Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 510/2017-T
Data da decisão: 2018-04-06  IRS  
Valor do pedido: € 1.108,39
Tema: IRS - Rendimentos Profissionais.
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DECISÃO ARBITRAL

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário que comunicou a aceitação do encargo. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 06-12-2017, seguindo-se o regular procedimento.

 

 I – RELATÓRIO

 

1- No dia 15-09-2017, A…, NIF…, residente Rua de …, nº…, …, …-… …, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

2- A Requerente vem, ainda que de forma implícita, (nos termos adiante tratados) impugnar a liquidação de Imposto Sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (IRS), n.º 2017…, a liquidação de juros n.º 2017… e estorno – liquidação 2016…, do ano de 2015, no valor de 1 108,39 €, da qual apresentou a Reclamação Graciosa n.º …2017…, que foi indeferida por despacho de 2017-10-06 do Chefe do Serviço de Finanças de …. Requer, ainda a condenação da AT no montante de 500,00€, a título de compensação de custos alegadamente relacionados com o processo.

 

Com efeito a Requerente intentou em 09-06-2017 Reclamação Graciosa do ato de liquidação oficiosa de IRS/2015, pedindo a anulação do ato, a qual foi indeferida.

Não se conformando com tal indeferimento veio “solicitar intervenção” do CAAD, “para esclarecer se o que diz o Oficio Circulado nº 20.187 de 05 de abril de 2016, e o parecer da OCC, está correto e os rendimentos de Personal Trainer e de arbitro devem ser considerados no campo 404, ou se por sua vez tanto a OCC como o oficio circulado estão errados e devem estes rendimentos serem incluídos no campo 403”

 

3- Invoca, sucintamente, em seu favor:

As actividades cujo serviço prestou, como “personal trainer” e árbitro de andebol, não se encontram previstas especificamente na tabela do artigo 151º do CIRS, pois que o código 1323 Desportistas, não se lhe enquadra, pese embora também se encontrar inscrita no CAE 93192 (outras actividades desportistas).  

 

Como “personal trainer” presta apenas um serviço de prática de actividade física de forma “lúdica”, para proporcionar uma melhor qualidade de vida aos seus clientes, …e a pratica de arbitragem significa que nunca está em competição.

 

Para que estas atividades pudessem ser consideradas dentro do código 1323- desportistas da tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, deveria existir um oficio circulado ou qualquer outro tipo de informação vinculativa emitido pela Administração Tributária nesse sentido dado que pelo conceito de desportista estas atividades não podem ser consideradas como idênticas.

Acrescenta que vários colegas seus que exercem as mesmas atividades, mas que estão registados noutras repartições de finanças, declararam os rendimentos de Personal Trainer ou de árbitro no campo 404 do anexo B e todas essas declarações foram validadas com sucesso.

Alega que pediu à Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC) um parecer técnico, sobre a questão, referindo tal parecer que "os rendimentos provenientes da atividade de personal trainer e de árbitro, por não se enquadrarem especificamente em nenhuma das atividades profissionais constantes da lista anexa ao artigo 151.º do Código do IRS, enquadrar-se-ão na alínea c) do n.º 1 do artigo 31.º do Código do IRS e como tal devem ser inscritas no campo 404 do quadro 4-A do anexo B" .

 

 

4- Por seu turno, defende a AT…

A Lei nº 82-E/2014, de 31/12, em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2015, veio proceder à reforma de tributação das pessoas singulares, introduzindo alterações ao CIRS e consequentemente, à reformulação de toda a declaração Mod.3 e respectivos anexos, em conformidade com as alterações legislativas decorrentes da referida lei, bem como das respectivas instruções de preenchimento.

Com a redacção introduzida para o ano de 2015, restringiu-se a aplicação do coeficiente 0,75 aos “rendimentos das actividades profissionais especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º”, pelo que, este termo, esclarece que o coeficiente de 0,75 só se aplicará se a actividade desenvolvida, o serviço concretamente prestado, puder ser enquadrado num dos códigos da citada tabela, tendo sido criado um novo coeficiente de 0,35 para as restantes prestações de serviços.

 

Para além de que, para ser aplicado o coeficiente 0,75, não se exige que o prestador de serviços esteja colectado com o respectivo código da tabela a que se refere o artigo 151º do CIRS, pois mesmo que esteja colectado com um código CAE, se o serviço prestado se enquadrar numa das actividades especificamente previstas naquela tabela, será sempre de aplicar o coeficiente 0,75  e de indicar o valor dos serviços prestados no campo 403 do quadro A do anexo B da declaração de IRS.

 

Acresce que a exclusão deste campo dos rendimentos das actividades com o código “1519 – Outros prestadores de serviços” só deve ser efectuada quando o serviço prestado não corresponder a nenhuma das actividades especificamente previstas na tabela a que se refere o artigo 151º.

 

As actividades que a Requerente efectivamente realizou e a natureza do rendimento obtido, foi relacionado com a actividade desportista, a prática desportiva e como desportista, não existindo qualquer dúvida que o código 1323 “Desportistas” se aplica para codificar as actividades que a Requerente exerceu e das quais recebeu rendimento, actividades estas, de “personal trainer” e árbitro federado de jogos de andebol, directamente ligadas com a prática desportiva.  

 

A Administração Fiscal pautou-se pelo cumprimento integral das normas legais aplicáveis aos factos, uma vez que os rendimentos da Requerente só podiam ser inscritos no campo 403, aos quais é aplicável o coeficiente de 0,75 para determinação do rendimento tributável, pois que estes rendimentos, a natureza destes valores recebidos, provieram de serviços prestados relacionados com a prática do desporto, com modalidades desportivas e práticas desportivas. 

 

Pelo que se mantêm integralmente válidas as liquidações de IRS, relativa ao ano de 2015, concluindo-se pela legalidade das mesmas.

 

No que respeita ao solicitado pagamento de 500,00€ como compensação de todos os custos suportados pela Requerente com o presente processo, não deverá ser considerado, porquanto tal pedido não está previsto no Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária. 

 

Conclui a AT, deva ser declarada a total improcedência do pedido, mantendo-se o ato e absolvendo-se a mesma do pedido, com as devidas consequências legais.

 

II- Questões preliminares

II1- Não houve lugar á constituição de mandatário. Contudo tal omissão não contende com a regularidade da instância, porquanto só há obrigatoriedade dessa constituição nos processos cujo valor excede o dobro da alçada do tribunal de 1ª instância, nos termos do artigo 6º/1 do CPPT.

 

II2- Ainda assim, é notória a atipicidade do presente procedimento e peças apresentadas, mostrando relevância a pouco clara formulação do pedido no RI e apresentação do Requerimento de 02 de Março 2018.

Dir-se-á, o seguinte:

 

II2a- Relativamente ao referido Requerimento, obviamente o seu conteúdo não será tido em conta, em qualquer circunstância ou sede, já que não tem qualquer cabimento processual. Não se vê, por isso, necessidade no seu desentranhamento, que seria tão inútil como a inutilidade que o caracteriza.

 

II2b- No que respeita ao pedido formulado no RI é, efetivamente, notória a sua falta de inequivocidade e clareza.

Contudo, podemos constatar, que esse RI mostra a intenção da sua autora e foi essa mesma intenção apreendida pela AT. Pode o Tribunal concluir, também, de forma evidente, que o ato terá o sentido correspondente à intenção de impugnar a decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e mediatamente pretender a anulação do ato tributário em causa.  

Trata-se, assim, de um pedido implícito, que, na conjugação do previsto no art.º 193º do CPC com a especifica natureza do processo arbitral, leva a que o RI, não seja considerado inepto, com as legais consequências.

 

III- O Tribunal é competente e processo não enferma de nulidades, não havendo qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

IV- MATÉRIA DE FACTO

1- A Requerente exerceu no ano de 2015 as atividades de Personal Trainer e árbitro federado de andebol, estando inscrito com o código CAE 0393192 (Atividades desportivas).

 

2- A Requerente, na sua declaração de início de actividade, optou pelo regime simplificado para efeitos de tributação em sede de IRS dos seus rendimentos da categoria B.

 

3- Apresentou a declaração de rendimentos IRS, modelo3, relativa ano de 2015, tendo declarado no anexo B, no campo 403 a quantia de € 850,00 €, referente a actividades profissionais especificamente previstas na tabela do artigo 151º do CIRS e 11 553,50 €, no campo 404, referente à actividade de prestação de serviços.

 

4- O Serviço de Finanças de …, entendeu que a inscrição no campo 404, dos rendimentos provenientes da atividade de Personal Trainer e árbitro federado era incorreta, disso, notificando a Requerente.

 

5- Foram pela AT considerados no campo 403 do anexo B, todos os rendimentos obtidos pela Requerente em 2015, procedendo a uma liquidação oficiosa no valor de €1.108,39.

 

6- Não se conformando, a Requerente apresentou a Reclamação Graciosa n.º …2017…, a qual foi indeferida na sua totalidade.

 

V- Factos dados como provados

Todos os referidos.

 

VI- Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, e a prova documental junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

VII- DO DIREITO

O ponto central controvertido na presente ação arbitral aponta para a questão de saber qual dos coeficientes previstos no artigo 31.º do CIRS, (em vigor no ano de 2015), será o devidamente aplicado aos rendimentos auferidos pela Requerente com a prestação de serviços nas atividades de Personal Trainer e  árbitro federado.

Tais rendimentos enquadrar-se-ão na alínea b) ou c) do n.º 1 do referido artigo 31.º do Código do IRS e como tal deverão ser inscritas no campo 403 ou 404 do quadro 4-A do anexo B da Declaração anual? 

 

Como já se referiu em casos de similar filosofia subjacente, não obstante a bondade dos argumentos carreados na Resposta da AT, a verdade é que há princípios fundamentais que em caso algum podemos olvidar no direito tributário, pelo que tendemos a concordar com decisão proferida no Proc. 107/2016-T deste CAAD.

 

Entendemos, pois que, efetivamente, as regras de interpretação das normas fiscais são exactamente as mesmas que são aplicadas às normas dos outros ramos do direito. “Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam são observadas as regras e os princípios gerais de interpretação e aplicação das leis”

 

Mas até por isso, (ou não obstante), há que ter presente, que em Direito Fiscal vigora o princípio da tipicidade específica, elemento do princípio da legalidade, o que, para o que interessa, exige a enumeração taxativa dos factos ou realidades que, “dentro de cada tipo genérico do objecto normativo de incidência, são indicados por lei como objecto de incidência”.

 

Por força do princípio da legalidade previsto no artigo 106.º, n.º 2, da Constituição da República e dos princípios da tipicidade e determinação em que aquele se desdobra, as normas de incidência têm de ser pré-determinadas no seu conteúdo, devendo os elementos integrantes da mesma estar formulados de modo preciso e determinado.

“A determinação do conteúdo da norma tributária de incidência exclui a utilização de conceitos indeterminados, bem como de conceitos determinados normativos, cuja aplicação ao caso concreto assente em valoração subjectiva ou pessoal do órgão de aplicação, sob pena de ser postergada a segurança jurídica”.

Ora não vemos, que, no sentido referido, as atividades em causa tenham inequívoca e clara constância e previsão, na referida tabela anexa ao artigo 151º do CIRS, ainda que sejam, ou não, relacionadas com qualquer atividade desportiva, pois, quer uma quer outra, não são, notoriamente, elas próprias atividades desportivas, sem mais.

NESSA MEDIDA E RAZÃO temos que concordar, como se disse, com a decisão referida, quando refere que (…) partindo do elemento literal, o resultado da interpretação parece-nos unívoco – o coeficiente de 0,75 é aplicável, apenas, a rendimentos das atividades profissionais constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º.

Não se vê, portanto, como é possível incluir nesse âmbito rendimentos provenientes de atividades que não sejam atividades profissionais especificamente constantes da tabela a que se refere o artigo 151.º.

 

…Sendo a letra da lei o limite máximo da tarefa interpretativa, não é possível concluir que outros rendimentos além desses devem merecer o mesmo tratamento, sobretudo quando o próprio legislador criou, em paralelo a essa categoria específica de rendimentos, uma categoria residual constante da alínea c) do nº1 artigo 31.º do CIRS – onde se incluem os “restantes rendimentos da categoria B não previstos nas alíneas anteriores”.

 

Tem de considerar-se, pois, que os rendimentos de prestações de serviços como Personal Trainer e árbitro federado, obtidos no ano de 2015 pela Requerente, deverão ser apurados com base no coeficiente previsto na alínea c) e não na alínea b) do n.º 1 do artigo 31.º do CIRS;

 

PELO QUE PROCEDE, assim, o pedido de pronúncia arbitral já que a liquidação contestada enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto e direito, impondo-se a respectiva anulação.

 

Quanto ao pedido de condenação da AT no montante de 500,00€, a título de compensação de custos alegadamente relacionados com o procedimento, não tem qualquer suporte quer no direito processual tributário quer, especificamente, no processo arbitral, pelo que improcede.

 

DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

  a- Declarar a anulação do ato tributário de liquidação oficiosa identificado relativo ao ano de 2015;

b- Não condenar a AT no requerido pagamento de €500,00;

d- Condenar ambas as partes nas custas do processo, abaixo fixadas.

 

Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em €1.108,39, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em €306,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas Requerida e Requerente, na proporção de 90/10, uma vez que o pedido foi considerado parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.

 

Lisboa, 06 de Abril 2018

 

O Árbitro,

 

 

(Fernando Miranda Ferreira)