Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 470/2017-T
Data da decisão: 2018-03-16  IRC  
Valor do pedido: € 131.286,53
Tema: IRC - 2012 - Encargos financeiros – SGPS – Circular nº 7/2004, da DSIRC.
*Decisão arbitral anulada por acórdão do STA de 26 de setembro de 2018, recurso n.º 406/18.9BALSB, que decide em substituição.
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ACÓRDÃO ARBITRAL

 

  1. Relatório

 

No dia 10-08-2017, a sociedade “A… SGPS S.A.”, NIPC…, apresentou um pedido de constituição do tribunal arbitral coletivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 01-09-2017. Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável e notificou as partes dessa designação em 17-10-2017.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo ficou constituído em 09-11-2017.

No âmbito do pedido de pronúncia arbitral por si apresentado, a Requerente peticionou a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRC n.º 2017…, relativo ao exercício de 2012, o qual igualmente impugna juntamente com as correções da inspeção tributária que o antecederam. Em concreto, a Requerente contesta o facto de ter sido desatendida a dedução de encargos financeiros no montante de € 490.872,55, com o consequente apuramento de matéria tributável em excesso e bem assim com o consequente apuramento de imposto reflexo sobre esse excesso de base tributável do exercício no montante de € 117.809,42, e de juros compensatórios correspondentes no montante de € 13.477,12, no montante total de € 131.286,53.

 

Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que a liquidação referida supra:

  1. na parte relativa à correção de € 490.872,55 na esfera da Requerente, relativas a encargos financeiros não dedutíveis relativos a partes de capital, que “… a efectivação de correcções com recurso à fórmula da Circular nº 7/2004, a qual consubstancia a interpretação da AT do disposto no artigo 32º nº 2 do EBF, é ilegal, e mais ilegal ainda quando a inspecção tributária ao invés de a adoptar como ultimo recurso, começando primeiro por fazer uma afectação real, prescinde à cabeça desta e segue directamente para a aplicação da fórmula determinada pela DSIRC.”; e
  2. “É jurisprudência assente que a AT quando entenda ser de fazer uma correcção/liquidação com base no disposto no (entretanto revogado) artigo 32.º, n.º 2, do EBF– rectius, quando a AT faça aplicação da referida norma – tem de no mínimo tentar primeiro, e se não conseguir demonstrar porquê, fazer uso de metodologia de afectação directa. No caso, e como tem sido arreigado costume, a AT limitou-se a aplicar o método formulaico e presuntivo criado pela Circular nº 7/2004”

 

II.      Saneamento

O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

III. Fundamentação

III.1 Factos provados:

No que se refere à factualidade trazida aos autos pelas Partes, considera o Tribunal como provados, em razão da prova documental oferecida e dos factos alegados e não contestados, os seguintes factos com relevância para a decisão final:

  1. A Requerente encontra-se (e encontrava-se em 2012) enquadrada no Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (doravante RETGS), sendo sociedade dominante do Grupo “B…”;
  2. No exercício de 2012 o perímetro fiscal do Grupo, era constituído pelas sociedades seguintes:

-A…, SGPS (sujeito passivo inspecionado);

-C…, SA;

-D…, SA;

-E…, LDA;

-F…, SA;

-G…, SA;

-H…, LDA;

-I…, SGPS, LDA.

  1. A coberto das Ordens de serviço n.º OI2016… e OI2016…, foram realizados procedimentos de Inspeção Tributária às sociedades dominadas A… SGPS, SA e C…, SA (NIPC…), respectivamente.

 

  1. Relativamente às correções aritméticas em sede de IRC, no âmbito da acção inspectiva à A…, SGPS, SA, no valor de € 490.872,55, decorreram as mesmas da desconsideração, para efeitos de IRC, nos termos do nº 2 do artigo 32º do EBF (na redação à data dos factos), dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, detidas por um período não inferior a 1 ano.
  2. A A…, SGPS, SA, não acresceu, com referência ao exercício de 2012, para efeitos de determinação da matéria colectável, qualquer montante a título de encargos financeiros não dedutíveis ao abrigo do nº 2 do artigo 32º do EBF, que no caso ascendia a € 490.872,55.
  3. Pelo que, foi efetuado um acréscimo, para efeitos de apuramento do lucro tributável em sede de IRC da A…, SGPS, referente a 2012, destes encargos financeiros nesse valor de € 490.872,55.
  4. A correção efectuada provocou uma alteração ao lucro tributável declarado em sede de IRC, passando de € 345.559,70 para € 836.432,25, conforme quadro infra.

 

 

  1. Deste quadro não resultam quaisquer correções aos prejuízos deduzidos na declaração de rendimentos do grupo apresentada pela A… SGPS.
  2. Foi efectuada a correção à matéria coletável não isenta do grupo, referente ao exercício de 2012, no montante de € 558.972,55, passando de € 861.024,30 para € 1.419.996,85, como se segue:

 

  1. Foi a Requerente notificada para o exercício do direito de participação, direito que não logrou exercer.

 

III.2 Factos não provados

Não existem outros factos com interesse para a decisão, provados ou não provados.

 

III. 3 Fundamentação da decisão quanto à matéria de facto

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada [cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 659.º, n.º 2 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT].

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

À luz do exposto, o quadro factual relevante no caso sub juditio é o que se deixou descrito. Para o estabelecer, ponderou o Tribunal, as posições das partes nos respetivos articulados, bem como todo o acervo documental incorporado no processo, incluindo a cópia do processo administrativo instrutor junta pela AT.

 

É certo que, no âmbito do direito fiscal, o ónus probatório não tem a dimensão subjetiva doutros ramos do direito, mas sim objetiva, no sentido de que o que interessa para a decisão do mérito da causa, quer no procedimento administrativo quer no processo judicial, é o que relevar da verdade dos factos alcançados, independentemente da parte que tenha o ónus de tal prova, atenta a predominância do princípio do inquisitório constante dos artigos 99.º da LGT e 13.º do CPPT. Contudo, quando tal prova se não alcança e na impossibilidade de o tribunal ficar por um non liquet – cfr. art.º 8.º, n.º1 do Código Civil – então a causa tem de ser decidida contra a parte onerada com esse ónus probatório (in casu, a AT). Assim, tendo em consideração o exposto e as posições assumidas pelas partes, a prova documental e a cópia do Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados e não provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

IV. Fundamentação (cont)

O Direito

A questão sobre que versa o presente litígio respeita à metodologia de quantificação dos encargos financeiros desconsiderados para efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 32.º do EBF, na redação à data dos factos supra descritos.

Dispunha, à data dos factos, o artigo 32.º/n.º 2 do EBF que:

As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.

No essencial, trata-se de saber se o recurso a um método assente numa fórmula proporcional pode ser aceite à luz formulação do referido dispositivo que rege o regime fiscal das SGPS, ou se, ao invés, é de exigir o recurso exclusivo ou preferencial a métodos de apuramento direto – v.g., um método de afetação real entre os encargos financeiros incorridos e as participações sociais por eles adquiridas.

A lógica do legislador foi, naturalmente, a de assegurar a máxima neutralidade nas componentes positiva e negativa da formação do lucro tributável, sempre que estivessem envolvidas transmissões onerosas de participações sociais por parte destas específicas sociedades. Assim se evitariam assimetrias tributárias evidentes, bem como o risco de abusos que poderiam, de outro modo, surgir.

Ora, a esta questão foram dadas duas respostas, de conteúdo bem distinto.

Uma era aquela vertida na Circular 7/2004, de 30 de março, da Direção de Serviços de IRC: o estabelecimento de um mecanismo pro rata – a semelhança do que se vê noutros impostos como o IVA – enquanto meio único de determinação dos valores de encargos financeiros a desconsiderar. Trata-se de um meio de cálculo indireto ou por aproximação, mas com a grande vantagem da simplificação aplicativa.

Uma outra foi aquela outra dada por vários contribuintes, que se traduz na aplicação do método da afetação real ou específico, com a identificação precisa dos encargos financeiros e da aplicação dos financiamentos que eles remuneram e as participações sociais que não concorrem para o lucro tributável da SGPS.

Este último método tem contra si, reconheça-se, a bem maior dificuldade aplicativa, constituindo um ónus acessório que recai, desde logo, sobre o próprio sujeito passivo em sede de auto-liquidação, e só numa segunda linha sobre a Administração. Todavia, o facto de possuir equivalentes conhecidos noutras áreas do Direito Fiscal constitui demonstração sólida de que não é um método inviável como se sugere na mencionada Circular e como vem sustentado no presente caso pela AT – é o que se passa no IVA, onde é utilizado em várias operações (v.g., de natureza imobiliária).

Este método tem, naturalmente, a vantagem de ser aquele que mais se aproxima quer da Constituição, quer da letra da lei, quer da (aparente) intenção do legislador.

A aproximação à Lei Fundamental decorre do artigo 103.º/n. 2, o qual prescreve uma tributação das empresas assente “fundamentalmente sobre o seu rendimento real”, o que parece reduzir a margem para um recurso privilegiado a métodos por estimativa.

Já a maior proximidade à lei – recorde-se que uma Circular configura um mero sentido interpretativo dado, ainda que em termos genéricos, a um trecho legal – advém de o n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelecer que não concorrem para a formação do lucro tributável os “encargos financeiros suportados com a sua aquisição”, reportando-se às partes de capital, assim parecendo impor uma ligação imediata entre tais encargos e estes ativos.

Por fim, no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro) onde teve lugar a alteração de redação que conduziria à aprovação da mencionada Circular, enquadra-se (a propósito da modificação do então artigo 31.º do EBF, atual artigo 32.º) a alteração desta norma, com o seguinte fundamento: “Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira diretamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS” – página 52, disponível em www.dgo.pt.

  Fica, por isso, apenas por apurar se o recurso ao método proporcional – como pretende a Requerida – se encontra inevitavelmente comprometido ou se pode ser eventualmente utilizado em certas (e muito específicas) situações.

Ora, já vimos como os próprios exemplos que se encontram noutras áreas do sistema fiscal impedem a conclusão a que, precipitadamente, chega a Circular 7/2004, acerca da alegada “extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica”. Assim sendo, o afastamento tout court do método da afetação real, como parece resultar da mencionada Circular – e logo, a derrogação da regra da dedutibilidade dos custos, vertida no artigo 23.º/n.º 2/alínea c) do Código do IRC – encontra-se manifestamente inviabilizado, como bem sublinha o Requerente.

Mas já o mesmo não se pode dizer, estamos em crer, do caso em que o contribuinte não se tenha feito valer precisamente desse método da afetação real, limitando-se a contestar o recurso, pela AT, ao método indireto.

Na linha do que já vimos invocado na decisão n.º 679/2015-T, do CAAD, o recurso à formula vertida na Circular pode ser subsidiariamente aceitável em certas e peculiares circunstâncias; desde logo, quando se revele impraticável ou inadequada a aplicação dos métodos diretos; é o que se pode ler a páginas 28-29 (versão pdf) daquela decisão arbitral: “faria sentido, esgotadas as hipóteses de se imputar capital próprio diretamente à aquisição de partes de capital em participadas, aplicar a fórmula ínsita na Circular. Mas, julga-se claro que, neste último caso, deve a AT mostrar que não existiria, na situação concreta, maneira mais justa, mais economicamente racional ou mais conforme à afetação específica dos encargos financeiros às partes de capital, que não seja a mencionada fórmula. Isto é, a fórmula constitui um expediente, compreensível, útil e por vezes apropriado de aplicar quantitativamente a norma do artigo 32.º do EBF. Mas não será sempre assim, pois nos casos em que se prove que as partes de capital têm um financiamento específico, por capital próprio, a AT deve, antes de aplicar a fórmula, interrogar-se se uma imputação direta será a via mais justa de atuação.”.

Julgamos ser, igualmente, o caso quando o próprio sujeito passivo, pese embora chamado a proceder ao cálculo dos encargos financeiros indedutíveis por via de métodos diretos e à explicação dos termos em que procedeu à aplicação de tais métodos – em suma, à auto-liquidação – a tal tenha obstado.

É o que sucede, precisamente, nos presentes autos.

Quando, embora tendo oportunidade para o efeito (aliás, tendo sido expressamente solicitado a tal), o sujeito passivo abdica de responder, calcular ou justificar os fundamentos da aplicação dos métodos diretos, apenas se limitando à sustentação da (alegada) obrigação incondicional da Administração se socorrer sempre da metodologia direta de determinação dos encargos financeiros indedutíveis, o sujeito passivo não pode deixar de assumir o ónus da sua inação.

Mal se compreenderia que a AT pudesse ser tout court impedida de utilizar um método indireto, quando o próprio contribuinte não promoveu ou aplicou qualquer método direto (ou se aplicou não explicou os termos em que o fez). Não seria razoável que a Administração Tributária fosse chamada a suprir as falhas na determinação do lucro tributável por recurso aos métodos diretos que o próprio sujeito passivo abdicou de aplicar, explicar ou justificar, quando é certo que a preferência constitucional pela aplicação destes foi erigida precisamente em tutela dos interesses do próprio sujeito passivo. Tal traduziria a incompreensível aceitação de um venire contra factum proprium, com o contribuinte a valer-se da sua própria inação. 

Assim sendo - e (apenas) perante este circunstancialismo muito peculiar e qua acima foi dado como provado – consideramos passível de aplicação a formulação proporcional constante da Circular 7/2004, enquanto método viável de determinação dos encargos financeiros indedutíveis ao lucro tributável para efeitos do n.º 2 do artigo 32.º do EBF.

Não vemos, por conseguinte, qualquer violação da lei na liquidação supra referida.

 

Decisão

Termos em que:

  1. Se julga improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se o ato tributário de liquidação impugnado e absolvendo-se, em conformidade, a requerida dos pedidos formulados no pedido de constituição de Tribunal Arbitral e
  2. se condena a Requerente nas custas.

 

Valor do processo

Em conformidade com o disposto no artigo 306º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 47/2013, de 26 de Junho, 97º - A), nº 1, alínea a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e artigo 3º, nº 2 do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 131.286,53

Custas

Nos termos dos artigos 12º nº 2, 22º nº 4 do RJAT, e artigos 2º e 4º do Regulamento de Custas nos Processo de Arbitragem Tributária, e Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em €3.060,00, a cargo da Requerente, conforme anteriormente decidido.

 

  • Notifique-se

 

[Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131º do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29º nº 1 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, com versos em branco e revisto pelo colectivo de árbitros].

 

Lisboa, 16-3-2018

 

O Tribunal Arbitral Coletivo,

 

José Poças Falcão

 (Presidente)

 

Gustavo Lopes Courinha

 

 

Paula Florindo