Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 365/2017-T
Data da decisão: 2018-02-19  IRC  
Valor do pedido: € 256.043,93
Tema: IRC – SGPS - Benefícios fiscais - Circular n.º 7/2004, de 30 de Março.
*Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 11 de dezembro de 2019, recurso n.º 333/18.0BALSB, que decide em substituição.
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Decisão Arbitral

 

Os Árbitros, Fernanda Maçãs (Presidente), Fernando Miranda Ferreira e Dr. José Eduardo Mendonça da Silva Gonçalves, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formar o Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:  

 

I– RELATÓRIO  

1. “A… SGPS, S.A”., com o NIPC …, (doravante "Requerente"), apresentou, no dia 09 de Junho de 2017, pedido de constituição de Tribunal Arbitral Colectivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante "RJAT"), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante "AT" ou "Requerida"). 

2. A Requerente pede “a anulação do ato tributário consubstanciado na liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2016 …, de 19 de dezembro de 2016, bem como da demonstração de juros compensatórios nº 2017 … e demonstração de acerto de contas nº 2017…, ambas de de 27 de janeiro de 2017”, todas referentes ao exercício de 2012.

3. A Requerente junta sete documentos, cujo teor pretende ver integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. Não requer produção de prova testemunhal. 

4. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 09 de Junho de 2017. 

5. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou os árbitros do Tribunal Arbitral Colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. 

6. O Tribunal Arbitral Colectivo foi constituído, em 22 de agosto de 2017, em conformidade com o previsto nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), 5º, 6º, n.º 1, e 11º, n.º 1 do RJAT (com a redacção introduzida pelo art. 228.º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

7. No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente invoca, em síntese, a seu favor que:

A correção em apreço resulta da desconsideração, alegadamente nos termos do nº 2 do artigo 32º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), dos encargos financeiros suportados e imputáveis à aquisição de partes de capital.

A mesma correção assentou na interpretação da norma citada preconizada pelo disposto na Circular nº 7/2004, de 30 de março e, em exclusivo, na fórmula proposta pela referida Circular para apurar um montante de encargos financeiros não aceites como custo fiscalmente dedutível.

E, sem nunca justificar ou identificar quaisquer dificuldades na utilização de um método de afetação específica, os SIT tendo por base a informação contabilística fornecida pela A… e aplicando diretamente a fórmula referida apuraram o montante de EUR 850.654,13 de “Encargos Financeiros Imputáveis às Aquisições de Participações Sociais” .

Uma vez apurado um montante a título de encargos financeiros alegadamente imputáveis às aquisições de participações sociais pela A…, os SIT acresceram-no à matéria tributável da empresa e, consequentemente, do Grupo B… .

Em suma, no âmbito da aludida ação inspetiva, os SIT identificaram que a A… tinha considerado como gasto fiscalmente dedutível os encargos financeiros suportados no exercício de 2012. Não solicitaram à A… qualquer esclarecimento sobre a origem de tais pagamentos. Não identificam no relatório de inspeção tributária as razões que impediram o recurso ao método de afetação específica dos encargos financeiros suportados naquele exercício.

Limitaram-se a seguir a fórmula prevista na Circular nº 7/2004 de 30 de março, para apurarem os alegados encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, violando o disposto no nº 2 do artigo 32º do EBF, bem como dos artigos 55º, 74º e 75º, todos da Lei Geral Tributária.

Com efeito, argui a Requerente

É incontestável que o legislador, relativamente ao impedimento na dedutibilidade de encargos financeiros, estabeleceu apenas limites àqueles que fossem conexos com a aquisição de partes de capital conforme se infere da letra do nº 2 do artigo 32º do EBF, na redação em vigor à data dos factos: “As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades” (sublinhado da Requerente).

Apesar disto, a AT, em clara violação do princípio da legalidade tributária, decidiu desvirtuar tal opção legislativa, tendo para esse efeito emitido a Circular referida, considerando que, por razões de praticabilidade, se deveria atender a uma fórmula que permitisse descortinar um valor de passivo remunerado que fosse imputado, mesmo que ficcionalmente, a uma pretensa aquisição de partes de capital.

Deste modo, a Requerente considera que a determinação dos encargos financeiros não dedutíveis com recurso à doutrina apresentada pela AT na Circular nº 7/2004, de 30 de março, por impor uma fórmula genérica e indiciária de alocação de encargos financeiros que ultrapassa largamente a previsão legal, viola o disposto no nº 2 do artigo 32º do EBF e, consequentemente, viola igualmente o princípio da legalidade tributária.

Indo para além da lei, através de uma interpretação extensiva, a AT desvirtuou material e formalmente o regime previsto no referido artigo 32º do EBF, criando uma nova norma de incidência fiscal, em violação dos n.os2 e 3 do artigo 103º e a alínea i) do nº 1 do artigo 165º, ambos da CRP.

Por outras palavras, a Circular nº 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços do IRC, densificou a norma tributária e a sua restrição no tocante aos encargos financeiros para além do que lhe era permitido constitucionalmente, e para além do que pretendia o legislador fiscal.

Acrescenta, ainda, a Requerente

Tem sido entendimento unânime por parte da jurisprudência arbitral e judicial que compete à AT provar que não existiria, na situação concreta, mecanismo mais justo, mais economicamente racional ou mais conforme à afetação específica dos encargos financeiros às partes de capital, que não seja a mencionada fórmula.

Evocando, sobretudo, os ACsdo TCAN nº00997/12.8BEPRT e nº 269/2015-T do CAAD e aplicando ao caso o suposto entendimento vertido em tais arestos, sustenta que a desconsideração dos custos de financiamento depende do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos, a saber a alienação de participações e respetivo financiamento usado na sua aquisição.

Sendo que a AT enveredou pela correção e tributação apenas lançando mão de meras presunções olvidando que o legislador não instituiu qualquer critério que permita distinguir nos custos financeiros totais das SGPS quais os que se devem à compra de participações sociais e quais os que foram usados para outros fins.

A AT só poderia mover-se no âmbito de um método que respeite a afetação direta ou específica, porque só tal método será compatível com o princípio da legalidade e da imparcialidade a que está sujeita (art. 55º Lei Geral Tributária) e que resulta da redação do nº 2 do artigo 31º do EBF ao excluir da formação do lucro tributável os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações alienadas.

Acrescenta que os SIT nunca contestaram a fiabilidade da contabilidade da Requerente, daí se retirando que os elementos contabilísticos e fiscais da A… beneficiavam da presunção de veracidade e boa fé nos termos do artigo 75º da LGT, pelo que também por força deste estatuto os SIT estavam onerados com a ilisão daquela presunção.

Conclui a Requerente

Em face do acima exposto, verifica-se que os SIT aplicam a fórmula da Circular nº 7/2004 como se, após retirar os empréstimos a participadas ao montante de todos os passivos remunerados, o valor sobrante de dívida financeira estivesse afeto aos ativos, por forma indireta. Isto é, sem averiguar se haveria partes de capital cuja aquisição tivesse sido sustentada em capital próprio, daqui decorrendo a necessária violação do ónus da prova, previsto no artigo 74.º da LGT.

A interpretação sufragada para o sentido e alcance do nº 2 do artigo 2º do EBF é a que resulta, além do mais, conforme aos princípios constitucionais da igualdade tributária, da capacidade contributiva, e da tributação do rendimento real.

O ato tributário em causa encontra-se, assim, ferido de ilegalidade, o que implica que deva ser anulado, por se encontrar inquinado de erro sobre os pressupostos de facto sobre os quais assentou, mas também de direito por vício de violação de lei.

8. Nos termos da notificação, para o efeito, a AT apresentou a sua Resposta, acompanhada do Processo Administrativo, sustentando a total improcedência do pedido da Requerente, alegando, fundamentalmente, o seguinte: 

O artigo 32.º do EBF ao determinar que os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes sociais não concorrem para a formação do lucro tributável das SGPS, não estabeleceu o método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos a essas participações sociais.

Ou seja, uma vez que aquela norma não prevê, expressamente, quais os métodos de cálculo a utilizar na afectação dos encargos financeiros, a AT, perante a dificuldade e por vezes a total impossibilidade da utilização de um método direto, tem de interpretar e aplicar a lei, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, utilizando um método de rateio, sem deixar, contudo, de cumprir os princípios básicos do direito tributário. 

Com efeito, a Circular nº 7/2004 mais não faz do que interpretar as regras jurídicas, in casu o n.º 2 do artigo 32.º (anterior artigo 31º) do EBF, emitindo normas e exemplos práticos aplicáveis, sendo que na letra daquela norma fiscal nada permite retirar a vigência, e necessária aplicação, de um método de afectação à aquisição de partes de capital dos encargos financeiros suportados pelas SGPS.  

Ora, a ratio legis da norma prevista no n.º 2 do artigo 32.º do EBF passa por acautelar um regime de neutralidade fiscal dos rendimentos (proveitos) e gastos (custos) associado às mais-valias não concorrentes para a formação do resultado fiscal das SGPS, garantindo-se que se um rendimento não releva para efeitos fiscais, o gasto (custo) respetivo também não releva para os mesmos efeitos, pelo que, para alcançar esta neutralidade fiscal é aceitável um método indirecto de afectação na ausência ou impossibilidade de adopção de um método directo. 

Acresce que, estando em causa a aplicação/controlo de um benefício fiscal, não faz sentido falar de um método indirecto como o que se encontra consagrado nos artigos 85.º e 87.º da LGT, dado que nestas normas se visa a determinação da matéria colectável de um dado imposto apenas nas situações de inexistência ou anomalias da contabilidade que inviabilizem totalmente o apuramento da matéria tributável.

E, no caso em apreço, pretende-se, tão-somente, calcular os gastos que deverão ser expurgados da matéria colectável de IRC, considerando o objetivo preconizado pelo legislador alcançar a neutralidade entre rendimentos e gastos visado pelo referido benefício fiscal.

O que importa daqui retirar é que o acto tributário de liquidação aqui em causa não está viciado ou enfermado de qualquer ilegalidade (por violação de qualquer princípio constitucional) que lhe possa ser assacada com base nesta questão da afectação dos encargos financeiros, associada à emanação da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março.

Acresce que a desconsideração dos encargos financeiros resulta, tão-somente, do quadro normativo vigente e não da eventual aplicação dos critérios vertidos na aludida Circular n.º 7/2004, de 30/03.  

Donde decorre que não é a Circular n.º 7/2004 que cria normas de incidência, mas é a própria lei, interpretada nos termos acima expostos, que afasta a dedutibilidade dos encargos financeiros (incorridos com financiamentos ligados à aquisição das participações sociais alienadas e que realizam, ainda que potencialmente, mais-valias excluídas de tributação), para efeitos de apuramento do lucro tributável do exercício em que são incorridos. 

Como tal, a interpretação iuris constante da Circular n.º 7/2004, está conforme à letra da lei, na medida em que mais não faz do que empreender a descoberta do seu mais preciso significado, em respeito, aliás, pela teoria geral da interpretação da lei e o do quadro normativo que a conforma.

Não procedeu, pois, a Requerida à criação de qualquer norma de incidência fiscal, limitando-se o entendimento vertido na Circular n.º 7/2004, de 30/03, a tentar esclarecer as emergentes dúvidas sobre o regime fiscal aplicável às SGPS e às SCR, previsto no artigo 31.º do EBF, na redacção que lhe foi dada pela Lei 32-B/2002, de 30/12 (OE para 2003)

Como é sabido, o recurso à aplicação de um método indirecto para a afectação dos encargos financeiros às participações sociais, torna-se imperativo sempre que inexista a possibilidade de forma inequívoca proceder a uma afectação direta e específica entre uns e outras, e nada na letra nem no espírito do n.º 2 do art.º 32.º do EBF afastava essa possibilidade.

Assim, através da Circular n.º 7/2004, por exigência do princípio da legalidade, a AT, em consonância com o que era estatuído no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, em termos de resultado a alcançar, limitou-se a divulgar a fórmula e os procedimentos a seguir, no intuito de criar condições de praticabilidade àquele normativo e de assegurar um tratamento uniforme dos contribuintes.  

É, pois, manifesta a improcedência da argumentação expendida pela Requerente.

Quanto à questão do ónus da prova incumbir à AT, saliente-se que a correção em causa se encontra totalmente fundamentada no RIT, no âmbito do qual a Requerente foi notificada para exercer o seu direito de audição sobre correcção proposta pela Inspecção Tributária. 

Ora, a Requerente optou por não se pronunciar, prescindindo da oportunidade que lhe foi facultada pela AT para esclarecer cabalmente a sua situação tributária, designadamente «a origem de tais pagamentos» bem como apresentar à Inspecção Tributária o método de afectação específica por si adoptado para calcular os encargos financeiros suportados e declarados. 

Pelo que, não se vislumbra de que forma poderia a Inspecção Tributária verter no Relatório as razões que impediram o recurso ao método de afectação específica dos encargos financeiros suportados no exercício de 2012 ou justificar ou identificar as dificuldades na utilização de um método de afectação específica que não era do seu conhecimento, como pretende a Requerente.

De igual forma, a Requerente nada invoca nem prova na presente acção arbitral quanto ao método de afectação específica dos encargos financeiros suportados no exercício de 2012.

Nos termos do disposto no nº. 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária: “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.”, daqui resultando, como constitui jurisprudência pacifica, uma repartição do ónus da prova, incumbindo à AT e aos contribuintes o ónus da prova dos factos que alegam como pressuposto do direito que pretendem exercer.

Com efeito, a alínea b) do n.º 3 do artigo 17.º do Código do IRC, em conjugação com o regime especial previsto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, determina a obrigação de identificação dos encargos financeiros directa ou indirectamente relacionados com a aquisição das partes de capital visados pela exclusão de dedução para efeitos de se proceder, sendo caso disso, ao respetivo acréscimo ao lucro tributável.

Donde resulta que competiria à Requerente identificar especificadamente os financiamentos obtidos e os correspondentes encargos financeiros, logrando provar que estes não se destinaram à aquisição de partes de capital.

Assim, para dar cumprimento ao seu ónus da prova, a Requerente teria que ter capacidade para identificar os fundos que canalizou para aquisição das participações sociais e fazer constar essa informação da sua documentação contabilística, sob pena de, nos termos do artigo 75.º, n.º 2 da LGT, tal omissão fazer cessar a presunção de veracidade da sua contabilidade. 

A Requerente limita-se a invocar, em abono da sua pretensão, jurisprudência e doutrina abstendo-se de indicar o método por si utilizado para calcular especificadamente os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais alienadas.

Aceitar o entendimento propugnado pela Requerente e anuir na anulação da liquidação perante a “ausência pura e simples de qualquer método” significaria subverter totalmente a ratio da norma constante do artigo 32.º, n.º 2 do EBF, e incorrer em clara violação dos princípios constitucionais da igualdade tributária, da capacidade contributiva, e da tributação do rendimento real.

Conclui a Requerida pelo devido improcedimento da argumentação expendida pela Requerente, já que na sua perspectiva, não se mostra provado o ónus que sobre ela impende de acordo com os artigos 342.º do Código Civil e 74.º, n.º 1, da LGT, o alegado vicio de violação de lei. 

Não tendo sido efectuado o pagamento da dívida tributária, não pode a AT ser condenada a restituir a “quantia indevidamente paga acrescida dos respectivos juros indemnizatórios” , nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.  

 

Por outro lado, os artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT, invocados pela Requerente para sustentar o pedido de pagamento de juros indemnizatórios, o que consagram é o direito a indemnização por prestação de garantia indevida, pedido que não foi formulado nos presentes autos.

9. Em  29 de Setembro de 2017 foi exarado despacho dispensando a realização da audiência (art. 18.º do RJAT), por não haver prova a produzir, decretando-se que o processo seguisse para a fase de alegações finais. Foi designado o dia 22 de Fevereiro de 2018 como prazo limite para prolação da decisão arbitral.

10. Requerente e Requerida apresentaram, respectivamente, alegações e contra-alegações escritas.

II- SANEAMENTO

11.1. O Tribunal é competente.

11.2. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e beneficiam de legitimidade processual, nos termos dos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março. 

11.3. A AT procedeu à designação dos seus representantes nos autos e o Requerente juntou procuração, encontrando-se, assim, as Partes devidamente representadas.

11.4. O processo não enferma de nulidades. 

11.5. Não foram suscitadas questões, prévias ou subsequentes, prejudiciais ou de excepção, que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.   

 

III. MÉRITO  

III.1. MATÉRIA DE FACTO  

1§. Factos provados   

No que diz respeito à factualidade com relevo para a decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos: 

a)     A A… é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (“SGPS”) que se dedica à atividade de gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta do exercício de atividades económicas, sendo a sociedade dominante do designado Grupo B… .

b)    O referido Grupo B… é tributado de acordo com o Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”), previsto nos artigos 69º e seguintes do Código do IRC.

c)     No exercício de 2012, a A… agregava os seus resultados fiscais com as sociedades identificadas no RI, optando, em sede de IRC, pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS) previsto nos Artigos 69.º, 70.º e 71.º, todos do Código do IRC.

d)    No âmbito de uma ação inspetiva, os SIT realizaram correções à matéria tributável do Grupo no montante global de EUR 1.608.632,51, as quais resultaram de correções às seguintes empresas:  A… SGPS, S.A. (individualmente considerada), no montante de EUR 850.654,13; C…, S.A., no montante de EUR 12.642,04; D…, S.A., no montante de EUR 554.293,55; E…, S.A., no montante de EUR 191.042,79.

e)     A impugnação arbitral teve, apenas, como objecto, a anulação do ato tributário na parte influenciada pelas correções à matéria coletável da A… SGPS, SA, enquanto sociedade individual.

f)     No âmbito da referida acção inspectiva foi efectuada uma correcção à A… SGPS, SA, no montante de €850.654,13, relativa a encargos financeiros suportados e imputáveis à aquisição de participações financeiras, com fundamento no n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), tendo havido lugar ao ato tributário de liquidação acima identificado.

g)    Os documentos juntos aos autos não evidenciam de forma especificada a associação entre os investimentos (incluindo os relativos à aquisição de partes de capital) e a forma como estes foram financiados, seja por capital próprio seja por capital alheio, pelo que, não evidenciam assim a associação entre os encargos financeiros (que representam a remuneração de financiamentos por capital alheio) e os investimentos.  

h)    No âmbito da referida Inspeção os SIT quanto ao cálculo dos encargos financeiros suportados e imputáveis à aquisição das participações financeiras (partes de capital) seguiram a seguinte fórmula: i) Imputação dos passivos remunerados aos empréstimos concedidos remunerados e aos outros investimentos geradores de rendimentos financeiros, sendo que, no caso em análise, esta imputação é nula, por inexistência de ativos remunerados com aquela natureza; ii) Imputação do remanescente dos passivos remunerados aos restantes ativos; iii) Apuramento proporcional do valor daqueles passivos remunerados à aquisição das participações financeiras (partes de capital) (cfr. fls. 10/12 ss. do PA junto aos autos que se dá por reproduzido). 

i)      A Requerente prestou garantia idónea e requereu a suspensão do processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva do ato tributário impugnado nos presentes autos.

 

2.º § Factos não provados  

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado. 

3.º§ Fundamentação da matéria de facto provada e não provada  

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT]. 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito [cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, (à luz do artigo 110.º/7 do CPPT) e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, todos os factos acima elencados, não havendo matéria factual dada como não provada.

 

III.2 – MATÉRIA DE DIREITO 

III.2-1-Quanto à alegada violação artigo 32.º, n.º 2, do EBF

A questão central gira em torno do sentido e alcance do artigo 32.º, n.º 2, do EBF e a sua articulação com a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, matéria que foi objecto de ponderação no Acórdão do CAAD, proc n.º 258/2015-T, que pela especifica pertinência identitária, seguiremos de muito perto.

No mencionado Acórdão ficou consignado, entre o mais: 

 “(...) REGIME FISCAL GERAL DAS SGPS 

A.1. O regime fiscal das SGPS, desde a sua criação pelo Decreto-Lei n.º 495/88 e até 31 de Dezembro de 2000, encontrava-se regulamentado no art. 7.º do referido diploma, que determinava que "às mais-valias e menos-valias obtidas pelas SGPS, mediante a venda ou troca das quotas ou acções de que sejam titulares, é aplicável o disposto no artigo 44º do Código do IRC, sempre que o respectivo valor de realização seja reinvestido, total ou parcialmente, na aquisição de outras quotas, acções ou títulos emitidos pelo Estado, no prazo aí fixado" (redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 318/94).

Ou seja, a diferença positiva entre as mais e as menos-valias não concorria para o lucro tributável, sempre que o valor de realização fosse reinvestido até ao fim do segundo exercício seguinte ao da sua realização. A partir de 2001, com a aprovação da Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado (OE) para 2001, este regime passou a estar regulamentado no art. 31º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), que determinava que "às mais e menos-valias obtidas pelas SGPS e SCR, mediante a venda ou troca das quotas ou acções de que sejam titulares, é aplicável o disposto no artigo 45.º do CIRC, sempre que o respectivo valor de realização seja reinvestido, total ou parcialmente, na aquisição de outras quotas, acções ou títulos emitidos pelo Estado, no prazo aí fixado". Esta norma mais não é do que a transposição das normas previstas no art. 45.º do Código do IRC (CIRC), relativo a "encargos não-dedutíveis para efeitos fiscais". Assim, passou a adoptar-se um regime fiscal de diferimento da diferença positiva entre as mais e as menos-valias para os cinco anos seguintes, sempre que fosse manifestada a intenção de reinvestir, e esse reinvestimento ocorresse posteriormente. 

As SGPS, por seu lado, passaram a beneficiar de um regime de diferimento da tributação das mais-valias obtidas mediante a venda ou troca das participações societárias por si detidas, tendo que reinvestir o valor de realização até ao fim do terceiro exercício seguinte ao da realização. A entrada em vigor da Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que aprovou o OE para 2002, veio determinar a aplicação às SGPS dos n.º 1 e 4 do art. 45º do CIRC (na redacção em vigor à época), por remissão do art. 31º do EBF. Por conseguinte, a nova norma dispunha que, se a participação tivesse sido detida durante um ano à data de alienação, e se no exercício anterior ao da realização, no próprio exercício ou até ao fim do segundo exercício seguinte, fosse reinvestido o valor de realização, proceder-se-ia a uma tributação de 50% da mais-valia líquida (conforme n.º 1 do art. 45º do CIRC). 

Com a publicação da Lei n.º 32-B/2002, de 20 de Dezembro, que aprovou o OE para 2003, o regime de tributação das mais e menos-valias para as SGPS foi novamente modificado, através de alterações introduzidas nos n.º 2 e 3 do art. 31º do EBF, sendo este o regime que passou a vigorar, embora com posterior renumeração do artigo (que passou de 31º para 32º). 

A nova redacção passou a dispor que as mais e menos-valias realizadas na transmissão onerosa de partes de capital, e os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorreriam para a formação do lucro tributável, desde que essas partes de capital fossem detidas por período não inferior a um ano.  

A.2. A partir de 1 de Janeiro de 2003 (por força da Lei n.º 32-B/2002) passou, pois, a vigorar em pleno esse regime específico das SGPS: a aplicação do nº 2 do art. 31º do EBF (depois, art. 32º) excepcionava ao regime geral previsto nos arts. 23.º, 42.º e 45.º do CIRC, que voltavam a aplicar-se às menos-valias apuradas na transmissão de partes de capital caso a transmissão consubstanciasse os n.ºs 5, 6 e 7 do art. 23.º do CIRC mas não se encontrassem preenchidos os pressupostos de aplicação da norma do EBF. 

Como regra geral resultará da aplicação do art. 31.º (depois 32.º) do EBF que as menos-valias e os encargos financeiros suportados com o financiamento de partes de capital não concorrem para a formação do lucro tributável (uma desconsideração que só não ocorreria se se verificasse alguma das excepções previstas no n.º 3 desse mesmo art. 31.º). 

Para o que nos interessa mais especificamente, no período em consideração a redacção do n.º 2 do art. 32.º do EBF manteve-se praticamente inalterada até à sua revogação: - Até Março de 2010 vigorou a redacção introduzida pela Lei n.º 10/2009, de 10 de Março: "As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades." - A mesma redacção manteve-se até Dezembro de 2010, não obstante as alterações introduzidas no diploma pela Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril - E o mesmo sucedeu até Dezembro de 2011, não obstante as alterações introduzidas pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro - Só com a Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, foi introduzida uma ligeira modificação do preceito, que não alterou o seu sentido e somente eliminou a referência às SCR e aos ICR: "As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades." - E foi esta redacção que permaneceu até Dezembro de 2013, altura em que ocorreu a sua revogação pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.  

A.3.- Mesmo que se percebesse a razão de ser deste regime introduzido pela Lei n.º 32-B/2002, cedo se adensaram dúvidas relativas a um seu possível impacto negativo. É que enquanto o regime aplicável até 2003 previa o diferimento ou exclusão da tributação do saldo positivo entre as mais e menos-valias – assim levando em conta as menos-valias para a formação do lucro tributável, o regime instituído em 2003 e vigente até 2013 dispôs que as menos-valias deixavam de concorrer para a formação do lucro tributável, excepto quando as participações tivessem sido detidas por um período inferior a um ano, sendo neste caso aplicado o regime geral previsto no CIRC. 

Assim, quando uma sociedade apurasse um saldo negativo entre as mais e as menos-valias não poderia incluir esse saldo na determinação do lucro tributável. Na aparência, a norma da não dedutibilidade dos encargos financeiros era um aspecto penalizador do regime das SGPS; na realidade, o regime ficava criticamente dependente da definição do conceito de encargos financeiros, da forma de distribuição e cômputo desses encargos financeiros, e até da definição da aplicação do regime no tempo. 

Na verdade, a referida não-dedutibilidade de encargos e menos-valias pretendia jogar simetricamente com o facto de as mais-valias realizadas pelas SGPS terem passado a estar isentas de concorrerem para a formação do lucro tributável em IRC – o que resulta do Relatório do Orçamento do Estado para 2003, no qual, sob o título "Principais alterações em sede de IRC," e com a epígrafe "Alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade", se aponta a isenção de tributação em IRC das mais-valias realizadas pelas SGPS com a alienação de partes de capital detidas há mais de um ano, como uma medida associada ao estabelecimento de regime de desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável de tais sociedades, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição das participações sociais correspondentes – tudo procurando constituir medidas conducentes a evitar o planeamento fiscal abusivo, aproximando o regime nacional do modelo holandês (visando se com isso conferir maior competitividade ao regime fiscal nacional e ao mesmo tempo promover-se o alargamento da base tributável). 

Por outras palavras, o objectivo do regime instituído em 2003 foi o de contrabalançar a atribuição de um benefício – a exclusão total de tributação das mais valias – com a não concorrência de certos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade entre os eventuais ganhos com determinados activos (certas imobilizações financeiras) e o passivo necessário à criação das condições para a obtenção de tais ganhos, isto é, o passivo relacionado com a aquisição de tais participações. 

No fundo, o legislador não quis que se cumulassem dois benefícios: as SGPS já viam as suas mais-valias de partes de capital ficarem isentas de imposto; pelo que, quando tal sucedesse, não poderiam elas cumular com o benefício de aceitação fiscal dos juros suportados com o financiamento para a aquisição dessas partes de capital. Nesse aspecto, o legislador procurou aproximar o regime aplicável às SGPS à disciplina da participation exemption vigente em diversos países europeus. 

Referindo-se ao tratamento favorável que as SGPS recebiam quantos às mais-valias registadas nas suas partes de capital, sintetizava José Engrácia Antunes: "esta vantagem fiscal, de resto, é em boa medida mitigada ou anulada pelo facto de os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações não serem tidos como custos elegíveis, não concorrendo assim para o cálculo do lucro tributável da SGPS." 

A dificultar a compreensão da situação, contudo, e a adensar a impressão de afastamento do princípio da tendência para a tributação das sociedades pelo rendimento real, esteve o facto de, como vimos, se terem sucedido, em rápida cadência a partir do início de 2001, vários regimes para a mesma realidade: de uma isenção da tributação da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias realizadas com a alienação partes de capital (regime em vigor até 31 de Dezembro de 2000), passou-se à aplicação de um diferimento da tributação da diferença positiva entre as mais-valias e as menos-valias, por um prazo de cinco anos, condicionado ao reinvestimento (regime em vigor em 2001), seguindo-se a solução da exclusão parcial equivalente a 50% da diferença positiva entre as mais- e as menos-valias, estando esta igualmente condicionada ao reinvestimento (regime em vigor em 2002); culminando, no período de 2003 a 2013, numa exclusão, em determinadas circunstâncias, da dedutibilidade das menos-valias e encargos suportados com a alienação de partes de capital (independentemente de qualquer reinvestimento). Num certo sentido, essa sucessão "em rajada" de regimes tributários criou a impressão de um verdadeiro "puzzle", e gerou a oportunidade, e o incentivo, à exploração dessa "entropia" informativa / normativa.  

A.4. Um problema que emerge no contexto genérico da tributação das empresas, e por isso ganha especial relevância no seio das relações de grupo e na tributação das SGPS, é o da indispensabilidade de certas despesas para efeitos da aplicação do regime do art. 23.º do CIRC, nomeadamente a indispensabilidade das "prestações suplementares", na medida em que possa entender-se que tais prestações integram o conceito de "parte de capital" que era proeminente na redacção do art. 23º à data dos factos. 

Em termos gerais, dir-se-á que para a aplicação do art. 23.º do CIRC (em qualquer das suas redacções) a "indispensabilidade" é um nexo de relação entre custos e proveitos que se afere num sentido económico, devendo ter-se por imprescindível o gasto contraído em ordem à obtenção dos proveitos, ou ao menos para garantia da vigência e manutenção da sociedade e sua actividade, sendo portanto "indispensável" o custo fiscal incorrido em interesse próprio e egoístico da sociedade que regista tal custo. O conceito de "indispensabilidade" remete, assim para a funcionalização ao objecto societário, procurando-se evitar, genericamente e na medida do possível, aferições livres a partir de um qualquer juízo subjectivo do aplicador da lei, alicerçado em cálculos de oportunidade ou na discricionariedade técnica. 

Num sentido mais restritivo, a indispensabilidade resultará necessariamente da ligação directa e biunívoca entre um proveito e um custo que o suportou; no seu sentido mais amplo, a indispensabilidade que torna fiscalmente dedutíveis os custos corresponderá a uma ampla integração das despesas apresentadas em operações relativas ao escopo societário, independentemente de ele contribuir ou não para a obtenção de proveitos. 

Há ainda quem admita sentidos intermédios, dando-se por custos "indispensáveis" aqueles que são obrigatoriamente suportados em virtude da actividade das empresas, independentemente da consideração dos resultados. Nenhuma das precedentes considerações impediu que, na prática, o conceito de indispensabilidade, sendo indeterminado, tenha vindo a ser preenchido casuisticamente pela jurisprudência, o que teve como corolário que cada uma das situações controvertidas tivesse que ser analisada individualmente. Sempre se aceitou o princípio de que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só poderia excluir gastos não directamente afastados pela lei debaixo de uma motivação que convencesse de que eles foram incorridos para além do objectivo social, ou, ao menos, com excesso "desviante" face às necessidades e capacidades objectivas da empresa, ou seja, que se tratou de custos que, embora assim contabilizados pela empresa, não são na realidade custos empresariais (servindo antes, por exemplo, para camuflar gastos pessoais dos administradores). 

Em contrapartida, desde o início se percebeu a necessidade de se enfatizar o advérbio «comprovadamente» que, à data, constava do n.º 1 do art. 23.º do CIRC: "Consideram-se gastos os que comprovadamente sejam indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora" – significando isso, muito singelamente, que as despesas efectuadas não podem ser aceites como custos apenas por serem do tipo de despesas que uma empresa possa realizar no âmbito do seu objecto social, sendo necessário que se prove, no mínimo, alguma relação das despesas com a actividade geradora dos proveitos, que permita considerar tais despesas como actos de gestão da empresa – apontando decisivamente no sentido da acepção mais restritiva de "indispensabilidade", que atrás enunciámos. 

O art. 23.º permitia, em suma, a relevância fiscal de todas as despesas efectivamente concretizadas que fossem potencialmente adequadas a proporcionar proveitos ou ganhos, independentemente do êxito ou inêxito que em concreto tivessem proporcionado, independentemente até de gerarem, ou não, um proveito tributável, bastando que, no momento em que foram incorridas e face às regras da experiência comum, comprovadamente, pudessem afigurar-se como potencialmente geradoras de proveitos, devendo excluir-se somente o que não puder ser considerado como um acto de gestão com esse potencial comprovado, por não poder esperar-se, com probabilidade aceitável, que da despesa efectuada pudesse resultar um proveito. Por outras palavras, o controle da Administração Tributária, ainda que estribado no conceito mais restritivo de "indispensabilidade", tem que ser um controle pela negativa, eliminando como custos apenas os que claramente não tenham potencialidade para gerar incremento dos ganhos.

A.5. Especificamente quanto à indispensabilidade das prestações suplementares, tratava-se de saber não somente se eram dedutíveis como "partes de capital", para efeitos do artigo 23.º do CIRC, mas também se, como "partes de capital", eram dedutíveis para efeitos do art. 32.º, n.º 2, do EBF, eventualmente por implicarem custos financeiros indispensáveis à realização de tais prestações suplementares, interferindo na geração de lucro de um modo que deveria ser atendido para apuramento do lucro tributável – contrapondo-se a essa pretensão o entendimento de que no seio das relações das SGPS com as suas participadas tais prestações suplementares, mesmo que passassem no crivo da indispensabilidade do art. 23.º do CIRC, estariam abrangidas na expressão "aquisição de partes de capital" e deveriam, por isso, ser desconsideradas nos termos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, pelas razões peculiares que ditaram este norma do EBF, as razões de "contrabalanço" ou "neutralidade fiscal" entre mais- e menos-valias, que enunciámos antes. 

O aspecto penalizador deste artigo 32.º do EBF ressurgia, ou podia ressurgir, com a constatação de que, na verdade, o regime do n.º 2 do art. 32.º do EBF, ainda que restringindo-se a operações sobre "partes de capital" das SGPS, poderia, pela ambiguidade de critérios em que assentava, conduzir à não-dedução fiscal de encargos financeiros que não se integravam realmente em tais operações. Por exemplo, poderia dar-se o caso de o custo incorrido, digamos um endividamento, não ter sido contraído com o objectivo específico de adquirir partes sociais, mas para a actividade empresarial em geral, nomeadamente para a concessão de empréstimos da SGPS às suas participadas – caso em que deixaria de existir uma correspondência directa do endividamento com a aquisição das partes sociais. Com efeito, as SGPS recorrem ao financiamento bancário numa óptica de gestão de tesouraria, para posteriormente emprestarem às suas participadas, naquilo que constitui um procedimento normal e legítimo. 

Assim, para além dos encargos financeiros efectivamente suportados com a aquisição de participações sociais, e na medida em que as SGPS suportam normalmente encargos financeiros provenientes de empréstimos de financiamento adquiridos junto de instituições de crédito para outros fins, estes encargos deveriam fugir do âmbito do n.º 2 do art. 32.º do EBF e ser aceites fiscalmente como custo.

Mas, insistamos, é a ambiguidade de critérios sobre o que sejam encargos financeiros, sobre a forma como devam ser imputados e sobre o regime temporal a que estão sujeitos que gera efectivamente um risco de sobre-extensão do regime do n.º 2 do art. 32.º do EBF. Aí, o primeiro interessado em que transparecessem as razões para a não-aplicação do n.º 2 do art. 32.º do EBF, porque de outro modo seria também o primeiro onerado, era a própria SGPS, que deveria proceder a uma aplicação analítica e discriminada dos seus recursos (capitais próprios e capitais alheios), com cada aplicação devidamente definida, documentada e justificada.

Se assim não sucedia é porque fundamentalmente a margem de indefinição gerava uma possibilidade de manipulação dos valores, seja do lado das SGPS seja do lado da própria AT. 

Na ausência de consensos, o n.º 2 do art. 32.º do EBF poderia ser interpretado no sentido de permitir que os juros fossem efectivamente deduzidos enquanto não se verificassem os pressupostos de exclusão da mais-valia para efeitos de apuramento do lucro tributável. Neste contexto, uma solução possível para os juros seria a seguinte: na aquisição de uma participação social a uma entidade relacionada ou sujeita a tributação privilegiada, os juros incorridos seriam dedutíveis desde o início, sendo integralmente acrescidos ao lucro tributável no exercício em que se procedesse à alienação, caso a mesma ocorresse depois de haver decorrido o período mínimo de três anos de detenção. Essa solução de "crédito de imposto", que na prática corresponderia a uma externalização de riscos por parte do contribuinte, jamais foi adoptada; mas já voltaremos a considerá-la. 

A indefinição prevalente não poderia eternizar-se, pelo que se sentiu a necessidade de estabelecimento de critérios claros, dotados de alguma objectividade, que permitissem avançar na liquidação do IRC incidente sobre as SGPS – critérios de imputação, por exemplo, que permitissem a determinação da percentagem de passivos remunerados não afectos a activos também remunerados, ou o apuramento da percentagem das participações sociais nos activos ainda não objecto de afectação específica a passivos remunerados, incluindo as participações financeiras ao preço de custo. Critérios que, conjugados, permitissem a imputação dos juros associados às aquisições de partes de capital que fossem, ou eventualmente não fossem, fiscalmente atendíveis para o cômputo do lucro tributável. 

É em resposta a uma tal necessidade que surgiu a Circular 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços do IRC, a qual, reconhecendo (no seu ponto 7) "a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e [a] possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria", apresentava uma fórmula para o cálculo do valor dos encargos financeiros não considerados como custo e efectivamente acrescidos ao lucro tributável – uma métrica para quantificar os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital e que, por isso, não seriam dedutíveis.

A "afectação directa" para apuramento seguro do valor dos encargos financeiros que supostamente tivessem sido suportados com a aquisição de partes de capital seria sempre especialmente difícil dada a fungibilidade do dinheiro e a desnecessidade de consignação dos fundos mutuados, e daí que, sem perder de vista a necessidade de manter o recurso à análise casuística (como se reconhecia no ponto 9 da Circular), no seu ponto 7 se estabelecesse que "deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição". 

A Circular 7/2004 veio, por sua vez, suscitar duas questões: 1) podia uma simples Circular resolver as ambiguidades suscitadas pela interpretação de um preceito legal? 2) podia a AT arrogar-se, através da Circular ou independentemente dela, o poder de sindicar decisões económicas da gestão das empresas para lá daquilo que fosse o estrito preenchimento dos pressupostos de aplicação das normas pertinentes? 

A.6. A primeira questão suscitada pela Circular 7/2004 era esta: podia uma simples Circular resolver as ambiguidades suscitadas pela interpretação de um preceito legal? O problema reveste-se de um especial melindre porque o n.º 2 do art. 32.º do EBF era uma norma de incidência, pelo que o cálculo previsto na Circular tinha directo impacto na incidência directa dos tributos. 

A.6.1- Argumentos restritivos - Por um lado, e em termos gerais, é certo que as Circulares consistem em orientações administrativas de carácter genérico, segundo as quais o poder executivo procede a uma interpretação de normas tributárias, pelo que as instruções genéricas contidas em Circulares não podem pretender ser mais do que isso: meras instruções, que apenas vinculam a administração, sendo que em parte alguma da LGT se estabelece que as Circulares da AT se aplicam aos dois lados das relações que esta entidade estabelece com os administrados. A ser assim, poderia suscitar-se – e suscitou-se – um problema de ilegalidade, mormente face ao disposto na LGT, na medida em que pudesse colocar-se a hipótese da criação, através da aparência da Circular, de uma nova norma de incidência fiscal. Um dos princípios incontestáveis com pertinência para o caso é o de que a aferição da legalidade dos actos da administração tributária deve ser efectuada através do confronto directo com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno ou com a Circular que se interpôs entre a norma e o acto, pelo que a circunstância de a AT ficar vinculada às orientações genéricas constantes de Circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário (art. 68.º-A, 1, da LGT), e de ter o dever de proceder à conversão das informações vinculativas, ou de outro tipo de entendimento prestado aos contribuintes em circulares administrativas, em determinadas circunstâncias (art. 68.º, 3 da LGT), não altera esta perspectiva – simplesmente porque não transforma esse conteúdo em norma com eficácia externa, sendo somente ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, e não pela via de um qualquer valor normativo, que o conteúdo das Circulares prevalece. Assim, as orientações administrativas genéricas – constantes ou não de uma Circular – apenas poderão conter comandos ou enunciados densificadores que sejam operativos em relação àqueles que, num estrito ponto de vista jurídico, são os seus exclusivos destinatários, os serviços integrados na administração tributária que emitiu a orientação. Essas orientações administrativas genéricas tornam-se ilegais se passam a ter os próprios sujeitos de imposto como destinatários, seja porque explicitamente manifestam essa intenção, seja porque densificam normas de um modo que vincula os particulares – uma densificação que, a ser necessária, deveria ser operada através de uma norma legal, e não a um nível inferior –, seja ainda porque, mais subtilmente, remetem para uma densificação da norma que só pode operar-se por actos dos particulares e não já por simples actos da Administração. 

E tornam-se ainda ilegais se determinam de forma geral e abstracta, como sucede nas Circulares, e nessa determinação transgridem as salvaguardas que procuram vedar que elas sirvam de sucedâneos de normas legais propriamente ditas. A entender-se deste modo, a Circular 7/2004, ao procurar fixar, de forma geral e abstracta, um método de apuramento dos encargos suportados por SGPS, no âmbito da aquisição das partes de capital detidas, nomeadamente quando os encargos não são afectados de forma directa, e por ter consequências claras ao nível da incidência do imposto, foi uma candidata à declaração de ilegalidade, especificamente por violação da reserva de lei formal da Assembleia da República. 

Daí que algumas interpretações sustentassem que a Circular 7/2004, através da interpretação extensiva do regime previsto no artigo 32.º do EBF que teria consumado, desvirtuara, material e formalmente, aquele artigo, criando uma nova norma de incidência fiscal – em violação dos artigos 103.º, 2 e 3 e 165.º, 1, i) da Constituição. Como referimos, o método previsto na Circular 7/2004 permitia apurar quais os montantes dos encargos financeiros da SGPS que não eram dedutíveis, estabelecendo um método que permitia a afectação dos passivos aos diferentes activos das SGPS: primeiro, afectavam-se os passivos remunerados das SGPS aos investimentos geradores de juros; depois, afectava-se o remanescente dos passivos aos restantes activos, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição. Desse modo, insiste-se, procurava-se remediar o facto de o artigo 32.º, n.º 2, do EBF ser omisso na explicitação do método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais. 

A fórmula de cálculo adoptada em tal Circular é, pois, aparentemente simples, mas a sua aplicação resulta complexa sob o ponto de vista dos pressupostos usados na classificação das rúbricas a ponderar, pois que assenta apenas na distinção entre activos e passivos remunerados e não remunerados. 

Ora, a classificação dos elementos activos e passivos, entre "remunerados" e "não remunerados", não se encontra estabelecida de forma expressa na ordem jurídico-contabilística existente à data dos factos (Plano Oficial de Contas, POC), nem na posteriormente vigente (Sistema de Normalização Contabilística, SNC). Logo, surge de modo inovador na Circular 7/2004, pelo que a própria Circular devia ter definido o que entende por cada um desses conceitos – o que não fez, limitando-se a elencar exemplos de elementos activos e passivos remunerados e não remunerados. 

Mais especificamente ainda quanto ao que respeita ao caso das SGPS, a definição de conceitos subjacente à bipartição entre "activos remunerados" e "outros activos" era imperiosa, e a sua ausência foi crítica, atendendo a que não há, ou dificilmente pode haver, uma relação factual directa entre os fundos totais obtidos (os que implicaram o pagamento de juros) e os fundos investidos na aquisição das participações sociais. Compreende-se assim que se tenha chegado à opinião de que a AT, ao emitir a Circular 7/2004, não se limitou a aplicar normas tributárias e a facilitar a respectiva aplicação, extravasando da sua função de regulador da incidência para assumir a função de criador de nova incidência fiscal, na medida em que, substituindo-se à norma e ao intérprete da norma, condicionou erga omnes a aplicação do regime do art. 32.º, n.º2, do EBF através da interposição de critérios não autorizados pelo art. 11.º, n.º 4, da LGT.

 A opinião não se limitava a sustentar que com a Circular se teriam afrontado os princípios constitucionais que enquadram a incidência tributária, mas ia mais longe, sugerindo que com a Circular se teriam introduzido até entorses ao princípio da tributação das empresas pelo rendimento real – embora, quanto a esta consequência necessária da aplicação de qualquer método indirecto, se deva observar que o que a Constituição impõe, quanto à tributação das empresas, não é que a incidência se dê "exclusivamente", mas apenas que ela recaia "fundamentalmente", no seu rendimento real (art. 104.º, n.º2, da CRP).  

A.6.2. Argumentos expansivos- Por outro lado, uma Circular, como a Circular 7/2004, pode e deve ser interpretativa da lei tributária, e não será ilegal se, ajudando a dissipar dúvidas e a superar dificuldades, se limitar a fornecer métodos de "densificação" e de aplicação das normas legais sem cair na interpretação extensiva ou na analogia – aqui vedadas – e sem contribuir para a criação de novas normas em violação dos artigos 103.º, n.º 2 e n.º 3 e 165.º n.º 1 alínea i) da Constituição. O que a lei permite, e aquilo que a Constituição impõe à AT, é que, na interpretação que faz das normas tributárias, se limite a emitir orientações genéricas que preencham conceitos, quando isso se revele necessário. Não se pode por isso presumir – ao menos de boa fé – que todo e qualquer preenchimento desses conceitos, qualquer densificação, mesmo nas áreas de maior incerteza e complexidade e portanto mais carecidas dessa "regulação de incidência", seja ipso facto uma ilegalidade, e especificamente consista no exercício da função legislativa sob o "manto diáfano" de uma interpretação extensiva da lei. 

Afigura-se, portanto, legítimo utilizar a fórmula constante da Circular 7/2004, embora esta possa ter que ser "corrigida" no necessário para que a ratio legis do n.º 2 do art.º 32º do EBF resulte integralmente respeitada. O mesmo é dizer que, por óbvio, a adopção da fórmula preconizada pela Circular não vincula o sujeito passivo às consequências dela derivadas quando estas resultem contra legem. A verdade é que nada, na letra do n.º 2 do art.º 32.º do EBF, retirava qualquer legitimidade a qualquer método, directo ou indirecto, de afectação dos encargos financeiros das SGPS para se alcançar os objectivos prosseguidos com aquela norma. 

A afectação pro rata prevista no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, método indirecto de afectação, era portanto tão legítima e tão compatível com a ratio legis da norma como qualquer outro método – sendo que, em contrapartida, não pode sustentar-se que os objectivos daquela norma (de qualquer norma) pudessem ser alcançados na ausência, pura e simples, de qualquer método. 

O objectivo daquela norma, como vimos, foi o de – no pressuposto de que as SGPS pudessem vir a beneficiar da exclusão de tributação aplicável aos rendimentos de mais-valias realizados com a alienação de participações sociais – obstar a que os custos relevantes que estivessem relacionados com a obtenção de tais rendimentos pudessem ter relevância em termos de apuramento do lucro tributável do sujeito passivo que os tivesse obtido. 

Daqui decorre logicamente que não foi a Circular 7/2004 que criou, com a sua interpretatio juris autorizada pela letra da lei, presunções inilidíveis de custos não dedutíveis, mas foi antes a própria lei, interpretada nos termos acabados de expor, que afastou a dedutibilidade dos encargos financeiros incorridos com financiamentos ligados à aquisição das participações sociais cuja alienação realizara as mais-valias excluídas de tributação. Recapitulando: se o n.º 2 do art.º 32.º do EBF reclamava um método de aplicação e qualquer método era legítimo, não se percebe em que medida é que a Circular 7/2004, escolhendo um método e explicitando-o, consistia ipso facto em novas normas de incidência, em violação de princípios de legalidade tributária. Se era facto que a desconsideração de encargos financeiros resultava em imposto acrescido, isso resultava do quadro normativo em vigor e não da aplicação da Circular 7/2004. 

Parece, portanto, que o que era objecto de crítica não era a Circular 7/2004, era antes, através desta, a própria regra contida no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, jogando com o facto de nesta se conter uma desconsideração de gastos que não é do regime comum da tributação das sociedades – escamoteando-se o facto de essa excepcionalidade de regime das SGPS ser bivalente e resultar de uma contrapartida, que aqui se recorda: estando uma SGPS na posição de poder vir a beneficiar da exclusão de tributação logo que realizasse mais-valias com a alienação das participações sociais, ela já não estava numa posição equivalente às das demais sociedades, as quais, realizando ganhos de mais-valias com a alienação de participações sociais, não beneficiavam da aludida exclusão de tributação – pelo que se entendia que era apenas no seio daquele regime excepcional que seria de ponderar a justiça da desconsideração dos encargos em contrapartida da desconsideração dos ganhos. 

E porque é que propositadamente se escamoteia a razão de ser da regra contida no n.º 2 do art.º 32.º do EBF? Frequentemente é porque se alega que as despesas objecto de desconsideração fiscal são antecedentes dos proveitos com que se conexionam aquelas despesas – enfatizando-se que aquelas mais-valias são puramente eventuais e podem vir a não ocorrer, deixando subtilmente subentendido, seja que o "contrabalanço" que presidiu à solução normativa (a não concorrência de certos encargos financeiros suportados, criando um ambiente de neutralidade assente no pressuposto de que tais encargos representavam, em potência, elementos capazes de colocarem a SGPS na posição de realizar as mais-valias já excluídas de tributação) é na verdade um sinalagma; seja que, sendo todos os encargos financeiros, por natureza, rodeados de riscos e incertezas, todos deveriam ser tributariamente relevantes. 

Neste peculiar entendimento, ao qual aludimos anteriormente referindo-nos a uma proposta de "crédito de imposto" (uma externalização de parte dos riscos do sujeito de imposto, que implicaria o pagamento de imposto apena a final), a desconsideração fiscal operada pelo n.º 2 do art.º 32º do EBF violaria o princípio da proporcionalidade, além de princípios de igualdade, neutralidade, capacidade contributiva e da tendência para a tributação do rendimento real: já porque discriminaria injustificadamente entre SGPS e demais empresas (na medida em que as demais poderiam ser igualmente detentoras de "partes de capital" – omitindo-se aqui que as demais empresas não beneficiariam igualmente da isenção de tributação pelas mais-valias, igualmente prevista no n.º 2 do art.º 32º do EBF), já porque se procederia a uma igualmente injustificada dissociação temporal entre efeito negativo presente e eventual efeito positivo futuro, em violação da "taxa de desconto" do dinheiro (uma variante da proposta de "crédito de imposto"). Regressa-se à perspectiva crítica relativamente à Circular 7/2004, que se acusa de ter deixado de ser mero instrumento de interpretação, de "regulação de incidência", do regime do n.º 2 do art.º 32º do EBF, para se converter numa "presunção inilidível", a de que "os encargos financeiros que com recurso a ela se apurem são tidos como suportados com a aquisição de partes de capital cuja alienação tenha beneficiado (ou seja suscetível de vir a beneficiar) de isenção de tributação de mais-valias" – uma "ficção que não admite contradita" e que se conteria na fórmula plasmada na Circular, uma fórmula "com pretensão de aplicação imperativa" agravada pelo facto de ocorrer em área de reserva de lei. 

Chega-se, nesta agudização crítica, ao ponto de questionar genericamente a aplicação de métodos indirectos de afectação de encargos, contrapondo-lhes a alternativa de métodos directos e reais que – por não serem especificados e contraditarem expressamente uma das premissas da Circular 7/2004 – parecem não ser mais do que apelos a um casuísmo irrestrito na tributação das SGPS. Reconheçamos que, conquanto se nos afigure rebuscado associar à Circular 7/2004 o estabelecimento de "presunções", e mais ainda de "presunções inilidíveis", em contrapartida não é descabido descortinarmos o perigo de tais Circulares tentarem interferir na distribuição do ónus da prova, ou ferir o princípio consagrado no art. 75.º da LGT, nos termos do qual "presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal" – mormente quando a AT se sinta tentada a aliviar o seu esforço probatório através da simples invocação de uma Circular, como se ela, mais do que fornecer um procedimento probatório, constituísse já a própria prova. 

Voltemos então à admissão de que as Circulares da Administração Tributária comportam eficácia externa, vinculando os contribuintes e também os Tribunais – uma admissão que deve ser acompanhada da ressalva, já formulada, de que é ao abrigo do princípio da boa fé e da segurança jurídica, e não por um qualquer valor normativo que pudesse representar usurpação de competências constitucionalmente atribuídas, que o conteúdo das Circulares prevalece. 

O administrado só as acata se, e enquanto, lhe convier, pelas mesmas razões que justificam que possa invocar informações individuais vinculativas que o favoreçam.  Mas nada disto interfere com o regime estabelecido no n.º 2 do art.º 32.º do EBF, com a necessidade de interpretação desse regime e com a legitimidade da Circular 7/2004 para estabelecer (e estabilizar) essa interpretação. O respeito pela normalidade das relações que são tuteladas pelo Direito Fiscal impõe que se reconheça que, no âmbito do exercício dos poderes de administração do sistema fiscal que incumbem à AT, esta tem plena legitimidade para emitir orientações genéricas contendo prescrições que se apropriem de espaços de normatividade fora da reserva de lei e que não conflituem com o espaço de normatividade já ocupado pela lei. 

Ou seja: se se tratar de orientação genérica, emitida ao abrigo de competência legalmente prevista e houver respeito por essas fronteiras, não se vê que legitimidade terá o juiz ou o contribuinte para ignorá-la e, em sua substituição, ou em substituição do administrador do sistema fiscal – que é a AT por incumbência legal –, determinar uma diferente normatividade para o caso concreto em apreciação. 

A interpretação de normas e regimes jurídicos não pode converter-se na subversão das regras e no caminho para a aporia. Foi sobre estas premissas que o Acórdão nº 42/2014 do Tribunal Constitucional assentou a sua decisão de "não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 31.º, n.º 2, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redação conferida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, na parte em que impõe a indedutibilidade fiscal dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital logo que estes sejam incorridos, independentemente da realização de mais valias isentas de tributação com a alienação de tais partes de capital". 

Por tudo o que acabámos de ver, à primeira questão suscitada pela Circular 7/2004 – podia uma simples Circular resolver as ambiguidades suscitadas pela interpretação de um preceito legal? – temos que responder afirmativamente. 

A.7. A segunda questão suscitada pela Circular 7/2004 era esta: podia a AT arrogar-se, através da Circular ou independentemente dela, o poder de sindicar decisões económicas da gestão das empresas para lá daquilo que fosse o estrito preenchimento dos pressupostos de aplicação das normas pertinentes? Sem termos que nos enredar nas subtilezas infindáveis do tema da discricionariedade no Direito Público, e sem termos que repisar o longo caminho percorrido pelo conceito de "discricionariedade", concentremo-nos antes no âmbito específico do problema: esta segunda questão assenta na possibilidade de existirem custos, e nomeadamente prestações complementares que, inserindo-se inequivocamente na capacidade da sociedade, no seu escopo lucrativo, todavia, por não terem por objectivo específico a aquisição de partes sociais, fugiam da previsão e do regime do n.º 2 do art. 32.º do EBF. 

Quanto a isso, afigura-se pacífico que os custos financeiros suportados com a realização de prestações suplementares podem ser indispensáveis à manutenção da fonte produtiva, especificamente na medida em que a dotação de uma sociedade participada com capitais próprios é um acto idóneo à manutenção e valorização da fonte produtiva da própria SGPS, e em especial em situações em que a sociedade gestora, em função da sua posição na praça relativamente ao crédito, seja susceptível de obter crédito em condições mais vantajosas do que a sociedade participada, casos em que a utilização de crédito obtido pela primeira em benefício da segunda será, manifestamente, uma decisão economicamente fundada. 

Mesmo que a tais prestações não corresponda o vencimento de juros, a SGPS estará a actuar objectivamente dentro da sua capacidade, na medida em que a valorização das suas participadas é compatível com o seu escopo lucrativo, se é que não pode dizer-se mesmo que essa valorização das participadas é o seu escopo principal. Trata-se de decisões económicas de gestão de uma SGPS que não têm por objectivo específico a aquisição de partes sociais, e que, na medida em que são custos de financiamento de um activo produtor de rendimento, deveriam ser dedutíveis nos termos gerais do art. 23º do CIRC; e a lei fiscal não contém igualmente qualquer regra específica (norma anti-abuso ou outra) que impeça ou cerceie esta liberdade de gestão. 

O que se defende é que tais despesas deveriam estar sujeitas ao regime geral do art. 23.º, n.º1, do CIRC, contornando-se o "bloqueio" imposto pelo n.º 2 do art. 32.º do EBF. Na redacção em vigor à data, o art. 23.º, n.º1, do CIRC impunha uma relação dos gastos com a realização de rendimentos sujeitos a imposto – mas aí subscrevia-se o entendimento de que todas as mais-valias obtidas por SGPS estão sujeitas a imposto, apenas se dando o caso de sobre elas recair, depois, uma isenção, com vários requisitos, que impedia em segunda linha a tributação –. Ora o facto é que, talvez por receio de que o credor de imposto ignorasse essa dualidade de situações (quiçá em resultado de um "viés interpretativo" induzido pelo desígnio de aumentar as receitas tributárias), houve quem contestasse a possibilidade de a AT sindicar decisões económicas da gestão das empresas, de modo a separar, com alguma margem discricionária, aquelas que ficavam sob a alçada, e aquelas que ficavam fora da alçada, do n.º 2 do art. 32.º do EBF. 

A.8. Âmbito de aplicação- Na medida em que o art. 32.º, n.º 2, do EBF não definiu o que entendia por "encargos financeiros", uma parte da discussão doutrinal e jurisprudencial concentrou-se na definição daquilo que poderia entender-se por "parte de capital", já que dessa definição – em larga medida buscada à revelia do que decorria já da Circular 7/2004 – resultaria um objecto mais amplo ou mais restrito de incidência do regime do n.º 2 do art. 32.º do EBF. Da demanda do conceito de "partes de capital" emergiram dois entendimentos: - Entendimento "minimalista": se se entendesse que a alusão era à noção de "capital social" (participações sociais, acções ou quotas), privilegiando a óptica "comercial" da qual se exclui a figura da "prestação suplementar", o âmbito do n.º 2 do art. 32.º do EBF seria restringido – e concomitantemente aumentadas as possibilidades de consideração de encargos financeiros como custos fiscalmente dedutíveis; - Entendimento "maximalista": se se entendesse que a alusão era a "capital próprio", privilegiando o sentido "contabilístico" e nele integrando a figura da "prestação suplementar", o âmbito do n.º 2 do art. 32.º do EBF seria alargado – e concomitantemente reduzidas as possibilidades de consideração de encargos financeiros como custos fiscalmente dedutíveis. 

Esta diferença nas consequências condicionou profundamente a discussão, até a doutrinária, prevalecendo a opinião de que a referência a "parte de capital" no art. 32.º, n.º 2, do EBF se reporta a partes do capital social, excluindo, pois, da incidência daquela norma as "prestações suplementares" (que, sendo "componentes" do "capital próprio", não seriam "partes de capital") – subscrevendo, em suma, um entendimento "minimalista" quanto à incidência do art. 32.º, n.º 2, do EBF. 

Em termos concretos, o entendimento "minimalista" consubstanciava-se no regime seguinte: só os juros ligados à aquisição de partes de capital (especificamente: acções ou quotas) seriam desconsiderados em termos fiscais; os conexos com os capitais (alheios) utilizados em prestações suplementares, ou em prestações acessórias que seguissem o regime das prestações suplementares (incluindo a cobertura de prejuízos), por não se incluírem, nem poderem incluir, no conceito de "capital social", revestiriam a natureza de custos fiscalmente dedutíveis. 

Tratar-se-ia, pois, de sintonizar o art. 32.º, n.º 2, do EBF com o art. 45.º, n.º 3, do CIRC quanto ao entendimento do que são "partes de capital" para efeitos tributários, e de subtrair essas prestações suplementares (e suas equiparadas) ao regime do art. 32.º, n.º 2, do EBF, submetendo-as exclusivamente aos requisitos de indispensabilidade do art. 23.º do CIRC (ressalvadas as hipóteses especiais dos n.ºs 3 a 5 do art. 23.º do CIRC, na versão então vigente). 

Na verdade, descontados os convencionalismos que presidem a muitas das opções nesta área, algumas destas distinções desconsideram os princípios da capacidade contributiva e da aproximação ao rendimento real, demarcando realidades que se equivalem, ou ao menos convergem, economicamente: que as prestações suplementares possam ser devolvidas certamente as distingue do capital social – até para efeitos de combate ao "lock-in" –, mas ninguém ignora que, sobretudo em grupos empresariais, essas prestações podem, ingressando no "capital próprio", ter a mesma permanência que caracteriza o "capital social" (e daí o recurso, em alternativa, a empréstimos e suprimentos). 

Havendo equivalência económica, regressa-se ao ponto em que se questiona a legitimidade da AT para, na estrita interpretação e aplicação dos princípios em que assenta a autonomia do próprio Direito Fiscal, sindicar decisões económicas que possam indiciar escopos elisivos ou abusivos – porque se trata de saber, mais especificamente, se os critérios do art. 32.º, n.º 2, do EBF, e a fórmula da Circular 7/2004, podem ser afastados para se empolar indevidamente os encargos financeiros dedutíveis de uma SGPS por mera qualificação empreendida pelo próprio contribuinte, e se isso não constituirá por si só um indício da "dispensabilidade" dos gastos – um fundamento da reacção do art. 23.º do CIRC ele próprio no sentido, novamente, da respectiva desconsideração tributária. 

Tendemos a responder afirmativamente à segunda questão suscitada pela Circular 7/2004 – a de saber se podia a AT arrogar-se, através da Circular ou independentemente dela, a faculdade de sindicar decisões económicas da gestão das empresas para lá daquilo que fosse o estrito preenchimento dos pressupostos de aplicação das normas pertinentes –, por não acompanharmos irrestritamente a posição dominante, que é a "minimalista". 

Afigura-se-nos que esse entendimento assenta num equívoco, qual seja o de que o legislador procurou reproduzir, sectorialmente, a regra que já constava do artigo 23.º, 1, c) do CIRC – na redacção em vigor à data –, ou seja, a simples regra da não-dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros associados a proveitos não sujeitos a IRC, quando a verdade é que os dois preceitos têm uma génese distinta e razões diferentes, se não mesmo divergentes. 

Ao contrário do que é repetidamente subentendido na perspectiva "minimalista", a regra do n.º 2 do artigo 32.º do EBF não pretendia, de modo algum, pôr em causa o princípio geral da dedutibilidade de encargos financeiros indispensáveis (segundo regras gerais de experiência) à realização de rendimentos e proveitos.

A questão era outra, e bem diversa: a da exclusão da dedutibilidade de determinados encargos desse tipo relativamente às SGPS – independentemente da sua indispensabilidade ou não, mas coexistindo pacificamente com essa indispensabilidade –, pelo que o n.º 2 do artigo 32.º do EBF não podia ser entendido no contexto da orientação geral constante do artigo 23.º do CIRC, visto ser lei especial, exclusivamente aplicável às SGPS – e nem sequer a todas as operações das SGPS –, por razões não generalizáveis, portanto, e não decorrentes de princípios mais gerais.

Além disso, não esqueçamos as incidências, em todos estes temas, das regras do ónus da prova: a prova da existência e quantificação dos encargos, para efeitos do correcto apuramento de imposto efectuado na liquidação, incumbe ao sujeito passivo, na estrita medida em que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos das partes na relação tributária recai sobre quem os invoque: pelo que a insuficiente prova da existência, qualificação e enquadramento de certos encargos é absolutamente condicionante da sua relevância para qualquer dos regimes de consideração ou desconsideração que analisámos – na medida em que fica por demonstrar a essencial funcionalização de tais encargos às finalidades que permitem a sua consideração ou impõem a sua desconsideração.

A prova da dedutibilidade dos custos onerará obviamente o sujeito passivo, seja porque é do seu interesse a invocação dos factores de que tal dedutibilidade resultará, seja porque, especificamente no caso das SGPS, ninguém melhor do que o sujeito passivo se encontra em situação de concretizar os encargos financeiros suportados com a aquisição das participações sociais; e, se o não faz, legitima a AT a efectuar correcções à liquidação para efeitos da desconsideração dos custos suportados com a aquisição das referidas participações. 

Também aqui, portanto, é necessário não perder de vista que o interesse público determina exigências formais em sede de comprovação de custos – seja relativamente à sua existência, seja em relação a factores de relevância como a "indispensabilidade" que visam propiciar à AT um eficaz controlo das relações económicas, e do cumprimento da lei. 

Por isso insistimos na resposta positiva à questão da legitimidade de uma sindicância, por parte da AT, de decisões económicas da gestão das empresas para lá daquilo que seja o estrito preenchimento dos pressupostos de aplicação das normas pertinentes – sobretudo quando estamos na presença de regimes legais desenhados para um sector específico e que se defrontam com resistências ao acatamento preciso das soluções legais e das interpretações legítimas dessas soluções – insistindo-se em que a interpretação de normas e regimes jurídicos não pode converter-se na subversão das regras e no caminho para a aporia. (…)”.

Regressando ao caso em apreço importa saber qual a natureza das operações em causa e qual a relevância dessa natureza para o seu tratamento fiscal.

A Requerente alega que não é mostrado que os encargos financeiros se destinaram à aquisição de participações sociais, pelo que deveriam ficar de fora do âmbito de aplicação do art. 32.º, n.º 2, do EBF.

Todavia, a Requerente não faz prova cabal do destino efectivo dos encargos financeiros suportados no exercício de 2012, mesmo nos diversos momentos em que foi instada a fazê-lo. O facto é que, sendo uma SGPS, o seu objecto principal será a aquisição de participações sociais, pelo que o enquadramento das mais e menos-valias que averba na sua actividade corrente apontará, de acordo com as regras da experiência comum, para a funcionalização àquele objecto societário – a menos que uma prova bastante permita determinar o contrário. Mesmo uma efectiva "cobertura de tesouraria" terá normalmente ainda como escopo último a gestão das participações sociais. 

Por outro lado, a AT tinha plena legitimidade para sindicar as decisões económicas de gestão das SGPS de modo a fazer a triagem dos encargos apresentados, entre aqueles que ficavam sob a alçada, e aqueles que ficavam fora da alçada, do n.º 2 do art. 32.º do EBF, dada a fundamental equivalência económica de todos os encargos que concorrem para o capital próprio das SGPS. 

Cabia, assim, à Requerente fazer prova de que os gastos apresentados não se destinaram à aquisição de partes de capital, caindo fora do âmbito de aplicação do art. 32.º, n.º2, do EBF (independentemente da intermediação interpretativa da Circular 7/2004, que é aqui irrelevante). Não o fez, não permitindo a caracterização adequada dos referidos encargos. 

Termos em que se considera que os referidos encargos contabilizados pela Requerente não concorrem para a formação do lucro tributável, nos termos do art. 32.º, n.º2, do EBF, aplicável à data dos factos, improcedendo o pedido que apresentou.

A.7. Argumenta, ainda, a Requerente que cabia à Entidade Requerida o ónus de prova que não existia, “na situação concreta, mecanismo mais justo, mais economicamente racional  ou mais conforme à afetação específica dos encargos financeiros às partes de capital, que não seja a mencionada fórmula” ( artigo 50.º do Pedido). A Requente invoca a seu favor a jurisprudência vazada na Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 269/2016-T.

Acontece que a Requerente faz interpretação errónea da orientação jurisprudencial seguida naquela Decisão Arbitral, porquanto da mesma não se extrai, como faz a ora Requerente, que o ónus da prova recaia em todos os casos sobre a AT. 

Na mencionada Decisão Arbitral conclui-se nesse sentido, porquanto, “Analisado o caso dos autos verificou-se que, “como é visível nos anexos 1 a 5 do relatório de inspeção (em particular no quadro 3 do anexo 5 do dito Relatório) que a AT aplica a fórmula da Circular n.º 7/2004 como se, após retirar os empréstimos a participadas ao montante de todos os passivos remunerados, o valor sobrante de dívida financeira estivesse afecto aos activos, por forma indirecta. Ou seja, sem cuidar de saber se haveria partes de capital cuja aquisição tivesse sido sustentada em capital próprio.

“Contra esta orientação, a Requerente argumenta (e bem, no entender do tribunal), nos artigos 122 e segs. do Pedido arbitral, que: “O montante de partes de capital detido pela Requerente durante o ano de 2010 considerado pela AT no método quantitativo de cálculo dos encargos financeiros que utiliza (mapa que constitui o anexo 5) ao relatório individual é, ao longo dos diferentes meses do ano, o seguinte: - Janeiro a março de 2010: €275.352.449,70 - Abril: €275.613.892,40 - Maio a novembro: €275.588.952,51 - Dezembro: €277.719.140,71.

Ou seja, o valor das partes de capital detidas pela Requerente sofre alterações muito ligeiras ao longo do ano.

Ora, nestes montantes incluem-se, entre outros, os valores das seguintes participações financeiras (que são, aliás, as partes de capital fundamentais detidas pela Requerente enquanto entidade dominante): -F…, SGPS, SA - €95.929.852,63; - G…, SGPS, SA - €25.967.526,78; - H…, SGPS, SA - €48.297.642,21; -I…, SGPS, SA - €99.393.056,60, participações estas cujo valor global ascende a €269.588.078,22. 

As aludidas quatro participações integram o Grupo Requerente desde o acto constitutivo de cada uma delas, todos outorgados notarialmente em 30 de Dezembro de 2002 (cf. Documentos 4 a 7 adiante juntos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido). 

Sendo certo que o valor de cada uma dessas participações sociais corresponde exactamente ao capital social e prémio de emissão que constam dos instrumentos de constituição e que foi total e integralmente realizado em espécie. 

Ou seja, essas participações não foram adquiridas ao exterior ou a terceiros, assim como a sua aquisição não foi efectuada com recurso a endividamento.”

Decorre do exposto que na situação relativa à Decisão Arbitral proferida no processo n.º 269/2016-T o SP havia feito prova quanto à forma de aquisição das partes de capital. E foi neste concreto contexto que o Tribunal ponderou:

A prova documental junta aos autos, mostra (…) que as partes de capital em causa não foram adquiridas com recurso a endividamento, pelo que, em face do disposto na lei, se julga ilegal a correcção efetuada pela AT, já que não atendeu à situação concreta, na qual era visível uma ausência de ligação entre partes de capital e endividamento, tal como essa ligação surge na Circular. Esta devia pois ter sido afastada, e usar-se um método de imputação com uma lógica económico-financeira mais sustentável, justa e adaptada ao texto legal.”

Concluiu-se, assim, naquela Decisão Arbitral que “nos casos em que se prove que as partes de capital têm um financiamento específico, por capital próprio, a AT deve, antes de aplicar a fórmula, interrogar-se se uma imputação directa será a via mais justa de actuação”.

A jurisprudência que se extrai daquela decisão arbitral vai no sentido de que encontrando-se demonstrado pelo SP que o método direto de imputação dos encargos financeiros é passível de utilização e conduziria a um resultado mais sustentável no plano da legalidade fiscal impenderá então sobre a Requerida o ónus de mostrar que não existia na situação concreta maneira mais justa, mais economicamente racional ou conforme à afectação específica dos encargos financeiros suportados do que a fórmula constante da Circular 7/2004.

A realidade emergente dos presentes autos é muito diferente.

Como vimos, a Requerente limita-se a alegar em abstrato a ilegalidade da “fórmula genérica e indiciária de alocação de encargos financeiros”, que resulta da aplicação da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, e a invocar em abono da sua pretensão jurisprudência e doutrina, nada invocando nem provando quanto ao método de afectação específica dos encargos financeiros suportados.

A interpretação ora sufragada, ao contrário do alegado pela Requerente, não é contrária ao princípio da legalidade e da reserva de lei nem tão pouco afronta os princípios da igualdade tributária, da capacidade contributiva e da tributação do rendimento real.   

Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral formulado, com a consequente manutenção do ato tributário impugnado consubstanciado na liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”)n.º 2016…, de 19 de Dezembro de 2016, bem como a demonstração de juros compensatórios nº 2017… e a demonstração de acerto de contas nº 2017 …, de 27 de janeiro de 2017, referentes ao exercício de 2012.

III-2-2. Dos juros indemnizatórios 

A improcedência do pedido de declaração de ilegalidade da liquidação impugnada e os  correspondentes juros compensatório respeitantes a IRC do exercício de 2012 implica, desta forma, a improcedência do pedido relativo aos juros indemnizatórios pelos prejuízos decorrentes de prestação de garantia indevida. 

 

IV - DECISÃO

 

Termos em que acorda este Tribunal Arbitral em:

 

a)     Julgar improcedente o pedido arbitral de anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) n.º 2016 …, de 19 de Dezembro de 2016 (demonstração de juros compensatórios nº 2017… e demonstração de acerto de contas nº 2017…, de 27 de Janeiro de 2017), referente ao exercício de 2012, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira;

b)    Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios; 

c)     Condenar a Requerente nas custas do processo.

 

 

V- VALOR DO PROCESSO  

Fixa-se o valor do processo em €256.043,93 (duzentos e cinquenta e seis mil e quarenta e três Euro e noventa e três cêntimos), nos termos do disposto no art. 97.ºA do CPPT, aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e art. 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária (RCPAT).   

 

VI- CUSTAS  

Custas a cargo da Requerente, dado que o presente pedido foi julgado totalmente improcedente, no montante de €4 896.00, nos termos da Tabela I do RCPAT, e em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT.    

Notifique.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2018.  

Os Árbitros,    

 

Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente)   

 

Fernando Miranda Ferreira 

 

José Eduardo Mendonça da Silva Gonçalves