O árbitro Nuno Cunha Rodrigues, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 14.02.2018, decide nos termos que seguem:
I. RELATÓRIO
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A…, S.A., com sede em …, n.º…, …-… Sesimbra, com o número de pessoa colectiva …, requereu a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, nos termos dos arts. 1.º, 2.º/1/a) e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), e do art. 99.º do CPPT aplicável ex vi artigo 10.º/2/c) do mencionado diploma, tendo em vista a declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada do acto de liquidação e cobrança de Imposto de Selo, respeitante ao ano de 2015, no montante total de € 58.930,23 (cinquenta e oito mil novecentos e trinta euros e vinte e três cêntimos) que incidiu sobre o prédio inscrito sob o artigo …, da freguesia de … (…), concelho de Sesimbra, inscrito na respectiva matriz como “terreno para construção”, com o valor patrimonial tributário de € 5.893.022,83, à luz do disposto na verba 28.1 da Tabela Geral de Imposto de Selo.
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Como fundamento do pedido, a Requerente alega, em síntese, que a liquidação de imposto de selo foi levada a efeito sob a errada invocação da “verba da TGIS n.º 28.1”.
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Por seu lado, a Requerida - Administração Tributária e Aduaneira (AT) - em resposta ao alegado, contestou a pretensão da Requerente, apresentando defesa por impugnação, pronunciando-se pela improcedência do pedido, ou seja, pela manutenção do questionado acto de liquidação.
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O pedido de constituição do tribunal arbitral, apresentado em 4 de dezembro de 2017, foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Requerida AT em 5 de dezembro seguinte.
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Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável, e notificou as partes dessa designação em 23 de janeiro de 2018.
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Devidamente notificadas, as partes não manifestaram vontade de recusar a designação do árbitro nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
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Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal arbitral singular foi constituído em 14 de fevereiro de 2018.
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Regularmente constituído, o Tribunal arbitral é materialmente competente, face ao preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
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As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT, e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/03).
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A Requerida apresentou resposta no dia 15 de março de 2018;
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Atento o conhecimento que decorre das peças processuais que integram o presente processo, que se julga suficiente, o Tribunal decidiu dispensar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT bem como a produção de prova testemunhal.
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Não foram proferidas alegações escritas por terem sido consideradas desnecessárias.
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Por lapso de escrita o Tribunal indicou, como data limite para proferir a decisão, o dia 7 de maio de 2017 quando, em rigor, pretendia referir-se ao dia 7 de maio de 2018.
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O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas quaisquer outras questões que obstem à apreciação do mérito da causa, mostrando-se reunidas as condições para ser proferida decisão final.
II. Matéria de facto:
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Com relevância para a apreciação das questões suscitadas, destacam-se os seguintes elementos factuais, que se dão por inteiramente provados em face dos documentos que integram o presente processo, designadamente os juntos pela Requerente com o pedido de pronúncia arbitral e pela Requerida no processo administrativo:
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A Requerente era proprietária, em 31 de dezembro de 2015, do imóvel com o artigo…, sito na freguesia de … (…), concelho de Sesimbra, inscrito na respectiva matriz como “terreno para construção”, com o valor patrimonial tributário de € 5.893.022,83;
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A Requerente foi notificada da liquidação para o pagamento voluntário em prestações do imposto de selo referente ao ano de 2015 e das quais consta como “Verba da TGIS” a “28.1” como fundamento para aplicação da taxa de 1 % ao valor patrimonial do imóvel no valor de € 5.883.022,83.
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O imóvel sub judice encontrava-se inscrito na respectiva matriz como “terreno para construção” tendo sido considerado, na matriz, como coeficiente de afectação, o factor habitação.
III. Do mérito do pedido:
A Requerente impugna as liquidações de Imposto do Selo, em análise, com base nos seguintes fundamentos:
- Ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito;
- Inconstitucionalidade da verba 28.1 da TGIS, com a redação dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de Dezembro, se interpretada no sentido de o facto tributário relevante assentar numa expectativa de afetação à habitação, por violação dos princípios constitucionais da capacidade contributiva e da igualdade tributária.
Prima facie, a questão a determinar no processo sub judice é a de saber se o terreno para construção em causa está sujeito à taxa de 1% de imposto de selo prevista na verba 28.1 da TGIS, aplicável caso o “terreno para construção” se destine a edificação, prevista ou autorizada, para habitação.
Alega, em síntese, a Requerente que a liquidação de imposto de selo impugnada nos autos padece de vício de violação de lei, por o prédio em causa não ter afectação habitacional uma vez que não se prevê qualquer capacidade edificativa nem existe qualquer projecto aprovado ou alvará de licenciamento para o imóvel em causa.
Considerando a matéria fatual acima exposta, importa antes de mais, uma análise dos pressupostos da incidência do imposto do selo sobre “terrenos para construção”, com recurso às normas fiscais relevantes para a definição dos respectivos conceitos legais.
Vejamos:
Em consequência da aprovação da Lei n.º 55-A/2012, de 29/10, foi aditada à TGIS a Verba 28, a qual veio sujeitar, a este tributo, os prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante apenas CIMI), fosse igual ou superior a € 1 000 000.
Mais tarde, o artigo 194.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, alterou a redação do n.º 1 da Verba 28 da TGIS, passando-se a prever que a tributação em causa incide, à taxa de 1%, "Por prédio habitacional ou por terreno para construção cuja edificação, autorizada ou prevista, seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI”.
A verba 28.1 da TGIS resultante do disposto na Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, é aplicável ratione temporis à situação sub judice.
Para efeitos de IMI e, no caso, de imposto do selo, um terreno para construção é um prédio urbano, porquanto reúne os requisitos integrantes do conceito de prédio - realidade física, patrimonialidade e valor económico - e, qualquer que seja a afetação ou uso que esteja a ter, no caso de terrenos expectantes, é expressamente excluído do conceito de prédio rústico.
Referindo-se aos prédios urbanos, o n.º 1 do artigo 6.º do CIMI, distingue diversas espécies, dividindo-os em habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros, de acordo com os seguintes critérios:
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«habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços» – os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um desses fins (cfr. artigo 6.º, n.º 2 do CIMI);
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«terrenos para construção», os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, excetuando-se, os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou a equipamentos públicos» (cfr. artigo 6.º, n.º 3 do CIMI, na redação da Lei n.º 64-A/2008, de 31/12);
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«Outros», são como tal considerados os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem sejam classificados como prédio rústicos, de acordo com o respetivo conceito legal, e ainda os edifícios e construções licenciados, ou na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os acima referidos (cfr. artigo 6.º, n.º 4 do CIMI).
A actual redacção da Verba n.º 28.1 da Tabela Geral, tendo passado a incluir os “terrenos para construção”, manteve o condicionalismo relativo à inclusão da edificação, autorizada ou prevista, ser para habitação.
Na prática, continua a restringir-se o âmbito de incidência, no caso dos “terrenos para construção”, à edificação autorizada ou prevista que seja para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.
Nesta medida, a sujeição à Verba n.º 28.1 da Tabela Geral depende do preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos (para além da propriedade do prédio):
• o valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do IMI, ser igual ou superior a € 1.000.000,00;
• tratar-se de um terreno para construção; e
• a edificação autorizada e prevista para o terreno para construção ser para habitação, nos termos do Código do IMI.
Assim sendo, importa verificar no caso em apreço, o preenchimento dos mesmos.
Quanto ao primeiro requisito, o prédio sub judice tem um valor patrimonial tributário superior a € 1.000.000,00, pelo que o mesmo se encontra verificado.
Quanto ao segundo requisito, não existem dúvidas sobre a qualificação do prédio como “terreno para construção”, nem sobre a sua inclusão na definição constante do n.º 3 do artigo 6.º do Código do IMI, pelo que o mesmo se encontra também verificado.
Finalmente, cumpre analisar se o terceiro requisito se encontra também verificado: se a edificação, autorizada e prevista, é para habitação, nos termos do disposto no Código do IMI.
A questão essencial que se coloca, é a saber se existe ou não uma previsão ou expectativa de «edificação para habitação» relativamente aos terrenos para construção em análise e se se poderá aceitar a aplicação do imposto do selo, nos termos efetuados pela AT.
Este terceiro requisito consiste na edificação, autorizada ou prevista, ser destinada à habitação.
A inclusão de terrenos para construção na verba 28.1 da TGIS pressupõe que exista uma previsão ou expectativa de edificação para habitação que se concretiza através do cumprimento de exigências legais e administrativas necessárias à referida edificação.
A este propósito, referem ANTÓNIO SANTOS ROCHA e EDUARDO JOSÉ MARTINS BRÁS (in Tributação do Património. IMI-IMT e Imposto do Selo (Anotado e Comentado), Almedina, 2015, pp. 44):
“No que se refere aos terrenos para construção, quer estejam ou não, localizados dentro de um aglomerado urbano, tal como vem definido no art. 3.º/4 do presente diploma (CIMI), devem como tal, ser considerados os terrenos relativamente aos quais tenha sido concedida:
· licença para operação de loteamento,
· licença para construção,
· autorização para operação de loteamento,
· autorização de construção,
· admitida comunição favorável de operação de loteamento ou de construção,
· emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, bem assim como
· aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, devendo ter-se em atenção que, também para este efeito, apenas deve relevar o título aquisitivo com a forma preceituado pela lei civil, ou seja, a escritura pública ou o documento particular autenticado referidos no artigo 875.º do CC.”
As exigências legais e administrativas, acima expostas, constituem requisitos necessários à inclusão dos terrenos para construção na verba 28.1 da TGIS.
Embora o prédio sub judice esteja matricialmente inscrito como sendo “terreno para construção”, tal não legitima a aplicação automática da verba 28.1 da TGIS, uma vez que, como parece resultar óbvio, a mera inscrição matricial não constitui, por si só, demonstração de que um prédio tem uma edificação para habitação prevista.
E também não legitima a aplicação automática da verba 28.1 da TGIS a atribuição pela AT de uma afectação habitacional no âmbito das respectivas avaliações, constando tal afectação, sem mais, das respectivas matrizes. O legislador não atribuiu à utilização daquele coeficiente qualquer relevo na qualificação do prédio, mas tão só na respetiva avaliação.
Por conseguinte não pode ser acolhido o entendimento da Requerida no sentido de que o conceito de "afectação habitacional" decorre da norma do artigo 45.º do CIMI.
Assim, o terceiro requisito constante da norma de incidência do imposto não se encontra verificado, porquanto o “terreno para construção” sub judice não tem uma edificação, autorizada ou prevista, afecta a habitação.
Pode, consequentemente, afirmar-se estarmos, no caso concreto, perante uma situação não prevista, nem tipificada na TGIS, tendo por referência, quer o elemento literal, quer a ratio legis da norma de incidência do imposto do selo.
O entendimento sufragado pelo Tribunal integra-se, aliás, no âmbito de abundante jurisprudência do CAAD (veja-se, a título de exemplo, as decisões proferidas nos processos n.ºs 522/2015-T, 578/2015-T; 658/2016-T; 213/2017-T e 305/2017-T que acompanhamos na presente decisão).
Atento o exposto, e sem necessidade de maiores considerações, impõe-se concluir que sobre o prédio urbano em apreço – terreno para construção – não incide o Imposto do Selo previsto na norma de incidência tributária constante da Verba 28.1 da TGIS.
Nestes termos, não pode deixar de se concluir pela ilegalidade da liquidação de imposto do selo que constitui objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, concluindo-se também que, na sua origem, encontra-se erro imputável à Administração Tributária.
Mostrando-se procedente o entendimento da Requerente quanto à questão referida, fica prejudicado, em face do disposto no art. 124.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT, o conhecimento de demais alegações da Requerente, designadamente a invocada inconstitucionalidade.
Juros indemnizatórios e reembolso da quantia paga:
À luz do disposto no n.º 5 do art. 24.º do RJAT – na parte em que se diz que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, tem-se entendido que tal norma permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios em processos arbitrais.
Justifica-se assim, pelo exposto, a análise do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à ora Requerente.
São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, ter havido erro imputável aos serviços do qual resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido (vd. art. 43.º, n.º 1, da LGT).
É, por isso, condição necessária para a atribuição dos referidos juros a demonstração da existência de erro imputável aos serviços. Nesse sentido, vejam-se, por ex., os seguintes arestos: “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT [...] depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT.” (Acórdão do STA de 30 de maio de 2012, proc. 410/12); “O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária pressupõe que no processo se determine que na liquidação «houve erro imputável aos serviços», entendido este como o «erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à Administração Fiscal»” (Acórdão do STA de 10 de abril de 2013, proc. 1215/12).
Tendo havido, como decorre da presente decisão arbitral, erro imputável aos serviços – o qual conduz à anulação dos atos tributários em causa e à consequente devolução dos montantes pagos pela Requerente, nos termos do disposto no art. 173.º, n.º 1, do CPTA, ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c), do RJAT –, conclui-se, sem necessidade de mais considerações, pela procedência do pedido de pagamento de juros indemnizatórios à Requerente.
IV - Decisão:
Nestes termos, e com os fundamentos expostos, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;
b) Declarar a ilegalidade do ato de liquidação de Imposto do Selo referente ao ano de 2015, a que correspondem as notas de cobrança respeitantes aos documentos de cobrança n.ºs 2016…; 2016… e 2016…, com o valor global de € 58.930,23;
c) Anular a liquidação de Imposto do Selo acima referida;
d) Julgar procedente o pedido na parte relativa ao reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a favor da Requerente, em virtude do imposto indevidamente pago, nos termos legais, a concretizar em sede de execução de sentença;
V - Valor do processo:
Fixa-se em € 58.930,23 (cinquenta e oito mil novecentos e trinta euros e vinte e três cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º1, alíneas a) e b), do RJAT e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI - Custas:
Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.142 (dois mil cento e quarenta e dois euros), integralmente a cargo da Requerida AT.
Notifique-se.
Lisboa, 28 de março de 2018
O Árbitro
Nuno Cunha Rodrigues