Decisão Arbitral
I – RELATÓRIO
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pedido
A…, contribuinte nº…, e B…, contribuinte nº …, casados, residentes na Rua …, … Hab …, …-… PORTO, de ora em diante designados Requerentes, apresentaram, em 29-08-2017, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 2º e no art.º 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprova o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), um pedido de pronúncia arbitral, em que é Requerida a AT - Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista a:
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A anulação, com base em violação de lei, da decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº 2016…no montante de 37.879,16 euros, relativa ao IRS do ano de 2015.
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A anulação da liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares nº 2016… no montante de 37.879,16 euros, relativa ao IRS do ano de 2015.
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Fundamento do pedido
Para sustentar o seu pedido, os Requerentes alegam, em síntese:
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O Requerente marido, de ora em diante o Requerente, iniciou a sua atividade em 01.10.75 e, em 26.12.96, entregou uma declaração de alterações, optando pelo regime de contabilidade organizada, que mantém até agora.
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Pretendendo manter-se neste regime não voltou a entregar qualquer declaração a reafirmar a opção pelo regime de contabilidade organizada.
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Todavia, quando pretendeu entregar a declaração Modelo 3 relativa ao ano de 2015, foi surpreendido pela impossibilidade de entrega do Anexo C, relativo à contabilidade organizada, em consequência de um alegado enquadramento feito pela AT, no regime simplificado, desde 01.01.2015, do qual nunca foi notificado.
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Neste contexto, não lhe foi possível entregar a Declaração Modelo 3 com o Anexo C, relativo à contabilidade organizada, que se anexa como Doc. 2, tendo sido obrigado, para cumprimento da obrigação declarativa, face às validações informáticas existentes, a entregar o Anexo B de tributação pelo regime simplificado.
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A questão controvertida circunscreve-se, portanto, à verificação da obrigatoriedade da determinação dos rendimentos empresariais com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado, como pretende a Autoridade Tributária, face ao enquadramento efetuado.
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Nos termos do n.º 1 do artigo 28.º do CIRS, a determinação dos rendimentos empresariais e profissionais faz-se com base na aplicação das regras decorrentes do regime simplificado ou com base na contabilidade.
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De acordo com o disposto no n.º 2 do referido artigo, a opção pelo regime simplificado deve ser formulada pelos sujeitos passivos:
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Na declaração de início de atividade;
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Até ao fim do mês de março do ano em que pretendem alterar a forma de determinação do rendimento, mediante a apresentação de declaração de alterações.
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Nos termos do n.º 5 do artigo 28.º do CIRS, a opção referida no n.º 3 mantém-se válida até que o sujeito passivo proceda à entrega de declaração de alterações, a qual produz efeitos a partir do próprio ano em que é entregue, desde que seja efetuada até ao final do mês de março.
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Ora, como se salienta no Acórdão do STA, de 17.03.2010, no Processo n.º 56/10, " o regime simplificado, criado com a reforma fiscal de 2000, constitui um regime não vinculativo, válido somente para quem não tenha optado pelo regime de contabilidade organizada.
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O regime simplificado tem sempre como pressuposto uma opção do contribuinte que renuncia ao seu direito subjectivo de ser tributado com base na contabilidade, sendo uma das situações em que a lei atribui relevância à sua vontade e em que ele pode optar pelo regime que considera mais favorável.
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Isto significa que o regime-regra quanto à tributação dos rendimentos da categoria B do IRS é o regime de tributação com base na contabilidade.
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Como se salienta na decisão arbitral proferida no CAAD, no Processo nº 266/2013 - T: "De facto, mesmo preenchendo todos os requisitos para ser tributado pelo regime simplificado, o sujeito passivo só fica abrangido por este se fizer essa opção. Já o inverso não é verdade. Se o sujeito passivo ultrapassar os limites estabelecidos para o regime simplificado, não poderá, mesmo que o queira, ser tributado pelo regime simplificado".
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Com a redação dada pela Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro, ao nº 5 do artigo 28° do CIRS, o prazo mínimo de permanência em qualquer dos regimes era de três anos, prorrogável por iguais períodos, exceto se o sujeito passivo comunicasse, nos termos da alínea b) do nº 4), a alteração do regime pelo qual se encontrava abrangido.
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Com a redação dada pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro, a opção pela determinação dos rendimentos com base na contabilidade passou a manter-se válida até que o sujeito passivo proceda à entrega de declaração de alterações, deixando, portanto, de haver um período mínimo de permanência no regime.
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O Requerente não foi notificado dos fundamentos da sua inclusão no regime simplificado, nem as validações existentes no programa de submissão das declarações explicitam o motivo do seu enquadramento no referido regime.
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Por isso, o Requerente só pode presumir que o seu enquadramento possa, eventualmente, ter decorrido do facto de não ter "renovado" trienalmente a opção pelo regime simplificado, em particular, no ano de 2015.
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Se for este o caso, é manifesto que não assiste razão à Autoridade Tributária.
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Com efeito, na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete deverá presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
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Convém recordar a anterior redação do nº 5 do artigo 28° do CIRS: "O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido".
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Neste contexto, só não haverá prorrogação do regime de contabilidade organizada se o sujeito passivo assim o entender, comunicando a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.
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Nestes termos, uma vez que o Requerente sempre esteve enquadrado no regime de contabilidade organizada, deveria ter-se mantido no referido regime, por haver uma prorrogação automática, como expressamente decorre da lei: "O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes (...) é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar (...) a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido".
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E bem se compreende que assim seja, já que o regime que vai ao encontro do princípio constitucional da capacidade contributiva é o regime da contabilidade organizada, e não o inverso, pois esse é o regime regra, do mesmo modo que a avaliação direta deve prevalecer sobre a avaliação indireta, por esta ser subsidiária daquela.
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Não tendo sido feita qualquer opção pelo regime simplificado, o Requerente deve ser tributado pelo mesmo regime em 2015, o que só não aconteceu por imposição da Autoridade Tributária e Aduaneira que, face aos condicionalismos informáticos de submissão das declarações eletrónicas, não permitiu que o Requerente apresentasse o Anexo C, correspondente ao regime de contabilidade organizada.
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Aliás, foi esta a posição assumida pela DSIRS, a propósito da correção do erro C70, nas declarações de IRS relativas a 2012, como decorre da transcrição infra das instruções então divulgadas:
Tendo sido suscitadas duvidas na interpretação do disposto no regime do artigo 28.º do Código do IRS, no que refere aos sujeitos passivos que, tendo exercido opção pelo regime da contabilidade organizada, foram reenquadrados pelos serviços em regime diferente, foi, por despacho do substituto legal do Diretor-Geral, de 2014.01.31, sancionado o entendimento, em síntese, de que uma vez efetuada opção pelo regime da contabilidade organizada, essa opção é válida e mantém-se durante o triénio, sendo este prorrogável por iguais períodos, pelo que o sujeito passivo só terá de regressar ao regime simplificado pela sua própria iniciativa, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 28.º do Código do IRS, não relevando, assim, para efeitos de enquadramento, as variações do montante anual liquido do rendimento da categoria B entretanto ocorridas.
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Na hipótese de o Requerente ter sido integrado pela AT no regime simplificado por estar integrado no regime de contabilidade organizada por obrigação legal, e não por sua opção expressa, deve questionar-se, como decorre da Circular n.º 5/2007, de 13.03, aos contribuintes abrangidos pelo regime de contabilidade organizada por obrigação legal não se aplica o período mínimo de 3 anos de permanência no regime e a sua prorrogação automática, implicando que, neste caso, possa ser alterado o regime de tributação, sem a sua opção expressa.
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O que resulta da lei vigente ao tempo dos factos (n.º 5 do artigo 28.°) é a obrigatoriedade de permanência por três anos em qualquer dos regimes - simplificado, ou contabilidade organizada - não se tendo, em qualquer momento, estatuído que a permanência no regime de contabilidade organizada por três anos só seria obrigatória se resultasse de opção do contribuinte."
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Resposta
Na sua Resposta, a Requerida AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, alega, em síntese:
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Pronunciando-se sobre as alterações introduzidas pelo OE/2007, quanto à forma de determinação de rendimentos da categoria B (art. 28.º do CIRS), esclareceu a circular n.º 5/2007, de 2007-03-13, da DSIRS, no seu ponto 1 que «aos sujeitos passivos que estejam abrangidos pelo regime de apuramento dos rendimentos empresariais e profissionais com base na contabilidade por não preencherem os requisitos previstos no n.º 2 do artigo 28.º do CIRS, não se aplica o período mínimo de permanência, previsto no n.º 5 do mesmo artigo, uma vez que o seu enquadramento não resulta de uma opção.».
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Assim, aos contribuintes que estejam abrangidos pelo regime da contabilidade, por obrigação legal, não se aplica o período mínimo de permanência no regime, porquanto essa tributação não decorreu de uma manifesta vontade expressa pela opção no regime de contabilidade organizada.
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O Requerente iniciou a actividade em 1975, tendo ficado enquadrado no regime de contabilidade organizada para o ano de 2001, por imposição, em virtude de ter ultrapassado no período de tributação anterior (ano de 2000) o montante anual de prestação de serviços de € 99.759,58, previsto no art. 28.º n.º 2 do CIRS (redacção à data dos factos), situação que se manteve até ao exercício de 2014.
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Em 2014, o Requerente apurou um rendimento anual ilíquido inferior ao limite estabelecido no artigo 28.º n.º 2 do CIRS (€ 200.000,00), mas sem que tenha exercido a opção de tributação pelo regime de contabilidade organizada até ao final de Março de 2015, mediante apresentação da declaração de alterações, daí que ficasse abrangido, e bem, no regime simplificado de tributação no ano de 2015.
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Por outro lado, não tem aplicabilidade ao caso em apreço o despacho do substituto legal do Director Geral, datado de 2014-01-31 (em que foi sancionado o entendimento, em síntese, de que uma vez efectuada a opção pelo regime de contabilidade organizada, essa opção é válida e mantém-se durante o triénio, sendo este prorrogável por iguais períodos) porquanto o enquadramento no regime da contabilidade organizada não decorreu de uma opção, e a opção pelo regime da contabilidade organizada apenas é de manter sobre as situações em que o legislador permitiu a prorrogação por igual período.
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Se o requerente pretendia continuar no regime de contabilidade organizada quando, em 2014, obteve rendimentos de valor inferior ao limite legal, era a ele sujeito passivo que cabia fazer a alteração para o regime de contabilidade organizada, por opção.
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O requerente não apresentou a referida declaração de alterações, através da qual poderia alterar a forma de determinação do rendimento para 2015, pelo que ficou, automaticamente, enquadrado no regime simplificado.
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No que concerne ao exercício de 2015, e porque se encontra no período de permanência dos 3 anos para o regime simplificado, deveria o requerente ter utilizado a faculdade concedida pela disposição transitória consagrada no n.º 2 do art. 15.º da Lei 82-E/2014, de 21 de Dezembro (OE 2015), a qual estabelece que “até ao fim do mês de Março de 2015, os sujeitos passivos de IRS enquadrados no regime simplificado da categoria B podem optar pelo regime de contabilidade organizada” (sendo que com esta norma pretendeu o legislador implementar, de imediato, a revogação do período mínimo de permanência de 3 anos, no regime de determinação dos rendimentos, consagrada no art. 28.º n.º 5 do CIRS, na redacção anterior à dada pela Lei 82-E/2014, de 31 de Dezembro.).
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Reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações
Com a concordância das Partes, o Tribunal determinou a dispensa da realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, tendo as Partes sido convidadas a apresentar alegações escritas sucessivas.
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Alegações
Nas suas alegações, os Requerentes argumentam:
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Quando da entrada em vigor do regime simplificado, ficavam excluídos deste, nos termos da al. a) do nº 3 do art. 31º do CIRS, os sujeitos passivos que, por exigência legal, se encontrem obrigados a possuir contabilidade organizada.
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A opção pelo regime de contabilidade organizada deveria ser efetuada, nos termos da al. b) do nº 4 do mesmo preceito, até ao fim do mês de março do ano em que pretende utilizar a contabilidade organizada.
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Tendo o Requerente feito a opção pelo regime de contabilidade organizada e não reunindo os requisitos para ficar abrangido pelo regime simplificado, não tinha que fazer qualquer opção.
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O legislador não obrigou os sujeitos passivos que estavam no regime de contabilidade por opção a “revalidar essa opção” e quem estava obrigado a ter contabilidade organizada estava afastado do regime simplificado, pelo que estava desobrigado de fazer qualquer opção.
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A norma transitória do nº 2 do art. 15º da Lei nº 82-E/2014 não se aplicava ao Requerente porquanto este nunca esteve no regime simplificado.
Nas suas alegações, considerando que nada de novo havia sido alegado pelos Requerentes, a Requerida limitou-se a reiterar a sua posição.
II. SANEAMENTO
O Tribunal Arbitral singular foi regularmente constituído em 23-11-2017, tendo sido o Árbitro designado pelo Conselho Deontológico do CAAD, cumpridas as respetivas formalidades legais e regulamentares (artigos 11º, n-º 1, als. a) e b) do RJAT e 6º e 7º do Código Deontológico do CAAD), e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
As Partes têm personalidade e capacidade judiciárias e encontram-se regularmente representadas.
Não foram identificadas nulidades no processo.
III. QUESTÕES A DECIDIR
A principal questão a apreciar e decidir é se o Requerente marido, sujeito passivo de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares enquadrado na categoria B, podia, no ano 2015, ser oficiosamente enquadrado no regime simplificado de tributação, previsto no artigo 28º do CIRS.
IV – FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos provados considerados relevantes para a decisão da causa:
1º) O Requerente marido entregou em 26.12.96 uma declaração de alterações, optando pelo regime de contabilidade organizada do IRS.
2º) Ao entregar a declaração de rendimentos do ano 2015, não lhe foi permitida a entrega da mesma de acordo com o regime de contabilidade organizada.
3º) O Requerente entregou declaração dos rendimentos de 2015 através do anexo B, relativo ao regime simplificado de tributação.
4º) A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu e notificou aos Requerentes a liquidação nº 2016…, no montante de € 37879,16, com data limite de pagamento em 2016.08.31, relativa ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares dos Requerentes sobre os rendimentos de 2015, em conformidade com o regime simplificado de tributação.
5º) Em 22 de dezembro de 2016 os Requerentes apresentaram reclamação graciosa da reclamação.
6º) Os Requerentes não foram notificados, até à data da apresentação do pedido arbitral, de decisão da reclamação graciosa.
Os factos considerados provados foram-no com base nos documentos juntos ao processo.
Não existem outros factos dados como provados ou não provados com relevância para a decisão da causa.
VI – FUNDAMENTAÇÃO
O regime simplificado de tributação dos rendimentos de trabalho independente foi instituído pela Lei nº 30-G/2000, de 29 de dezembro.
Anteriormente, o art. 27º do CIRS, previa duas modalidades de tributação desses rendimentos: a tributação “com base na contabilidade do sujeito passivo, quando este a possua” (al. a)); e a tributação “com base nos livros de registo de serviços prestados e de despesas, escriturados em conformidade com o disposto no artigo 108.º, quando o sujeito passivo não seja obrigado a possuir contabilidade” (al. b)).
A lei era bastante clara quanto às condições em que o sujeito passivo, titular de rendimentos de trabalho independente, se enquadrava num ou noutro destes regimes de tributação.
Se o sujeito passivo estava obrigado a ter contabilidade organizada, de acordo com o estabelecido no art. 109º, nº 1, al. a), era obrigatoriamente tributado com base na contabilidade. Os sujeitos passivos estavam obrigados a ter contabilidade organizada quando atingissem um rendimento anual médio de três anos consecutivos, com a exclusão das remunerações pagas a colaboradores, superior a vinte vezes o valor anual do salário mínimo nacional mais elevado.
Se o sujeito passivo, não estando obrigado a ter contabilidade organizada, optasse por ter contabilidade organizada, nos termos da al c) do nº 1 do art. 109º, opção que era totalmente livre, era também, obrigatoriamente, tributado com base na contabilidade.
Se o sujeito passivo não tinha nem era obrigado a ter contabilidade organizada, então era obrigatoriamente tributado com base no regime da al. b) do art. 27º, que se poderia designar “contabilidade simplificada”.
Por sua vez, a opção por contabilidade organizada podia ser feita:
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Na declaração de início de actividade;
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Na declaração “de que trata o artigo 57.º”, sendo que esta declaração a que se referia o art. 57º de então era a declaração anual de rendimentos.
Portanto, o sujeito passivo, não sendo obrigado a ter contabilidade organizada, podia, na declaração de início de atividade ou na declaração de rendimentos, comunicar à administração tributária a opção por ter contabilidade organizada. E ao efetuar esta opção por ter contabilidade organizada estava a optar, automaticamente, por ser tributado com base na contabilidade, por efeito conjugado dos artigos 27º, al. a) e 109º, nº 1, al. c) do CIRS.
Fazendo o sujeito passivo esta opção, o sujeito passivo não podia, durante um período de três anos, deixar de ser tributado com base na contabilidade.
Nada se dizia quanto à sua renovação automática.
O Requerente exerceu esta opção, de ter contabilidade organizada e, consequentemente, de ser tributado com base na contabilidade, em 1996, de acordo com os factos dados como provados, passando assim, a partir desse ano, a ser tributado com base na contabilidade, por sua opção.
Entretanto, o quadro normativo vem a ser alterado, em 2000, com a já referida Lei nº 30-G/2000, que reforma a tributação do rendimento e introduz o regime simplificado de tributação dos rendimentos da categoria B.
O novo quadro legal, deixou praticamente inalterada a modalidade da tributação com base na contabilidade, quanto àquilo em que a mesma consiste – cálculo do lucro tributável a partir do resultado contabilístico apurado de acordo com as normas de contabilidade do direito comercial –, quanto às condições em que os sujeitos passivos se acolhem a essa modalidade de tributação, e ainda quanto às condições em que a mesma cessa de ser aplicada a um determinado sujeito passivo.
O sujeito passivo cujos rendimentos ultrapassem um limite – limite que, inicialmente, consistia num volume de vendas de 30.000.000$00 e um valor ilíquido dos restantes rendimentos da categoria B de 20.000.000$00 e que atualmente consiste num montante anual ilíquido de rendimentos de 200 000 euros – fica obrigatoriamente sujeito ao regime geral de tributação (com base no resultado contabilístico).
O sujeito passivo cujos rendimentos não ultrapassem esse limite pode optar entre o regime geral e o regime simplificado, sendo que, por defeito, ie. na falta de exercício da opção, ficará enquadrado no regime simplificado.
No que diz respeito a um ponto-chave, para a questão que nos ocupa, que é o dos efeitos da opção pelo regime geral (ou de tributação com base na contabilidade) nos períodos subsequentes àquele em que a mesma foi exercida, a norma legal tem sofrido sucessivas alterações.
Na redação atual (introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro), o nº 5 do art. 28º dispõe:
“A opção referida no n.º 3 mantém-se válida até que o sujeito passivo proceda à entrega de declaração de alterações, a qual produz efeitos a partir do próprio ano em que é entregue, desde que seja efetuada até ao final do mês de março”.
Portanto, atualmente, a opção pelo regime de contabilidade organizada num determinado período produz efeitos em todos os exercícios subsequentes.
Na redação anterior (introduzida pela Lei 53-A/2006 de 29/12), o mesmo inciso dizia:
“O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido.”
Portanto, também aqui, entre 2006 e 2014, a opção do sujeito passivo pela tributação com base na contabilidade se mantinha válida até que ele próprio comunicasse a sua vontade de optar pelo regime simplificado.
A norma anteriormente vigente – nº 5 do artigo 31º na versão da Lei 30-G/00, de 29 de Dezembro e nº 5 do art. 28º na versão do DL 198/2001, de 3 de Julho – dizia:
O período mínimo de permanência no regime simplificado é de três anos, prorrogável automaticamente por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a opção pela aplicação do regime de contabilidade organizada.
Nada se dizia, entre 2000 e 2006, quanto à manutenção do regime de tributação com base na contabilidade quando tivesse sido feita opção pelo mesmo pelo sujeito passivo.
No entanto, a jurisprudência dos tribunais superiores deu como assente que, logo a partir da Lei 30-G/00, de 29 de Dezembro, o exercício da opção pelo regime de tributação com base na contabilidade produzia efeitos em todos os períodos subsequentes, até que o sujeito passivo tomasse a iniciativa de optar pelo regime simplificado (vg. acórdãos do STA de 27-01-2010, proc. 906/09 e de 17-03-2010, proc. nº 56/10).
Vejamos em que é que este quadro normativo releva para a questão decidenda.
Os Requerentes argumentam – numa das suas linhas de argumentação – que a opção que um sujeito passivo tenha efetuado pela tributação com base na contabilidade ao abrigo do primitivo artigo 109º do CIRS (anterior à instituição do atual regime simplificado) produz efeitos para o seu enquadramento fiscal à luz do atual artigo 28º.
A Requerida não se pronuncia sobre esta parte da argumentação dos Requerentes, limitando-se a afirmar que o sujeito passivo nunca optou pelo enquadramento no regime de tributação com base na contabilidade.
Mas tal asserção não corresponde aos factos, dado que o Requerente marido, efetivamente, exerceu a opção pelo enquadramento no regime de contabilidade organizada no ano de 1996.
Sendo assim, impõe-se ao Tribunal pronunciar-se sobre o argumento dos Requerentes, emitindo juízo sobre se a opção exercida pelo sujeito passivo em 1996 se mantém ou não válida à luz do atual art. 28º do CIRS.
Cremos que a questão se deve responder em dois passos:
1º: A opção que o sujeito passivo fazia, na vigência da norma anterior à Lei 30-G/00 (instituição do regime simplificado), pela tributação com base na contabilidade, produzia efeitos em todos os exercícios subsequentes, até que o mesmo sujeito passivo comunicasse a sua opção pelo regime simplificado?
2º: Se a resposta à primeira questão for afirmativa, o efeito da opção pela tributação com base na contabilidade, que o Requerente marido fez em 1996, interrompeu-se ou cessou com a instituição do regime simplificado pela Lei 30-G/00, o que determinaria a necessidade de o sujeito passivo renovar a sua opção?
Vejamos.
Quanto à primeira questão, cremos que tem aplicação a interpretação que os tribunais fizeram posteriormente sobre a continuidade dos efeitos da opção pelo regime geral, na vigência do regime simplificado, entre 2000 e 2006.
Como se demonstrou anteriormente, a norma, no que diz respeito ao regime geral ou de tributação com base na contabilidade, que existia até 2000 é, à parte os valores dos limites envolvidos, em tudo exatamente similar à norma em vigor a partir de 2000, pelo que os mesmos argumentos interpretativos têm que se considerar aplicáveis.
Isto porque, sendo a opção pelo regime geral totalmente livre, ie. independente de qualquer condição que tenha que ser verificada ano a ano (como acontece com o regime simplificado), e não impondo a lei aos contribuintes, expressamente, o ónus de renovarem essa opção periodicamente – o que aliás seria um ónus desproporcionalmente gravoso – não seria razoável concluir-se por via interpretativa que a opção pelo regime de tributação com base na contabilidade tinha que ser renovado periodicamente.
Sendo assim, há que concluir que, em 2000, quando entrou em vigor a Lei 30-G/00, o Requerente marido se encontrava enquadrado no regime de tributação com base na contabilidade, por opção.
Passemos à segunda questão.
Na redação da Lei 30-G/00 – que introduziu o regime simplificado – o nº 2 do art. 31º do CIRS dizia:
“Ficam abrangidos pelo regime simplificado os sujeitos passivos que, não tendo optado pelo regime de contabilidade organizada no período de tributação imediatamente anterior, não tenham atingido valor superior a qualquer dos seguintes limites:
a) Volume de vendas: 30000000$00;
b) Valor ilíquido dos restantes rendimentos desta categoria: 20000000$00.”
Quererá esta norma dizer que ficaram, em 2001, automaticamente enquadrados no regime simplificado os sujeitos passivos que, não tendo atingido os valores das alíneas a) e b), não apresentaram no ano anterior – ano 2000 – a declaração em que exerceram a opção pelo regime geral?
Não estamos aqui, note-se, perante uma norma transitória, de aplicação específica na data da entrada em vigor do regime, mas de uma norma destinada a vigorar indefinidamente.
Portanto, a interpretação da norma no sentido indicado não é admissível, pois isso seria equivalente a dizer que a opção pelo regime geral tinha que ser exercida todos os anos, o que já vimos não ser um entendimento válido da norma, nem ser consentânea com a interpretação que os tribunais fizeram da mesma.
Consequentemente, só pode entender-se aquele preceito (nº 2 do art. 31º) como estipulando que, a partir do ano 2001 – primeiro ano em que vigorou o regime simplificado – ficam enquadrados no regime simplificado os sujeitos passivos que, não ultrapassando os limites que excluem a aplicação do mesmo, não estejam, no ano imediatamente anterior, enquadrados, por opção, no regime geral (ou de tributação com base na contabilidade).
Ora, no ano de 2000, o Requerente marido encontrava-se enquadrado, por opção, no regime de tributação com base na contabilidade. Portanto, nesse ano, nunca ficaria o Requerente enquadrado no regime simplificado, não por ter excedido os limites respetivos, mas por se encontrar, no ano imediatamente anterior, enquadrado, por opção, no regime geral.
Sendo este o nosso entendimento, vejamos em que é que ele diverge do propugnado pela Requerida.
A Requerida argumenta, na sua resposta, que “o Requerente iniciou a sua atividade em 1975, e encontra-se coletado para o exercício da atividade ‘CIRS 9010 – Revisores Oficiais de Contas’, tendo ficado enquadrado no regime de contabilidade organizada para o ano 2001, por imposição legal (...) em virtude de ter ultrapassado no exercício anterior (ano 2000) o montante anual de prestação de serviços de 99.759,58 euros, previsto no art. 28º, nº 2 do CIRS (redação à data dos factos)”.
A Autoridade Tributária nunca se refere ao facto, claramente alegado pelos Requerentes na petição inicial, de o Requerente marido ter exercido a opção pelo regime de contabilidade organizada em 1996.
Ou seja, a Autoridade Tributária não nega que o Requerente marido tenha exercido a opção pelo regime de contabilidade organizada em 1996.
Tão pouco afirma que essa opção fica sem efeito após a entrada em vigor do regime simplificado, com a Lei nº 30-G/2000. Apenas afirma que em 2001, o Requerente ficou abrangido pelo regime de contabilidade organizada por imposição legal, porque em 2000 obteve um rendimento bruto superior ao limite do regime simplificado.
Ora, encontrando-se um sujeito passivo de IRS enquadrado no regime de contabilidade organizada por ter exercido a respetiva opção, o sujeito passivo não passa a estar enquadrado no mesmo regime por imposição legal quando ultrapassa o limite do regime simplificado, porque nada na lei permite chegar a essa conclusão. O que a lei diz é que, uma vez exercida a opção pelo regime de contabilidade organizada, o sujeito passivo se mantém nesse regime até que ele próprio, podendo, tome a iniciativa de optar pela tributação pelo regime simplificado (vd. acórdãos do STA de 28-11-2012 , proc. nº 709/12; de 04-11-2015, proc. nº 877/15).
É assim de concluir que as liquidações sindicadas sofrem de vício de violação de lei, sendo por isso inválidas e devendo ser anuladas.
A segunda linha de argumentação dos Requerentes, sobre a qual se verifica existir dissensão entre as Partes, refere-se ao tempo de permanência obrigatória dos sujeitos passivos em cada um dos regimes de tributação previstos no art. 2º CIRS.
Esta questão é, a nosso ver, irrelevante para o julgamento da questão decidenda, uma vez que as normas em causa não têm aplicação ao caso.
Desde 1 de janeiro de 2007 (com a versão posta em vigor pela Lei 53-A/2006, de 29/12), até à alteração efetuada pela a Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, o nº 5 do art.º 28º do CIRS dizia:
5 - O período mínimo de permanência em qualquer dos regimes a que se refere o n.º 1 é de três anos, prorrogável por iguais períodos, excepto se o sujeito passivo comunicar, nos termos da alínea b) do número anterior, a alteração do regime pelo qual se encontra abrangido. (Redacção da Lei 53-A/2006-29/12)
Esta norma, segundo o que nos parece o único entendimento possível, apenas se aplicava ao sujeito passivo, limitando a sua liberdade de alterar o seu regime de tributação.
A norma nunca se aplicava a alterações oficiosas efetuadas pela administração tributária. O momento da alteração oficiosa do regime simplificado para o regime de contabilidade organizada era diretamente determinado pelo nº 6 do art. 28º. Já o momento da alteração oficiosa do regime de contabilidade organizada para o regime simplificado era diretamente determinado pelo nº 2 do mesmo preceito.
Era apenas o sujeito passivo que, tendo optado por um dos regimes, não o podia alterar por um período de três anos.
Ora, o que está em causa nos presentes autos não é uma mudança de regime de tributação pelo sujeito passivo, logo a norma não seria aqui aplicável.
VI. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido de anulação da liquidação impugnada, e consequentemente fica a mesma anulada.
Valor da utilidade económica do processo
Fixa-se o valor da utilidade económica do processo em 37.879,16 euros.
Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em 1.836,00 euros, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Registe-se e notifique-se esta decisão arbitral às Partes.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 27 de março de 2018
O Árbitro
(Nina Aguiar)