Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 488/2017-T
Data da decisão: 2018-04-02  IRS  
Valor do pedido: € 44.800,00
Tema: IRS – Afastamento da Presunção do art. 6º nº 4 do CIRS.
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Decisão Arbitral

I - Relatório

A -Identificação Das Partes

Requerente: A…, SA, pessoa coletiva número…, com sede na Rua … n.º…, …-…, …, doravante designada como Requerente ou sujeito passivo.

Requerida: Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada como Requerida ou AT.

A Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), adiante abreviadamente designado por RJAT.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), e em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66­B/2012, de 31 de dezembro, foi 2017-09-01 notificada a Autoridade Tributária.

A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou como Árbitra Rita Guerra Alves, aceite por esta nos termos legalmente previstos.

Em 2017-11-03, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, e não manifestaram vontade de recusar a designação da árbitra, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.

O Tribunal Arbitral Singular, foi regularmente constituído em 2017-11-23, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente nesse mesmo dia foi notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, conforme consta da respetiva ata.

Em 09-03-2018, foi realizada a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, com a inquirição de testemunha.

Ambas as partes apresentaram alegações escritas.

B – PEDIDO

  1. A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2013…, referente ao ano de 2009, no montante global de 44.800,00€ (quarenta e quatro mil e oitocentos euros).

C – CAUSA DE PEDIR

  1. A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, a Requerente alega com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), já descrito no ponto 1 deste Acórdão, o seguinte:
  1. A Requerente é uma sociedade anónima que se dedica à prestação de serviços de assessoria e compra e venda de imóveis para revenda, assumindo a qualidade de sujeito passivo de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, inscrita no Regime Geral de Tributação.
  2. No ano de 2013, e em execução da ordem de serviço OI2013…, de 14/08/2013, foi a Requerente sujeita a uma ação de inspeção externa, de âmbito geral, que incidiu sobre o exercício de 2009.
  3. No âmbito da referida inspeção, os Serviços analisaram os registos contabilísticos da Requerente e, em particular, a conta 251101 (Dr. B…), tendo no balancete do final do exercício de 2009 registado na conta 25 - acionistas um saldo credor de 653245,68 € e no final deste exercício 1 060 245,68 € (credor).
  4. Acrescenta, ainda, ter detetado a existência de diversos "levantamentos"   por  conta de suprimentos  efetuados  por este socio, associados  a operações  de vendas  de imóveis  e que não passaram  pelas contas bancarias  da sociedade.
  5. Alega que os lançamentos identificados pela Autoridade Tributaria, foram efetuados numa conta [251101] de suprimentos, identificada como relacionada com o acionista B… e sociedade, pelo que a situação deve ser equiparada ao mútuo.
  6. Que o movimento contabilístico em crise foi devidamente registado numa conta de suprimentos (mutuo) pelo que a presunção prevista no n.º 4 do artigo 6.º do IRS não opera.
  7. Alega a Requerente que a AT se limita a adotar a conclusão [presumem-se efetuados a titulo de lucros] apesar de reconhecer que lhe cabe fazer a prova, para efetuar a correção, e bastava atentar na expressão [ e que não resultam de mutuo] para não se verificar a presunção vertida no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, pois não aventa minimamente, uma situação que elege para premissa que afaste o movimento contabilístico registado do enquadramento que lhe é dado pela, ora, Requerente de ter efetuado um "mutuo".
  8. Ou seja, não exclui, sequer, porque não analisa a situação, que ocorreu fluxo da empresa para o acionista "cuja causa não esteja expressa nas contas correntes em causa".
  9. Assim, reconhecendo a AT que lhe incumbia fazer a prova de que estamos em presença de um rendimento/pagamento efetuado, não logrando sequer identificar que tal se verificou - antes pelo contrario - conseguiu a, ora, requerente comprovar que apenas procedeu à restituição de valores que, anteriormente, havia recebido do seu acionista a titulo de mutuo (para realizar a aquisição dos imóveis devidamente relevados contabilisticamente), violou a AT, por errónea interpretação, o disposto no n.º 4 do artigo 6.º do Código do IRS.
  10. Defende a Requerente, que as operações tituladas pelos documentos de suporte aos registos contabilísticos - reportam-se a duas operações.
  11. A primeira operação diz respeito à realizada em 20 de Fevereiro de 2006, que consistiu na aquisição dos seguintes imóveis:

a) Imóvel constituído pela fração autónoma designada pela letra "G" que corresponde ao segundo andar esquerdo, destinado a habitação, com arrecadação no número … na cave, que faz parte do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, numero…, em …, freguesia de …, concelho de Oeiras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número … .

b) Imóvel constituído pelo prédio urbano, para habitação, sito na Rua …, lote …, na freguesia de …, concelho de Oeiras, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o número …;

c) e Imóvel constituído pelo prédio urbano para habitação, sito no …, na freguesia de …, concelho de Idanha-a-Nova, descrito na Conservatória do Registo Predial de Idanha-a-Nova sob o numero … .

  1. A segunda operação, realizada em 09 de Marco de 2006, traduz-se na compra e venda de um imóvel constituído pelo prédio rustico, denominado …, sito na freguesia de …, concelho de Idanha-a-Nova, descrito na Conservatória do Registo Predial de Idanha-a-Nova sob o número … .
  2. Em ambas as operações, foi compradora a Requerente (representada   por B…) e vendedores C…  e mulher D… .
  3. Foram precisamente, estes quatro imoveis que  foram  alienados   por escritura publica em  19/02/2009   e 5/03/2009, pelo acionista B…, atuando como representante da Requerente,  a E…, filho de  C… e mulher  D… .
  4. Mais alega que analisando ambas as operações verifica-se que o valor de aquisição por parte da Requerente foi exatamente igual ao valor de realização, não tendo esta apurado quaisquer mais ou menos-valias.
  5. Mais, esse processo técnico há-se compaginar-se com o respeito pelo princípio da igualdade, por seu turno a consagrar-se como princípio geral da imposição segundo a capacidade contributiva de cada um, o que não é, já, de admitir quando - voltando ao caso sub júdice - se atribui a mera operações contabilísticas e sem qualquer pagamento desde logo associado, a natureza de "distribuição de lucros".
  6. Com efeito, e demonstrando-se que não foi distribuído/efetuado pagamento ao sócio B…, duvidas não restam de que a presunção vertida no n.º 4 do artigo 6.º não pode ser - legalmente - acionada pela AT.
  7. Diga-se, alias, que este é o único entendimento compatível com o princípio da capacidade contributiva pois, como se demonstrou, in casu, não existiu sequer qualquer fluxo monetário da esfera da sociedade para a esfera do acionista, verificaram-se, outrossim, meras movimentações contabilísticas sem qualquer entradas ou saídas de que resultassem quaisquer rendimentos.
  8. Dito de outro modo, nem o acionista B… recebeu qualquer valor da sociedade, nem esta lhe pagou qualquer rendimento.
  9. Do supra referenciado resulta - de forma iniludível - nem sequer se mostrarem subsumíveis os factos a norma tributária, em crise, pois estamos em presença de situação que opera a exclusão de incidência, pois, deve considerar-se aquela afastada por demonstrado/provado que os valores em crise devem ser considerados suprimentos/ restituição de mútuos e não antecipação/lucros que, alias, nem sequer se apurou terem existido no exercício.
  1. Termina a Requerente sustentando a ilegalidade e anulabilidade do dito ato de liquidação em sede Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) de 2009 por violação de lei.

 

D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA

  1. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta, na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
  1. No âmbito do IRS verificaram os SIT que: «Na análise ao balancete do final do exercício de 2009 do sujeito passivo verificámos que a conta 25 – acionistas apresenta um saldo credor de 2.255.231,07 €.
  2. Efetuando uma análise mais detalhada verificámos que esta conta está dividida em 3 sub contas cujos saldos no ano de 2009 foram os seguintes:

Conta

Saldo Inicial 2009

Saldo Final 2009

251101 – Dr. B…

 

653.245,68 €

Credor

1.060.245,68 €

Credor

251102 – Dr. F…

576.702,40 €

Credor

1.138.763,35 €

Credor

251103 – G…

3.328,65 € Credor

56.222,04 € Credor

Total

1.233.276,73

Credor

2.255.231,07 €

Credor

  1. Conta 251101 – Dr. B… (NIF…): extrato de conta corrente apresenta os seguintes movimentos:

- Documento nº … datado de 28-02-2009 - diz respeito à escritura de venda de 2 imóveis realizada no dia 19/02/2009, na qual o Dr. B… interveio como representante da sociedade na qualidade de vendedor e que segundo declaração do mesmo levantou o referido valor por conta de suprimentos no montante de 102.000,00 €. Há que referir que este recebimento/pagamento não passou pelas contas bancárias da sociedade. (ver anexo IV – 1 a 3);

- Documento nº… datado de 31-03-2009 - diz respeito à escritura de venda de 2 imóveis realizadas no dia 05/03/2009, na qual o Dr. B… interveio como representante da sociedade na qualidade de vendedor e que segundo declaração do mesmo levantou o referido valor por conta de suprimentos no montante de 122.000,00 €. Há que referir que este recebimento/pagamento não passou pelas contas bancárias da sociedade. (ver anexo IV – 4 e 5);

- Documento nº … datado de 31-07-2009 - diz respeito à escritura de compra de 1 imóvel realizada no dia 30/07/2009, na qual o Dr. B… interveio como representante da sociedade na qualidade de comprador e que segundo declaração do mesmo efetuou o pagamento em nome da sociedade no valor de 100.000,00 €. Há que referir que este recebimento/pagamento não passou pelas contas bancárias da sociedade. (ver anexo IV – 6 e 7);

- Documento nº … datado de 30-09-2009 - diz respeito à escritura de compra de 1 imóvel realizada no dia 10/09/2009, na qual o Dr. B… interveio como representante da sociedade na qualidade de comprador e que segundo declaração do mesmo efetuou o pagamento em nome da sociedade no valor de 271.000,00 €. Há que referir que este recebimento/pagamento não passou pelas contas bancárias da sociedade. (ver anexo IV – 8 e 9);

- Documento nº … datado de 31-10-2009 - diz respeito à escritura de compra de 1 imóvel realizada no dia 19/10/2009, na qual o Dr. B… interveio como representante da sociedade na qualidade de comprador e que segundo declaração do mesmo efetuou o pagamento em nome da sociedade no valor de 40.000,00 €. Há que referir que este recebimento/pagamento não passou pelas contas bancárias da sociedade. (ver anexo IV – 10 e 11);

- Documento nº … datado de 31-12-2009 - diz respeito à escritura de compra de 1 imóvel realizada no dia 29/10/2009, na qual o Dr. B… como representante da sociedade na qualidade de comprador e que segundo declaração do mesmo efetuou o pagamento em nome da sociedade no valor de 220.000,00 €. Há que referir que este recebimento/pagamento não passou pelas contas bancárias da sociedade. (ver anexo IV – 12 e 13).»

  1. Como podemos verificar nos documentos cuja cópias estão nos anexos IV – 2, 4, 6, 8 e 10, nos anexos V – 2 e 4 e no anexo VI -3 e como atrás foi descrito, não passaram nas contas bancárias da sociedade, sendo os valores imputados diretamente aos sócios, não respeitando o previsto no artigo 63º-C da LGT.
  2. Tendo a sociedade pago ou colocado à disposição de B…, valores monetários que não resultam de mútuos, não resultam de prestação de trabalho nem do exercício de cargos sociais pelo que se presumem adiantamento por conta de lucros. Assim deveria a sociedade em cada pagamento, ter retido imposto à taxa de 20%, a entregar nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte ao pagamento desses rendimentos.
  3. De acordo com o atrás exposto e conforme extrato de conta corrente de B…, foram pagos e deveriam ter sido retidas as seguintes importâncias, que se encontram em falta:

  1. A liquidação posta em causa pela Requerente refere-se à falta de retenção na fonte de IRS sobre os montantes lançados na contabilidade e que, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, se presumem feitos a título de lucros ou adiantamentos enquadráveis nos rendimentos da categoria E (alínea h) do n.º 2 do art. 5.º do CIRS).
  2. Com vista a prevenir situações de evasão e fraude fiscal, a presunção contida no nº 4 do art. 6º do CIRS pretende resolver a qualificação das quantias escrituradas cuja causa jurídica não foi expressamente declarada, nomeadamente quando consta da conta corrente dos sócios montantes, a favor destes, e os sócios não demonstrem que se trata de uma situação enquadrável em mútuos, em prestação de trabalho ou no exercício de cargos sociais.
  3. Assim, tem a AT entendido que a retirada de fundos de uma sociedade pelas entidades que participam no seu capital social deve assumir a forma de lucros e/ou adiantamento por conta de lucros, a não ser que se prove que os fundos em causa provém de mútuo, prestação de trabalho ou exercício de cargo social.
  4. No que respeita aos suprimentos, considera-se contrato de suprimento o contrato pelo qual o sócio empresta à sociedade dinheiro ou outra coisa fungível, ficando aquela obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade, ou pelo qual o sócio convenciona com a sociedade o diferimento do vencimento de créditos seus sobre ela, desde que, em qualquer dos casos, o prazo para reembolso seja superior a um ano.
  5. Em termos contabilísticos, a efetivação dos suprimentos e o seu reembolso movimenta contas específicas, devendo os respetivos lançamentos estar apoiados em documentos justificativos, datados e suscetíveis de serem exibidos sempre que necessário.
  6. Ao que acresce que o valor das vendas realizadas no ano de 2009, no valor global de €224.000,00 foi recebido pelo sócio B…, não refletindo a contabilidade qualquer mútuo da sociedade para com o seu sócio, nem que as saídas de fundos estivessem sustentadas por qualquer mútuo.
  7. O que está patente na contabilidade da Requerente é que ativos da sociedade ora Requerente, provenientes do pagamento do valor da venda de imóveis tiveram como destinatário e foram recebidos pelo seu sócio.
  8. Termos em que, não se comprova nem se comprovou, que o montante recebido pelo acionista B…, corresponda a recebimento de suprimentos efetuados à Requerente.
  9. Ora, não estando os mesmos devidamente comprovados, não poderão, como pretende a Requerente, ser considerados como suprimentos.
  10. Ademais, não tendo sido minimamente comprovados, nem sido movimentados através da conta bancária da sociedade, não poderão ter o enquadramento ora pretendido.
  11. Repita-se que contrariamente ao alegado não ficou demonstrado/provado que os valores em causa devem ser considerados suprimentos/restituição de mútuos, tanto mais que os suprimentos não passaram pelas contas da sociedade.
  12. Aliás sempre se dirá que, nem sede graciosa nem sede contenciosa, em momento algum foi ilidida a presunção prevista no artigo 6.º do CIRS.
  13. Termina a Requerida, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia  arbitral,  mantendo-se na ordem jurídica o ato tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a entidade requerida do pedido, tudo com as devidas e legais consequências.

 

E-        FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

  1. Previamente à apreciação das questões suscitadas, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão a proferir, tendo como base os factos alegados e a prova documental e testemunhal, produzida nos autos.
  2. Em matéria de facto relevante, dá o presente Tribunal por assente os seguintes factos:
  3. A Requerente está inscrita no Serviço de Finanças e na Conservatória do Registo Comercial de …, para o exercício da atividade de “Outras atividades de consultoria”, classificada com o CAE 070220, desde 17 de Dezembro de 1992.
  4. A Requerente registou contabilisticamente os seguintes atos:
    1. Documento nº … datado de 28-02-2009 - diz respeito à escritura de venda de 2 imóveis realizadas no dia 19/02/2009, na qual o Dr. B… interveio como representante da sociedade na qualidade de vendedora e que segundo declaração do mesmo levantou o referido valor por conta de suprimentos no montante de 102.000,00 €.
    2. Documento nº … datado de 31-03-2009 - diz respeito à escritura de venda de 2 imóveis realizadas no dia 05/03/2009, na qual o Dr. B… interveio como representante da sociedade na qualidade de vendedora e que segundo declaração do mesmo levantou o referido valor por conta de suprimentos no montante de 122.000,00 €.
    3. Documento nº … datado de 31-07-2009 - diz respeito à escritura de compra de 1 imóvel realizada no dia 30/07/2009, na qual o Dr. B… interveio como representante da sociedade na qualidade de compradora e que segundo declaração do mesmo efetuou o pagamento em nome da sociedade no valor de 100.000,00 €.
    4. Documento nº … datado de 30-09-2009 - diz respeito à escritura de compra de 1 imóvel realizada no dia 10/09/2009, na qual o Dr. B… interveio como representante da sociedade na qualidade de compradora e que segundo declaração do mesmo efetuou o pagamento em nome da sociedade no valor de 271.000,00 €.
    5. Documento nº … datado de 31-10-2009 - diz respeito à escritura de compra de 1 imóvel realizada no dia 19/10/2009, na qual o Dr. B… interveio como representante da sociedade na qualidade de compradora e que segundo declaração do mesmo efetuou o pagamento em nome da sociedade no valor de 40.000,00 €.
    6. Documento nº … datado de 31-12-2009 - diz respeito à escritura de compra de 1 imóvel realizada no dia 29/10/2009, na qual o Dr. B… interveio como representante da sociedade na qualidade de compradora e que segundo declaração do mesmo efetuou o pagamento em nome da sociedade no valor de 220.000,00 €.
  5. A Requerente foi notificada dos seguintes atos:
    1. Do Documento de Correção Único, assim como, da liquidação de retenção na fonte no valor de €44.800,00 (quarenta e quatro mil e oitocentos euros) relativo ao período fiscal de 2009, n.º 2013… resultante da inspeção com a ordem de serviço n.º OI 2013… de 14/04/2013 e liquidação de juros compensatórios na importância de €8.430,32.
  6. A Requerente apresentou reclamação graciosa e recurso hierárquico ao qual foi atribuído o número …2015…, ambos com despacho da AT de indeferimento.

 

F-   FACTOS NÃO PROVADOS

  1. Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.

G-       QUESTÕES DECIDENDAS

  1. Atenta as posições das partes assumidas nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimendas as seguintes, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:
  1. A alegada pela Requerente:
  2. A declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2013…, referente ao ano de 2009, no montante global de 44.800,00€ (quarenta e quatro mil e oitocentos euros),
  3. Condenação no pagamento de indemnização à Requerente pela prestação de Garantia.

H-        MATÉRIA DE DIREITO

  1. Atendendo às posições das partes assumidas nos seus articulados, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral, consiste na apreciação da legalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
  2. A Requerente, sucintamente, alega no seu pedido de pronúncia arbitral, que é prática comum dos seus acionistas, que recebam e paguem aquisições de imoveis por conta da conta bancaria pessoal dos acionistas, sem que os respetivos montantes entrem nas contas da sociedade Requerente, sem que, para tal se considere como um adiantamento de lucros.
  3. A Requerida, contra-argumenta, sucintamente, que embora tal seja uma prática comum, não deixa a mesma de não estar em incumprimento com a legislação fiscal, por esses valores não serem movimentados pelas contas bancarias da Requerente, o que constitui uma obrigação fiscal, e por a Requerente não fazer prova, como lhe compete, como tal, tais valores presumem-se nos termos do artigo 6.º n.º 4 do CIRS, feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
  4. Ora vejamos, baseando-nos no princípio da verdade material sobre a forma, que se subsume à valoração fiscal dos atos praticados pelos acionistas da Requerente, cumpre ao Tribunal, determinar se os ditos atos praticados, constituem adiantamento de lucros ou constituem atos que os acionistas e a Requerente deveriam ter passado pelas contas bancarias da Requerente, e ao não o fazerem, se esses atos constituem um rendimento em sede de IRS, ou no limite, uma mera violação de um obrigação fiscal.
  5. Sobre a moldura jurídico-fiscal relevante para o presente caso, elenca-se o artigo 6.º n.º 4 e 5 do CIRS, que passamos a transcrever:

“4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

5 - As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, ato administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos. ”

  1. Resulta do normativo supra referido, que os lançamentos a favor dos sócios, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, sendo que essa presunção pode ser ilidida pela Direção Geral dos Impostos ou por decisão judicial.
  2. Regressemos ao presente caso, e face à factualidade dada como provada através da prova documental, designadamente das escrituras públicas e da prova testemunhal produzida, resulta que o acionista Dr. B…, interveio como representante da Sociedade ora Requerente, na qualidade de vendedora e de compradora, nas escrituras públicas de compra e venda de imoveis, ora em apreço.
  3. Contudo, resulta que o acionista Dr. B…, recebeu e pagou os valores resultantes desses atos de compra e venda, através de uma conta bancaria não pertencente à Sociedade/Requerente, e que os valores resultantes das compras e vendas não foram transferidos/debitados para a conta da sociedade ora Requerente.
  4. Todavia, também se apurou, que dos ditos negócios jurídicos realizados pelo Dr. B…, em representação da sociedade, resulta um saldo final de 0€ (zero euros),  e que todos os ditos negócios foram realizados no ano de 2009.
  5. Assim sendo, ficou demonstrado que o acionista Dr. B…, atuou sempre em representação da sociedade, e que não retirou nenhum proveito ou rendimento, que se subsuma ao conceito de lucros ou adiantamento dos lucros.
  6. Com efeito, recorrendo ao princípio da verdade material, princípio que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não a mera realidade jurídico-formal, permite-nos concluir que o simples facto de os valores recebidos e pagos não terem sido movimentados pelas contas da Requerente sociedade, embora exista essa imposição fiscal, por si só, não constitui um rendimento na esfera de quem se encontra naquele momento na posse do dinheiro.
  7. Sobre a movimentação de pagamentos e recebimentos, o artigo 63º. - C da LGT, estabelece o seguinte:

“1 - Os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida.

2 - Devem, ainda, ser efetuados através da conta ou contas referidas no n.º 1 todos os movimentos relativos a suprimentos, outras formas de empréstimos e adiantamentos de sócios, bem como quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos.”

  1. Efetivamente, os acionistas e a sociedade deveriam ter movimentado os recebimentos e pagamentos em nome da sociedade através da conta bancaria da sociedade.
  2. Contudo, não o tendo feito, estaríamos sim perante uma falta imputável a titulo de infração tributaria nos termos do artigo 129.º do RGIT: “2 - A falta de realização através de conta bancária de movimentos nos casos legalmente previstos é punível com coima de (euro) 120 a (euro) 3000.”
  3. Embora a legislação fiscal preveja normas anti-abuso, para evitar situações similares a estas, uma vez que uma sociedade deve atuar com transparência perante os seus interessados, as referidas normas no presente caso constituem presunções ilidíveis.
  4. Reportemo-nos ao presente, em que ficou demonstrado que o acionista Dr. B…, recebeu os valores na sua conta pessoal, no âmbito de contratos de compra e venda de imoveis em representação da Requerente, com os poderes atribuídos pela Requerente.
  5. Diga-se que, nada impede que acionistas ou outras pessoas individuais ou coletivas ajam em nome de terceiros para a realização de negócios jurídicos que recebam valores desses negócios nas suas contas bancarias e movimentem esses valores para celebrar negócios jurídicos em nome de terceiros, desde que devidamente legitimados.
  6. Também ficou demonstrado, que o acionista com os valores recebidos com a venda dos imoveis procedeu dias mais tarde à compra de imoveis.
  7. Ficou assim demonstrado, que o acionista como sujeito passivo individual, não obteve qualquer ganho ou benefício com os negócios jurídicos realizados.
  8. Não tendo o acionista obtido qualquer rendimento, não lhe pode ser atribuído a obtenção de suprimentos ou adiantamento de lucros, pelo simples facto de ter recebido valores diretamente na sua conta pessoal.
  9. Aliás, não foi essa a intenção do legislador, ao prever a norma anti-abuso e a presunção ilidível disposta no artigo 6.º n.º 4 e 5 do CIRS. Com efeito esta disposição legal visa atos ou valores colocados à disposição dos acionistas que não sejam suportados por documentação ou por outro meio de prova.
  10. Sucede que a Requerente, demonstrou por meio de prova documental, nomeadamente, através de escrituras públicas, documentos com fé pública, que os valores movimentados pelo acionista se destinaram à celebração de negócios jurídicos em representação da sociedade, e foram todos devidamente contabilizados ao cêntimo, ficando dessa forma afastada a presunção estabelecida no artigo 6.º n.º 4 e 5 do CIRS.
  11. No limite, poderia a AT ter aplicado uma infração tributaria, nos termos do artigo 129.º n. 2º do RGIT, pelo não cumprimento pela Requerente da obrigação fiscal de movimentar valores através da sua conta bancaria.
  12. Para terminar e quanto aos restantes argumentos alegados, se diga que o Tribunal Arbitral, nos termos dos arts. 608º n.º 2, 663º n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil por aplicação do artigo 29.º do RJAMT, não se encontra obrigado a apreciar todos os argumentos alegados pela Requerente nem os invocados em sede de resposta pela Requerida, quando a decisão fique prejudicada pela solução já proferida, como é o caso dos autos, motivo pelo qual ficam prejudicadas para a apreciação as restantes questões submetidas a apreciação.

 

H - DA INDEMNIZAÇÃO PELOS CUSTOS INCORRIDOS COM A PRESTAÇÃO DE GARANTIA PARA SUSPENDER O PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL

  1. Peticiona ainda a Requerente a indemnização pelos custos incorridos com a prestação da garantia para sustar o processo de execução fiscal, nos termos do artº 53º da LGT e do artigo 171.º do CPPT, com o intuito de suspender os processos de execução fiscal relativo à cobrança das dívidas fiscais, a que se refere a presente pronúncia arbitral.
  2. De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 53.º da Lei Geral Tributária, o devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente será indemnizado total ou parcialmente pelos prejuízos resultantes da sua prestação, caso a tenha mantido por período superior a três anos em proporção do vencimento em recurso administrativo, impugnação ou oposição à execução que tenham como objeto a dívida garantida.
  3.  Conforme decorre do n.º 2 do citado artigo, são indemnizados, sem dependência do referido prazo, todos os prejuízos suportados com a prestação das garantias prestadas para suspender a execução no caso de vencimento total em ação em que se verifique ter havido erro imputável aos serviços na liquidação do tributo.
  4. Por seu lado, estabelece o artigo 171.º do CPPT que: "a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência"
  5. O processo de impugnação judicial, em que se decide sobre a legalidade do ato tributário, constitui, pois, meio processual adequado para formular o pedido de indemnização por garantia indevida.
  6.  Conforme reiterada jurisprudência arbitral, da qual se elenca o decidido no âmbito do processo 239/2016-T, " O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida. (…) A referência à «liquidação» na expressão «houve erro imputável aos serviços na liquidação do tributo» deve ser entendida em sentido lato, como reportando-se ao procedimento de liquidação, constituído pelo conjunto de actos tendentes à definição de uma obrigação de pagamento do montante de um tributo por um determinado sujeito passivo, abrangendo não só a liquidação stricto sensu (constituída pelo acto em que se determina a colecta, efectuando as operações aritméticas de cálculo do tributo a pagar), mas também a fase de lançamento (em que se determinam os sujeitos passivos e a matéria colectável ou tributável e a taxa a utilizar no caso de serem potencialmente aplicáveis mais que uma). É com esse sentido lato que a expressão «liquidação» é utilizada, por exemplo, nos artigos 54.º, n.º 1, alínea b), da LGT e 10.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, em que não se indicam competências da Administração Tributária especificamente referentes ao lançamento dos tributos.”
  7. Insere-se ainda no procedimento de liquidação a respectiva notificação ao destinatário, pois, antes da notificação, as operações realizadas são meros atos internos, livremente revogáveis, que não definem a posição da Administração Tributária em relação ao contribuinte.
  8. Assim, ao presumir-se que o legislador consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil), é de concluir que a expressão «erro imputável aos serviços na liquidação do tributo», abrange todas as ilegalidades que afetem a validade da liquidação, inclusivamente as relativas à sua notificação, que é o ato final do procedimento de liquidação, como está subjacente no regime do artigo 45.º, n.º 1, da LGT.
  9. Perante o exposto, a liquidação em sede de IRS, na parte abrangida pela anulação, que se decretará, resulta de erro de facto e de direito imputáveis exclusivamente à Administração Fiscal, na medida em que a Requerente cumpriu o seu dever de declaração.
  10. Adicionalmente, nos termos dos artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do CC, o ónus da prova dos fatos constitutivos do seu direito recai sobre quem os invoque, tal resulta do artigo 74.º n.º 1 da LGT :"o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque".
  11. Assim e em consonância com o estipulado no artigo 342.º n.º 1 do CC, " aquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado.". (nosso sublinhado), cabia à Requerente fazer prova do custo incorrido na prestação da garantia bancaria.
  12. Contudo a Requerente nos presentes autos, não discriminou o valor incorrido em custos, ou seja, não elencou factos que permitam ao Tribunal apurar a existência de custos incorridos na prestação da garantia bancaria, nem prova juntou que permita suportar o seu pedido.
  13. Face ao exposto, não lhe assiste razão quanto ao pedido de indemnização pelos custos incorridos com a prestação da garantia para sustar o processo de execução fiscal, pelo que improcede.

 

            I - DECISÃO

Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) 2013…, referente ao ano de 2009, no montante global de 44.800,00€ (quarenta e quatro mil e oitocentos euros).
  2. Julgar improcedente o pedido de indemnização pelos custos incorridos com a prestação da garantia para sustar o processo de execução fiscal.

Fixa-se o valor do processo em 44.800,00€, correspondente ao valor da liquidação atendendo ao valor económico do processo, aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 2.142,00€ (dois mil cento e quarenta e dois euros), a cargo da Requerida de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).

Notifique.

Lisboa, 02 de Abril de 2018

A Árbitra

Rita Guerra Alves