Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 176/2016-T
Data da decisão: 2017-11-21  IRC  
Valor do pedido: € 234.319,49
Tema: IRC - Tributações autónomas - Interpretação autêntica. Constitucionalidade
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Decisão Arbitral

 

 

                Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Suzana Fernandes da Costa e Prof. Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-06-2016, acordam no seguinte:

 

Na sequência do Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, procede-se à pronúncia de nova decisão arbitral.

 

 

1. Relatório

 

A…, SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua …, n.º…, …-… Porto, doravante designada por “A… SGPS” ou “Requerente”, em 2012 e 2013 sociedade dominante de grupo, o grupo B… doravante, sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, veio, artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e a ilegalidade parcial das autoliquidações de tributações autónomas no grupo fiscal B… relativas aos exercícios de 2012 e de 2013, no que respeita aos montantes de € 127.669,55 e € 106.649,94, respectivamente, com a sua consequente anulação nestas partes, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à requerente destas quantias, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, desde 31 de Maio de 2013 no que respeita a € 127.669,55 (exercicio de 2012), e no que respeita a € 106.649,94 (exercício de 2013) contados desde 30 de Maio de 2014 quanto a € 39.123,42, e desde 1 de Setembro de 2014 quanto aos restantes € 67.526,52.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-03-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 18-05-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 03-06-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 06-07-2016 dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidiu-se que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

As partes apresentaram alegações.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

Não foram suscitadas excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

Por acórdão arbitral de 21-09-2016, foi julgado improcedente o pedido de pronúncia arbitral, tendo-se efectuado a aplicação do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC na redacção da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, a que o artigo 135.º da mesma Lei atribuiu natureza interpretativa ao n.º 14 daquele artigo 88.º.

Tendo sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional veio este a decidir:

a) julgar inconstitucional, por violação da proibição da retroactividade dos impostos, consagrada no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, o segmento normativo do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, que atribui natureza interpretativa ao artigo 133.º do mesmo diploma, na parte em que vem fixar o sentido do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, nos termos do n.º 20 desse artigo.

b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, interpretada no sentido de que o agravamento de dez pontos percentuais se aplica no caso de sociedades sujeitas ao RETGS, em que a sociedade tributada não apresente prejuízo fiscal no período a que as tributações respeitem, mas o apresente o grupo de sociedades que a mesma integra.

 

Embora o acórdão do Tribunal Constitucional nada refira sob a necessidade de reforma da decisão arbitral, decorre do n.º 2 do artigo 80.º da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/982, de 15 de Novembro), que «se o Tribunal Constitucional der provimento ao recurso, ainda que só parcialmente, os autos baixam ao tribunal de onde provieram, a fim de que este, consoante for o caso, reforme a decisão ou a mande reformar em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade».

Assim, vai-se proceder a reforma da decisão arbitral, sem atender ao artigo 20.º do artigo 88.º do CIRC e ao artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

 

2. Matéria de facto 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)            A Requerente era nos anos de 2012 e 2013 a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributado em IRC no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS)

b)           Em 30-05-2013 e 30-05-2014, a Requerente entregou declarações modelo 22 do grupo relativas ao exercício de 2012, em que inscreveu o valor de € 539.873,24, nos campos 365 do quadro 10, relativo a tributações autónomas (documentos n.º 1 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

c)            Em 30-05-2014 e 27-5-2015, a Requerente entregou declarações modelo 22 do grupo relativas ao exercício de 2013, em que inscreveu o valor de € 443.178,89, nos campos 365 do quadro 10, relativo a tributações autónomas (documento n.º 2 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

d)           Entre as tributações encontravam-se tributações autónomas num total de € 347.676,36 (2012) e de € 283.370,85 (2013), respeitantes às seguintes sociedades integrantes do seu Grupo Fiscal (cfr. Docs. n.ºs 7 e 8 que aqui se juntam):

– C…;

– D…;

– E…;

– F…;

– G…;

– H…;

– I…;

– J…;

– K… .

e)           Os valores do IRC, incluindo derrama estadual e tributações autónomas, de € 250.938,45 quanto ao exercício de 2012 e de € 39.123,42 quanto ao exercício de 2013 encontram-se pagos (Documentos n.ºs 9 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

f)            As tributações autónomas respeitantes a estas sociedades foram apuradas aplicando-se às despesas e encargos que constituem as suas bases tributáveis as respectivas taxas legalmente previstas, a que se acresceu ainda o agravamento de dez pontos percentuais previsto no artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, não obstante nenhuma destas sociedades ter incorrido em prejuízos fiscais em 2012 e em 2013 (Documentos n.ºs 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos).

g)            Sem esse (indevido) agravamento de taxas em 10 pontos percentuais, as tributações autónomas aqui em causa teriam sido de apenas € 220.006,81 (2012) e de € 176.720,92 (2013), e não de € 347.676,36 (2012) e de € 283.370,85 (2013);

h)           A aplicação do agravamento de taxas das tributações autónomas de sociedades que não incorreram em prejuízos fiscais reflectiu o entendimento da AT relativamente à aplicação do disposto no n.º 14 do artigo 88.º do Código do IRC nos casos em que os sujeitos passivos integram um grupo de sociedades sujeito ao RETGS (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

i)             O sistema de transmissão electrónica de dados através do qual se processa a entrega da declaração periódica de rendimentos de IRC encontra-se parametrizado no sentido de considerar que o agravamento das taxas de tributação autónoma deve ter por referência o resultado fiscal apurado pelo grupo de sociedades sujeito ao RETGS em detrimento do resultado fiscal apurado individualmente por cada uma das sociedades que o integram (artigo 21.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);

j)             Em 29-05-2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa das referidas autoliquidações relativas aos exercícios de 2012 e 2013;

k)            A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 22-12-2015, proferido pelo Senhor Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto, que manifesta concordância com um parecer, que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que remete para a fundamentação do projecto de decisão, em que se refere, além do mais o seguinte:

2. O desagravamento das taxas de tributação autónoma das sociedades do grupo que, individualmente, apuraram lucro tributável, nos exercícios de 2012 e 2013, nos montantes de € 127.659,55 e € 106.649,94

Está ínsito no n.º 1 do artigo 70.º do CIRC que o lucro do grupo é calculado através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

Este regime permite que o grupo seja considerado como único sujeito passivo para efeitos de IRC, possibilitando uma economia desse imposto com a compensação entre os lucros de umas sociedades e os prejuízos de outras.

No presente caso, o que está em causa é saber se as taxas de tributação autónoma agravados de acordo com o estatuído no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, ou seja, caso exista prejuízo fiscal, se afere em relação a cada uma das empresas que compõem o grupo fiscal sujeito a RETGS, ou tendo em consideração os resultados do grupo.

Dever-se-á analisar o regime das tributações autónomas para se perceber se revestem a mesma natureza do IRC e, portanto, se essa aferição se faz tendo em consideração os resultados do grupo, ou, se pelo contrário, as tributações autónomas não configuram a mesma natureza do IRC, devendo a aferição fazer-se em relação a cade sujeito passivo das tributações autónomas, desprezando-se os resultados do grupo.

A Lei n.º 3-B/2010 de 25 de Abril, aditou o n.º 13 ao artigo 68.º do CIRC, introduzindo e sujeição a tributações autónomas, com base em determinados pressupostos, dos gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações, bem como bónus e outras remunerações variáveis, quando estejam em causa gestores, administradores ou gerentes.

Através da sujeição às tributações autónomas, certos gastos das empresas “são transformados, eles próprios, em factos tributários".

As tributações autónomas incidem sobre a despesa, constituindo cada acto de despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, independentemente de ter ou não rendimento tributável em sede de IRC no final do período tributário respectivo.

O Acórdão do STA 0281/2011, de 2011/06/07, entendeu que a cada acto de despesas deve ser aplicada a taxa em vigor na data da sua realização. “As tributações autónomas tributam despesa e não rendimento, são impostos que penalizam determinados encargos incorridos pelas empreses e apuram-se de forma totalmente independente do IRC, não se relacionando sequer com e obtenção de um resultado positivo”.

Nas tributações autónomas não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesa em si mesma, em função de determinadas razões de política fiscal.

"A manifestação de riqueza sobre que vai incidir essa parcela de tributação (o facto revelador de capacidade contributiva que se pretende alcançar) é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para esse efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período.

Formalmente, as tributações autónomas são IRC, apresentando-se como uma sua componente, um complemento, assim o considerando tanto o legislador como o próprio CIRC no art. 12.º.

Da leitura dos Acórdãos 617/12 e 85/12 do Tribunal Constitucional não se infere que as tributações autónomas sejam efectivamente um imposto distinto do IRC, o que desde logo justifica a sua não dedutibilidade no apuramento do lucro tributável em sede de IRC, conforme plasmado na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC.

O artigo 23.º-A, editado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, na alínea a) do n.º 1 prescreve "o IRC, incluindo as tributações autónomas...", tendo, por conseguinte, um efeito esclarecedor na questão polémica que é objecto da reclamação em epígrafe.

Tem sido o entendimento da DSIFIC que só a qualidade de sujeito passivo de IRC e, portanto, as respectivas actividades sujeitas ao regime geral do IRC, pressupõem, em princípio, a sujeição a tributações autónomas”.

Assim sendo, uma vez que as tributações revestem a mesma natureza do IRC, as regras aplicáveis devem ser as mesmas em tudo o que não se encontre especificamente determinado. É o caso do regime aplicável aos, grupos de sociedades, que em sede de tributações autónomas, não tem regra especial.

A DSIFIC conclui na informação n.º 405/2012 que para efeitos do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, a apresentação de prejuízos fiscais se afere tendo em consideração os resultados do grupo, visto ser esta a regra do IRC.

No presente caso o grupo teve prejuízos fiscais, partilhando do entendimento da DSIFIC, será de indeferir o pedido quanto à matéria peticionada.

 

 

l)             Em 31-05-2013, a Requerente pagou a quantia de € 250.938,45, relativa à autoliquidação respeitante ao exercício de 2012 (documentos n.ºs 1 e 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

m)          Em 31-05-2014, a Requerente pagou a quantia de € 39.123,42, relativa à autoliquidação de 2013 (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

n)           Em 21-03-2016, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e que constam também do processo administrativo.

Não é controvertida a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

 

 

 

 

3. 1. Questão a apreciar

 

O artigo 88.º do CIRC prevê várias tributações autónomas em IRC com as respectivas taxas.

No seu n.º 14 estabelece-se o seguinte:

 

14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.

 

A questão que é objecto do presente processo é a de saber se, quando é aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, os prejuízos fiscais relevantes para determinar este agravamento de taxas de tributação autónoma são os dos grupos ou os de cada uma das entidades individuais que os integram.

A Requerente entende que são os prejuízos fiscais de cada uma das sociedades do grupo que relevam para este efeito, enquanto a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que é o prejuízo fiscal do grupo que determina o agravamento das taxas.

 

3.2. Apreciação da questão sem atender à Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março.

 

Antes da Lei n.º 7-A/2016, a questão tinha sido apreciada no acórdão arbitral de 01-09-2014, proferido no processo n.º no processo n.º 239/2014-T, em termos que aqui se acolhem.

O artigo 88.º do CIRC estabelece o seguinte, no seu n.º 14:

 

Artigo 88.º

                14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.

               

                3.2.1. As tributações autónomas como tributação em sede de IRC

 

                «Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis» (artigo 11.º, n.º 1, da LGT), o que constitui uma remissão para o artigo 9.º do Código Civil.

O artigo 9.º do Código Civil estabelece o seguinte:

 

Artigo 9.º

Interpretação da lei

1 – A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.

2 – Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

3 – Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.

 

                Assim, o que há a fazer, é procurar reconstituir o pensamento legislativo, com base nos elementos interpretativos indicados neste artigo 9.º.

O ponto de partida da interpretação é a letra da lei.

Na falta de outros elementos que induzam à eleição de um sentido menos imediato do texto, o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, na pressuposição (imposta pelo n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil, que vale até que se demonstre que não é correcta) de que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. (   )

Na redacção inicial do CIRC, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, não era feita qualquer referência expressa ou implícita a tributações autónomas, no âmbito do IRC.

Só com a Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 1990, foi feita uma primeira referência a tributações autónomas no âmbito do IRC, através da autorização legislativa que consta do n.º 3 do seu artigo 15.º, em que se preceitua o seguinte:

Lei n.º 101/89, de 29 de Dezembro

Artigo 15.º

3 - Fica o Governo autorizado a tributar autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa agravada em 10% e sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC, as despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código.

 

Concretizando esta autorização legislativa, o Governo aprovou o Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho em que incluiu, à margem dos códigos do IRS e do IRC, uma norma sobre tributações autónomas em que se estabelece o seguinte:

 

Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho

Artigo 4.º

 

                As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada ou por sujeitos passivos de IRC não enquadrados nos artigos 8.º e 9.º do respectivo Código são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, conforme os casos, a uma taxa de 10% sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do CIRC.

 

               

                Como resulta do teor literal desta norma, fala-se em tributações autónomas em IRS ou IRC, não por elas serem um imposto diferente de qualquer um destes, mas sim por serem calculadas aplicando uma regra diferente das regras gerais de tributação aplicáveis à determinação das quantias devidas no âmbito daqueles impostos.

                Mas, no que aqui interessa, sendo a tributação autónoma em IRC, resulta linearmente desta norma que o imposto a liquidar e cobrar é considerado IRC, pelo que lhe será aplicável, no que não está aqui regulado, tudo o que está previsto para o IRC e que seja necessário aplicar (por exemplo, para efeitos de prazos para apresentação de declarações, competência para a liquidação, privilégios creditórios, meios de impugnação, etc.).

                A Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro, alterou este artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, mas manteve a mesma referência a tributação autónoma em IRC, estabelecendo o seguinte:

 

Lei n.º 52-C/96, de 27 de Dezembro

                1 - As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 30%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC.

 

                A Lei n.º 87-B/97, de 31 de Dezembro, voltou a alterar o n.º 1 daquele artigo 4.º, dando-lhe a seguinte redacção:

 

Lei n.º 87-B/97, de 31 de Dezembro

                1 - As despesas confidenciais ou não documentadas efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 32%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IRC.

 

 

                A Lei n.º 3-B/2000, de 29 de 4 de Abril, aditou um n.º 3, ao mesmo artigo 4.º, com a seguinte redacção:

 

Lei n.º 3-B/2000, de 29 de 4 de Abril

                3 - As despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros efectuadas por sujeitos passivos de IRS que possuam ou devam possuir contabilidade organizada no âmbito do exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas, ou por sujeitos passivos de IRC não isentos e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, são tributadas autonomamente em IRS ou IRC, consoante os casos, a uma taxa de 6,4%.

 

A Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, revogou o referido artigo 4.º, mas incluiu no CIRC um conjunto de tributações autónomas, através do aditamento de um artigo 69.º-A (   ) com o seguinte teor:

 

Artigo 69.º-A

Taxa de tributação autónoma

                1 - As despesas confidenciais ou não documentadas são tributadas autonomamente, à taxa de 50%, sem prejuízo do disposto na alínea h) do n.º 1 do artigo 41.º

                2 - A taxa referida no número anterior é elevada para 70% nos casos em que tais despesas sejam efectuadas por sujeitos passivos total ou parcialmente isentos, ou que não exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola.

                3 - São tributados autonomamente, a taxa correspondente a 20% da taxa normal mais elevada, as despesas de representação e os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, efectuados ou suportados por sujeitos passivos não isentos e que exerçam, a título principal, actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola.

                4 - Consideram-se encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, nomeadamente, as reintegrações, rendas ou alugueres, seguros, despesas com manutenção e conservação, combustíveis e impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização.

                5 - Excluem-se do disposto no n.º 3 os encargos relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, barcos de recreio, aeronaves de turismo, motos e motociclos, afectos à exploração do serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da actividade normal do sujeito passivo, bem como as reintegrações relacionadas com viaturas relativamente às quais tenha sido celebrado o acordo previsto no n.º 8 da alínea c) do n.º 3 do artigo 2.º do Código do IRS.

                6 - Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, os encargos suportados com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.

                7 - São sujeitas ao regime dos n.ºs 1 ou 2, consoante os casos, sendo as taxas aplicáveis, respectivamente, 35% ou 55%, as despesas correspondentes a importâncias pagas ou devidas, a qualquer título, a pessoas singulares ou colectivas residentes fora do território português e aí submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável, tal como definido nos termos do Código, salvo se o sujeito passivo puder provar que tais encargos correspondem a operações efectivamente realizadas e não têm um carácter anormal ou um montante exagerado.

                8 - Excluem-se do disposto no n.º 3 os sujeitos passivos a que seja aplicado o regime previsto no artigo 46.º-A.

 

                Embora não se faça aqui referência expressa a que estas tributações autónomas são IRC, tal resulta, por um lado, da inclusão deste artigo no CIRC (paralelamente à inclusão no CIRS de um artigo 75.º-A semelhante); por outro lado, do facto de os n.ºs 1 a 3 deste artigo 69.º-A manifestamente visarem substituir os anteriores n.ºs 1 e 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90.

                É certo que a inclusão destas tributações autónomas incidentes directamente sobre despesas e não sobre rendimento das pessoas colectivas num Código destinado primacialmente a estabelecer o regime geral da tributação do rendimento das pessoas colectivas gera, pelo menos aparentemente, uma situação de distorção do âmbito de incidência do imposto, que deixa de incidir directamente apenas sobre lucros para passar a incidir directamente também sobre certas despesas.

                Mas, a Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas.

                Na verdade, diz-se na referida Proposta de Lei:

 

O actual modelo de tributação do rendimento foi estabelecido em 1988, assente no imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e no imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), e correspondeu à adopção de soluções de base idênticas às que são comuns nos países da OCDE, o que não se cuida obviamente de alterar.

No entanto, razões de ordem pragmática determinaram logo algumas entorses aos princípios definidos, que a prática dos anos subsequentes veio, em inúmeras situações, agravar.

Acresce que a evolução do país introduziu alterações na realidade económica e social, em parte resultado do impacto da União Europeia e da própria dinâmica de aprofundamento do processo de integração, com repercussão no tecido das relações e institutos que são objecto das leis tributárias.

Existe na sociedade portuguesa um sentimento generalizado de que o sistema fiscal não reparte equitativamente a carga fiscal entre os cidadãos, estando a cargo dos mais cumpridores, entre eles, os trabalhadores por conta de outrem, a maior quota parte de esforço fiscal, enquanto a evasão e a fraude fiscais mantêm uma presença significativa que permite, frequentemente, que aqueles que mais proventos auferem não paguem impostos ou os suportem em termos muito inferiores àquilo que lhes é exigível.

4. Pelo exposto, o Governo, na sequência da elaboração de estudos e relatórios técnicos elaborados sob a égide de anteriores Governos, em particular do XIII Governo, bem como dos trabalhos levados a cabo pela Estrutura de Coordenação da Reforma Fiscal (ECORFI), que foi criada em Janeiro de 2000, para além do debate que estes temas têm suscitado, entendeu ser chegada a altura de submeter à Assembleia da República uma ampla reforma do sistema tributário português.

Pretende-se com estas medidas dar cumprimento a um pacto de justiça fiscal com os cidadãos, baseado no alargamento da base tributária, na intensificação do combate à fraude e à evasão fiscais e na diminuição do esforço fiscal dos contribuintes cumpridores, no quadro dos princípios gerais da equidade, eficiência e simplicidade que devem enquadrar o sistema tributário.

 

 

                Perante esta explicação, torna-se claro que, na perspectiva legislativa, as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC.

                Mas, decorre também desta explicação que um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.

                Isto é, entendeu-se que o sistema de tributação das empresas exclusivamente com base no lucro tributável gerava situações de iniquidade fiscal que se pretendeu atenuar ou eliminar efectuando um «alargamento da base tributária», através do aditamento à tributação directa, que continua a ser a essência do sistema de tributação das empresas, de situações de tributação indirecta, por via da aplicação do imposto também a certas despesas que se terá entendido serem causas dessa iniquidade, por estarem presumivelmente conexionadas com situações de «evasão e a fraude fiscais» «que permite, frequentemente, que aqueles que mais proventos auferem não paguem impostos ou os suportem em termos muito inferiores àquilo que lhes é exigível».

                Com esta opção legislativa de «alargamento da base tributária» do IRC, ampliou-se a sua base de incidência em relação à que constava do artigo 3.º, mas foi isso mesmo que se pretendeu, à luz da referida Exposição de Motivos.

                Foram posteriormente introduzidas alterações ao referido artigo 69.º-A (   ), pela 32-B/2002, de 30 de Dezembro, pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de Dezembro, pela Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 192/95, de 7 de Novembro, Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, pela Lei n.º 64/2008, de 5 de Dezembro, pela Lei n.º 100/2009, de 7 de Setembro, pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, e pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, com clara tendência para a ampliação das tributações autónomas, pelo que se evidencia que, repetidamente, o legislador fiscal se mostrou indiferente em relação às possíveis entorses do sistema de tributação das empresas que as tributações autónomas podem implicar.

                De resto, as grandes preocupações com a coerência dos impostos que incomodam a Requerente nunca foram partilhadas pelo nosso legislador fiscal, que, desde há muito, vem mantendo um imposto em que inclui, sob uma denominação comum, uma amálgama de situações desconexas de tributação, que é o Imposto do Selo, apenas perceptivelmente justificadas pela simplicidade e eficiência da arrecadação de receitas, e reconhece explicitamente, na referida Proposta de Lei, que, por razões de ordem pragmática, havia «entorses aos princípios definidos, que a prática dos anos subsequentes veio, em inúmeras situações, agravar».

                Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.

                Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos.

                Conclui-se, assim, que tanto à face do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90, de 9 de Junho, em que, em todas as suas versões, se referia que as tributações autónomas eram em «em IRS ou IRC» e não que outro tributo, como depois da sua inclusão no CIRC, as tributações autónomas de que são sujeitos passivos pessoas colectivas são consideradas IRC, pelo que lhes será aplicáveis as normas do CIRC que não contendam com a sua especial forma de incidência e taxas aplicáveis.

                A esta luz, a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, ao dizer, na redacção dada ao artigo 12.º do CIRC, que «as sociedades e outras entidades a que, nos termos do artigo 6.º, seja aplicável o regime de transparência fiscal não são tributadas em IRC, salvo quanto às tributações autónomas», assentou manifestamente no pressuposto, que resultava explicitamente das várias redacções do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 192/90 e da integração das tributações autónomas no CIRC operada pela Lei n.º 30-G/2000, de que estas tributações eram uma forma de tributação das pessoas colectivas em IRC (  ), pois é essa a única justificação para que na nova redacção que foi dada ao artigo 12.º do CIRC se ter feito uma referência expressa a que a exclusão da tributação em IRC das entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal em IRC não se estende às tributações autónomas.

                Esta conclusão que já se retirava com segurança, pelo menos a partir da Lei n.º 109-B/2001, de que as tributações autónomas se incluem no âmbito do IRC e lhe são potencialmente aplicáveis as regras gerais deste imposto é confirmada com o novo artigo 23.º-A, n.º 1, do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável» «o IRC, incluindo as tributações autónomas».

                Na verdade, resulta do teor expresso do referido artigo 12.º do CIRC que as tributações autónomas se incluem no IRC, especificamente para o efeito de afastamento da dedução ao lucro tributável das quantias despendidas com o seu pagamento.

                Por outro lado, apesar de esta referência expressa à inclusão das tributações autónomas só ter sido inserida com esta Lei n.º 2/2014, é seguro que tal inclusão já existia anteriormente, desde logo porque esta Lei não alterou o âmbito do IRC, designadamente os artigos 1.º e 3.º, a que a Requerente dá especial relevância para determinação do que é IRC.

                Assim, tem de se concluir que o legislador exprimiu insistentemente a sua intenção de tributar em sede de IRC as despesas efectuadas por pessoas colectivas para que se prevê tributação autónoma e que não há qualquer suporte textual nas normas relativas a essas tributações para concluir que as despesas com o pagamento de tais tributações não seja considerado IRC.

 

                3.2.2. As tributações autónomas e o regime especial de tributação de grupos de sociedades

 

                Da anterior constatação de que as tributações autónomas são tributação em IRC não decorre necessariamente que elas sejam relevantes no âmbito do regime especial de tributação de grupos de sociedades, pois este regime não constitui uma forma geral de tributação em sede de IRC.

                Na verdade, com resulta do disposto no artigo 69.º, n.º 1, do CIRC, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho, a especialidade daquele regime reporta-se à «determinação da matéria colectável em relação a todas as sociedades do grupo».

                Embora esta fórmula «determinação da matéria colectável» seja abstractamente abrangente de todos os tipos de matéria colectável sobre que incide o IRC, o artigo 70.º do mesmo Código, relativo à «determinação do lucro tributável do grupo», concretiza que «relativamente a cada um dos períodos de tributação abrangidos pela aplicação do regime especial, o lucro tributável do grupo é calculado pela sociedade dominante, através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo».

                Assim, resulta claramente deste artigo 70.º do CIRC que a aplicabilidade do regime especial de tributação de grupos de sociedades restringe-se à determinação do lucro tributável e dos prejuízos fiscais. Por outro lado, mesmo quando é aplicável este regime especial, não deixa de ser dada relevância autónoma aos prejuízos fiscais de cada uma das sociedades do grupo, como mostra o artigo 71.º do mesmo Código, ao estabelecer várias regras que constituem o «regime específico de dedução de prejuízos fiscais».

                Ora, apesar de as tributações autónomas em IRC serem consideradas IRC, é manifesto que a sua base de incidência não é o lucro tributável.

                Por isso, tem de se concluir que não há base legal para estender à incidência e determinação das taxas das tributações autónomas o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, que se limita à determinação do lucro tributável e dos prejuízos fiscais dos grupos de sociedades para efeito de tributação em IRC, na parte em que incide directamente sobre o rendimento.

                Assim, o agravamento das taxas das tributações autónomas previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC ocorre apenas quando a sociedade integrante do grupo em relação à qual se verifica o facto tributário que é fundamento das tributações autónomas apresentou prejuízo fiscal no período de tributação a que esses factos respeitem.  

                Consequentemente, as autoliquidações relativas aos exercícios de 2012 e 2013 do grupo fiscal da Requerente e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que as teve por objecto enfermam de vício de violação de lei, por errada interpretação do artigo 88.º, n.º 14, do IRC, ao entenderem que releva para efeitos de o agravamento previsto no artigo 88.º, n.º 14, do CIRC o prejuízo global do grupo de sociedades e não o de cada uma das sociedades a quem são imputáveis as tributações autónomas.

                Este vício justifica a anulação das autoliquidações, no que respeita aos montantes de € 127.669,55 e € 106.649,94, relativos aos exercícios de 2012 e 2103, respectivamente, bem como a decisão de indeferimento da reclamação graciosa, de harmonia com o preceituado no artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

Em 31-05-2013, a Requerente pagou a quantia de € 250.938,45, relativa à autoliquidação respeitante ao exercício de 2012 e em 31-05-2014, pagou a quantia de € 39.123,42, relativa à autoliquidação de 2013.

A Requerente pede o reembolso destas quantias, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, desde 31 de Maio de 2013 no que respeita a € 127.669,55 (exercício de 2012), e no que respeita a € 106.649,94 (exercício de 2013) contados desde 30 de Maio de 2014 quanto a € 39.123,42, e desde 1 de Setembro de 2014 quanto aos restantes € 67.526,52.

Tendo pago indevidamente as quantias de € 127.669,55 (exercício de 2012) e de € 39.123,42 (exercício de 2013), a Requerente tem direito a ser delas reembolsada.

A Requerente devia ainda ser reembolsada até 30-08-2014 de € 67.526,52, que e a parte restante da quantia indevidamente autoliquidada de € 106.649,94 relativa ao exercício de 2013 (artigo 104.º, n.º 6, do CIRC).

No que concerne aos juros indemnizatórios, o art. 43.º, n.ºs 1 e 2, da LGT estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e que «considera-se também haver erro imputável aos serviços no casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas».

No caso em apreço, foi a Requerente quem efectuou as autoliquidações, mas, como se provou, o sistema de transmissão electrónica de dados através do qual se processa a entrega da declaração periódica de rendimentos modelo 22 de IRC [artigos 117.º, n.ºs 1, alínea b), 2 e 3, e 120.º do CIRC] encontra-se parametrizado no sentido de considerar que o agravamento das taxas de tributação autónoma deve ter por referência o resultado fiscal apurado pelo grupo de sociedades sujeito ao RETGS em detrimento do resultado fiscal apurado individualmente por cada uma das sociedades que o integram.

Assim, é forçoso concluir que os erros que afectam as declarações e autoliquidações que delas resultam são exclusivamente imputáveis à Administração Tributária, pelo que tem de se concluir que ocorre erro imputável aos serviços para os efeitos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois a situação é equiparável, inclusivamente por maioria de razão à prevista no n.º 2 do artigo 43.º da LGT, pois o contribuinte é obrigado a adoptar o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Tendo pago indevidamente as quantias de € 127.669,55 (exercício de 2012) e de € 39.123,42 (exercício de 2013), a Requerente tem direito a juros indemnizatórios calculados sobre e cada uma daquelas quantias desde as datas em que pagou, que são 01-6-2013 e 01-06-2014 respectivamente.

A Requerente devia ainda ser reembolsada até 30-08-2014 de € 67.526,52, que e a parte restante da quantia indevidamente autoliquidada de € 106.649,94 relativa ao exercício de 2013 (artigo 104.º, n.º 6, do CIRC), pelo que tem direito a juros indemnizatórios calculados sobe aquela quantia de € 67.526,52 desde 01-092014.

Os justos indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.ºs 2, 3, 4 e 5, do CPPT, e art. 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Declarar a ilegalidade parcial e anular as autoliquidações do grupo fiscal da Requerente relativas aos exercícios se 2012 e 2013, na parte relativa às quantias de € 127.669,55 (exercício de 2012) e € 106.649,94 (exercício de 2013);

c)            Declarar a ilegalidade e anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e anulá-la;

d)           Julgar procedente o pedido de reembolso das quantias de € 127.669,55 (exercício de 2012) e € 106.649,94 (exercício de 2013) e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente, a título de reembolso, a quantia total de € 234.319,49;

e)           Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los à Requerente, até integral reembolso, nos seguintes termos: calculados sobre a quantia de € 127.669,55 desde 01-06-2013; calculados sobre a quantia de € 39.123,42 desde 01-06-2014; e calculados sobre a quantia € 67.526,52 desde 01-09-2014.

6. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 234.319,49.

 

7. Custas

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 21-11-2017

Os Árbitros

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

(Suzana Fernandes da Costa)

 

(Paulo Jorge Nogueira da Costa)

 

 

.

 

 

Decisão Arbitral

 

 

                Os árbitros Dr. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Suzana Fernandes da Costa e Prof. Doutor Paulo Jorge Nogueira da Costa, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 03-06-2016, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A…, SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º…, com sede na Rua…, n.º…, …-… Porto, doravante designada por “A…SGPS” ou “Requerente”, em 2012 e 2013 sociedade dominante de grupo, o grupo B… doravante, sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades, veio, artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 Março, apresentar um pedido de constituição do tribunal arbitral colectivo, em que é Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa e a ilegalidade parcial das autoliquidações de tributações autónomas no grupo fiscal B… relativas aos exercícios de 2012 e de 2013, no que respeita aos montantes de € 127.669,55 e € 106.649,94, respectivamente, com a sua consequente anulação nestas partes, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à requerente destas quantias, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, desde 31 de Maio de 2013 no que respe1ta a € 127.669,55 (exercic1o de 2012), e no que respeita a € 106.649,94 (exercício de 2013) contados desde 30 de Maio de 2014 quanto a € 39.123,42, e desde 1 de Setembro de 2014 quanto aos restantes € 67.526,52.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 23-03-2016.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 18-05-2016 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 03-06-2016.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Por despacho de 06-07-2016 dispensou-se a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidiu-se que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

As partes apresentaram alegações.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades e não se suscita qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

Não são suscitadas excepções nem há qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

a)            A Requerente era nos anos de 2012 e 2013 a sociedade dominante de um grupo de sociedades tributado em IRC no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS)

b)           Em 30-05-2013 e 30-05-2014, a Requerente entregou declarações modelo 22 do grupo relativas ao exercício de 2012, em que inscreveu o valor de € 539.873,24, nos campos 365 do quadro 10, relativo a tributações autónomas (documentos n.º 1 e 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

c)            Em 30-05-2014 e 27-5-2015, a Requerente entregou declarações modelo 22 do grupo relativas ao exercício de 2013, em que inscreveu o valor de € 443.178,89, nos campos 365 do quadro 10, relativo a tributações autónomas (documento n.º 2 e 4 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

d)           Entre as tributações encontravam-se tributações autónomas num total de € 347.676,36 (2012) e de € 283.370,85 (2013), respeitantes às seguintes sociedades integrantes do seu Grupo Fiscal (cfr. Docs. n.ºs 7 e 8 que aqui se juntam):

–C…;

–D…;

–E…;

–F…;

–G…;

–H…;

–I…;

–J…Portugal;

–K… .

e)           Os valores do IRC, incluindo derrama estadual e tributações autónomas, de € 250.938,45 quanto ao exercício de 2012 e de € 39.123,42 quanto ao exercício de 2013 encontram-se pagos (Documentos n.ºs 9 e 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

f)            As tributações autónomas respeitantes a estas sociedades foram apuradas aplicando-se às despesas e encargos que constituem as suas bases tributáveis as respectivas taxas legalmente previstas, a que se acresceu ainda o agravamento de dez pontos percentuais previsto no artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, não obstante nenhuma destas sociedades ter incorrido em prejuízos fiscais em 2012 e em 2013 (Documentos n.ºs 7 e 8 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos).

g)            Sem esse (indevido) agravamento de taxas em 10 pontos percentuais, as tributações autónomas aqui em causa teriam sido de apenas € 220.006,81 (2012) e de € 176.720,92 (2013), e não de € 347.676,36 (2012) e de € 283.370,85 (2013);

h)           A aplicação do agravamento de taxas das tributações autónomas de sociedades que não incorreram em prejuízos fiscais reflectiu o entendimento da AT relativamente à aplicação do disposto no n.º 14 do artigo 88.º do Código do IRC nos casos em que os sujeitos passivos integram um grupo de sociedades sujeito ao RETGS (documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

i)             O sistema de transmissão electrónica de dados através do qual se processa a entrega da declaração periódica de rendimentos de IRC encontra-se parametrizado no sentido de considerar que o agravamento das taxas de tributação autónoma deve ter por referência o resultado fiscal apurado pelo grupo de sociedades sujeito ao RETGS em detrimento do resultado fiscal apurado individualmente por cada uma das sociedades que o integram (artigo 21.º do pedido de pronúncia arbitral, não questionado);

j)             Em 29-05-2015, a Requerente apresentou reclamação graciosa das referidas autoliquidações relativas aos exercícios de 2012 e 2013;

k)            A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 22-12-2015, proferido pelo Senhor Chefe de Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa da Direcção de Finanças do Porto, que manifesta concordância com um parecer, que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, que remete para a fundamentação do projecto de decisão, em que se refere, além do mais o seguinte:

2. O desagravamento das taxas de tributação autónoma das sociedades do grupo que, individualmente, apuraram lucro tributável, nos exercícios de 2012 e 2013, nos montantes de € 127.659,55 e € 106.649,94

Está ínsito no n.º 1 do artigo 70.º do CIRC que o lucro do grupo é calculado através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de cada uma das sociedades pertencentes ao grupo.

Este regime permite que o grupo seja considerado como único sujeito passivo para efeitos de IRC, possibilitando uma economia desse imposto com a compensação entre os lucros de umas sociedades e os prejuízos de outras.

No presente caso, o que está em causa é saber se as taxas de tributação autónoma agravados de acordo com o estatuído no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, ou seja, caso exista prejuízo fiscal, se afere em relação a cada uma das empresas que compõem o grupo fiscal sujeito a RETGS, ou tendo em consideração os resultados do grupo.

Dever-se-á analisar o regime das tributações autónomas para se perceber se revestem a mesma natureza do IRC e, portanto, se essa aferição se faz tendo em consideração os resultados do grupo, ou, se pelo contrário, as tributações autónomas não configuram a mesma natureza do IRC, devendo a aferição fazer-se em relação a cade sujeito passivo das tributações autónomas, desprezando-se os resultados do grupo.

A Lei n.º 3-B/2010 de 25 de Abril, aditou o n.º 13 ao artigo 68.º do CIRC, introduzindo e sujeição a tributações autónomas, com base em determinados pressupostos, dos gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações, bem como bónus e outras remunerações variáveis, quando estejam em causa gestores, administradores ou gerentes.

Através da sujeição às tributações autónomas, certos gastos das empresas “são transformados, eles próprios, em factos tributários".

As tributações autónomas incidem sobre a despesa, constituindo cada acto de despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, independentemente de ter ou não rendimento tributável em sede de IRC no final do período tributário respectivo.

O Acórdão do STA 0281/2011, de 2011/06/07, entendeu que a cada acto de despesas deve ser aplicada a taxa em vigor na data da sua realização. “As tributações autónomas tributam despesa e não rendimento, são impostos que penalizam determinados encargos incorridos pelas empreses e apuram-se de forma totalmente independente do IRC, não se relacionando sequer com e obtenção de um resultado positivo”.

Nas tributações autónomas não se trata de tributar um rendimento no fim do período tributário, mas determinado tipo de despesa em si mesma, em função de determinadas razões de política fiscal.

"A manifestação de riqueza sobre que vai incidir essa parcela de tributação (o facto revelador de capacidade contributiva que se pretende alcançar) é a simples realização dessa despesa, num determinado momento. Cada despesa é, para esse efeito, um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável em IRC no fim do período.

Formalmente, as tributações autónomas são IRC, apresentando-se como uma sua componente, um complemento, assim o considerando tanto o legislador como o próprio CIRC no art. 12.º.

Da leitura dos Acórdãos 617/12 e 85/12 do Tribunal Constitucional não se infere que as tributações autónomas sejam efectivamente um imposto distinto do IRC, 0 que desde logo justifica a sua não dedutibilidade no apuramento do lucro tributável em sede de IRC, conforme plasmado na alínea a) do n.º 1 do artigo 45.º do CIRC.

O artigo 23.º-A, editado pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, na alínea a) do n.º 1 prescreve "o IRC, incluindo as tributações autónomas...", tendo, por conseguinte, um efeito esclarecedor na questão polémica que é objecto da reclamação em epígrafe.

Tem sido 0 entendimento da DSIFIC que só a qualidade de sujeito passivo de IRC e, portanto, as respectivas actividades sujeitas ao regime geral do IRC, pressupõem, em princípio, a sujeição a tributações autónomas”.

Assim sendo, uma vez que as tributações revestem a mesma natureza do IRC, as regras aplicáveis devem ser as mesmas em tudo 0 que não se encontre especificamente determinado. É o caso do regime aplicável aos grupos de sociedades, que em sede de tributações autónomas, não tem regra especial.

A DSIFIC conclui na informação n.º 405/2012 que para efeitos do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, a apresentação de prejuízos fiscais se afere tendo em consideração os resultados do grupo, visto ser esta a regra do IRC.

No presente caso o grupo teve prejuízos fiscais, partilhando do entendimento da DSIFIC, será de indeferir 0 pedido quanto à matéria peticionada.

 

 

l)             Em 21-03-2016, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para decisão que não se tenham provado.

 

 

2.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e que constam também do processo administrativo.

Não é controvertida a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

 

3. 1. Questão a apreciar

 

O artigo 88.º do CIRC prevê várias tributações autónomas em IRC com as respectivas taxas.

No seu n.º 14 estabelece-se o seguinte:

 

14 - As taxas de tributação autónoma previstas no presente artigo são elevadas em 10 pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal no período de tributação a que respeitem quaisquer dos factos tributários referidos nos números anteriores.

 

A questão que é objecto do presente processo é a de saber se, quando é aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, os prejuízos fiscais relevantes para determinar este agravamento de taxas de tributação autónoma são os dos grupos ou os de cada uma das entidades individuais que os integram.

A Requerente entende que são os prejuízos fiscais de cada uma das sociedades do grupo que relevam para este efeito, enquanto a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que é o prejuízo fiscal do grupo que determina o agravamento das taxas.

A questão está hoje legislativamente resolvida, no sentido propugnado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, através do aditamento, operado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, do n.º 20 ao artigo 88.º do CIRC, que estabelece o seguinte:

 

 20 - Para efeitos do disposto no n.º 14, quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades estabelecido no artigo 69.º, é considerado o prejuízo fiscal apurado nos termos do artigo 70.º

 

O artigo 135.º desta Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, atribuiu natureza interpretativa a esta nova redacção do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC.

No entanto, a Requerente defende que esta atribuição de natureza interpretativa é inconstitucional, dizendo, em síntese, o seguinte:

 

A)           A lei que regulava o agravamento de taxa nas tributações autónomas, em vigor até 30 de Março de 2016, era clara, não padecia de ambiguidade, conforme reconheceu, sem ambivalências, o Acórdão arbitral 1 de Setembro de 2014, proferido no processo n.º 239/2014-T: o agravamento da taxa de tributação autónoma era uma função dos prejuízos fiscais de que eventualmente padecesse a sociedade sujeito passivo deste imposto.

B)           O artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março (LOE 2016) é um esquema de evasão constitucional que pretender transformar em lei com carácter retroactivo (novo n.º 20 do artigo 88.º do CIRC) a ficha doutrinária elaborada pela AT em 2011 com respeito à matéria do agravamento de taxa nas tributações autónomas na situação em que haja grupo fiscal para efeitos de tributação do rendimento/lucro.

C)           A invocação do artigo 18.º da LGT, que se refere aos tipos possíveis de sujeitos passivos em abstracto, e não ao tipo de sujeito passivo em concreto na tributação autónoma (ou em qualquer outra tributação), é deslocada; é inequívoco que em concreto o sujeito passivo (previsão no CIRC – seu artigo 2.º) na tributação autónoma é a sociedade que incorre na despesa ou encargo, tal como previsto no Código do IRC.

D)           Também a invocação do artigo 115.º do CIRC como elemento que legitimaria uma dúvida interpretativa séria, não procede: aí não se determina que o grupo fiscal seria o sujeito passivo sequer para efeitos de tributação do rendimento (RETGS), pelo que muito menos daí se poderia retirar tal para efeitos da tributação autónoma.

E)            Onde a constituição proíbe leis retroactivas, o poder judicial não pode ficar prisioneiro da interpretação fixada retroactivamente pelo poder político-legislativo. E menos ainda (por maioria de razão) prisioneiro de um seu par que se tenha antecipado à lei retroactiva (e que, para mais, não apresenta sequer fundamentação razoável ou apreensível), como sucedeu com o acórdão de 12 de Fevereiro de 2016, proferido no processo n.º 447/2015-T.

F)            Caso se entenda que a natureza interpretativa do artigo 135.º da LOE 2016 (Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março) atribuiu carácter retroactivo ao novo n.º 20 do artigo 88.º do CIRC, introduzido pela mesma LOE 2016 (pelo seu artigo 133.º), está-se perante uma inconstitucionalidade material do referido artigo 135.º da LOE 2016, por violação da proibição de retroactividade em matéria de impostos prevista no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição (ver também o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/00), e por violação dos princípios do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), da separação e interdependência de poderes (artigo 2.º da Constituição), da separação e interdependência dos órgãos de soberania (artigo 111.º, n.º 1, da Constitui9ao) e da independência dos tribunais (artigo 203.º da Constitui9ao) o exercício da sua função de interpretação e aplicação da lei.

G)           Não haja ilusões, e certamente ninguém as terá: o senso comum jamais deixará de percepcionar o que se passou com estas e outras normas da LOE 2016 como uma viciação sistemática pelo poder executivo e parlamentar das regras do Estado de direito, máxime a regra da separação de poderes e da autonomia do poder judicial, e como uma violação grosseira da proibição constitucional de retroactividade dos impostos. Resta saber ainda se com a adesão também, e com que intensidade, do poder judicial.

 

Assim, a primordial questão a apreciar é a de saber se é constitucionalmente admissível a interpretação autêntica efectuada pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março. Se se concluir pela inadmissibilidade, será de apreciar a questão de saber por qual das interpretações optar.

 

 

3.2. Natureza interpretativa ou inovadora do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC

 

O artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, ao atribuir natureza «interpretativa» àquele novo n.º 21.º do artigo 88.º, conjugado com o artigo 13.º do Código Civil (que é a única norma que define o conceito de lei interpretativa), tem ínsita uma intenção legislativa de aplicar o novo regime às situações anteriores em que não haja «efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».

BAPTISTA MACHADO ensina sobre as leis interpretativas:

Ora a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado. Não é preciso que a lei venha consagrar uma das correntes jurisprudenciais anteriores ou uma forte corrente jurisprudencial anterior. Tanto mais que a lei interpretativa surge muitas vezes antes que tais correntes jurisprudenciais se cheguem a formar. Mas, se é este o caso, e se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a lei nova que venha consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa (embora o seja porventura por determinação do legislador), mas inovadora.

Para que uma lei nova possa ser realmente interpretativa são necessários, portanto, dois requisitos: que a solução do direito anterior seja controvertida ou pelo menos incerta; e que a solução definida pela nova lei se situe dentro dos quadros da controvérsia e seja tal que o julgador ou o intérprete a ela poderiam chegar sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei. Se o julgador ou o intérprete, em face de textos antigos, não podiam sentir-se autorizados a adoptar a solução que a lei nova vem consagrar, então esta é decididamente inovadora.

 

Assim, a primeira questão a apreciar, que pode ser decisiva, é a de saber se a norma do n.º 20 do artigo 88.º do CIRC, tem verdadeiramente natureza interpretativa.

A expressão «sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal» que consta do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC pode, pelo seu próprio teor literal, ser interpretada como reportando-se aos prejuízos do grupo ou aos de cada uma das empresas que os integram.

Na verdade, mesmo quando a tributação é feita com base no lucro tributável do grupo, não deixam de ser determinados os prejuízos fiscais de cada uma das sociedades que o integram, como resulta do artigo 70.º, n.º 1, do CIRC.

Por outro lado, o facto de o artigo 88.º, n.º 14, do CIRC fazer referência ao «sujeitos passivos» e o CIRC não indicar os grupos de sociedades entre os sujeitos passivos indicados no seu artigo 2.º não exclui a possibilidade de a interpretação daquela expressão os abranger, pois o artigo 18.º, n.º 3, da LGT atribui tal designação à «pessoa singular ou colectiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte directo, substituto ou responsável». Ora, no caso de tributação dos grupos de sociedades «o pagamento do IRC incumbe à sociedade dominante», em primeira linha, como decorre do artigo 115.º do CIRC, pelo que esta é, também nessa qualidade, sujeito passivo de IRC.

Ainda por outro lado, o Relatório do Orçamento do Estado para 2011, que introduziu o referido n.º 14 no artigo 88.º do CIRC, não é esclarecedor sobre o alcance da referência a «sujeito passivo», pois apenas se refere que «alarga-se uma regra que em termos mais estreitos já figurava no artigo 88.º do Código do IRC e determina-se, com carácter de generalidade, que as taxas de tributação autónoma sofram uma elevação de 10 pontos percentuais sempre que os sujeitos passivos apresentem prejuízos fiscais, com o que se pretende dar um sinal claro de moralização na gestão das empresas no tocante a gastos como ajudas de custo ou despesas de representação».

Para além disso, se é certo que a posição mais coerente e lógica é a de que, sendo a tributação unitária do rendimento a justificação da existência de um regime especial de tributação de grupos de sociedades e não havendo nenhuma alusão às tributações autónomas na Subsecção do CIRC que estabelece este regime, estas não seriam por ele abrangidas, também não deixa de ser certo que as tributações autónomas revelam uma evidente, persistente e crescente despreocupação legislativa com a coerência de sistema de tributação das empresas que deveria ter por base fundamentalmente o rendimento real, por força do disposto no artigo 104.º, n.º 2, da CRP.

E, de facto, tem de se admitir a falta de clareza da solução, como fica demonstrado com a jurisprudência arbitral divergente sobre esta matéria, designadamente os acórdãos de 01-09-2014, proferido no processo n.º 239/2014-T e de 24-04-2015, proferido no processo n.º 659/2014-T.

Neste último, adopta-se explicitamente o entendimento de que, nos casos de aplicação do RETGS, os prejuízos fiscais relevantes para efeito do agravamento que se refere o n.º 14 do artigo 88.º do CIRC são os do grupo que a sociedade dominante é o «único sujeito passivo para efeitos de IRC», como se evidencia no excerto que segue, realçando os pontos relevantes:

 

«Ou seja: a questão pode reconduzir-se a saber, em termos simples, se é justo ou não penalizar quem, em situação de prejuízo fiscal, opta, usando o exemplo anterior, por aquisição de viaturas ligeiras de passageiros para uso dos seus administradores, de custo acima de um limite razoável.

E relativamente a esta material não há especificidades ou exceções a assinalar para o caso, como o dos autos, de empresas tributadas, por opção própria, no âmbito do RETGS (artigos 69º e ss., do CIRC).

Na verdade, pese embora ocorra neste caso uma aferição de prejuízos fiscais por declaração do Grupo fiscal, a verdade é que tal ocorre por opção própria do contribuinte que aceitou que o cálculo respetivo se processasse não de forma individual mas através da soma algébrica dos lucros tributáveis e dos prejuízos fiscais apurados nas declarações periódicas individuais de modo a que, no final, apenas houvesse um único sujeito passivo para efeitos de IRC.

Se desse regime de tributação resultar, num caso ou noutro, em tributação final mais gravosa do que aquela que poderia resultar da tributação final individual, tal consequência só ao contribuinte pode ser imputada». (   ) (   )

 

 

Por outro lado, o facto de existir uma Informação Vinculativa proferida pela Autoridade Tributária e Aduaneira datada de 30-03-2012, no sentido que esta defende no presente processo, é decisivo para concluir que esta era uma interpretação com que os contribuintes poderiam contar, pois as informações vinculativas são publicadas e esta está publicada desde 21-06-2012. (   )

Para além disso, havia já algumas posições doutrinais no sentido que veio a ser perfilhado no n.º 20 do artigo 88.º, designadamente que «estando em causa um grupo societário integrado no regime especial de tributação tem-se entendido que, para efeitos do agravamento do cálculo de TA, deverá ter-se em conta a circunstância de o grupo apresentar lucro ou prejuízo, e não apenas o resultado de cada uma das sociedades. Ou seja, se houver empresas do grupo com prejuízo fiscal, mas, no cômputo global, o grupo apurar lucro tributável consolidado, não deverá ser considerado o agravamento de 10%.». (   )

Sendo assim, não se compreende a surpresa ou estranheza da Requerente por no acórdão proferido no processo 685/2015-T, se aceitar que, antes da Lei n.º 7-A/2016, se considerasse que o grupo de sociedades devia ser considerado sujeito passivo para efeitos de IRC a única entidade que tem a obrigação legal de pagar o IRC, inclusivamente o resultante de tributações autónomas: já o dizia a jurisprudência arbitral, já o dizia a Autoridade Tributária e Aduaneira e não era conhecida qualquer voz dissonante a nível jurisprudencial ou doutrinal. Na verdade, o acórdão arbitral proferido no processo n.º 239/2014-T, que era a única decisão jurisprudencial conhecida no sentido de que não eram relevantes os prejuízos fiscais do grupo para efeitos do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC, nem sequer revela qualquer dúvida sobre a qualidade de sujeito passivo que o grupo tem em IRC, antes implicitamente aceitava que o era, pois a única razão pela qual nele se entendeu que não eram relevantes os prejuízos fiscais do grupo foi o entendimento de que «a aplicabilidade do regime especial de tributação de grupos de sociedades restringe-se à determinação do lucro tributável e dos prejuízos fiscais» e as tributações autónomas em IRC não terem como base incidência o lucro tributável.

Em face das referidas posições, não é de afastar a natureza interpretativa atribuída ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC que se faz no artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, à luz dos ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, pois a solução que dele resulta sobre a aplicação do agravamento da tributação autónoma prevista no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC nos casos de tributação no âmbito do RETGS passa o teste enunciado por este Autor:

– a solução que resultava do teor literal do artigo 88.º, n.º 14, do CIRC era controvertida e a solução definida pela nova lei situa-se dentro dos quadros da controvérsia;

– o julgador ou o intérprete poderiam chegar a essa solução sem ultrapassar os limites normalmente impostos à interpretação e aplicação da lei, como chegaram a jurisprudência e doutrina referidas.

 

Sendo assim, o afastamento da aplicação da interpretação efectuada pelo n.º 20 do artigo 88.º da Lei n.º 7-A/2016, só pode resultar da eventual inconstitucionalidade, alegada pela Requerente.

 

3.3. Questão da inconstitucionalidade da interpretação autêntica efectuada pelo n.º 20 do artigo 88.º da Lei n.º 7-A/2016

 

A Requerente defende que a interpretação defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que veio a ser perfilhada no n.º 20.º do artigo 88.º do CIRC, viola a Constituição, pelos seguintes razões, em suma:

«Tal sorte de interpretação normativa para aplicação retroactiva não viola apenas o artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, designadamente a proibição de retroactividade dos impostos aí prevista. Viola também o princípio da separação de poderes e o princípio da independência do poder judicial. Viola, pois, também, o artigo 2.º (Estado de direito democrático, e separação e interdependência de poderes, sendo que quanto a este último aspecto no caso está em causa a perspectiva da interdependência – e por conseguinte negação de excessos e de ocupação de espaço que não lhe pertence – do poder político-legislativo face ao poder judicial), o artigo 111.º, n.º 1 (separação e interdependência dos órgãos de soberania, que é ainda um limite material de revisão – artigo 288.º, alínea j), da Constituição), e o artigo 203.º (independência dos tribunais, outro limite material de revisão – artigo 288.º, alínea m), da Constituição), todos da Constituição.».

 

 

3.3.1. Violação do princípio da retroactividade dos impostos

 

O artigo 103.º, n.º 3, da CRP estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva.

A lei interpretativa, integrando-se na lei interpretando, nos termos do artigo 13.º do Código Civil, tem forçosamente efeitos anteriores à sua vigência, pelo menos o de eliminar uma ou mais das interpretações possíveis da lei interpretada. (   )

A proibição constitucional de retroactividade das normas criadoras de obrigações fiscais que se retira do n.º 3 do artigo 103.º da CRP visa obstar a violações legislativas do princípio da segurança jurídica, nas suas vertentes de certeza na orientação das condutas dos contribuintes e de segurança dos efeitos criados por situações já ocorridas.

Na esteira da lição de BAPTISTA MACHADO, deverá entender-se que nas situações em que a interpretação que é dada na lei nova vem fixar uma das interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas, pelo que não se verificam as razões que justificam a proibição da retroactividade.

Como interpretações possíveis da lei antiga com que os interessados podiam e deviam contar não se poderão considerar aquelas que extravasam, restritiva ou extensivamente, o seu teor literal, pelo menos enquanto não houver posições doutrinais ou prática jurisprudencial que as adoptem, mas incluem-se, seguramente, aquelas que são viáveis à face do texto legal anterior numa mera interpretação declarativa.

Como se referiu já, o teor literal do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC permite, por mera interpretação declarativa, que tenha em mente o conceito de sujeito passivo alargado que resulta dos artigos 18.º, n.º 3, da LGT e 115.º do CIRC, corroborados pelo artigo 31.º, n.º 1 daquela Lei, atribuir a qualificação de sujeito passivo às sociedades dominantes dos grupos abrangidos pelo RETGS, pelo que a consideração dos prejuízos do grupo como facto determinante do agravamento da tributação autónoma tem de considerar-se como uma interpretação com que os contribuintes poderiam e deveriam contar anteriormente.

Para além disso, como a própria Requerente alegou e se deu como provado, «o sistema de transmissão electrónica de dados através do qual se processa a entrega da declaração periódica de rendimentos de IRC encontra-se parametrizado no sentido de considerar que o agravamento das taxas de tributação autónoma deve ter por referência o resultado fiscal apurado pelo grupo de sociedades sujeito ao RETGS em detrimento do resultado fiscal apurado individualmente por cada uma das sociedades que o integram».

Por isso, sendo as declarações periódicas de rendimentos de IRC apresentadas obrigatoriamente por via electrónica (artigo 120.º, n.º 1, do CIRC), é forçoso concluir que a generalidade dos contribuintes de IRC poderiam contar com esta interpretação que veio a ser explicitada pela Lei n.º 7-A/2016.

Mesmo apreciando a situação à luz do princípio da segurança jurídica, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático, que tem maior amplitude que a proibição constitucional de criação retroactiva de impostos, é claro que não existe incompatibilidade com uma interpretação autêntica que tem como efeito a manutenção e não a alteração de uma situação existente. Na verdade, a interpretação autêntica em causa, aplicada a situações como a dos autos em que o contribuinte criou ele próprio a situação jurídica em que se encontra, efectuando as autoliquidações em sintonia com essa interpretação e efectuando os respectivos pagamentos, não afecta a segurança jurídica, antes a reforça, pois tem como efeito prático consolidar juridicamente a situação existente.

Pelo exposto, a interpretação autêntica efectuada pelo n.º 20 do artigo 88.º do CIRC, na redacção da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não ofende a proibição constitucional de normas fiscais retroactivas.

 

 

3.3.2. Violação dos princípios da separação de poderes e o princípio da independência do poder judicial, essenciais num Estado de Direito democrático

 

A questão colocada não tem a ver especificamente com as normas sobre matéria tributária relativas a impostos, mas sim com a própria admissibilidade de normas interpretativas, com o alcance que lhes é dado pelo artigo 13.º do Código Civil, de se integrarem «na lei interpretada, ficando salvos, porem, os efeitos já produzidos pelo cumprimento da obrigação, por sentença passada em julgado, por transacção, ainda que não homologada, ou por actos de análoga natureza».

A constitucionalidade de leis interpretativas tem sido admitida pelo Tribunal Constitucional, desde que não seja posto em causa o princípio da segurança jurídica (   ).

Por outro lado, os tribunais arbitrais estão sujeitos à lei (artigo 203.º da CRP e artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), pelo que estão obrigados a aplicar as normas emanadas por via legislativa, desde que não sejam incompagináveis com normas de hierarquia superior, o que é concretização do princípio da separação e interdependência proclamado no artigo 2.º da CRP como um princípio primacial do Estado de Direito democrático.

A independência do poder judicial não impede que o poder legislativo possa emanar normas interpretativas.

No caso em apreço, no momento em que foi constituído o presente Tribunal Arbitral, que assinala o início do processo arbitral (artigo 15.º do RJAT), já havia sido publicada a Lei n.º 7-A/2006, pelo que o Tribunal tem o dever de a aplicar, como lei que é, se não concluir pela sua inconstitucionalidade, o que, pelo que se disse, não sucede.

Por isso, não ocorre violação dos princípios constitucionais da separação de poderes e o princípio da independência do poder judicial.

 

3.3.3. Compatibilidade da interpretação adoptada pela Autoridade Tributária e Aduaneira com os princípios da proporcionalidade e da igualdade e princípios relacionados com a proibição de arbitrariedades

 

A Requerente refere ainda que «a norma do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, na interpretação de que em caso de existência de RETGS o que relevaria para efeitos do agravamento das taxas de tributações autónomas seria o eventual prejuízo fiscal apurado ao nível do grupo fiscal em sede de IRC (tributação sobre o rendimento), por oposição ao eventual prejuízo fiscal apurado pela sociedade que incorre na despesa tributável em sede de tributações autónomas, viola os princípios da proporcionalidade (exigência de justa/adequada medida) e da igualdade, e os princípios com este relacionados da coerência e da proibição de arbitrariedades: cfr. artigos 2.º (Estado de Direito democrático, com os inerentes princípios da proporcionalidade, igualdade e coerência), 13.º (princípio da igualdade) e 18.º, n.ºs 2 e 3 (princípio da proporcionalidade) da Constituição»

No que concerne ao princípio da igualdade, o tratamento distinto das empresas que integram grupos e as que não os integram, não resulta da interpretação do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC efectuada pela Lei n.º 7-A/2016, mas sim da própria aplicação do RETGS.

A aplicação deste regime, que é opcional (artigo 69.º, n.º 1, do CIRC), pode trazer vantagens ou inconvenientes fiscais para a globalidade das empresas que os integram em relação à tributação que seria aplicável com base na tributação individual de cada uma dessas sociedades.

Sendo o RETGS um sistema de tributação integrado por várias regras, a opção pela sua aplicação implica a aceitação da globalidade de todas as normas aplicáveis no âmbito desse regime, com a implícita aquiescência em prescindir da aplicação das regras aplicáveis quando é aplicável o regime de tributação individual. Na verdade, não é admissível, à face do princípio da legalidade, pretender a aplicação de um terceiro regime de tributação misto não previsto na lei, integrado por algumas das regras do RETGS e algumas das aplicáveis no regime da tributação individual.

Assim, no pressuposto de que a interpretação do n.º 14 do artigo 88.º do CIRC explicitada pela Lei n.º 7-A/2016 é admissível, tem de se concluir que a consideração dos prejuízos fiscais do grupo em vez dos prejuízos individuais de cada uma das empresas é uma das componentes do próprio RETGS, abrangida na opção pela sua tributação. Aliás, é de notar que da aplicação da interpretação perfilhada pela Autoridade Tributária e Aduaneira nem sequer resultam necessariamente desvantagens fiscais para as empresas tributadas pelo RETGS, pois, nos casos em que não há prejuízos do grupo, não é aplicável o agravamento previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC, mesmo que haja no grupo empresas que tenham prejuízos individuais e que veriam agravada a tributação autónoma se fossem estes os relevantes. Por isso, nem se pode aventar que esta interpretação do n.º 14 do artigo 88.º configure uma componente desvantajosa do RETGS susceptível de influenciar necessariamente a opção pela aplicação do regime.

Pelo exposto, entende-se que não é materialmente inconstitucional, à face do princípio da igualdade, o tratamento distinto das empresas que é dado às empresas que optam pela aplicação do RETGS e às que não são optam pela aplicação desse regime.

No que concerne ao princípio da proporcionalidade, a Requerente não explica com clareza em que entende consistir a sua violação, referindo a «exigência de justa/adequada medida».

Sendo um regime opcional, composto de um conjunto de regras especiais, não se vê como pode considerar-se que haja alguma «exigência injusta» ou «medida inadequada».

Por outro lado, como se disse, o regime em causa até pode reconduzir-se a uma vantagem para os grupos de sociedades em relação às sociedades que não optaram pela aplicação do RETGS, pois, aplicando-se o agravamento previsto no n.º 14 do artigo 88.º do CIRC apenas nos casos em que há prejuízos fiscais do grupo, nem este nem as sociedades que o integram são afectadas por qualquer agravamento mesmo que alguma ou algumas delas tenham prejuízos fiscais e estejam sujeitas a tributações autónomas.

Para além disso, sendo a aplicação do RETGS opcional, a protecção contra a sua alegada incoerência e arbitrariedade está na disponibilidade dos sujeitos passivos, pelo que as eventuais desvantagens que da sua aplicação possam advir estão fora do âmbito de aplicação das normas constitucionais destinadas a protecção constitucional dos cidadãos contra actos do poder legislativo.

Por isso, não se demonstra a violação dos princípios constitucionais invocados pela Requerente.

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

Improcedendo os pedidos de declaração de ilegalidade e anulação parciais da autoliquidação e de ilegalidade da decisão da reclamação graciosa que a manteve, improcedem também os pedidos de reembolso da quantia paga acrescido de juros indemnizatórios, que seriam consequências declaração de ilegalidade.

 

5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

a)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos.

 

6. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 234.319,49.

 

7. Custas

 Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 21-09-2016

Os Árbitros

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)