Conta 24322 - Imobilizado

Em 2013 o SP registou na conta de Ativos fixos tangíveis uma despesa de "Bombagem de saneamento do palácio para a pousada”.  A pousada em causa tem a mesma morada fiscal da sede do SP, mas trata se de um ativo de outra empresa (K… Lda). Embora se possa considerar uma benfeitoria relacionada com o Palácio, não está associada á atividade produtiva do SP (Anexo 16 fls. 1 a 2).

 

(...)

 

III — 1.2.3.2. Conta 24323 — Outros bens e serviços

Os gastos referentes a outros bens e serviços cujo IVA foi deduzido no ano de 2013 é quase na totalidade referentes a despesas do Palácio, pelo que o IVA não é aceite atendendo a que não estão diretamente e exclusivamente afetos ao exercício de atividade económica do SP e destinam-se a uso próprio do titular do SP e em geral em fins alheios à atividade exercida. As despesas relacionadas com água, eletricidade, gasóleo agrícola e honorários do agricultor, consideram-se afetos ao Palácio e áreas envolventes já que, segundo o contrato de cessão de exploração existente, as despesas de exploração da vinha são por conta da empresa cessionária e não do SP (Anexo 16 fls. 3 a 79).

(…)

Acresce , que são referentes a um valor fixo mensal de 1.200,00€ mais IVA (à taxa de 23%), em serviços de engenharia (janeiro) e de limpeza (fevereiro a dezembro), porém não são respeitam a serviços efetivamente prestados petos emitentes dos recibos, atendendo a que tem como finalidade justificar pagamentos mensais a favor de particular (I…), conforme mail recolhido da contabilidade do SP e auto declarações do particular fica demonstrado que se trata de uma operação simulada e que o IVA não é dedutível nos termos do nº3 do artº 19º do CIVA”.

x) A Requerente reclamou graciosamente das liquidações ora impugnadas, e recorreu hierarquicamente, não tendo obtido deferimento (cfr. processo administrativo junto pela Requerida).

y) Em 28/12/2015 a Requerente pagou, na execução fiscal que lhe foi instaurada, a quantia de € 117.107,44, correspondendo € 103.202,29 a imposto e o restante a juros e encargos (cfr. processo administrativo junto pela Requerida).

III – 2 – Fundamentação do julgamento sobre os factos provados

Os factos dados como provados resultam da convicção do tribunal, assente no exame crítico dos documentos juntos ao processo, no relatório da inspecção, o que tudo aqui se dá por reproduzido, e nos depoimentos das testemunhas, que mostraram conhecer os factos e depuseram com aparente isenção.

 

III – 3 – Factos não provados

 

Com relevância para a decisão de mérito, nada ficou por provar.

 

IV – DIREITO

A questão central que o Tribunal deverá apreciar e decidir prende-se com a dedução do IVA incorrido em determinados gastos, relativamente aos quais entende a Requerente ter direito à dedução do IVA incorrido, não tendo a AT o mesmo entendimento.

 

Analisando.

 

A) Dedução do IVA suportado com os gastos incorridos com o recheio do Palácio … .

 

No que se refere à aquisição de “Património artístico, mobiliário e artigos de decoração” nos valores incorridos de IVA nos valores de € 6.492,00 no período 0906T e € 197.928,00 no período 0912T, no valor total de € 204.420,00, invocou a AT para fundamentar a não dedutibilidade do imposto, a alínea a) do n.º 1 do artigo 20º do CIVA, na medida que tais bens teriam sido adquiridos para “fins alheios à actividade do Recorrente, e, neste âmbito, que não estavam directamente e exclusivamente afectos ao seu exercício” – ponto 45 da Informação da Direção de Serviços do IVA que ditou o indeferimento do recurso hierárquico, porquanto a actividade da Recorrente resumia-se à viticultura, não tendo exercido a actividade de arrendamento de bens imobiliários para a qual também se encontra colectada.

 

Mais convoca a AT o disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 21º do CIVA, na medida em que se trataria de “bens de luxo destinados a uso próprio do titular do SP e em geral em fins alheios ao SP”, motivo pelo qual o IVA não pode ser deduzido.[1]

 

O direito à dedução do imposto consubstancia uma das principais características deste tributo, tal como foi, desde logo, consagrado no artigo 2º da Primeira (Directiva n.º 67/227/CEE, do conselho, de 11 de Abril de 1967, publicada no JO n.º L 71. de 14.3.67), nos seguintes termos: «Em cada transacção, o imposto sobre o valor acrescentado, calculado sobre o preço do bem ou do serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto sobre o valor acrescentado que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.»

 

O exercício do direito à dedução suportado nas operações de aquisição de bens e serviços a sujeitos passivos não é, contudo, um direito livre ou incondicionado, dependendo antes da verificação de determinados requisitos subjectivos e objectivos.

 

Assim, é desde logo, a condição de o adquirente ser ele próprio um sujeito passivo de imposto actuando como tal, isto é, que adquire bens e serviços para os utilizar efectivamente na sua actividade tributária. Já no plano objectivo, o legislador impõe, designadamente, que as aquisições (rectius, despesa em causa), não estejam excluídas do direito à dedução.

 

De acordo com a jurisprudência do Tribunal Justiça da União Europeia – TJUE - «(…) o direito à dedução depende, em primeira linha, da existência de uma relação directa e imediata dos bens e serviços adquiridos com o conjunto da actividade económica desenvolvida pelo sujeito passivo, no sentido de que, na ausência dessa relação, aquele direito é liminarmente recusado, independentemente de averiguações suplementares. Numa segunda linha, é preciso que exista também uma relação específica entre o bem ou o serviço adquirido e aquelas operações que, enquadradas na actividade global do mesmo sujeito passivo, podem classificar-se estritamente como operações tributáveis.» (Portugal Telecom SGPS, proc. n.º C-496/11 [2012.)].

 

No âmbito do direito nacional, de acordo com o disposto no artigo 19º do CIVA, para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzirão ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram o imposto que tenha incidido sobre os bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações referidas no artigo 20º do mesmo CIVA, sendo pressuposto do direito à dedução que os bens e serviços estejam directamente relacionados com o exercício da sua actividade.

 

Considerando que os bens em causa foram efectivamente utilizados na actividade da Requerente, pois entre esta e a F… foi celebrado um aditamento ao contrato de cessão de exploração com vista a incluir o acesso e utilização por parte da cessionária à parte habitacional e social do palácio, incluindo jardins e demais zonas exteriores não agrícolas, por um período de 180 dias em cada ano de duração do contrato inicial. (cfr. documento n.º 8 junto pela Requerente com a sua petição arbitral) e, bem assim, a F… passou a utilizar na promoção e venda dos seus produtos a imagem, quer exterior, quer interior, incluindo o mobiliário do …, de acordo com a estratégia do Grupo de posicionar os vinhos produzidos na … pela  F… no mercado de vinhos de gama alta (cfr. depoimento da testemunha D…), é claro que existe uma ligação directa entre a aquisição desses bens e a actividade prosseguida pela Requerente, ainda que a mesma tenha ocorrido algum tempo após a aquisição dos referidos bens.

 

Aliás, a própria AT reconhece no ponto 88 da Informação suporte ao despacho de indeferimento do recurso hierárquico a actividade levada a cabo pela Requerente quando refere: “Neste aspecto, parece-nos ser de admitir que a cessão de exploração do imóvel Quinta do  … está abrangida pelo CAE 68200 – Arrendamento de bens imobiliários, que compreende as actividades de arrendamento e exploração de bens imobiliários (próprios ou arrendados), nomeadamente, edifícios residenciais e não residenciais (inclui espaços e instalações industriais, comerciais, etc.) e de terrenos.”.

 

Mais reconhecendo no artigo 82.º da sua resposta, que “(…) o direito à dedução não pode ser coarctado pelo facto de a actividade para a qual estava colectada se ter realizado posteriormente à dedução efectuada, pese embora o período que medeia entre a dedução do IVA suportado a montante e a correspondente tributação a jusante tenha sido de dois anos, e a dedução do IVA ser efectuada em relação a outra actividade económica.”.

 

No que se refere à aplicação da exclusão da dedução do IVA incorrido com base na norma do n.º 7 do artigo 19.º do CIVA, nos casos em que um imóvel é utilizado simultaneamente para fins empresariais e privados, caso em que a dedução integral do IVA suportado na sua aquisição e construção, só o poderia ser na parte correspondente à actividade económica[2] estando em causa nos autos a aquisição de bens móveis, esta exclusão não tem aplicação ao caso sub judice.

 

Vejamos agora se procede a não dedutibilidade do IVA com fundamento na alínea e) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, na medida em que se trataria de “bens de luxo destinados a uso próprio do titular do SP e em geral em fins alheios ao SP”, motivo pelo qual o IVA não pode ser deduzido.

 

O fundamento de tal exclusão do direito à dedução encontra-se no facto de dizer respeito a IVA suportado nos inputs em relação às quais se configura difícil, ou mesmo impossível, controlar da sua bondade, visando-se, pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à actividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais.

 

O legislador comunitário estabeleceu uma distinção fundamental entre as despesas que têm carácter estritamente profissional e aquelas que não têm ligação com a actividade profissional do sujeito passivo, excluindo expressamente as despesas sumptuárias, com diversão ou de representação do direito à dedução de IVA. (cf. Casos Comissão / França, proc. 50/87 [1988]; Lennartz, proc. 97/90 [1991]; Gabalfrisa SL, proc. apensos C-110/98 a C-147/98 [2000]).

 

Exclui-se, por isso, do direito à dedução o imposto contido nas despesas referidas no nº 1 do artigo 21º do CIVA, ou seja, nas despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação.

 

E, consagra a alínea e) do nº 1 do artigo 21º do CIVA a não possibilidade de dedução de imposto no que se refere a despesas de divertimento e de luxo, sendo consideradas como tal as que, pela sua natureza ou pelo seu montante, não constituam despesas normais de exploração.

 

Trata-se de uma delimitação expressa das exclusões do direito à dedução que é de aplicação geral, independentemente de as despesas aí previstas concorrerem ou não para a realização de operações tributáveis.

 

Embora a República Portuguesa tenha optado pela cláusula de “standstill” prevista no artigo 17º, n.º 6 da Sexta Directiva, a que actualmente corresponde o artigo 176º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho (Directiva IVA), a respeito do direito à dedução do IVA relativo a certas categorias de despesas, tais como despesas sumptuárias, dispondo que os Estados-Membros podem estabelecer o seu próprio regime em matéria de exclusão do direito à dedução do IVA, computando que todas as disposições derrogatórias devem ser objecto de interpretação estrita, e desde que precisem com suficiente rigor a natureza e o objecto dos bens e serviços para os quais fica excluído o direito à dedução, a fim de garantir que essa faculdade não será utilizada para prever exclusões gerais desse regime, o certo é que o legislador nacional não densificou com rigor e necessária objectividade o que se deve entender por despesas de luxo, apenas dizendo que se devem entender as que pela sua natureza e montante não constituem “despesas normais de exploração”.

 

Ora, tendo em conta os montantes despendidos na aquisição destes bens pela Requerente (€ 1.509.452,00), a natureza dos mesmos e a actividade desenvolvida pela Requerente de cessão do acesso e da utilização do Palácio à F… 180 dias por ano, e posteriormente 120 dias por ano, coloca-se a questão de saber se as despesas em causa, com o recheio do Palácio, configuram ou não “despesas normais de exploração”, para efeitos de aplicação ou não da exclusão de dedução do IVA incorrido, nos termos do artigo 21º, nº 1, alínea e) do CIVA.

 

Assim, como acima referido, não tendo o legislador nacional, nem sequer o comunitário (apenas se referindo às “despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação” – paragrafo 1 do artigo 176º da Directiva IVA) definido este conceito, caberá ao julgador proceder a uma análise do caso concreto, tendo em conta o montante e a natureza dos bens adquiridos pelo sujeito passivo e a actividade por este desenvolvida.

 

Ora, conforme alegado pela Requerente e provado, a sua actividade - no que diz respeito à cedência da utilização da parte habitacional e social do palácio - traduz-se na exploração da propriedade, através da cedência da mesma a entidades terceiras (em especial, à F…), para os mais diversos fins. Aliás, a F…, por virtude da celebração do primeiro aditamento ao contrato de cessão da exploração, passou a ter acesso e a poder utilizar, na promoção e venda dos seus produtos, a imagem, quer exterior, quer interior, incluindo o mobiliário do Palácio, devido à importância histórica e cultural do mesmo e à estratégia do Grupo de posicionar os vinhos produzidos por esta sociedade no mercado de vinhos de gama alta.

 

Por esta razão, a Requerente alega que o recheio do … nunca poderá ser considerado, no plano fiscal, como se tratasse de uma despesa de luxo, fora do âmbito de despesas normais de exploração, atento o fim último a que se destinou. Para além do mais, os gastos relativos à aquisição de bens de mobiliário e obras de arte da parte habitacional e social do mesmo não só contribuem intrinsecamente para os serviços prestados pela Requerente, nomeadamente à F…, como devem ser considerados despesas normais de exploração, para efeitos do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 21º do CIVA.

 

No que diz respeito à ratio desta norma, seguimos o entendimento vertido no acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 16 de Fevereiro de 2017 (processo n.º 01438/09.3BEBRG) de que o fundamento da exclusão do direito à dedução do IVA prevista no nº 1 do artigo 21º do Código do IVA encontra-se no facto de muitas das situações previstas nas suas alíneas “dizerem respeito a IVA suportado nos ‘inputs’ em relação aos quais se configura difícil, ou mesmo impossível, controlar da sua bondade, visando-se, pela via da exclusão, obstar à dedução do imposto suportado com bens ou serviços não essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares, não empresariais/profissionais”. No fundo, o legislador presume que este tipo de despesas, nas quais se incluem as de divertimento ou de luxo, não tem fins empresariais, mas sim particulares e, por esta razão, determina a exclusão da dedução do IVA incorrido nas mesmas.

 

Aqui chegados, resulta dos factos dados como provados que as despesas com o recheio do palácio configuraram despesas normais de exploração, fazem parte do imobilizado da Requerente, verificando-se uma ligação directa com a actividade desenvolvida por esta e pelos serviços prestados, nomeadamente à F… . Se se pretende utilizar a parte habitacional do … para reuniões com clientes, apresentações ou provas de vinho, com base numa estratégia de introdução dos vinhos no mercado de vinhos de alta gama, deve-se entender que os gastos incorridos com o recheio do palácio pela Requerente, quer pela sua natureza, quer pelo seu montante, configuram despesas normais de exploração, associadas aos serviços por aquela prestados, pelo que a excepção determinada pela norma da alínea e) do nº 1 do artigo 21º do Código do IVA não deve ser aplicada ao caso concreto.

 

É certo que poderá questionar-se a utilidade ou razoabilidade de tais despesas na perspectiva do custo-benefício para a Requerente, visto que investiu € 1.509.452,00 na aquisição do recheio do palácio, cobrando pelos serviços prestados à F…, de acesso e utilização do espaço 180 dias por ano, e posteriormente 120 dias, uma quantia mensal inicial de € 5.000,00 e, posteriormente, de € 2.250,00. Contudo, trata-se de uma questão de gestão que a AT não está legitimada a ponderar – cfr. acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 16 de Fevereiro de 2017 (processo n.º 01438/09.3BEBRG).

 

Neste mesmo sentido - de admissão da dedução do imposto incorrido com despesas normais de exploração - é de salientar a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia que tem considerado que “admite-se igualmente o direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de um nexo direito e imediato entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito à dedução, quando os custos dos serviços em causa fazem parte das suas despesas gerais e são, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens que fornece ou dos serviços que presta. Estes custos têm, com efeito, um nexo direto e imediato com o conjunto da atividade económica do sujeito passivo” (cfr. acórdão de 29 de Outubro de 2009, SKF, C-29/08, Colet., p. I-10413, n.º 55 e acórdãos de 14 de Setembro de 2017, C-132/16, de 18 de Julho de 201, C-124-12 e de 16 de Fevereiro de 2012, C-118/11 que citam o primeiro), tendo por base o artigo 176.º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, norma base do artigo 21.º, n.º 1 da alínea e) do Código do IVA que estabelece que “[o] Conselho, deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão, determina quais as despesas que não conferem direito à dedução do IVA. Em qualquer caso, são excluídas do direito à dedução as despesas que não tenham carácter estritamente profissional, tais como despesas sumptuárias, recreativas ou de representação” (sublinhado nosso).

 

Pelo que procede o pedido da Requerente quanto à anulação desta correcção efectuada pela AT, devendo o respectivo IVA ser dedutível.

 

B) IVA incorrido com os gastos com a parte habitacional, social, jardins e demais zonas exteriores não agrícolas do … .

 

No que se refere a este IVA suportado pela Requerente, e nos autos impugnado pelo valor de € 65.180,66, entende o Tribunal que o mesmo não é dedutível por não ter sido incorrido em gastos directa e exclusivamente afectos ao exercício da actividade económica da Requerente, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 20º do CIVA.

 

Com efeito, esta norma determina que “[s]ó pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: a) transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas (…)”, exigindo que os bens e serviços adquiridos estejam directamente relacionados com o exercício da actividade do sujeito passivo de imposto para que o IVA suportado possa ser deduzido.

 

Ora, in casu, os serviços em causa de manutenção da parte habitacional, social, jardins e demais zonas exteriores não agrícolas do … têm, aparentemente, uma utilização mista, quer para fins empresariais, quer para fins pessoais (aquando da estadia do sócio quando se desloca a Portugal) pelo que inexiste uma ligação direta e imediata entre os gastos incorridos e a atividade desenvolvida pela Requerente, tributada em sede de IVA.

 

Ademais, e este ponto é decisivo, concordamos com a AT quando alega que estas despesas tiveram, na verdade, exclusivamente fins privados, na medida em que a F… comprometeu-se contratualmente a ser a única responsável por todas e quaisquer despesas decorrentes da exploração da vinha, nos termos da alínea a) da cláusula sétima do Contrato de Cessão de Exploração.

 

Assim, convém notar que (i) o contrato celebrado entre a Requerente e a F… não é apenas de cessão da exploração das zonas agrícolas da vinha, mas igualmente de cessão de exploração da própria actividade de vinha[3]; (ii) a alínea a) da cláusula sétima estabelece que durante o período de tempo a que se refere o contrato são da exclusiva responsabilidade da F… todas e quaisquer despesas e encargos decorrentes da exploração e “(…) quaisquer outros necessários para aquele fim” e (iii) no primeiro aditamento a este contrato, as partes acordaram que a F… passasse a utilizar a parte habitacional, social, os jardins e demais zonas exteriores não agrícolas do Paço “no âmbito da sua atividade”, ou seja, na actividade de exploração da vinha.

 

Deste modo, será de considerar que a F…, com a celebração deste primeiro aditamento, passou a ser a única responsável, também, pelas despesas incorridas na manutenção dos espaços, aos quais passou a ter acesso 180 dias por ano para reuniões com clientes, apresentações ou provas de vinho, visto que serão despesas igualmente necessárias para a exploração da actividade da vinha.

Por esta razão, e tendo em conta a actividade desenvolvida pela Requerente, quaisquer gastos incorridos pela mesma na manutenção destes espaços teria, necessariamente, fins privados, não se admitindo a dedução do respectivo IVA devido ao não preenchimento dos requisitos previstos na alínea a) do nº 1 do artigo 20º do CIVA, ou seja, por ausência da relação com a actividade desenvolvida pela Requerente, tributada em sede de IVA.

 

Razão pela qual não é este IVA dedutível, improcedendo o pedido da Requerente.

 

Do Direito a Juros Indemnizatórios

 

Quanto ao direito a juros indemnizatórios, peticionado pela Requerente, cumpre referir que dispõe a alínea b) do nº 1, do artigo 24º, do RJAT que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta - nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários - restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito.

 

Tal dispositivo está em sintonia com o disposto no artigo 100º da Lei Geral Tributária, aplicável ao caso por força do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º, do RJAT, no qual se estabelece que “A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei.”

 

Dispõe, por sua vez, o artigo 43º nº 1 da Lei Geral Tributária, que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

Da análise dos elementos probatórios constantes dos autos é possível concluir que a Requerida tinha total e cabal conhecimento dos elementos factuais relevantes para proceder à correcta liquidação do imposto, não o tendo feito e optando por manter as liquidações inquinadas de erro sobre os pressupostos, e por isso mesmo ilegal, estando, por isso, obrigada a indemnizar.

 

Assim sendo, atento o disposto no artigo 61º do CPPT e considerando que se encontram preenchidos os requisitos do direito a juros indemnizatórios, ou seja, verificada a existência de erro imputável aos serviços de que resultou pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, tal como previsto no nº 1 do artigo 43º da LGT, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantias que já pagou, a contar da data em que foi efectuado o pagamento até ao seu integral reembolso.

 

 

V – DECISÃO

 

Em consequência, este Tribunal Arbitral decide:

- Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade parcial do acto de indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado pela Requerente, e, consequentemente, declarar a consequente anulação parcial, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, dos actos de liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios referentes à não dedutibilidade do IVA no valor de € 204.420,00 e respectivos juros compensatórios apurados, referente ao ano de 2009, devendo operar-se a restituição do valor pago de € 103.202,29, acrescido de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre a quantia já paga, a contar da data em que foi efectuado o pagamento até ao seu integral reembolso, e, porque insuficiente, a inclusão proporcional correspondente ao IVA dedutível no crédito de imposto apurado na declaração periódica de IVA referente ao 4.º Trimestre de 2013 que foi indevidamente utilizado pela AT para compensação da dívida resultante da emissão das liquidações adicionais de IVA.

 

 

VI – VALOR DO PROCESSO

 

Em conformidade com o disposto nos artigos 306º n.º 2 do CPC, 97º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 282.433,10.

 

IX – CUSTAS

 

De acordo com o artigo 3º nº 3 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa, computa-se a taxa de arbitragem em € 5.202,00 sendo 72% a cargo da Requerida e 28% a cargo da Requerente.

 

 

Lisboa, 18/04/2018.

Os Árbitros,

 

(José Baeta de Queiroz)

 

 

(Diogo Feio)

 

 

(Henrique Nogueira Nunes)



[1] A AT na Informação que suportou o despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico fundamenta a não dedutibilidade do IVA nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, não parecendo acompanhar toda a fundamentação constante do RIT   - ponto 82 da referida Informação.

[2] Como, de resto, reconhece a AT no ponto 78 da Informação suporte ao despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico.

[3] Veja-se nos considerandos do Contrato de Cessão de Exploração quando se diz que “Pelo presente contrato a primeira contraente A… cede à segunda contraente F… a exploração daquela atividade”. (negrito nosso).