Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 572/2017-T
Data da decisão: 2018-04-30  Selo  
Valor do pedido: € 13.339,90
Tema: IS – Verba 28.1 TGIS - Terreno para Construção.
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DECISÃO ARBITRAL

 

  1. – Relatório

 

A…, S.A. (anteriormente denominada B…, S.A.), contribuinte fiscal nº…, com sede na …, …, …-… …, (doravante a Requerente) requereu ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em 30 de Outubro de 2017, a constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de Imposto do Selo ("IS") referente ao ano de 2015, no valor de €13.339,90 (treze mil trezentos e trinta e nove euros e noventa cêntimos), liquidação número 2015…, emitida com referência ao prédio urbano inscrito na matriz predial da União das Freguesias de … e … concelho de …, distrito de Lisboa, sob o artigo matricial … (extinto artigo … da freguesia de …) correspondente a um terreno para construção denominado …, a que correspondem 3 prestações nos documentos n.º 2016…, de 5/4/2016, no valor de €4.446,64 (quatro mil, quatrocentos e quarenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), 2016…, de 5/4/2016, no mesmo valor e 2016…, de 5/4/2016, no valor de €4.446,63 (quatro mil quatrocentos e quarenta e seis euros e sessenta e três cêntimos).

A Requerente optou por não designar árbitro.

O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD em 30 de Outubro de 2017 e automaticamente notificado à AT na mesma data.

O Signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro de Tribunal Arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, tendo comunicado a aceitação do encargo, no prazo legal, de acordo com o artigo 4.º do Código Deontológico do CAAD.

As Partes foram notificadas da designação do Signatário, em 21 de Dezembro de 2017, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT, não se tendo oposto à mesma.

O Tribunal Arbitral singular ficou, assim, regularmente constituído em 11 de Janeiro de 2018, de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.

A AT foi notificada do despacho arbitral de 21 de Janeiro de 2018, para apresentar resposta no prazo de 30 (trinta) dias, tendo-a apresentado em 20 de Fevereiro de 2018 a qual foi imediatamente notificada à Requerente.

Por despacho arbitral de 22 de Fevereiro de 2018, foi ordenada a notificação da Requerente, para querendo, se pronunciar sobre a excepção de incompetência absoluta deduzida pela AT.

Por requerimento entregue em 26 de Fevereiro de 2018, foi respondida a excepção, o qual foi imediatamente notificado à AT.

Por despacho arbitral de 4 de Março de 2018, foi relegado o conhecimento da excepção invocada para a prolacção da decisão arbitral, tendo o Tribunal Arbitral também considerado, ao abrigo do disposto no artigo 16.º, alíneas c) e e) do RJAT, dispensável a reunião do artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal Arbitral na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidade processuais, (art.ºs 19.º n.º 2 e 29.º n.º 2 do RJAT).

Foram também as partes notificadas para deduzirem alegações escritas, as quais vieram a ser entregues no processo por ambas as e devidamente notificadas pelo Tribunal Arbitral.

As Partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de vícios que o invalidem.

 

  1. – Pedido da Requerente

A Requerente apresentou pedido de pronúncia arbitral com vista à declaração de ilegalidade e consequente anulação do ato de liquidação de IS referente ao ano de 2015 após indeferimento de reclamação graciosa que também pretende ver considerada ilegal.

A Requerente apresentou o presente pedido, de acordo com a fundamentação que sucintamente se indica:

  1. A liquidação de IS refere-se ao prédio urbano terreno para construção, denominado … do alvará de loteamento nº …/88 emitido em 8 de novembro de 1988 pela Câmara Municipal de …, correspondente ao artigo … da União das Freguesias de … e … (extinto artigo…), descrito na … Conservatória do Registo Predial de … sob a ficha nº …, e inscrito na matriz predial da freguesia de … sob os artigos…, …, …, … .
  2. O valor patrimonial tributário atribuído ao prédio inscrito sob o artigo …, actualmente inscrito sob o artigo … da União das Freguesias de … e …- foi de 1.333.990€.
  3. O artigo … constitui a parte não edificada do lote …, do alvará de loteamento n.º …/88 destinado à construção de equipamentos agropecuários - ou seja, o prédio em causa destina-se a exploração agropecuária.
  4. No entanto, a AT procedeu à liquidação de IS referente ao ano de 2015, baseada no valor patrimonial tributário do prédio.
  5. Tal liquidação é ilegal por inexistência de fundamento normativo.
  6. Nos termos do artigo 1.º n.º 1 do Código do Imposto do Selo ("CIS"), o IS incide, inter alia, sobre os factos ou situações jurídicas previstas na respetiva Tabela Geral ("TGIS"), designadamente a constante da respetiva verba 28.
  7. Para efeitos de CIS, o conceito de prédio é o definido no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis ("CIMI") (artigo 2.º), existindo várias espécies de prédios urbanos (artigo 6.º).
  8. A taxa de 1% constante da verba 28.1 da TGIS incide sobre o valor patrimonial de prédio com afetação habitacional.
  9. Como é evidente, o prédio em questão não tem tal afetação, como resulta do alvará de loteamento, sendo, no limite, terreno destinado a construção de edificações destinadas /afetas a "outros fins".
  10. Pelo que não existe cobertura legal para a liquidação do imposto.
  11. O lote … é destinado a exploração agropecuária, como resulta do alvará de loteamento.
  12. A interpretação do conceito afetação habitacional não pode ter um sentido tão amplo, por um lado, nem pode colher a tese da AT, veiculada em indeferimento de reclamações e recursos hierárquicos das liquidações referentes a 2012 e 2013 e 2014, de que, tendo sido atribuído pela AT, aquando da reavaliação do prédio, a afetação habitacional e não tendo havido reclamação, é essa a finalidade que vale para efeitos de tributação.
  13. Cabe à AT demonstrar com que fundamentos é que destinou o prédio a habitação.
  14. E deveria, ao abrigo do princípio da verdade material, entre outros, retificar uma possível situação errada.
  15. Demonstrada a não afetação jurídica-urbanística do lote de terreno a habitação, por força do disposto no alvará de loteamento, inexiste razão para não revogar de imediato a liquidação de imposto objeto de reclamação.
  16. Por ser manifestamente ilegal a liquidação notificada à Requerente, esta deduziu, em 27 de julho de 2016, reclamação graciosa.
  17. Em 27 de Julho de 2017, a AT indeferiu a pretensão da Requerente, facto de que esta foi notificada.
  18. Foram proferidas pela CAAD, decisões arbitrais com que a A. se identifica totalmente, designadamente as proferidas nos processos 116/2016-T e 117/2016-T.
  19. Por outro lado, relativamente a lote de terreno destinado a Centro Hípico, para o qual foi igualmente liquidado Imposto do Selo referente a 2014, pertencente a sociedade do Grupo em que se integra a A., foi igualmente proferida sentença pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no processo que ali corre termos sob o nº …/16…BESNT, actualmente pendente de recurso, onde se decidiu em termos idênticos aos anteriormente referidos, i.e., independentemente da qualificação matricial, o que releva é o destino do prédio legalmente admissível, que, no caso, não é o habitacional, pelo que a liquidação do IS é ilegal.
  20. Sendo, consequentemente, o presente pedido oportuno.

 

  1. – Resposta da Requerida

 

A Requerida apresentou a sua Resposta, que fundamenta nos termos seguintes:

 

  1. Por exceção:

 

  1. A Requerente solicita a constituição do Tribunal Arbitral com vista à obtenção da declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo- verba 28, com base na errónea qualificação do imóvel, inscrito na matriz sob o artigo …, da União de freguesias de … e … .
  2. Da leitura do requerimento inicial e dos documentos a ele anexos, conclui-se que o pedido em apreço se reconduz a um pedido de decisão arbitral que determine que o prédio urbano supra identificado, não tem afectação habitacional devendo ter o consequente tratamento fiscal.
  3. Ou seja, a Requerente vem contestar é o ato de fixação do VPT, mais concretamente, um dos parâmetros que são considerados para o apuramento desse valor: o coeficiente de afectação.
  4. O artigo 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), conjugado com o artigo 18.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e com o artigo 101.º e seguintes do Código de Processo Civil (CPC) estabelecem que a infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia determinam a incompetência absoluta do tribunal.
  5. A incompetência absoluta pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada pelo Tribunal em qualquer estado do processo, enquanto não houver sentença com trânsito em julgado proferida sobre o fundo da causa.
  6. O âmbito da jurisdição arbitral tributária encontra-se delimitado pelo disposto no n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 23 de janeiro que, no seu n.º 1, estabelece os critérios de repartição materiais.
  7. Assim, nos termos do artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais restringe-se à:

“a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

b) a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;”

  1. Ora, a competência do Tribunal determina-se pelo pedido do autor e pela causa de pedir em que o mesmo se apoia, expresso na petição inicial, não dependendo nem da legitimidade das partes, nem da procedência da acção, constituindo a violação das regras de competência absoluta do Tribunal em razão da matéria, exceção dilatória.
  2. Verificando-se tal exceção fica imediatamente prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pelo Requerente no requerimento inicial e implica a absolvição da entidade requerida.
  3. No caso em apreço, o ato objecto do litígio não pode ser qualificado como um ato de liquidação de tributo para efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.
  4. O que se confronta aqui é o ato de fixação do VPT, mais concretamente o do coeficiente de afectação do prédio urbano em causa.
  5. Assim, o meio próprio para impugnar este ato que não comporta a apreciação da legalidade de ato de liquidação e que também não é ato de fixação da matéria tributável ou da matéria colectável não é a impugnação judicial mas sim a acção administrativa especial, conforme alínea p) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e artigo 37.º do CPTA.
  6. Estamos perante um ato da Administração Tributária que não integra os atos previstos nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, pelo que, deve o Tribunal Arbitral julgar procedente a exceção invocada de incompetência absoluta do foro arbitral, em razão da matéria e, em consequência, rejeitar o pedido de pronúncia arbitral, absolvendo a AT da instância. 

 

  1. Por Impugnação:

 

  1. O que está em causa é uma liquidação que resulta da aplicação directa da norma legal, e que se traduz em elementos objectivos, sem qualquer apreciação subjectiva ou discricionária.
  2. Na caderneta predial que está na base da presente liquidação, verifica-se que o terreno para construção está afecto à habitação.
  3. Ora, os prédios urbanos que sejam terrenos para construção e aos quais tenham sido atribuída a afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações, constando tal afectação das respectivas matrizes, estão sujeitos a Imposto de Selo.
  4. O facto de, na norma de incidência – verba 28.1 da TGIS – se ter positivado o prédio com afectação habitacional em detrimento do prédio habitacional, faz apelo ao coeficiente de afectação, cf. artigo 41 do CIMI, que se aplica, indistintamente, a todos os prédios urbanos.
  5. Não existe em sede de IS definição do que se entende por ‘prédio urbano’, ‘terreno para construção’ e ‘afectação habitacional’ pelo que é necessário recorrer subsidiariamente ao CIMI para obter uma definição que permita aferir da eventual sujeição a IS, de acordo com o previsto no artigo 67º, n.º 2 do CIS na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 55-A/2012, de 29/10.
  6. Na avaliação dos terrenos para construção o legislador quis que fosse aplicada a metodologia da avaliação dos prédios urbanos em geral, assim se devendo levar em consideração todos os coeficientes, nomeadamente o coeficiente de afectação previsto no art.º 41.º do CIMI, mais resultando tal imposição legal do n.º 2 do art.º 45.º do CIMI, ao remeter para o valor das edificações autorizadas ou previstas no mesmo terreno para construção.”
  7. Donde, para efeitos de determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção é clara a aplicação do coeficiente de afectação em sede de avaliação, avaliação essa que a Requerente nunca colocou em causa.
  8. A própria verba 28 da TGIS remete para a expressão ‘prédios com afectação habitacional’, apelando a uma classificação que se sobrepõe às espécies previstas no n.º 1 do art.º 6.º do CIMI.
  9. Do “Alvará de loteamento n.º …” emitido pela Câmara Municipal de … de 1988-11-08 consta de forma expressa a área total de construção e a área total de lotes, não deixando dúvidas que a finalidade do prédio em causa é a construção.
  10. A Requerente, se considerava ter havido erro ou até alguma ilegalidade, no cálculo do VPT, por considerar que o prédio em causa não tinha afectação habitacional, então deveria ter requerido uma segunda avaliação, o que não fez, concordando com o VPT atribuído.
  11. Também não apresentou qualquer reclamação da respectiva matriz, nos termos do disposto no artigo 130.º do Código do Imposto Municipal sobre os Imóveis, porque concordou com a qualificação do prédio.
  12. Muito antes da efectiva edificação do prédio, é possível apurar e determinar a afectação do terreno para construção.
  13. A prová-lo está o Orçamento de Estado para 2014, Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, vide artigo 194º, sob a epígrafe - Alteração à Tabela Geral do Imposto do Selo, segundo o qual a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, anexa ao Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei n.º 150/99, de 11 de Setembro, passa a ter a seguinte redacção: «28.1 — Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI — 1 %».
  1. Invoca princípios constitucionais e legais de interpretação hermenêutica e exegética, tais como de igualdade, ratio das normas, capacidade contributiva, de justiça material e da proporcionalidade.
  2. Discorre sobre o fundamento de medidas de política legislativa, vontade do legislador e efectua um excurso sobre os fundamentos de criação da verba 28.1 na Tabela Geral do imposto de Selo.
  3. Invoca ainda que, nem o facto da requerente apresentar aqui casos limite/fronteira, imputando, neste conspecto, uma qualquer inconstitucionalidade da Verba 28 por violação do princípio da igualdade, abona a favor da tese por si propugnada.
  4. Termina propugnando que, se mantem integralmente válida e legal a liquidação impugnada, concluindo-se pela legalidade da mesma.

 

Alegações escritas

As partes nas suas alegações reproduziram as suas peças processuais anteriormente apresentadas.

 

  1. Matéria de facto
  1. Factos Provados

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente é proprietária de um prédio urbano, lote …, inscrito na matriz predial da União das Freguesias de … e …, concelho de …, distrito de Lisboa sob o artigo matricial … (extinto artigo … da freguesia de …), sito na … em … .
  2. O prédio encontra-se inscrito na matriz predial urbana como terreno para construção, com inscrição desde 1995.
  3. O prédio encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o número…, estando classificado como prédio misto, abrangendo 4 matrizes, a …, …, … e a … .
  4. Nesta descrição, a parte rústica é descrita como destinada a exploração agro-pecuária, tendo a área de 59.110,47 m.
  5. Consta ainda da mesma descrição que da parte rústica foi construído um edifício de um Piso destinado a matadouro de Aves.
  6. O valor patrimonial do prédio é de 1.333.990,00€.
  7. Para o prédio e outros foi emitido o alvará de loteamento n.º …/88 pela Câmara Municipal de … em 08.11.1988.
  8. De acordo com tal alvará, o lote … (do qual faz parte o prédio em questão) tem a área de 59.390 m2 e é destinado a exploração agropecuária.
  9. O prédio em questão foi objeto de avaliação, por força da avaliação geral realizada em 11.03.2013, na qual se estabelece a afetação habitacional e respetivo valor patrimonial tributário.
  10. A avaliação indicada não foi objeto de contestação pela Requerente.
  11. A Requerente foi notificada do ato de liquidação de IS, verba 28.1. referente ao ano de 2015, no valor de €13.339,90 (treze mil trezentos e trinta e nove euros e noventa cêntimos), liquidação número 2015…, a que correspondem 3 prestações nos documentos n.º 2016…, de 5/4/2016, no valor de €4.446,64 (quatro mil, quatrocentos e quarenta e seis euros e sessenta e quatro cêntimos), 2016…, de 5/4/2016, no mesmo valor e 2016…, de 5/4/2916, no valor de €4.446,63 (quatro mil quatrocentos e quarenta e seis euros e sessenta e três cêntimos).
  12. A Requerente apresentou reclamação graciosa daquele acto de liquidação em 27.06.2016.
  13. Por decisão da Direcção de Finanças de Lisboa notificada à requerente em 4/8/2017, foi indeferida a reclamação graciosa deduzida.
  14. A Requerente deu entrada da presente acção arbitral no dia 30.10.2017.

 

  1.  Factos dados como não provados

 

Nenhum com interesse relevante para a decisão da causa.     

  1. Questão prévia

Em cumprimento do disposto no artigo 29.º n.º 1 alíneas a) e e) do RJAT, 13.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 608.º n.º 1, do CPC, o Tribunal Arbitral apreciará a excepção invocada pela AT:

  1. Conhecer da eventual incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido deduzido pela Requerente, de ilegalidade da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida e a anulação da liquidação do imposto de selo liquidado.

A requerida invoca que a Requerente solicita a constituição do Tribunal Arbitral com vista à obtenção da declaração de ilegalidade da liquidação de Imposto do Selo- verba 28, com base na errónea qualificação do imóvel, inscrito na matriz sob o artigo …, da União de freguesias de … e … .

Invoca também que a Requerente deduz um pedido de decisão arbitral que determine que o prédio urbano supra identificado, não tem afectação habitacional devendo ter o consequente tratamento fiscal, contestando o ato de fixação do VPT, mais concretamente, um dos parâmetros que são considerados para o apuramento desse valor: o coeficiente de afectação.

Invoca assim a incompetência material absoluta deste Tribunal, face ao que se encontra delimitado pelo disposto no n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 23 de janeiro  

O pedido da Requerente é “Termos em que se requer seja julgado procedente o pedido de declaração de ilegalidade do acto, de 27jul2016, de indeferimento da reclamação do (acto) (1) tributário de liquidação de Imposto do Selo referente a 2015, no valor de 13.339,90€, emitido pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 5abr2016, ao abrigo da verba 28.1 da Tabela Geral do Código do Imposto do Selo (“TGIS”) com referência ao prédio urbano, correspondente a um terreno…”

Ora, do que se trata neste pedido é que este Tribunal se pronuncie sobre a ilegalidade do acto de liquidação de um tributo, “in casu” Imposto de Selo, acto que identifica devidamente, emitido pela entidade requerida. Nada tem a ver com a apreciação argumentativa que poderá, ou não, levar à procedência, ou improcedência da acção arbitral.

Discutir sobre se uma matriz faz prova pleníssima de um facto, ou apenas prova simples, se os factos tributários incidem sobre realidades materiais de natureza económica ou jurídicas, enfim, definir se a finalidade habitação carece, ou não, de uma densa análise de princípios gerais de Direito, é tudo matéria a discutir no âmago de mérito e não como pressuposto processual.

O pedido é objectivo e em algum momento se solicita alteração de um acto, ou situação administrativa, mesmo na vertente tributária, de alteração da matriz, quer seja na vertente do elemento de afectação, quer seja no próprio VPT em sentido amplo.

Improcede assim a invocada excepção de incompetência absoluta do presente Tribunal Arbitral.

 

  1. Matéria de Direito

 

Questão a decidir:

Se o imóvel dos autos que foi objecto de tributação em sede da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo, constitui um facto tributário para efeitos dessa norma.

 

Evolução do quadro normativo (2)

O Código do Imposto do Selo, aprovado pela Lei nº 150/99, de 11 de setembro, iniciou a sua vigência em março de 2000, sendo significativamente alterado pelo Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, que o republicou.

Com a reforma da tributação do património operada em 2003, o Imposto do Selo passou a configurar-se sobretudo como um imposto sobre as operações que, independentemente da sua materialização, revelam rendimento e riqueza, aplicando-se a uma “multiplicidade heterogénea de factos ou atos”, sem “um traço comum que lhes confira identidade” (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, pág. 453). Essa capacidade de acolher no seu seio tributações de diferente natureza criou caminho a que o legislador fiscal lhe fosse atribuindo um papel complementar de outros impostos.

Como apontam J. SILVÉRIO DIAS MATEUS e L. CORVELO DE FREITAS (Os Impostos Sobre o Património Imobiliário – O Imposto de Selo, pág. 251, Lisboa 2005) “ o imposto de selo configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abrangidas pela incidência de quaisquer outros impostos. Não revestindo a natureza de tributação de sobreposição, este imposto tende a assumir uma função residual preenchendo espaços deixados em aberto pela tributação do rendimento e do consumo”.

A Lei nº 55-A/2012, de 29 de outubro, introduziu um conjunto de alterações nos diplomas codificadores de três impostos – IRS, IRC e Imposto do Selo – assim como na Lei Geral Tributária, entre as quais a norma ora em análise, todas norteadas à obtenção suplementar de receita fiscal e, em geral, a contrariar o desequilíbrio orçamental. Assim, invocando os princípios da equidade social e justiça fiscal, foi agravada a tributação dos rendimentos de capitais e das mais-valias mobiliárias, introduziram-se medidas de reforço de combate à fraude e evasão fiscal, através do reforço do regime aplicável às manifestações de fortuna dos sujeitos passivos e às transferências de e para paraísos fiscais, a que se somou a introdução, no âmbito do Imposto do Selo, da tributação de situações jurídicas (expressão aditada ao nº 1 do artigo 1º do Código do Imposto do Selo), que se entendeu capazes de suportar esforço fiscal acrescido, distribuindo desse modo mais equitativamente o sacrifício para atingir a consolidação orçamental exigido aos contribuintes.

Assim, com o aditamento da verba n.º 28 à Tabela Geral do Imposto do Selo pelo artigo 4.º da Lei n.º 55-A/2012, foi sujeita a este imposto uma situação jurídica, consubstanciada na propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédio urbano com afetação habitacional, cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis, seja igual ou superior a €1.000.000,00, fazendo recair sobre tal valor a taxa de 1%.

A redação da verba 28.1. sofreu alteração posterior, por via da Lei nº 83-C/2013, de 31 de dezembro, passando a ampliar a incidência do Imposto do Selo, à taxa de 1%, a  “(…)prédio urbano ou (por) terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.

A incidência do Imposto do Selo, caracterizada por uma multiplicidade heterogénea de factos, remete, no que concerne a elementos essenciais da liquidação do tributo, mormente quanto aos critérios normativos definidores do valor patrimonial a considerar, para a regulação constante do Código do IMI, assegurando, ou pelo menos, promovendo, um certo grau de sintonia entre os vários corpos legislativos no âmbito da tributação do património. A doutrina atribui-lhe mesmo a condição de “taxa adicional do IMI”, dirigido a “discriminar os prédios de mais elevado valor patrimonial e sujeitá-los a um regime fiscal mais gravoso que os restantes” (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 504), explicando a criação de um novo facto sujeito a Imposto do Selo, para além da heterogeneidade que  reveste este imposto, pela necessidade de aumentar as receitas fiscais do Estado, uma vez que a receita do IMI reverte a favor dos municípios e o Imposto do Selo é uma receita do Estado (ob. cit., pág. 506).

Aliás, esta condição veio mesmo a ser realizada com a criação do adicional ao IMI concretizada pela Lei 42/2016, de 28/12, enxertado como capítulo XV no compêndio do IMI, com normas de incidência, valor tributável, taxa, liquidação e pagamento e disposições diversas, com regras próprias, que revogou expressamente a verba 28, da Tabela Geral do Imposto de Selo.

No entanto, este adicional possui uma natureza pessoal de tributação, pois olha a situações globais de património imobiliário, numa perspectiva de riqueza, que a par do direcionamento das receitas para o Fundo de Estabilização da Segurança Social, permite compreender a diferença de objectivos e regime concretos, que ambos prosseguiam, visto todos eles em última instância terem finalidades de receita orçamental.

Na verdade, a tributação decorrente da norma de incidência alojada na verba nº 28 assumia a natureza de imposto parcelar (JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, ob. cit., pág. 507), tomando como base tributável o prédio urbano afeto à habitação, calculando o respetivo valor patrimonial tributário por unidade jurídica e económica relevante. Não constitui imposto geral sobre o património, ou mesmo imposto sobre todo o património imobiliário, em termos de fundar uma comparação radicada numa ótica de personalização do imposto e a partir de base que atenda a todo o património do sujeito tributário.

Da aplicação conjunta do n.º 4 do art. 2.º do Código do Imposto do Selo e n.º 1 do art. 8.º do CIMI, conclui-se que o facto tributário a que se refere a verba 28.1 da TGIS se verifica a 31 de Dezembro de cada ano. Nessa medida, a relação juridico-tributária será fixada em função da legislação em vigor nessa mesma data, independentemente de alterações posteriores que possam estar em vigor na data da liquidação do imposto. Assim sendo, o Imposto do Selo da verba 28.1 da TGIS referente ao ano de 2015, a liquidar em 2016, deverá ser calculado e fixado de acordo com a redação da norma, introduzida pela Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, com a redação que lhe foi dada pela LOE/2014 (Lei nº 83-C/2013).

Recorde-se a redação original da verba 28, da TGIS:

28. Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a (euro) 1 000 000 - sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:

28.1 Por prédio com afetação habitacional -------1%

28.2 Por prédio, quando os sujeitos passivos que não sejam pessoas singulares sejam residentes em país, território ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante da lista aprovada por portaria do Ministro das Finanças------------------------------------------------------7,5%

Esta redação (original) foi objeto de inúmeros litígios que opuseram a AT e os contribuintes, proprietários de terrenos para construção tendo o STA entendido, v. g., no Acórdão proferido no processo n.º 048/14, de 09.04.2014, que “(...)não tendo o legislador definido o conceito de “prédios (urbanos) com afetação habitacional”, e resultando do artigo 6º do Código do IMI (subsidiariamente aplicável ao Imposto do Selo previsto na nova verba nº 28 da Tabela Geral) uma clara distinção entre “prédios urbanos habitacionais” e “terrenos para construção”, não podem estes ser considerados, para efeitos de incidência do Imposto do Selo (Verba 28.1 da TGIS, na redação da Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro), como prédios urbanos com afetação habitacional( (...)”

Na verdade, o conceito de “prédio (urbano) com afetação habitacional” não foi definido pelo legislador. Nem na Lei n.º 55-A/2012, que o introduziu, nem no Código do IMI, para o qual o n.º 2 do artigo 67.º do Código do Imposto do Selo (igualmente introduzido por aquela Lei), remete a título subsidiário. E é um conceito que, provavelmente mercê da sua imprecisão – facto tanto mais grave quanto é em função dele que se recorta o âmbito de incidência objectiva da nova tributação -, teve vida curta, porquanto foi abandonado aquando da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro), que deu nova redação àquela verba n.º 28 da Tabela Geral, e que recorta agora o seu âmbito de incidência objetiva através da utilização de conceitos que se encontram legalmente definidos no artigo 6.º do Código do IMI. Esta alteração - a que o legislador não atribuiu carácter interpretativo, nem nos parece que o tenha nem a questão ora nos interessa abordar –, apenas torna inequívoco para o futuro que os terrenos para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação se encontram abrangidos no âmbito da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (desde que o respectivo valor patrimonial tributário seja de valor igual ou superior a 1 milhão de euros).

Aquando da apresentação e discussão na Assembleia da República da respetiva proposta de lei, referiu o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (cfr. Diário da Assembleia da República, I Série n.º 9/XII – 2, de 11 de Outubro, p. 32)  que: «O Governo propõe a criação de uma taxa especial sobre os prédios urbanos habitacionais de mais elevado valor. É a primeira vez que em Portugal é criada uma tributação especial sobre propriedades de elevado valor destinadas à habitação. Esta taxa será de 0,5% a 0,8% em 2012 e de 1% em 2013, e incidirá sobre as casas de valor igual ou superior a 1 milhão de euros” donde se colhe que a realidade a tributar tida em vista são, afinal, e não obstante a imprecisão terminológica da lei, “os prédios (urbanos) habitacionais”, em linguagem corrente “as casas”, e não outras realidades. O facto de se poder considerar que na determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos classificados como terrenos para construção se deve levar em conta a afectação que terá a edificação para ele autorizada ou prevista para determinação do respectivo valor da área de implantação (cfr. os n.ºs. 1 e 2 do artigo 45.º do CIMI), não determina que os terrenos para construção possam ser classificados como “prédios com afectação habitacional”, porquanto a “afectação habitacional” surge sempre no Código do IMI referida a “edifícios” ou “construções”, existentes, autorizados ou previstos, porquanto apenas estes podem ser habitados, o que não sucede no caso dos terrenos para construção, que não têm, em si mesmos, condições para tal, não sendo susceptíveis de serem utilizados para habitação senão se e quando neles for edificada a construção para eles autorizada e prevista (mas nesse caso não serão já “terrenos para construção” mas outra espécie de prédios urbanos – “habitacionais”, “comerciais, industriais ou para serviços” ou “outros” – artigo 6.º do CIMI).

Estranho seria, aliás, que a determinação do âmbito da norma de incidência tributária da verba n.º 28 da Tabela Geral do Imposto do Selo se encontrasse, ao fim e ao cabo, nas normas de determinação do valor patrimonial tributário do Código do IMI, e que a imprecisão terminológica do legislador na redação daquela regra fosse, afinal, elucidada e finalmente esclarecida por via de uma remissão, indireta e equívoca, para o coeficiente de afectação estabelecido pelo legislador em relação a prédios edificados (artigo 41.º do Código do IMI). Assim, atendendo a que um terreno para construção – qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida – não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com “afetação habitacional”, sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno, simplesmente porque em termos cadastrais foi classificado como terreno para construção.

Na verdade, referindo-se aos prédios urbanos, o n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, distingue diversas espécies, dividindo-os em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros, de acordo com os seguintes critérios: «habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços» – os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins (cfr. artigo 6.º, n.º 2 do CIMI); «terrenos para construção», os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos» (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, na redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12); «Outros», são como tal considerados os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem sejam classificados como prédio rústicos, de acordo com o respetivo conceito legal, e ainda os edifícios e construções licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os acima referidos (cfr. artigo 6.º, n.º 4 do CIMI).

Fazendo incidir a tributação sobre prédios urbanos «com afetação habitacional», o legislador não estabelece na verdade, no Código do Imposto do Selo, qualquer conceito específico que para o efeito deva ser considerado, antes remetendo a aplicação do regime de tributação dos prédios a que se refere aquela Verba 28 para as normas do CIMI, que estabelece clara distinção entre prédios habitacionais e terrenos para construção, sendo os primeiros assim  classificados em função da respectiva licença autárquica, ou, não existindo esta, em decorrência do uso normal e os segundos são definidos em função da sua potencialidade legal.

Se perante este excurso, pode-se desde logo compreender que o vocábulo “afectação” não possui qualquer relação com o coeficiente de afectação para efeitos de determinação do VPT, a verdade é que no caso dos autos estamos perante uma situação jurídica e fáctica que não é de realidade habitacional.

Jurídica, porque como se verá estamos perante uma realidade inserida num lote destinado a exploração agropecuária e fáctica, porque conforme consta do ponto 5 da matéria de facto dada como provada, da descrição predial da parte rústica foi construído um edifício de um Piso destinado a matadouro de Aves.

É sabido que “O interprete da lei fiscal não pode deixar de atender à substancia económica dos factos tributários, isto porque, como frequentemente se acentua, o que efectivamente importa ao direito fiscal são as realidades económicas, as situações reais que expressam a percepção de rendimento ou a capacidade contributiva e não as meras roupagens com que, por vezes, se apresentam exteriormente.” (3) e mesmo nestes casos em que caberia indagar em termos probatórios da situação real material de um determinado imóvel, a simples classificação na matriz não faria prova pleníssima, nem plena da realidade existente, a verdade é que no caso em discussão nem sequer se torna necessária essa indagação, sendo que, mesmo nesses casos somos da opinião que “…um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida, incluindo a destinada habitação - não preenche por si só o requisito previsto nos pontos 28. e 28.1, da TGIS (redação do DL nº 7/2015), ou seja, o de que “(...) a edificação “autorizada ou prevista, seja para habitação (...).” (4)

 

Subsunção jurídica

Ora, em face da prova produzida, estamos perante um prédio urbano, na modalidade de terreno para construção, denominado lote …, que sob a descrição … da Conservatória do …e a …, sendo esta última o objecto dos autos.

A parte rústica, é aí descrita como destinada a exploração agro-pecuária, tendo a área de 59.110,47, tendo sido construído um edifício de um Piso destinado a matadouro de Aves.

Resulta ainda que, para o prédio e outros foi emitido o alvará de loteamento n.º…/88 pela Câmara Municipal de … em 08.11.1988, onde consta o lote … (do qual faz parte o prédio em questão) tem a área de 59.390 m2 e é destinado a exploração agropecuária.

Em conclusão, o lote…, urbanisticamente destinado a exploração agro-pecuária, foi construída uma edificação destinada a matadouro de Aves, logo, não possui, nem poderia possuir, qualquer afectação – por mais que se discuta a semântica deste conceito - habitacional.

Face ao exposto, acarreta a exclusão da tributação do prédio à luz do artigo 28., da TGIS (aliás, atualmente revogado pela Lei nº 42/2016 – Lei do Orçamento do Estado para 2017 – artigo 210º-2).

Face ao que vem de dizer-se procede o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela Requerente por claro vício de lei e erro sobre os pressupostos de facto e de direito.

 

  1. DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS

 

Ausência de pedido expresso

Decorre do disposto no nº 1 do artigo 108º do CPPT, aqui aplicável por força da alínea a) do nº 1 do RJAT, que a Requerente deve formular na sua petição inicial (aqui pedido de pronúncia arbitral) “pedidos dependentes do pedido principal, como o de condenação da Fazenda Pública no pagamento de juros indemnizatórios, ou indemnização por garantia prestada (5).

No pedido que formula, com que encerra o seu articulado, a Requerente não peticiona o pagamento de quaisquer juros indemnizatórios, o mesmo se verificando em sede das alegações que apresentou.

A questão que aqui se coloca é a de saber-se, se face à ausência de peticionamento expresso na condenação e pagamento de juros indemnizatórios é lícito ao Tribunal tal condenação.

A favor dessa impossibilidade milita, desde logo, a possibilidade de nos defrontarmos com excesso de pronúncia a determinar, em última análise, a nulidade da sentença, face à previsão do artigo 125º do CPPT aplicável.

Não desconhece este Tribunal Arbitral Singular a subsistência de divergências a nível jurisprudencial quanto à necessidade de pedido expresso no pagamento de juros indemnizatórios, nomeadamente a que se retira do acórdão STA de 18/05/2005, no âmbito do processo nº 296/05, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Baeta de Queiroz: “No recurso contencioso de anulação de acto de Subdirector-Geral dos Impostos que desatendeu o recurso hierárquico da decisão que, por sua vez, indeferira o pedido de reclamação graciosa contra um acto de liquidação, não sendo expressamente pedidos juros indemnizatórios, não cabe a condenação da Administração no respectivo pagamento.”

Reconhecendo de igual modo, como é sinalizado por Jorge Lopes de Sousa que “a jurisprudência dominante do STA vinha sendo no sentido da obrigatoriedade de formulação de pedido de pagamento de juros indemnizatórios na petição de impugnação ou de reclamação graciosa” (6).

Sendo que, acrescenta ainda o autor: “Esta jurisprudência, porém, parece não dever seguir-se após a vigência da LGT (….)” concluindo em anotação ao artigo 61º do CPPT (obra citada, I volume, página 568) o seguinte: “ Por outro lado, é certo que depois da LGT, o art. 61º, nº 3 do CPPT, na redacção inicial, veio estabelecer que os juros indemnizatórios serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito, mas não é menos certo que nem da LGT nem do CPPT resulta que a atribuição de juros indemnizatórios deva ser efectuada oficiosamente pelo tribunal”.

Por outro lado;

De harmonia com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 24º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais arbitrais tributários “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado adoptando os actos e operações necessárias para o efeito”, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 29º do RJAT) que estabelece, que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do actos ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão”.(7)

Embora o artigo 2º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT utiliza a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam junto do CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos Tribunais Tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que proclama, como primeira directriz, que “o processo arbitral deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, com se depreende do artigo 43º, nº1 da LGT, em que se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosas ou impugnação judicial, que houve erro dos serviços de que resulte o pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e do artigo 61º, nº 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei nº 55-A/2010, de 32 de Dezembro, a que corresponde o nº 2 na redacção inicial), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Os juros indemnizatórios têm uma função reparadora do dano, dano esse que resulta do facto de o sujeito passivo ter ficado ilicitamente privado de certa quantia, durante um determinado período de tempo, visando colocar o sujeito passivo na situação em que o mesmo estaria caso não tivesse efectuado o pagamento que lhe foi indevidamente exigido.

Dos presentes autos não resulta claro se a requerente efectuou qualquer pagamento do imposto liquidado e exigido.(8)

Face ao que vem de expor-se, e perante o sentido decisório quanto ao mérito da causa já assinalado, entende este Tribunal Arbitral Singular em condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, somente no caso de ter existido pagamento sob qualquer forma, em parte, ou no todo e nessa medida.

 

  1. Decisão

 

De harmonia com o exposto, decide este Tribunal Arbitral Singular em;

  1. julgar procedente o pedido formulado pela Requerente e em consequência anular as liquidações de Imposto do Selo em causa, com a consequente declaração de ilegalidade e anulação do acto de indeferimento do recurso hierárquico,
  2. julgar procedente o pedido também na parte relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente, somente no caso de ter existido pagamento sob qualquer forma, em parte, ou no todo e nessa medida,
  3. condenar a Requerida no pagamento das custas do processo.

 

  1. VALOR DO PROCESSO

  

De conformidade ao estatuído nos artigos 296º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, 97º -A, nº 1 alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de €13.339,90 (treze mil trezentos e trinta e nove euros e noventa cêntimos).

 

  1. CUSTAS

 

Nos termos do disposto nos artigos 12º, nº 2, 22º, nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em 918,00 €, a cargo da Requerida.

 

NOTIFIQUE-SE

 

Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão da alínea e) do nº 1 do artigo 29º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco, e revisto pelo árbitro.

 

A redacção da presente decisão, rege-se pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990, excepto no que respeita às transcrições efectuadas.

 

30 de Abril de 2018

 

O Árbitro

 

(António Pragal Colaço)

 

(1) O vocábulo “acto” não consta da petição inicial, constando já das alegações, mas é facilmente apreensível que se tratou de um lapso;

(2) Cfr. Acórdão da CAAD, Processo número 533/2016, de 20 de Março de 2017, em que o signatário foi Árbitro Adjunto, que seguimos quase “ipsis verbis”;

(3) Cfr exemplificativamente Acórdão Tribunal Central Administrativo Sul, Processo número 07918/14 de 19/2/2015, Barbara Tavares Teles, in.www.dgsi.pt;

(4) Cfr. Ibidem. Acórdão da CAAD mencionado na nota (2);

(5) Cfr. Sentença da CAAD, Processo número 451/2017, de 14 de Fevereiro de 2018, que seguimos quase “ipsis verbis”;

(6) Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Volume II, página 208, Áreas Editora, 2011;

(7) A redacção actual do art.º 100.º da LGT é a seguinte:

“A administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos e condições previstos na lei. (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro).”, pelo que em nada altera o raciocínio exposto;

(8) Do processo administrativo tributário que foi junto aos autos, de fls. 30 e segs, encontram-se notas de cobrança/demonstração de compensação, inculcando a ideia que o imposto foi pago por compensação;