DECISÃO ARBITRAL
I – Relatório
1. A…, S. A., com o nº de pessoa colectiva …, com sede na …, n.º…, em Lisboa, veio requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto tributário de liquidação de imposto de selo, por referência ao ano de 2014, no montante de € 3.498.821,22, bem como da liquidação de juros compensatórios, no montante de € 332.386,47, pedindo ainda a condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida nos termos dos artigos 53.º da LGT e 171.º do CPPT.
Alega, em síntese, que celebrou, em 1 de setembro de 2009, um contrato denominado acordo financeiro com B…, SGPS, S. A. (B…) e a C…, SGPS, S. A. (C…), pelo qual ficou estipulado que a Requerente concedia à B… e C… uma linha de crédito até ao montante máximo de €1.000.000 (no qual se incluíam montantes de crédito financiados em data anterior) que seria disponibilizada até ao dia 31 de dezembro de 2017 e cujos montantes que viessem a ser utilizados seriam reembolsados integralmente até ao dia 31 de dezembro de 2019.
Ficou ainda acordado que os montantes de créditos utilizados poderiam ser reembolsados parcial ou integralmente antes da data limite fixada, reembolsos que vieram a ocorrer, em diversos montantes, no decurso dos anos de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014.
Na sequência de uma ação inspectiva incidente sobre o ano de 2014, a Administração Tributária procedeu à liquidação do imposto de selo devido pela Requerente em relação às operações de crédito realizadas a favor da B… e da C…, mediante a aplicação da taxa prevista na verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), tendo em linha de consideração que os créditos em causa foram concedidos por prazo não determinado ou determinável.
Todavia, os créditos foram concedidos por um prazo certo e determinado, que ficou fixado no dia 31 de dezembro de 2019, data em que se tornava exigível o cumprimento da obrigação, e a possibilidade contratualmente prevista de reembolso antecipado não poderia significar que o financiamento deixasse de ficar dependente de prazo.
E, sendo assim, a previsão da verba 17.1.4 da TGIS não é aplicável ao caso uma vez que o legislador pretende aí tributar a “utilização de crédito sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou outra, de duração de utilização indeterminado ou indeterminável”.
Sendo que a taxa de imposto que poderia eventualmente ser considerada era a prevista na verba 17.1.3 da TGIS por ser a aplicável a crédito por prazo igual ou superior a cinco anos.
A Autoridade Tributária apresentou a sua resposta, alegando, em resumo, que, para efeitos de incidência do Imposto de Selo, o que releva é a utilização do crédito, e não o contrato de concessão, pelo que, sendo disponibilizada uma linha de financiamento que permite o reembolso do crédito utilizado em qualquer momento, desde que não ultrapasse o prazo limite de 31 de dezembro de 2019, a utilização não é determinada nem determinável.
As partes não fixaram uma data para o reembolso dos créditos concedidos e limitaram-se a estipular um prazo até ao qual os empréstimos poderiam ser concedidos (31 de dezembro de 2017) e um prazo até ao qual poderiam ser efectuados os reembolsos (31 de dezembro de 2019).
E não existindo um prazo certo para o reembolso, que poderá ocorrer no espaço temporal entre o momento da utilização do crédito e o limite contratualmente definido para o cumprimento integral, não é aplicável qualquer das regras de tributação a que se referem as verbas 17.1.1. a 17.1.3, mas apenas a prevista na verba 17.1.4.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 20-12-2017.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
2. No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a produção de prova testemunhal.
Em alegações, a Requerente manteve o entendimento quanto à inaplicabilidade da verba 17.1.4 à situação do caso e suscitou ex novo a inconstitucionalidade dessa norma, por violação do princípio da capacidade contributiva e do princípio da legalidade fiscal, por considerar que a Administração Tributária efectua uma interpretação presuntiva e acolhe uma solução que não encontra apoio no texto legal.
A Autoridade Tributária manteve a sua anterior posição quanto à questão de fundo, e, relativamente às questões de constitucionalidade, contesta que a subsunção dos factos à previsão da verba 17.1.4 possa corresponder a uma interpretação presuntiva da norma ou afrontar o princípio da legalidade fiscal. Quanto ao pedido de indemnização por prestação de garantia indevida, a Requerida invoca o acórdão do Tribunal Arbitral proferido no Processo n.º 369/2017-T, que julgou improcedente idêntico pedido por estar em causa prestação de garantia através de hipoteca.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
3. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
A) Em 1 de setembro de 2009, a Requerente firmou um acordo financeiro com a B… e a C… pelo qual concedia a estas duas entidades uma linha de crédito até ao montante máximo de €1.000.000, que seria disponibilizada, na medida das suas necessidades, até ao dia 31 de dezembro de 2017, e cujos montantes que viessem a ser utilizados seriam reembolsados integralmente até ao dia 31 de dezembro de 2019.
B) À data da celebração do acordo, a Requerente era já titular de um crédito sobre a B…, no montante de € 641.040.527,86, e de um crédito sobre C…, no montante de € 380.000,00, que passaram a ser considerados como utilização de crédito, disponibilizado nessa data, para efeitos do acordo.
C) O mesmo acordo financeiro previa que as entidades beneficiárias de utilização de crédito poderiam reembolsar, parcial ou integralmente, os montantes de crédito utilizado em qualquer momento anterior ao prazo limite de 31 de dezembro de 2019.
D) As entidades beneficiárias procederam a diversos reembolsos antecipados dos fundos utilizados.
E) Na sequência de uma acção inspectiva relativa ao ano de 2014, a Administração Tributária efectuou a correcção da liquidação do imposto de selo aplicável às operações de liquidação de crédito por considerar que o reembolso do crédito utilizado não estava dependente de prazo determinado ou determinável e encontrava-se sujeito à aplicação da taxa de 0,04% à média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente durante um mês, nos termos da verba 17.1.4 da TGIS.
F) Vindo a ser determinada a correcção de liquidação de imposto de selo no montante de € 3 498 821,22 a que correspondem juros compensatórios no montante de € 332.386,47.
G) Não tendo ocorrido o pagamento voluntário da dívida fiscal, o serviço de finanças instaurou contra a Requerente processo de execução fiscal para cobrança coerciva da dívida, no montante global de € 3.831.297,89, a que acrescem custas, tendo procedido à citação pessoal através de comunicação emitida em 18 de julho de 2018.
H) A Requerente, pretendendo impugnar a liquidação adicional de imposto, veio requerer a suspensão do processo de execução fiscal mediante constituição de hipoteca prestada pela Sociedade D…, S. A. sobre diversas fracções autónomas no valor patrimonial de € 4.833.259,15 e a prestação de depósito caução no valor remanescente de € 7.836,38.
I) Em 14 de dezembro de 2016, as partes no acordo financeiro referido na antecedente alínea A), através de uma adenda interpretativa, pretenderam esclarecer o sentido das cláusulas referentes ao prazo de modo a entender-se que todo e qualquer crédito utilizado ao abrigo desse acordo foi concedido por um prazo certo e determinado que se inicia na data da disponibilização do crédito e termina em 31 de dezembro de 2019.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os contantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária com a sua resposta.
A factualidade constante da alínea D) foi reconhecida pela Requerente na petição inicial e não constitui matéria controvertida.
Questão de direito
4. Nos termos do acordo financeiro celebrado entre a Requerente e a B… e a C…, foi estipulada a concessão à segunda e terceira contraentes de uma linha de crédito, no montante máximo de €1.000.000, até ao fim do ano civil de 2017, e cujo reembolso integral deveria ocorrer até ao fim do ano civil de 2019. O acordo contemplava ainda a possibilidade de montantes de créditos utilizados virem a ser reembolsados pelos beneficiários, parcial ou integralmente, antes da data limite fixada para o cumprimento do contrato.
A questão que se discute é a de saber se a cláusula de reembolso antecipado, tendo sido accionada, torna indeterminado ou indeterminável o prazo de utilização do crédito para efeito da incidência do imposto de selo, fazendo recair o facto tributário no âmbito da previsão da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo.
A operação financeira em causa parece dever caracterizar-se como uma abertura de crédito, entendida como um contrato pelo qual uma parte se vincula a proporcionar a outra a disponibilização de crédito até a um certo montante e por um tempo determinado. Por efeito do contrato, o creditado adquire o direito de utilizar o crédito que lhe é facultado na medida e nas datas que entender como convenientes, pelo que é no momento em que se verifica a transferência dos meios financeiros através da utilização do crédito que se efectiva a relação creditícia.
Por efeito das alterações introduzidas no novo Código do Imposto do Selo, o facto gerador da obrigação do imposto passou a ser a utilização do crédito, e não a celebração do contrato - como resultava do regime precedente -, e, nesse sentido, o valor tributável é agora apurado em função da obtenção do crédito e do prazo pelo qual ele vigorar.
A norma de incidência real do imposto é a da verba 17.1 da TGIS, que tributa a utilização de crédito, sob a forma de fundos, mercadorias ou outros valores, sobre o respectivo valor em função do prazo, considerando-se, sempre, como nova concessão de crédito a prorrogação do prazo do contrato.
Tratando-se de contratos com prazo determinado, o imposto incidirá sobre cada uma das utilizações de crédito nos termos das verbas 17.1.1. a 17.1.3 da TGIS, sendo aplicável a taxa de 0,5% quando o crédito é de prazo igual ou superior a um ano, de 0,6% quando o crédito é prazo igual ou superior a cinco anos, e 0,04 ao mês quando o prazo é inferior a um ano, correspondendo esse prazo ao lapso de tempo que ocorre entre a data de utilização do crédito e a data limite constante do contrato até à qual o crédito é concedido.
Nesses termos, o facto gerador da obrigação tributária é instantâneo, ocorrendo num momento determinado (utilização do crédito), e variando a taxa aplicável em função do prazo da concessão do crédito. Assim se compreendendo que a lei tipifique a prorrogação do prazo de liquidação como uma nova concessão de crédito para efeitos de tributação (verba 17.1., segunda parte).
Contrariamente, nos créditos utilizados sob a forma de conta corrente, descoberto bancário e sempre que o prazo de utilização não seja determinado ou determinável, o facto tributário reveste-se de natureza continuada, não sendo possível aplicar o mecanismo da prorrogação do prazo a que se refere a verba 17.1. que apenas releva quando o crédito se encontre sujeito a um prazo certo. Para esses casos, a verba 17.1.4 fixa um outro critério de determinação do imposto, mandando aplicar a taxa de 0,04% sobre a média mensal obtida através da soma dos saldos em dívida apurados diariamente, durante o mês, divididos por 30. O imposto incide, nesse caso, sobre os saldos apurados em cada mês, sendo apenas nesse sentido que pode atribuir-se relevância ao factor temporal.
É esse, de resto, o princípio que decorre do artigo 5.º, alínea g), do Código de Imposto do Selo: nas operações de crédito, a obrigação tributária considera-se como constituída no momento em que forem realizadas ou, se o crédito for utilizado sob a forma de conta corrente, descoberto bancário ou qualquer outro meio em que o prazo não seja determinado nem determinável, no último dia de cada mês.
Assim, o imposto passa a ser devido apenas no momento em que o crédito seja efectivamente utilizado e incide sobre o valor de cada utilização. A taxa aplicável é a que a correspondente ao prazo que decorra entre o momento da utilização e o que fique estabelecido para o reembolso, distinguindo-se, para esse efeito, entre operações de prazo curto, de médio prazo ou de longo prazo. Sempre que, no momento da utilização, não seja determinado ou determinável o respectivo prazo, o imposto é liquidado à taxa de 0,04 sobre a média mensal da dívida (sobre todos estes aspectos, José Maria Fernandes Pires, Lições de Imposto sobre o Património e do Selo, Coimbra, 3.ª edição, 2016, págs.472 e segs,).
5. No caso vertente, a utilização do crédito foi concedida por um prazo contratualmente determinado, fixado em 31 de dezembro de 2019, momento em que os montantes que tenham sido disponibilizados devem encontrar-se integralmente restituídos (cláusula 1.5). O que sucede é que o acordo de financiamento contempla uma cláusula que permite que os devedores possam antecipar o reembolso dos montantes de crédito utilizados para um momento anterior ao prazo limite fixado (cláusula 3.2.).
Face ao regime legal gizado, parece ter sido intenção do legislador fixar a taxa do imposto em função da efectiva utilização do crédito. O termo inicial do prazo corresponderá sempre ao momento do saque ou do desembolso e o termo final coincide com o momento em que os fundos são reembolsados, se tiver sido fixado um plano de reembolso, ou, de outro modo, com o termo do respectivo contrato.
A dúvida que pode colocar-se quanto ao termo do prazo é quando haja lugar a reembolsos antecipados que possam determinar uma redução do prazo de utilização do crédito que estava inicialmente previsto, podendo então discutir-se se pode haver lugar à correcção da liquidação que tenha sido efectuada.
No caso dos autos, a Autoridade Tributária sustenta, no entanto, que o acordo de financiamento, ao prever uma cláusula de reembolso antecipado, não define uma data específica para os reembolsos na medida em que estes podem ocorrer em qualquer data que se situe dentro do lapso temporal que decorra entre o momento da utilização do crédito e o prazo limite fixado contratualmente, pelo que havia lugar à liquidação da taxa correspondente a operação financeira sem prazo determinado ou determinável.
6. Enfrentando a questão, deve começar por dizer-se que a cláusula de reembolso antecipado inscrita no acordo de financiamento é uma cláusula acessória com a natureza de estipulação condicional, que confere aos devedores uma mera faculdade de reembolso antecipado - que poderia não ter sido sequer accionada -, e que, à partida, se reflete na relação contratual estabelecida entre as partes e não no âmbito de incidência do imposto.
Como se fez notar, a norma de incidência do imposto limita-se a tributar a operação de crédito, sendo no momento em que ela é realizada que se considera constituída a obrigação tributária e se confere eficácia ao facto tributário, quer para efeitos da exigibilidade do imposto, quer para a contagem do prazo do direito à liquidação (artigo 5.º, alínea g), do CIS).
Em regra, a taxa aplicável deverá corresponder ao prazo que medeie entre o momento do saque dos fundos disponibilizados e o momento em que, nos termos do contrato, deva ocorrer o reembolso. No entanto, essa regra só pode ser validamente implementada, em aplicação directa da norma de incidência objectiva, quando seja possível determinar previamente, com rigor, o prazo efectivo de utilização e seja possível fazer corresponder os movimentos financeiros que representem o desembolso e o respectivo reembolso (neste sentido, Luis Magalhães, “O Novo Código do Imposto do Selo. Principais reflexos no crédito”, in Fisco, n.º88-89, maio-junho de 2008, Ano XI, pág. 22).
Subsistindo uma dificuldade prática no apuramento da duração efectiva utilização do crédito, naturalmente que o prazo a considerar será aquele que decorra entre o desembolso e prazo que estiver contratualmente fixado.
Tem-se presente que o que releva para a incidência do imposto é a efectiva utilização dos fundos e não o contrato de concessão de crédito que lhe está subjacente (cfr. acórdão do tribunal arbitral de 5 de novembro de 2014, Processo n.º 24/2014-T). O certo é que as partes, na situação do caso, firmaram um contrato que prevê o reembolso integral dos montantes que tenham sido utilizados num prazo determinado que coincide com o prazo de cessação de vigência do contrato. A possibilidade de reembolso antecipado, que consta do clausulado, constitui uma mera eventualidade que não poderá ter a virtualidade de transformar o prazo certo contratualmente previsto num prazo indeterminado ou indeterminável.
Por outro lado, a cláusula do reembolso antecipado, quando accionada, não poderia ter como efeito a indeterminabilidade do prazo de utilização do crédito, mas antes a redução do prazo contratualmente estabelecido, pelo que a solução a adoptar, no plano fiscal, seria a de corrigir a liquidação inicial mediante a aplicação da taxa correspondente ao prazo mais curto que tenha sido efectivamente aplicado.
É patente, face a todo o exposto, que a taxa prevista na verba 17.1.4 tem o seu campo de aplicação delimitado àquelas outras situações em que, pelos próprios termos do contrato, não seja possível determinar um momento certo em que haverá necessariamente lugar ao reembolso, só assim se justificando que o imposto, em tais casos, seja liquidado por aplicação de uma taxa média calculada mensalmente. O tipo de taxa previsto na verba 17.1.4 aplica-se, por conseguinte, quando não se encontre previamente definido o prazo de utilização do crédito e não seja possível tributar por qualquer das regras estabelecidas nas verbas 17.1.1 a 17.1.3. o que, manifestamente, não se verificava no caso sub judice.
Face à solução a que se chega no plano do direito infra-constitucional, fica prejudicada a apreciação das questões de constitucionalidade que foram igualmente suscitadas (artigo 608.º, n.º 2, do CPC).
Indemnização por prestação indevida de garantia
7. A Requerente veio ainda requerer o pagamento da correspondente indemnização por prestação de garantia indevida, invocando o disposto nos artigos 171.º do CPPT e 53.º da LGT, tendo para o efeito alegado e demonstrado que procedeu à constituição de hipoteca a favor da Autoridade Tributária sobre diversos imóveis, no valor patrimonial de € 4.833.259,15, bem como à prestação de depósito caução no valor remanescente de € 7.836,38, para efeito de obter a suspensão do processo fiscal em vista à impugnação do acto tributário de liquidação do imposto.
Sem dúvida que o artigo 171.º do CPPT garante a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada, que poderá ser requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda, havendo de entender-se que o processo arbitral é também o meio processual próprio para deduzir esse pedido visto que poderá ter por objecto a apreciação de pretensões relativas à declaração de legalidade de actos de liquidação de tributos (artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT).
O artigo 53.º da LGT admite ainda que o devedor que ofereça garantia bancária ou equivalente para suspender a execução fiscal será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos, salvo quando se verifique na impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo, caso em que a indemnização não está dependente do prazo pelo qual vigorou a garantia.
No entanto, como se decidiu no acórdão do STA de 24 de outubro de 2012 (Processo n.º 0528/12), só pode entender-se como garantia para os pretendidos efeitos indemnizatórios a garantia bancária, caução, seguro-caução ou qualquer outro meio susceptível de justificar a existência de despesas que possam ocorrer por efeito do decurso do tempo, a que se refere o artigo 199.º, n.º 1, do CPPT, e que têm como limite máximo o valor garantido da taxa dos juros indemnizatórios (artigo 53.º, n.º 3, da LGT).
Não é esse o caso da hipoteca voluntária, que se encontra sujeita, em princípio, apenas a custos emolumentares de constituição e registo, e que não pode ser entendida como garantia equivalente a qualquer das formas de garantia reconhecidas no falado artigo 199.º do CPPT.
Certo é que a Requerente também prestou depósito caução no valor remanescente de € 7836,38 para cobrir todo o valor da dívida exequenda, mas não especificou quais os prejuízos indemnizáveis.
E deste modo, os prejuízos decorrentes de prestação de caução ou outros prejuízos não imediatamente quantificáveis que possam ser imputados à constituição de hipoteca apenas poderão ser ressarcidos em incidente de liquidação a deduzir autonomamente (neste sentido, o acórdão do tribunal arbitral de 12 de fevereiro de 218, Processo n.º 369/2017-T).
III – Decisão
Termos em que acordam em tribunal arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a liquidação de imposto de selo n.º 2017…, no montante de € 3.498.821,22, bem como a liquidação de juros compensatórios, no montante de € 332.386,47, ambas referentes ao ano de 2014;
b) Julgar improcedente o pedido de indemnização por prestação de garantia indevida e, nessa parte, absolver do pedido a Autoridade Tributária.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 3.831.207,69, que não foi contestado pela Requerida, e corresponde ao valor da liquidação a que a se pretendia obstar (artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT).
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 48.654,00 (quarenta e oito mil seiscentos e cinquenta e quatro euros) que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 6 de abril de 2018
O Tribunal Arbitral Coletivo
Carlos Cadilha
(Árbitro Presidente)
Marcolino Pisão Pedreiro
(Árbitro Vogal)
Nuno Cunha Rodrigues
(Árbitro Vogal)