Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 333/2017-T
Data da decisão: 2018-04-10  IRC  
Valor do pedido: € 3.056.662,62
Tema: IRC – dedução fiscal de encargos financeiros - Circular n.º 7/2004 da DSIRC - artigo 32.º, n.º 2, do EBF.
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Decisão Arbitral

Os árbitros Conselheira Fernanda Maçãs (Árbitro-presidente, designada pelos restantes árbitros), Mestre Ricardo da Palma Borges e Professor Doutor Manuel Pires (Árbitros-adjuntos), designados, respectivamente, pela Requerente e pela Requerida para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 10 de Agosto de 2017, acordam no seguinte:

  1. RELATÓRIO

 

  1. A Requerente A…, SGPS, S.A., pessoa colectiva n.º …, com sede na …, n.º …, Lisboa, com o capital social de € 534.000.000,00, sociedade dominante de grupo (“Grupo B…” ou “Grupo Fiscal B…”) sujeito ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades previsto nos artigos 69.º e seguintes do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”), veio, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e artigo 10.º, n.ºs 1 e 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante abreviadamente designado por “RJAT” – Regime Jurídico da Arbitragem Tributária), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, para o que formulou pedido nesse sentido, a 19 de Maio de 2017.

 

  1. A pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral consiste na (i) declaração da ilegalidade e anulação do indeferimento tácito do recurso hierárquico verificado em 19 de Fevereiro de 2017 e, bem assim, do indeferimento do precedente pedido de revisão oficiosa n.º …2015… de 11 de Novembro de 2016, na medida em que recusaram a anulação da parte ilegal da autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2010, com isso violando o princípio da legalidade; (ii) declaração da ilegalidade parcial desta autoliquidação (e consequente anulação), na parte correspondente ao montante de € 3.056.662,62; e (iii) consequente reconhecimento do direito ao reembolso deste montante e, bem assim, do direito a juros indemnizatórios pelo pagamento de imposto indevidamente liquidado, contados desde 31 de Maio de 2011.

 

  1. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 22 de Maio de 2017.
  1. No exercício da opção de designação de árbitro prevista na al. b) do n.º 2 do 6.º do RJAT e em cumprimento do disposto na al. g) do n.º 2 do artigo 10.º e no n.º 2 do artigo 11.º, igualmente do RJAT, a Requerente designou como Árbitro o Mestre Ricardo da Palma Borges.
  2. Nos termos do disposto na al. b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o  Professor Doutor Manuel Pires.
  3. De acordo com o disposto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 11.º do RJAT, o Exmo. Presidente do CAAD notificou a Requerente da designação do Árbitro pelo dirigente máximo do serviço da Administração Tributária em 7 de Julho de 2017, e notificou os árbitros designados pelas partes para designarem o terceiro árbitro que assume a qualidade de árbitro-presidente.
  4. Em 19 de Julho 2017 os árbitros designados pelas partes comunicaram ao CAAD a designação da Exma. Senhora Conselheira Maria Fernanda dos Santos Maçãs como Árbitro-Presidente.
  5. Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Exmo. Presidente do CAAD informou as Partes dessa designação em 26 de Julho de 2017.
  6. Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 artigo 11.º do RJAT, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 10 de Agosto de 2017.
  7. Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objecto do processo.

 

  1. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente alega, em síntese, o seguinte:
    1. Que procedeu, na qualidade de sociedade dominante do referido Grupo Fiscal B…, à autoliquidação de IRC, derrama estadual e derrama municipal consequente relativamente ao exercício de 2010 mediante apresentação da declaração Modelo 22, tendo ainda apresentado idêntica declaração de substituição sem alterações no que aqui se discute;
    2. Em 28 de Maio de 2015 a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da referida autoliquidação respeitante ao exercício de 2010, indeferido por despacho de 11 de Novembro de 2016 da Exma. Senhora Subdiretora-geral da Área de Gestão Tributária – Impostos sobre o Rendimento, notificado em 21 de Novembro de 2016;
    3. Em reacção a este indeferimento a Requerente apresentou recurso hierárquico em 21 de Dezembro de 2016, sem decisão até à data, tendo-se verificando o indeferimento tácito em 19 de Fevereiro de 2017 (artigo 66.º, n.º 5, do Código de Procedimento e Processo Tributário – “CPPT”);
    4. Pretende que seja declarada quer a ilegalidade do indeferimento tácito do recurso hierárquico e consequentemente do precedente indeferimento do pedido de revisão oficiosa, quer a ilegalidade parcial do acto de autoliquidação supra identificado – e que seja consequentemente anulado nessa parte –, nos termos do artigo 2.º, n.º 1, al. a), do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, mais concretamente no que concerne à parte do referido acto de autoliquidação que reflecte a não dedução fiscal de encargos financeiros no montante de € 12.226.650,46 (em especial no que se refere a uma parcela de € 10.816.990,43, como se verá a seguir), aos quais corresponde um montante de imposto indevidamente liquidado no exercício de 2010 no valor de € 3.056.662,62 (€ 2.704.247,61, no que se refere em especial à parcela de € 10.816.990,43);
    5. Este afastamento no exercício de 2010 da dedução fiscal de encargos financeiros no montante de € 12.226.650,46 foi efectuado nos termos do disposto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, tendo sido imputado pelas participações sociais (ou partes de capital) detidas pela A… SGPS com que se relacionavam nocionalmente à luz da metodologia da referida Circular, conforme quadro infra:

 

2010

C…

5.942.431,12

D…

4.100.960,71

E…

773.598,61

F…

505.709,09

G…

437.459,53

H…

329.955,58

Acções próprias

108.644,56

I…

23.333,88

J…

2.531,89

K…

1.012,76

L…

506,38

M…

506,38

Total

12.226.650,46

 

  1.  Nenhum financiamento obtido pela A… SGPS foi contratualmente destinado à aquisição das referidas participações sociais.
  2. Algumas das participações sociais detidas pela A… SGPS, em concreto as de maior relevo de entre as acima listadas, não foram sequer objecto de aquisição geradora de qualquer consumo ou mobilização de recursos (financiamento), próprios ou alheios.
  3. É o caso, nomeadamente, da participação detida na C…, que representa cerca de 49% (€ 5.942.431,12) do valor total (€ 12.226.650,46) dos encargos financeiros acrescidos ao lucro tributável na Modelo 22 (i.e., não deduzidos fiscalmente) aqui em causa, conforme se passa a relatar:
    1. A Requerente, hoje denominada de A… SGPS, foi constituída em 18 de Agosto de 1994, então sob a designação social de C…, S.A., por imposição do Decreto Lei n.º 131/94, de 19 de Maio, na sequência de um processo de cisão da (então assim denominada) N…, S.A. (N…), tendo o seu (…) capital social sido “realizado em espécie e pelos valores patrimoniais resultantes da avaliação prevista nesse mesmo” diploma.
    2. É de destacar que o acervo patrimonial transferido então (1994) por cisão da N… para a A… SGPS correspondia aos activos respeitantes à Rede de Transporte Nacional de Energia Eléctrica, de que tratava o Decreto-Lei n.º 99/91, de 2 de Março.
    3. Em 2006 deu-se a reestruturação do sector energético de acordo com as linhas orientadoras estabelecidas através da Resolução do Conselho de Ministros n.º 169/2005, de 24 de Setembro, dando início ao Grupo B… .
    4. Nessa ocasião, às infra-estruturas de transporte de electricidade que já detinha (por cisão da N… em 1994), a Requerente juntou-lhe em 2006 as infra-estruturas de transporte de gás natural, através da aquisição de activos de gás natural detidos pelo Grupo O… e da celebração de um contrato de concessão com o Estado português por um período de 40 anos para o exercício de actividades reguladas no sector do gás, incluindo o seu transporte, armazenamento e recepção – no que ficou conhecido pelo processo de unbundling do negócio do gás natural.
    5. Ora, para manter separada a actividade da electricidade da do gás natural, a Requerente (que à data ainda não era uma SGPS), conforme determinado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 85/2006, de 30 de Junho, procedeu no final do exercício de 2006 à constituição da P…, S.A. (actual C…).
    6. E no início de 2007 a Requerente procedeu a um aumento de capital desta sociedade que subscreveu, precisamente, dando como entrada em espécie os activos da Rede de Transporte Nacional de Energia Eléctrica, conforme determinado no ponto 3, al. c), da Resolução do Conselho de Ministros n.º 85/2006.
  4. Os encargos financeiros acrescidos ao lucro tributável na Declaração Modelo 22 em aplicação da fórmula da Circular n.º 7/2004 decorrentes das participações da Requerente na D… e na E… (€ 4.100.960,71 e € 773.598,61, respectivamente, num total de € 4.874.559,32) representam cerca de 40% do valor total (€ 12.226.650,46) de encargos financeiros acrescidos pela Requerente ao seu resultado fiscal do período de 2010 (i.e., não deduzidos fiscalmente):
    1. Também estas participações resultaram de uma operação de entrada dos activos, nestes dois casos activos afectos às concessões relacionadas com o negócio do gás, conforme determinado pela referida Resolução do Conselho de Ministros n.º 85/2006, de 30 de Junho, designadamente na al. a) do seu ponto 3;
    2. A Requerente tornou-se detentora das acções da D… via entrega para a realização do respectivo capital social dos activos afectos à rede nacional de transporte de gás em alta pressão;
    3. A Requerente tornou-se detentora das acções da E… via entrega para a realização do respectivo capital social de activos afectos ao armazenamento subterrâneo de gás natural.
  5. Invoca a decisão arbitral proferida no processo n.º 663/2015-T que, com respeito ao exercício de 2011, foi julgado procedente pedido da ora Requerente idêntico, nas razões e factos invocados, para argumentar que, seguindo jurisprudência consolidada a respeito do n.º 2 do artigo 32.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que é manifesto que o seu teor literal indica que tão-só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece;
  6. Alega assim que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF foi violado, pois a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, quando estabelece um método nocional, com recurso a proporções assentes no valor dos activos, de determinação dos encargos financeiros supostamente (nocionalmente) suportados com a aquisição de partes de capital, por oposição a um critério de afectação directo (ou específico) e real, extravasa da base legal aplicável e, com isso, infecta com o vício de violação de lei as liquidações de imposto efectuadas em obediência a tal orientação genérica (invocando diversa doutrina e jurisprudência para o efeito);
  7. Invoca que a fórmula da mencionada Circular, ao recusar o método de afectação directa, ou real, encontra-se em violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva por não admitir prova ou demonstração em contrário (cfr. o princípio da proporcionalidade, acolhido pelos artigos 2.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa (“CRP”));
  8. Defende ainda que a aplicação da metodologia da Circular de segregação de encargos financeiros supostamente suportados com a aquisição de partes de capital não só viola o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, como ainda, nos dizeres inequívocos do referido acórdão, viola o princípio constitucional da reserva de lei da Assembleia da República para as matérias da incidência fiscal;
  9. Desta forma, defende que, uma vez que as partes de capital nas três sociedades acima referenciadas, cujos encargos financeiros acrescidos são representativos de 89% do valor total dos encargos financeiros acrescidos pela A… SGPS com referência ao exercício aqui em causa (participações na C…, na E… e na D…), resultaram de operações de entrada de capital em espécie, será forçoso concluir, à luz da Ficha Doutrinária da AT referente ao Processo n.º 2799/2009, despachado em 19 de Novembro de 2011, que não se está, no caso, perante aquisições para efeitos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF, pelo que será indevido o afastamento da dedução fiscal de quaisquer encargos alegadamente suportados (na verdade apenas nocionalmente suportados, conforme metodologia da Circular n.º 7/2004) com a aquisição daquelas participações - em concreto, será indevido por mais esta razão o afastamento da dedução fiscal do montante de € 10.816.990,43 (respeitante aos encargos financeiros acrescidos com referência à C…, à E… e à D…).
  10. Invoca ainda que enquanto que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, manda não deduzir encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, a mencionada Circular afasta os encargos financeiros na proporção dos activos correspondentes a partes de capital.
  11. Defende também a inconstitucionalidade orgânica do n.º 2 do artigo 32.º do EBF na suposta interpretação sufragada pelos n.ºs 7 e 8 da Circular da DSIRC n.º 7/2004, de 30 de Março, por violação do princípio constitucional da reserva de lei da Assembleia da República para as questões de incidência em matéria de impostos, constante dos artigos 103.º, n.ºs 2 e 3, e 165.º, n.º 1, al. i), da Constituição;
  12. Alega ainda a inconstitucionalidade material da lei na leitura para ela pretendida pelos n.ºs 7 e 8 da Circular n.º 7/2004, designadamente da norma constante do n.º 2 do artigo 32.º (anteriormente 31.º) do EBF, na interpretação segundo a qual autorizaria a segregação de encargos financeiros (alegadamente) indedutíveis de acordo com a fórmula constante dos pontos 7. e 8. da Circular da DSIRC n.º 7/2004, sem admissão de prova em contrário;
  13. A referida fórmula violaria o disposto no artigo 73.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e contraria o princípio constitucional da tributação “fundamentalmente do rendimento real” e, com ele, os princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da neutralidade (artigos 2.º – enquanto emanações do Estado de direito democrático – 13.º, 103.º, n.º 1, e 104.º, n.º 2, da CRP), padecendo por isso a norma legal interpretada nesta conformidade – o n.º 2 do artigo 32.º do EBF – de inconstitucionalidade material, também à luz da doutrina que se opõe a presunções inilidíveis no campo dos impostos, estabelecida pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97, proferido no processo n.º 63/96.
  14. No caso concreto, a fórmula imputa 89% dos encargos financeiros que associa a partes de capital cuja aquisição, nas circunstâncias do caso e por definição, não implicou qualquer financiamento (e que não resultou, tão pouco, sequer de uma aquisição à luz do conceito que a própria AT perfilha para o artigo 32.º do EBF na sua Ficha Doutrinária referente ao Processo n.º 2799/2009);
  15. Por último, a Requerente pediu que lhe fosse reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, por corresponder à concretização de um direito com base constitucional, previsto no artigo 22.º da CRP, alegando que há erro imputável aos Serviços, nos termos do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, segundo a redacção em vigor à data da apresentação do pedido de revisão oficiosa do acto da autoliquidação ora em crise;

 

  1. Por despacho arbitral de 14 de Agosto de 2017, o Tribunal notificou a Requerida para, nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 17.º do RJAT, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional, acrescentando que deveria ser remetido ao Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta, aplicando-se, na falta de remessa, o disposto no n.º 5 do artigo 110.º do CPPT.

 

  1. A Requerida apresentou resposta no dia 2 de Outubro de 2017 (e remeteu igualmente cópia do processo administrativo) concordando com a factualidade e defendendo-se por excepção, invocando em síntese:
  1. Que o Tribunal Arbitral é incompetente para a anulação da autoliquidação de IRC no concreto montante de € 3.056.662,62 e condenação da Requerida ao seu reembolso, atendendo à competência dos tribunais arbitrais prevista no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT bem como da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi do artigo 4.º do RJAT, o que consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, al. a), do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e) do RJAT.
  2. Que o Tribunal Arbitral é materialmente incompetente em função do valor subjacente ao pedido arbitral, pois o valor do pedido arbitral que efectivamente deve ser atendido ascende a € 12.226.650,46 ou, caso se atenda ao menor dos valores peticionados, a € 10.816.990,43 (correspondente aos encargos financeiros não deduzidos fiscalmente), nos termos do artigo 4.º, n.º 1, do RJAT e dos artigos 1.º e 3.º, n.º 1, ambos da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma excepção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, que determina a absolvição da instância nos termos do disposto nos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, al. a), do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.
  3.  Defendeu ainda a incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa, pois nos termos da al. a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT determina-se que a competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação da declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.
  4. E atendendo ao artigo 2.º, al. a), da Portaria n.º 112-A/2011, para que o presente Tribunal Arbitral pudesse pronunciar-se, sempre se impunha a precedência obrigatória de reclamação graciosa nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT.
  5. Defendeu ainda que outra interpretação, incluindo na autorização concedida o procedimento administrativo de revisão oficiosa, seria manifestamente ilegal, pois dos vários elementos hermenêuticos se alcança que a AT apenas se vinculou, nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, à jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração de ilegalidade de acto de autoliquidação tiver sido precedido de recurso à via administrativa de reclamação graciosa.
  6. Acresce que o entendimento supra pugnado, de que os litígios que tenham por objecto a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cfr. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cfr. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP], no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da AT.
  7. Conclui também assim pela impossibilidade de o presente Tribunal Arbitral decidir o presente litígio, na medida em que se verifica a excepção dilatória de incompetência material, de onde decorre a absolvição da instância da Requerida, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 278.º, n.º 1, al. a), e 576.º, nos. 1 e 2, do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.

 

  1. A Requerida defendeu-se ainda por impugnação, invocando em síntese:
    1. No acórdão n.º 663/2015-T, referente à autoliquidação de IRC de 2011, que a Requerente cita a seu favor (ainda não transitado em julgado), foi dito o seguinte (cfr. ponto 3.2. daquela decisão):

«Não se formula juízo probatório sobre a forma de aquisição das participações sociais detidas pela A… SGPS e encargos financeiros por ela eventualmente suportados com a sua aquisição, pois tal matéria não foi apreciada na decisão da reclamação graciosa que é o objecto imediato do processo e cujo conteúdo limita os poderes de cognição do Tribunal em contencioso de anulação.».

  1. O ónus da prova encontra-se acometido à Requerente (citando vária jurisprudência nesse sentido), não tendo a mesma junto nada de novo aos autos por forma a comprovar o por si alegado, designadamente para provar que nenhum financiamento obtido pela A… SGPS foi contratualmente destinado à aquisição das referidas participações sociais.
  2. A Requerente apenas alega que 89% (40% + 49%) dos encargos financeiros acrescidos se referem a participações em que supostamente não existe qualquer financiamento associado vindo, no entanto, peticionar, a final, a anulação de 100% dos encargos acrescidos, sem que avance qualquer outra justificação para a pretensa invalidade deste acréscimo dos 11% (100% - 89%), que não seja a (in)aplicabilidade da Circular.
  3. O regime do n.º 2 do artigo 32.º do EBF não exige que o financiamento esteja destinado «contratualmente» à aquisição de participações sociais, mas tão-somente que, directa ou indirectamente, seja destinado às referidas aquisições, cabendo à Requerente demonstrar esse destino.
  4. Se o regime especial consagrado no artigo 32.º do EBF era dirigido a todas as SGPS sem distinção, faltariam razões para, a final, apenas sujeitar à não dedutibilidade dos encargos financeiros aquelas sociedades em que fosse possível estabelecer uma identificação específica entre os financiamentos e a aquisição das participações sociais. Aliás, mal se compreenderia que, na formulação dos parâmetros delimitadores deste benefício fiscal, o legislador tivesse a intenção de obstaculizar a adopção do método indirecto para a determinação dos encargos financeiros não dedutíveis, pois, se o fizesse, estaria, na prática, a circunscrever a aplicação da última parte do n.º 2 do artigo 32.º às SGPS que actuassem como holdings puras, isto é aquelas cuja actividade se reconduzisse estritamente à detenção e gestão de participações sociais.
  5. As declarações da TOC da Requerente não têm valor probatório, até porque não foram apresentados os elementos contabilísticos que suportariam tais afirmações.
  6. Em relação a 11% dos encargos financeiros acrescidos (que corresponderiam, nos seus cálculos, a € 1.409.660,03), a Requerente não procura sequer justificar a pretensa invalidade do acréscimo, apenas invocando a ilegalidade das disposições da Circular n.º 7/2004 para pedir ao Tribunal que a «autorize» a deduzir fiscalmente todos e quaisquer encargos financeiros suportados com financiamentos relacionados com aquisições de participações sociais.
  7. A Requerente não faz prova de que 89% dos encargos financeiros acrescidos (que computa em € 10.816.990,43) digam respeito às participações sociais que refere.
  8. É defensável a conformidade legal e constitucional da Circular n.º 7/2004, pois não determinando, por um lado, o n.º 2 do artigo 31.º do EBF na redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30/12 (na redacção à data aplicável, n.º 2 do artigo 32.º do EBF), qual o método para a alocação dos encargos financeiros, e com vista a interpretar e dar cumprimento à lei - cujo escopo pretende penalizar os juros relacionados com a aquisição de partes de capital (e não outros juros de mútuos, que até poderiam ser geradores de proveitos tributáveis, tais como os relacionados com empréstimos concedidos, mas que, na falta da relação da indispensabilidade, não seriam fiscalmente dedutíveis), e com vista a obviar as dificuldades entretanto surgidas, foi emitida, pela DSIRC, a Circular n.º 7/2004, de 30/03, que mais não pretende que dar cumprimento à lei, determinando o método e a forma de cálculo dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes sociais.
  9. Não procedeu a Requerida à criação de qualquer norma de incidência fiscal, limitando-se o entendimento vertido na Circular n.º 7/2004, de 30/03, a tentar esclarecer as emergentes dúvidas sobre o regime fiscal aplicável às SGPS e às SCR, previsto no artigo 32.º do EBF, pelo que será igualmente de desconsiderar uma pretensa violação do princípio da tributação pelo lucro real invocada pela Requerente, a qual seria resultante da aplicação do método de imputação de encargos financeiros constante da Circular n.º 7/2004, de 30/03.
  10. Afigura-se inconstitucional o artigo 32.º, n.º 2 do EBF quando interpretado no sentido de que a exclusão da dedução dos encargos financeiros se circunscreve aos suportados com a obtenção de financiamento especificamente relacionado com a aquisição de partes de capital, porquanto tal é violador do princípio da igualdade tributária e do princípio da capacidade contributiva, ínsitos nos artigos 13.º, 103.º e 104.º, n.º 2, da CRP.
  11. Uma SGPS que desenvolva actividades não abrangidas pelo regime especial previsto no n.º 2 do artigo 32.º, do EBF, por força da conjugação deste preceito com a al. b) do n.º 3 do artigo 17.º do Código do IRC, está vinculada ao cumprimento do dever de separação ou autonomização das actividades sujeitas a regimes fiscais diferenciados, que, no contexto do regime fiscal especial da SGPS, implica a identificação dos encargos financeiros directa ou indirectamente relacionados com a aquisição das partes de capital visados pela exclusão de dedução para efeitos de proceder, sendo caso disso, ao respectivo acréscimo ao lucro tributável.
  12. Quanto ao pedido dos juros indemnizatórios, ainda que possa admitir-se, o que se faz por cautela e dever de patrocínio, sem conceder, o seu cômputo é apurado nos termos da al. c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT e não, nos termos dos nos. 1 e 2 daquele preceito legal, conforme resulta do peticionado pela Requerente.
  13. Consequentemente, nos termos da al. c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, os mesmos apenas são devidos um ano após a apresentação do pedido de reclamação graciosa[1] (apresentada em 2015-05-28), ou seja, a partir de 2016-05-29.

 

  1. Por despacho arbitral de 10 de Outubro de 2017, o Tribunal notificou a Requerente para responder à matéria de excepção, no prazo de dez dias. A Requerente submeteu a sua resposta à matéria de excepção, invocando o seguinte:
    1. O Tribunal é competente para a anulação parcial do acto de liquidação consubstanciada num concreto montante de imposto e determinação do seu reembolso, pois a segregação do montante da parte do acto tributário anulável e a condenação no reembolso consequencial a essa anulação, não constituem interferência alguma na área de competência da AT, e está entre os poderes de qualquer Tribunal que tenha competência para anular actos de liquidação, total ou parcialmente.
    2. Acresce que é irreconciliável com o reconhecimento (a que a AT também adere) de que entre os poderes do Tribunal está o da condenação em juros, a negação do poder, logicamente prévio, de condenação no reembolso do montante de imposto anulado.
    3. É consequentemente inconstitucional a leitura da norma, designadamente do artigo 2.º, n.º 1, e mais especificamente ainda, da sua al. a), do RJAT, que veja nela implícita essas exclusões, por violação do princípio do Estado de direito democrático e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigos 2.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da Constituição).
    4. No que respeita à competência em razão do valor, a Requerente formulou pedido de anulação de liquidação de imposto no montante de € 3.056.662,62 e o limite de competência da arbitragem tributária são € 10.000.000, havendo uma confusão por parte da AT entre pedido e causa de pedir.
    5. Quanto à competência em razão da submissão prévia da autoliquidação a procedimento administrativo de apreciação da sua legalidade, a Portaria de vinculação da AT está sujeita às mesmas regras interpretativas a que estão sujeitas todas as leis e normas jurídicas.
    6. A questão da interpretação do artigo 2.º, al. a), da Portaria n.º 112 A/2011, de 22 de Março, não é privativa desta norma. Ela é muito mais antiga, e data, pelo menos, da aprovação do CPPT, onde consta o artigo 131.º, para o qual remete o preceito da Portaria aqui em causa, donde que se tenha dificuldade em compreender como, em face do meio paralelo à impugnação judicial que é a arbitragem tributária, e perante remissão pela Portaria de vinculação à arbitragem tributária para o artigo 131.º do CPPT, se pretenda receber esta norma na arbitragem, mas rejeitar o acquis jurisprudencial que a seu propósito se formou e que nos diz que, não obstante a sua formulação, não é inimpugnável o acto de liquidação precedido do procedimento administrativo de revisão oficiosa, tratando-se assim de uma questão de unidade do sistema jurídico.

 

  1. Também por despacho arbitral de 25 de Outubro de 2017, o Tribunal dispensou a realização da audiência prevista no artigo 18.º do RJAT, devendo o processo seguir para a fase de alegações finais, e notificando-se ambas as partes para, no prazo de quinze dias, a partir da notificação do presente despacho, produzirem, querendo, alegações escritas com carácter sucessivo. Designou-se ainda o dia 10 de Fevereiro de 2018 como prazo limite para prolação da decisão arbitral em nome do princípio da colaboração das partes solicitou-se o envio das peças processuais em versão Word.

 

  1. A Requerente apresentou as suas alegações escritas a 7 de Novembro de 2017, mantendo, no essencial, os argumentos vertidos nos articulados iniciais e resposta às excepções, acrescentando, contudo, o seguinte:
    1. Defende que é ponto assente na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (“STA”) que mesmo no caso de uma autoliquidação que tenha aplicado a Circular n.º 7/2004, o ónus de demonstrar, e de demonstrar sempre por referência às circunstâncias do caso concreto, que não há alternativa ao método formulaico-presuntivo da Circular, recai sobre a AT.
    2. Refere ainda que tal conclusão acerca do ónus da prova resulta do facto de que a parte de uma autoliquidação comandada pelo que a AT determina na Circular n.º 7/2004 é materialmente falando da inteira responsabilidade da AT, estando neste plano material ou da substância no mesmo pé de uma liquidação da iniciativa da AT.

 

  1. A 22 de Novembro de 2017, a Requerente juntou um acórdão do Tribunal Constitucional, que julgou improcedente questão de inconstitucionalidade suscitada pela Requerida em termos idênticos aos suscitados nos presentes autos (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 750/2017, referente ao acórdão arbitral proferido no processo n.º 663/2015-T).

 

  1. A Requerida apresentou alegações escritas sucessivas a 24 de Novembro de 2017, mantendo, no essencial, os argumentos vertidos nos articulados iniciais, por remissão para os mesmos, acrescentando ainda que do acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, junto pela Requerente em requerimento subsequente às suas alegações, não decorre o por si pretendido.

 

  1. No dia 6 de Fevereiro de 2018, foi proferido despacho arbitral prorrogando o prazo da arbitragem por dois meses e indicando-se como data limite para ser proferida a decisão o dia 10 de Abril de 2018, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2, do RJAT, uma vez que não foi possível proferir decisão arbitral no prazo de seis meses (segundo o estatuído no n.º 1 do mesmo artigo) por este incluir períodos de férias judiciais e dada a complexidade do próprio processo.

 

 

  1. SANEAMENTO

 

 

13) As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigo 4.º e n.º 2 do artigo 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

13)1. Competência do Tribunal.

Suscita a Requerida, na sua resposta, a excepção da incompetência do Tribunal Arbitral: i) para apreciar pedido de condenação em reembolso; ii) em função do valor; iii) para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa. 

 

Cumpre analisar e decidir.

 

  1. Quanto à excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar pedido de condenação em reembolso

A Requerida suscitou, na contestação, a incompetência do Tribunal Arbitral para a anulação da autoliquidação de IRC, no concreto montante de € 3.056.662, 62, e condenação ao seu reembolso, face ao disposto no n.º 1 do artigo 2.º, e artigo 4.º do RJAT e na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

Alega a Requerida que a competência dos tribunais arbitrais é, desde logo, circunscrita às matérias indicadas no n.º 1 do artigo 2.º do RJAT, decorrendo a competência destes não só dessa disposição legal mas, ainda, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ex vi artigo 4.º do RJAT. Assim sendo, para além da competência para a apreciação directa da legalidade de pedidos deste tipo, poderão os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar actos de segundo ou de terceiro grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, designadamente de actos que decidam reclamações graciosas e recursos hierárquicos, como resulta das referências da al. a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT ao n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, que se reporta à impugnação judicial de reclamações graciosas, e à "decisão do recurso hierárquico".

Ora, é para si manifesto que não se insere no âmbito destas competências a apreciação do pedido de reconhecimento do direito formulado pela Requerente, na parte em que apura e peticiona, com referência a 2014, a devolução do eventual imposto correspondente às correcções à matéria colectável que pretende ver relevadas a seu favor (acrescido dos correspondentes juros indemnizatórios).

Inexiste, na ótica da Requerida, qualquer suporte legal que permita que sejam proferidas condenações de outra natureza que não as decorrentes dos poderes fixados no RJAT, ainda que constituíssem consequência, a nível de execução de julgados, da declaração de ilegalidade de actos de liquidação.

Como decorre do previsto no artigo 24.º do RJAT, a definição dos actos em que se deve concretizar a execução de julgados arbitrais compete, em primeira linha, à AT, com possibilidade de recurso aos tribunais tributários para requerer coercivamente a execução, no âmbito do processo de execução de julgados, previsto no artigo 146.º do CPPT e artigos 173.º e ss. do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Conclui-se, assim, que a incompetência material do Tribunal para a apreciação do pedido identificado supra consubstancia uma excepção dilatória que obsta ao prosseguimento do processo, conducente à absolvição da instância quanto à pretensão em causa, de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 576.º, e al. a) do artigo 577.º do CPC, aplicáveis ex vi al. e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Confrontada com a excepção de incompetência do Tribunal, em razão da matéria, a Requerente apresentou resposta invocando, em síntese, que tem a seu favor centenas de processos arbitrais onde se têm visto centenas de condenações da AT no reembolso do imposto anulado (quando este tenha sido pago, naturalmente), pelo que o tema é pacífico no sentido da competência.

Segundo a Requerente “não se concebe que o Tribunal não esteja investido de poderes para condenar no reembolso, posto que, evidentemente, as partes lhe indiquem em concreto o montante da liquidação cuja legalidade se discute, caso contrário terá de ser diferida para execução de sentença a determinação do exacto montante a anular e a reembolsar. Mas só nesse caso.

E a AT tem todo o direito de contestar essa quantificação, se entender que foi mal feita, quer na precedente fase administrativa, quer na presente fase arbitral, e depois o Tribunal decidirá, com ou sem mais pedidos de explicação sobre o cálculo de que necessite, e se não ficar esclarecido sobre essa eventual controvérsia relativa à quantificação, mas só nesse caso, deverá então remeter para execução de julgado a melhor dilucidação da mesma. (…)”

A Requerente conclui que “Esta visão, esta interpretação dos poderes do Tribunal Arbitral, a norma constante do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT nesta interpretação da AT, de que impediria o Tribunal Arbitral quer de anular um concreto montante de imposto, quer de condenar a AT ao seu reembolso, é inconstitucional, por violação dos princípios do Estado de direito democrático e do princípio da tutela jurisdicional efectiva (artigos 2.º, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, e 268.º, n.º 4, da Constituição)”.

Vejamos.

Como vimos, na petição inicial, a Requerente termina formulando o seguinte pedido: “Nestes termos, deve ser declarada a ilegalidade do indeferimento tácito do recurso hierárquico e do indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa supra melhor identificados e, bem assim, a ilegalidade parcial da autoliquidação de IRC do grupo fiscal B… relativa ao exercício de 2010, no que respeita ao montante de € 3.056.622, 62, com a sua consequente anulação nesta parte, atenta a manifesta ilegalidade da liquidação nesta parte, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à requerente desta quantia, acrescidos de juros indemnizatórios à taxa legal contados desde 31 de Maio de 2011 até integral reembolso”

Na autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, proclama-se, como diretriz primacial da instituição da arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária, que “o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária”.

O processo de impugnação judicial é um meio processual que tem por objecto actos em matéria tributária, visando apreciar a sua legalidade e decidir se deve ser anulado ou ser declarada a sua nulidade ou inexistência, como decorre do artigo 124.º do CPPT.

Pela análise dos artigos 2.º e 10.º do RJAT, verifica-se que apenas se incluíram nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD questões da legalidade de actos de liquidação ou de actos de fixação da matéria tributável e actos de segundo grau que tenham por objecto a apreciação da legalidade de actos daqueles tipos, actos esses cuja apreciação se insere no âmbito dos processos de impugnação judicial, como resulta das alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT.

O legislador não implementou na autorização legislativa no que concerne à parte em que se previa a extensão das competências dos tribunais arbitrais as questões que são apreciadas nos tribunais tributários através de acção para reconhecimento de um direito ou interesse legítimo.

Mas, em sintonia com a intenção subjacente à autorização legislativa de criar um meio alternativo ao processo de impugnação judicial, deverá entender-se que, quanto aos pedidos de declaração de ilegalidade de actos dos tipos referidos no seu artigo 2.º, os tribunais arbitrais que funcionam no CAAD têm as mesmas competências que têm os tribunais estaduais em processo de impugnação judicial, dentro dos limites definidos pela vinculação que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a fazer através da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ao abrigo do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT.

Embora o processo de impugnação judicial tenha por objeto primacial a declaração de nulidade ou inexistência ou a anulação de actos dos tipos referidos, tem-se entendido pacificamente que nele podem ser proferidas condenações da Administração Tributária e Aduaneira a pagar juros indemnizatórios e a indemnização por garantia indevida.

Na verdade, apesar de não existir qualquer norma expressa nesse sentido, tem-se vindo pacificamente a entender nos tribunais tributários, desde a entrada em vigor dos códigos da reforma fiscal de 1958-1965, que pode ser cumulado em processo de impugnação judicial pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios com o pedido de anulação ou de declaração de nulidade ou inexistência do acto, por nesses códigos se referir que o direito a juros indemnizatórios surge quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, a administração seja convencida de que houve erro de facto imputável aos serviços[2]. Este regime foi, posteriormente, generalizado no CPPT, que estabeleceu no n.º 1 do artigo 24.º que “haverá direito a juros indemnizatórios a favor do contribuinte quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determine que houve erro imputável aos serviços”, a seguir na LGT, em cujo n.º 1 do artigo 43.º, se estabelece que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido” e, finalmente, no CPPT, em que se estabeleceu, no n.º 2 do artigo 61.º (a que corresponde o n.º 4 na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro), que “se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea”.

Assim, à semelhança do que sucede com os tribunais tributários em processo de impugnação judicial, este Tribunal Arbitral é competente para apreciar os pedidos de reembolso da quantia paga e de pagamento de juros indemnizatórios.

Também é inequívoco que nos processos de impugnação judicial é possível apreciar pedidos de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, pois o artigo 171.º do CPPT, estabelece que “a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda” e que “a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência”.

Assim, é inequívoco que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e até é, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral tem como corolário passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a “legalidade da dívida exequenda”, pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, “é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida”.

Por outro lado, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira, a competência para executar os julgados proferidos pelos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD cabe, em primeira linha, à própria Autoridade Tributária e Aduaneira, como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 24.º do RJAT ao dizer que “a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta...”.

Esta separação constitui característica de um contencioso meramente anulatório como é o do CPPT e, no caso dos processos arbitrais, encontra especial fundamento no facto de os tribunais arbitrais não terem qualquer competência para apreciar litígios que ocorram na fase de execução de julgados (o que acontece, aliás, em relação aos tribunais arbitrais em geral).

Assim, a haver discordância entre a Autoridade Tributária e Aduaneira e os sujeitos passivos sobre a forma de execução de julgados, são os tribunais tributários os competentes para a sua apreciação, já que não são atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD competências em processos de execução de julgados e os tribunais arbitrais dissolvem-se na sequência da decisão arbitral, como decorre do artigo 23.º do RJAT.

Isto posto, dentro dos limites fixados, os tribunais arbitrais têm competência para apreciar pedidos de reembolso de imposto indevidamente pago.

Constitui jurisprudência pacífica que os tribunais arbitrais têm competência para apreciar pedidos de juros indemnizatórios. Ora, essa apreciação não pode deixar de envolver o pedido de reembolso do imposto indevidamente pago, atendendo à indissociabilidade dos mesmos: o direito a juros, a existir, incide sobre a quantia a reembolsar.

Assim sendo, quando o montante a reembolsar resulta claramente identificado na sequência da anulação do acto tributário, não podemos deixar de admitir a competência do tribunal para o pedido de reembolso, por o mesmo ainda se compreender nos poderes de anulação. 

Diferentemente se passam as coisas nos casos em que haja divergência quanto ao montante a reembolsar, devendo então a concretização do mesmo ser relegada para a fase de execução de sentença, por esta pertencer de facto à esfera da AT.

Também não se inclui na competência dos tribunais arbitrais os litígios que incidam sobre a existência ou não de direito ao reembolso, por se tratar claramente num pedido de reconhecimento de direitos.

No caso dos autos, a Requerente indicou em concreto o montante da liquidação que reputa de ilegal e a Requerida não o contestou, quer na fase administrativa, quer na contestação, limitando-se a arguir “a incompetência do Tribunal Arbitral para a anulação da autoliquidação de IRC no concreto montante de € 3.056.662,62 e condenação da requerida no seu reembolso.

Neste contexto, afigura-se legítimo que a Requerente reclame o reembolso da quantia peticionada na sequência da anulação parcial dos actos de autoliquidação. O que não impede que, sobrevindo eventual dúvida sobre o montante peticionado, o mesmo possa ser dirimido em sede de execução de sentença.

Assim sendo, pelo supra exposto, o caso dos autos não implica qualquer violação da limitação que resulta de o âmbito do processo de impugnação judicial e dos processos arbitrais se restringir às questões da legalidade dos actos dos tipos referidos no artigo 2.º, que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011, não podendo, designadamente, definir os termos em que devem ser executados julgados anulatórios que vierem a ser proferidos.

Julga-se, em consequência, improcedente a excepção de incompetência material do Tribunal Arbitral.

 

B. Quanto à incompetência do Tribunal Arbitral em função do valor.

A Requerida invocou, em sede de contestação, que o que Requerente pretende submeter a Tribunal “é a legalidade da parte do referido ato de autoliquidação que reflete a não dedução fiscal de encargos financeiros no montante de € 12.226.650,46 (em especial no que se refere à parcela de € 10.816.990,43).”.

O que significa que o valor do pedido arbitral que efectivamente deve ser atendido ascende a € 12.226.650,46 ou, caso se atenda ao menor dos valores peticionados, a € 10.816.990,43, o que determina a incompetência material do Tribunal Arbitral.

Com efeito, determina-se no n.º 1 do artigo 3.º da Portaria n.º 112-A/2011de 22 de Março, que prescreve o regime de vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais, que:

«A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000.».

Em réplica, a Requerente pugnou pela improcedência da invocação da mencionada excepção.

Nos termos do previsto no artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT (aplicável por força do disposto no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária), quando é impugnada uma liquidação o valor da causa corresponde à “importância cuja anulação se pretende”.

No presente processo a Requerente pede (no artigo 15.º do Pedido), entre o mais, que seja declarada, a ilegalidade parcial do acto de autoliquidação, “mais concretamente no que concerne à parte que reflecte a não dedução fiscal de encargos financeiros no montante de € 12.226.650,46 (em especial no que se refere à parcela de € 10.816.990,43, como se verá a seguir), aos quais corresponde um montante de imposto indevidamente liquidado no exercício de 2010 no valor de € 3.056.662,62 (€ 2.704.247,61, no que se refere em especial à parcela de € 10.816.990,43).

A Requerente termina pedindo, em relação à autoliquidação relativa ao exercício de  IRC de 2010 que seja “declarada a ilegalidade parcial desta autoliquidação (e ser consequentemente anulada), na parte correspondente ao montante de € 3.056.662,62”.

Não oferece dúvida que temos de distinguir, por um lado, o valor de €12.226.650,46, que corresponde à causa de pedir, que radica na não consideração de encargos financeiros naquele montante, e, por outro, o montante de imposto indevidamente liquidado e que a Requerente pretende reaver, no montante de € 3.056.662,62.

O valor da causa coincide, assim, com a utilidade económica decorrente da anulação, correspondendo esta ao montante de imposto indevidamente liquidado no exercício de 2010, no valor de €3.056.662, 62.

            Improcede, em consequência, a excepção de incompetência invocada pela Requerida.

 

C. Quanto à incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa. 

A este respeito a AT sustenta, em suma, que o artigo 2.º, al. a), da Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, mediante a qual ficou vinculada à jurisdição arbitral, exclui as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa, nos termos previstos nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, aí não se referindo a revisão oficiosa prevista no artigo 78.º da LGT.

Entendimento que, para a AT, além do elemento literal, se impõe por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como da legalidade (cf. artigos 3.º, n.º 2, e 266.º, n.º 2, ambos da CRP), como corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a atividade da AT” (artigo 70.º da Resposta). “Efetivamente, a vinculação da AT à tutela arbitral necessária, na qual vigora o princípio da irrevogabilidade das decisões, pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adotar o comportamento potencialmente adequado a procurar efetivá-la” (artigo 72.º da Resposta). 

Em suma, segundo a Requerida é constitucionalmente vedada, por força, dos princípios constitucionais mencionados, uma interpretação que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente.

A Requerente, em exercício do contraditório que lhe foi concedido quanto à excepção, defendeu a sua improcedência invocando jurisprudência do CAAD em sentido divergente ao sustentado pela AT.

Vejamos.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeira linha, balizada pelas matérias indicadas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20/1 (RJAT). Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que AT foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22/3, já que o artigo 4.º do RJAT estabelece que “a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos”.

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos e da natureza desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele artigo 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação, estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral. Ou seja, o âmbito (…) dos processos arbitrais restringe-se às questões da legalidade dos atos dos tipos referidos no artigo 2.º [do RJAT] que são abrangidos pela vinculação que foi feita na Portaria n.º 112-A/2011 (…), cfr. Ac. TCAS de 28/4/2016 (proc. 09286/16, relatora: Anabela Russo).

Sucede que na al. a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, são expressamente excluídos do âmbito da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as “pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”. Ou seja, comparando a Portaria de vinculação com o RJAT, aquela é mais exigente do que este, por acrescentar um requisito para delimitar abstratamente o objeto da vinculação da AT à jurisdição arbitral.

Como ficou consignado na Decisão Arbitral relativa ao Processo n.º 143/2016-T “A respeito da natureza da portaria há quem entenda que aí reside fundamentalmente um acto decisório da Administração, de manifestação voluntária de consentimento à vinculação ao RJAT, e nas restrições ao objeto uma “limitação concreta”, ainda que “manifestada em termos de disposição genérica” (cfr. foi entendimento maioritário no Ac. 236/2013 de 22/4/2014, ou 364/2014 de 19/12/2014, ambos do CAAD). Há por outro lado quem deixe transparecer um entendimento mais regulamentar (normativo) da portaria (jurisprudência maioritária)”.

Sobre o sentido e alcance da referida Portaria pode ler-se, entre o mais, na Decisão Arbitral n.º 116/2016-T “(…) o que carece de especial labor interpretativo é a exigência de “via administrativa” necessária (prévia), “nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

Desde logo, em obediência a esses mesmos “termos”, previstos no art. 131.º CPPT, o requisito de via administrativa prévia será apenas aplicável aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa. De facto, no caso de autoliquidações, exige-se a reclamação graciosa, mas apenas em casos de erros que não se fundem exclusivamente em matéria de direito, e em que as autoliquidações hajam sido efetuadas de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária (cfr. n.º 1 e n.º 3 do art. 131.º CPPT)[3].

O sentido útil da portaria, face ao estabelecido no RJAT, a vontade do legislador, foi o de assegurar que o contribuinte não recorre ao Tribunal “(…) antes de qualquer tomada de posição da administração sobre a situação gerada com o ato do contribuinte (…) pois não é detetável, ainda, qualquer litígio”[4]|[5]. Assim se percebe que sejam excluídos da exigência de reclamação os casos previstos no art. 131.º n.º 3 CPPT, visto que nesses a AT já se pronunciou, a priori, através de “orientações genéricas”.

Regressando ao pedido de pronúncia arbitral, o mesmo surge como culminar de um processo iniciado com um pedido de revisão oficiosa, expressamente indeferido, seguido de um recurso hierárquico, tacitamente indeferido.

No caso sub judice o contribuinte não recorreu, portanto, a uma “reclamação graciosa”, antes recorreu diretamente ao pedido de revisão. Acontece que nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação, é igualmente proporcionada à AT, com esse pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do contribuinte, antes de este recorrer à via jurisdicional. No caso em apreço, a Requerida teve ainda essa oportunidade no recurso hierárquico.  

Logo, por “coerência com as soluções adotadas nos n.ºs 1 e 3 do art. 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de atos de autoliquidação, pois estes são expressamente referidos no n.º 2 do artigo 78.º da LGT. Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de atos de autoliquidação e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa[6] (…) não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do ato tributário em vez da reclamação graciosa” [7].

Face ao exposto, conclui-se[8] que a portaria n.º 112-A/2011, ao referir expressamente o art. 131.º do CPPT quanto a pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, disse imperfeitamente o que pretendia. Querendo impor a apreciação administrativa necessária à impugnação contenciosa de actos de autoliquidação, acabou por fazer referência expressa ao artigo 131.º, esquecendo-se que esta via não esgota as possibilidades de apreciação administrativa desses actos. A interpretação sufragada é a interpretação a que melhor traduz a vontade do “legislador” e que não colide quaisquer princípios constitucionais, nem põe em crise a “indisponibilidade dos créditos tributários”.

“Aliás a invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários será possivelmente um lapso, já que ao decidir sobre a sua competência, relevante apenas enquanto pressuposto processual, o Tribunal Arbitral não está seguramente a praticar qualquer acto de disposição de um crédito tributário, no sentido do invocado artigo 30.º, n.º 2, LGT.”

De resto, nem sequer se vislumbra qual o crédito a que a AT se refere, uma vez que, no presente processo estão em causa apenas actos de autoliquidação de IRC que já foi pago pelo contribuinte, e não a pretensão de cobrança de qualquer crédito tributário. Com efeito, estão já extintos, pelo pagamento, os créditos que justificaram as autoliquidações, e não se alega existir qualquer outro crédito da AT sobre a Requerente, relacionado com as autoliquidações em causa.

Por outro lado, excluir a jurisdição arbitral apenas porque o meio utilizado devia ter sido uma reclamação prévia graciosa seria violar os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva.

Com efeito, como vimos, a regra, quer para a impugnação judicial, quer para a arbitragem, é que se submetam ao crivo da AT todos aqueles actos relativamente aos quais esta entidade ou ainda não se pronunciou ou ainda não teve qualquer intervenção, razão pela qual lhe deve ser dada a oportunidade para se pronunciar antes de o Tribunal judicial ou arbitral se pronunciar quanto à sua legalidade.

É, assim, manifesta a equiparação entre o pedido de revisão do acto tributário à reclamação graciosa sobre actos de autoliquidação, retenção na fonte e de pagamento por conta. Na verdade, como ficou consignado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Pleno da seção do CT, processo n.º 0793/2014), de 3 de junho de 2015, “(…) o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando for usado em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação)…”.

Na senda do mencionado Acórdão, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu que “o Indeferimento, tácito ou expresso, do pedido de revisão é suscetível de controlo judicial [cfr. art. 95.º, n.ºs 1 e 2, al. d), da LGT]”.

É, hoje, jurisprudência consolidada que, podendo a AT, por sua iniciativa, proceder à revisão oficiosa do acto tributário, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços (artigo 78.º, n.º 1, da LGT), também o contribuinte pode, naquele prazo da revisão oficiosa, pedir esta mesma revisão com aquele fundamento.

Em suma, o pedido de revisão oficiosa do acto tributário é um mecanismo de abertura da via contenciosa perfeitamente equiparável à reclamação graciosa necessária, porquanto serve o propósito de permitir que a AT se pronuncie sobre os actos de autoliquidação.

Pelos fundamentos expostos improcede o argumento da AT no sentido da inconstitucionalidade do artigo 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, na interpretação sufragada por este Tribunal. Neste sentido, ver entre outras, a Decisão Arbitral proferida no processo n.º 577/2016-T e, bem assim, a Decisão Arbitral proferida no Processo n.º 668/2016-T.

Termos em que improcede, assim, esta excepção de incompetência.

 

  1. DO MÉRITO

 

III.1. Matéria de facto

III.1.1. Factos provados

  1. Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
  1. A Requerente era, à data dos factos, sociedade dominante do Grupo B…, tendo a 31 de Maio de 2011 procedido à entrega da declaração de rendimentos Modelo 22 com referência ao exercício de 2010 do mencionado grupo. Nessa autoliquidação de IRC (incluindo derrama estadual) e derrama municipal consequente, afastou a dedução fiscal de encargos financeiros num montante que ascendeu a € 12.226.650,46. A Requerente apresentou ainda Modelo 22 de substituição sem alterações no que aqui se discute (cfr. Documentos n.º 2 e 3, junto ao pedido de pronúncia arbitral).
  2. Em 28 de Maio de 2015, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da referida autoliquidação respeitante ao exercício de 2010 (Documento n.º 4), pedido esse indeferido por despacho de 11 de Novembro de 2016 da Exma. Senhora Subdirectora-Geral da Área de Gestão Tributária – Impostos sobre o Rendimento, notificado em 21 de Novembro de 2016 (cfr. Documentos n.º 4, 5 e 6, junto ao pedido de pronúncia arbitral).
  3. Em reacção ao mencionado indeferimento, a Requerente apresentou recurso hierárquico em 21 de Dezembro de 2016 (Cfr. Documento n.º 7, junto ao pedido de pronúncia arbitral), não havendo até à data decisão do recurso hierárquico.
  4. Na sua declaração modelo 22 individual relativa ao mesmo exercício de 2010, a Requerente acresceu, para efeitos de apuramento do seu lucro tributável/resultado fiscal, o montante de € 12.226.650,46 a título de encargos financeiros supostamente não dedutíveis fiscalmente ao abrigo do artigo 32.º, n.º 2, do EBF (cfr. Documento n.º 8, junto ao pedido de pronúncia arbitral).
  5. Tal afastamento no exercício de 2010 da dedução fiscal de encargos financeiros no montante de € 12.226.650,46 foi efectuado nos termos do disposto na Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, e a sua imputação pelas participações sociais (ou partes de capital) detidas pela Requerente com que se relacionam nocionalmente à luz da metodologia da referida Circular, é conforme o quadro infra (cfr. Documentos n.º s 10 e 27 juntos ao pedido de pronúncia arbitral):

 

2010

C…

5.942.431,12

D…

4.100.960,71

E…

773.598,61

F…

505.709,09

G…

437.459,53

H…

329.955,58

Acções próprias

108.644,56

I…

23.333,88

J…

2.531,89

K…

1.012,76

L…

506,38

M…

506,38

Total

12.226.650,46

 

  1. As participações sociais detidas pela Requerente (cujos encargos financeiros acrescidos são representativos de 89% do valor total dos encargos financeiros acrescidos pela Requerente, nos termos do quadro supra) não foram objecto de aquisição geradora de qualquer consumo ou mobilização de recursos (financiamento), próprios ou alheios, o que resulta provado no seguinte quadro-síntese:

Firma Actual

NIPC

Constituição

Evolução Societária Relevante

Documentos relevantes juntos ao Pedido de Pronúncia Arbitral

A…, SGPS, S.A.

(Requerente)

  • Constituída a 18-08-1994, por cisão simples da N…

 

  • Firma inicial: C…, S.A.
  • Alteração de firma para a actual registada a 15-01-2007: passou a ter por objecto único a gestão de participações sociais, e passou a adoptar a denominação actual após a constituição das sociedades infra
  • Documento n.º 14 - Certidão permanente do registo comercial da A…SGPS (cfr. Insc…. AP. 2/… -   ALTERAÇÕES AO CONTRATO DE SOCIEDADE)
  • Documento n.º 15 - Certidão permanente do registo comercial da N… (cfr. Insc…. Ap.06/… - CISÃO SIMPLES)
  • Documento n.º 16 - Publicação no Diário da República do acto de constituição da actual A…SGPS
  • Documento n.º 19 - Resolução do Conselho de Ministros n.º 85/2006, de 30 de Junho (Ponto 5)
  • Documento n.º 22 - Escritura de aumento de capital/entrada de activos  C…S.A. (2007)

C…, S.A.

  • Constituída a 25-09-2006
  • Firma inicial: P…, S.A.
  • De acordo com a Resolução do Conselho de Ministros, deveria ter sido constituída por cisão ou destaque dos activos respeitantes à concessão da rede nacional de transporte de … (RNT), mas foi por entrada em dinheiro
  • Alterou a firma para a actual a 15-01-2007 e aumentou o capital, integralmente subscrito pelo destaque da unidade económica afecta à concessão da RNT
  • Documento n.º 19 - Resolução do Conselho de Ministros n.º 85/2006, de 30 de Junho (Ponto 3, c))
  • Documento n.º 20 - Certidão permanente do registo comercial da C…S.A. (cfr. Insc…. AP. …/2006… - contrato de sociedade e designação de membro(s) de órgão(s) social(ais); e Insc… AP. …/2007… - aumento do capital e alteração ao contrato de

sociedade)

  • Documento n.º 21 - Escritura de constituição da C… S.A. (2006)
  • Documento n.º 22 - Escritura de aumento de capital/entrada de activos C… S.A. (2007)

 D…, S.A.

  • Constituída a 26-09-2006
  • O capital foi realizado em espécie, com a entrada dos activos inicialmente afectos às concessões de que veio a ser titular (conjunto de bens corpóreos, direitos e obrigações afectos à rede nacional de transporte de gás natural em alta pressão)

 

  • Documento n.º 19 - Resolução do Conselho de Ministros n.º 85/2006, de 30 de Junho (Pontos 3, a) e 6)
  • Documento n.º 23 - Escritura de constituição da D…
  • Documento n.º 24 - Adenda à escritura de constituição da D…

E…, S.A.

  • Constituída a 26-09-2006
  • O capital foi realizado em espécie, com a entrada dos activos inicialmente afectos às concessões de que veio a ser titular (conjunto de bens corpóreos, direitos e obrigações que integram as instalações de armazenamento subterrâneo de gás natural, sitas em ..)

 

  • Documento n.º 19 - Resolução do Conselho de Ministros n.º 85/2006, de 30 de Junho (Pontos 3, a) e 6)
  • Documento n.º 25 - Escritura de constituição da E…

 

 

g) A sociedade C…, S.A. foi constituída pela Requerente com um capital de € 50.000,00, realizado em dinheiro, integralmente subscrito e depositado em instituição bancária (cfr. Documentos 20 e 21, juntos ao pedido de pronúncia arbitral).

 

15) Fundamentação da matéria de facto

            A factualidade provada teve por base a posição assumida pelas Partes e não contestada e a análise dos documentos junto aos autos pela Requerente, que não foram impugnados, com excepção das declarações emitidas pela TOC (cfr. Documentos n.ºs 10 e 27, juntos ao pedido de pronúncia arbitral). Contudo, há que notar que tais declarações consistem numa mera explicação da contabilidade subjacente ao preenchimento da Declaração Modelo 22 individual.

Ora, nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LGT, presumem-se verdadeiras e de boa-fé quer as declarações dos contribuintes, quer os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade e escrita, sendo certo que não se verifica qualquer das situações previstas no n.º 2 do mesmo artigo, e que a Requerida não colocou em causa a veracidade de tal contabilidade (e muito menos satisfez o ónus da prova que lhe incumbia, pois não invocou quaisquer indícios que abalassem tal presunção), impugnando apenas o valor probatório das mencionadas declarações.

Não se pode igualmente deixar de considerar que nos termos do artigo 2.º do Código Deontológico da Ordem dos Contabilistas Certificados, “No exercício da profissão, os contabilistas certificados devem respeitar as normas legais e os princípios contabilísticos em vigor, adaptando a sua aplicação à situação concreta das entidades a quem prestam serviços, pugnando pela verdade contabilística e fiscal, evitando qualquer situação que ponha em causa a independência e a dignidade do exercício da profissão”. Ora, a Requerida não apresentou qualquer indício de que a TOC actuou em desrespeito pelo Código Deontológico que lhe é aplicável, demonstrando indícios de falsidade das declarações por esta feita no exercício da sua profissão.

Consequentemente, os Documentos n.ºs 10 e 27 juntos ao pedido de pronúncia arbitral foram igualmente admitidos por este Tribunal Arbitral.

 

III.1.2. Factos não provados

            Inexistem outros factos com relevo para a apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

 

III.2. Matéria de Direito

III.2.1 Questões controversas

A principal questão controversa no caso sub judice reporta-se ao regime aplicável aos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, podendo dividir-se nas seguintes sub-questões:

  1. saber se a Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC é ilegal, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF;
  2. saber se mesmo no caso de uma autoliquidação que tenha aplicado a referida Circular o ónus de demonstrar, e sempre por referência às circunstâncias do caso concreto, que não há alternativa ao método formulaico-presuntivo da Circular, recai sobre a AT ou o contribuinte;
  3. se o artigo 32.º, n.º 2, do EBF é inconstitucional, quando interpretado no sentido de que a exclusão da dedução dos encargos financeiros se circunscreve aos suportados com a obtenção de financiamento especificamente relacionado com a aquisição de partes de capital, por violação do princípio da igualdade tributária e do princípio da capacidade contributiva, ínsitos nos artigos 13.º, 103.º e 104.º, n.º 2, da CRP;
  4. se a mencionada Circular é inconstitucional, ao recusar o método de afectação directa, ou real, encontrando-se em violação do princípio da igualdade e da capacidade contributiva por não admitir prova ou demonstração em contrário (cfr. o princípio da proporcionalidade, acolhido pelos artigos 2.º e 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP); e
  5. se a Circular é inconstitucional, por violar o princípio constitucional da reserva de lei da Assembleia da República para as matérias da incidência fiscal.

 

Em caso de procedência do pedido de anulação da autoliquidação sub judice, é ainda questão controversa o cômputo dos juros indemnizatórios peticionados pela Requerida.

Tendo a Requerente imputado diversos vícios ao acto tributário impugnado há que determinar a ordem do conhecimento dos mesmos, devendo ser observada a ordem do artigo 124.º do CPPT, aplicável por força do artigo 29.º, n.º 1, al. a), do RJAT (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico Da Arbitragem Tributária”, in Guia da Arbitragem Tributária, Coord. Nuno Villa-Lobos e Mónica Brito Vieira, 2013, Almedina, Coimbra, p. 202).

A procedência de qualquer dos vícios invocados pela Requerente conduzirá à anulação do acto tributário. Desta forma, o estabelecimento de uma ordem de conhecimento de vícios no contencioso tributário, nos termos previstos naquele artigo 124.º, tem ínsito o entendimento legislativo de que, se for julgado procedente algum vício que confira estável e eficaz tutela dos direitos do contribuinte, fica prejudicado, por inútil, o conhecimento de outros vícios que sejam imputados ao acto impugnado, já que, se fosse sempre necessário conhecer de todos os vícios, seria indiferente a ordem do seu conhecimento.

Uma vez que o vício de violação de lei é aquele que conduzirá à “mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos”, na medida em que a sua eventual procedência impedirá a renovação do acto, o que não sucede com a anulação decorrente dos demais vícios, os vícios serão conhecidos pela ordem supra.

 

III.2.3. Ilegalidade da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da DSIRC, por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF

 

Estabelecia o artigo 32.º, n.º 2, do EBF, na redacção vigente em 2010 (exercício a que se reporta a autoliquidação de IRC sub judice), que “As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades” – destaques nossos.

Por seu turno, a Circular n.º 7/2004 estabelece no seu ponto 7 o seguinte:

Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais

7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.”

Quanto a esta questão, permitimo-nos citar a decisão arbitral proferida a 25 de Maio de 2016, no âmbito do processo n.º 663/2015-T[9], por a subscrevermos quanto ao que se segue:

Neste n.º 2 do artigo 32.º do EBF estabelece-se que não concorrem para a formação do lucro tributável os «encargos financeiros suportados com a sua aquisição», reportando-se às partes de capital, pelo que é manifesto que o seu teor literal indica que tão só os encargos financeiros que estejam conexionados com a aquisição de participações sociais são abrangidos pela indedutibilidade que aí se estabelece.

Para além de ser esta a interpretação que resulta do teor literal, ela é corroborada pela explicação para a sua introdução no EBF que foi dada no Relatório do Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro).

Na verdade, como se refere na Circular n.º 7/2004, o regime desta norma foi introduzido no EBF pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2003, então no artigo 31.º, cujo regime passou a constar do artigo 32.º depois da renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de Junho.

Na Proposta de Lei n.º 28-IX, que veio a dar origem à Lei do Orçamento para 2003, constava esse artigo 31.º, n.º 2, com redacção idêntica à vigente em 2011 (no artigo 32.º, n.º 2), sendo a única diferença o aditamento da referência aos «ICR» (abreviatura de «investidores de capital de risco»), que é irrelevante para a interpretação da norma. 

No referido Relatório do Orçamento do Estado para 2003 ( [10] ) anuncia-se a introdução desta norma, tendo em vista o «alargamento da base tributável e medidas de moralização e neutralidade», nos seguintes termos:

«Estabelece-se a desconsideração da dedutibilidade, para efeitos de determinação do lucro tributável, dos encargos de natureza financeira directamente associados à aquisição de partes sociais por parte das SGPS»;

É inequívoco, assim, que se pretendeu que apenas os encargos financeiros directamente associados à aquisição de partes sociais ficassem abrangidos pela indedutibilidade. (…)

Por aquela referência expressa no Relatório à necessidade de os encargos financeiros estarem directamente associados à aquisição de partes sociais (que também está expressa no texto da norma através da referência aos «encargos financeiros com a sua aquisição»), conclui-se que  não basta para determinar a indedutibilidade de encargos financeiros o facto de a SGPS ser titular de participações sociais, sendo necessário demonstrar que há uma relação directa entre certos encargos financeiros e a aquisição de determinadas participações sociais.

É corolário desta interpretação, imposta pelo teor literal do artigo 32.º, n.º 2, que, se determinadas participações não foram adquiridas com passivos geradores de encargos financeiros, elas são irrelevantes para efeito da aplicação daquela norma, na parte que se reporta à indedutibilidade de encargos financeiros.

Não há assim suporte legal para afastar a regra da dedutibilidade de encargos financeiros, que consta da al. c) do n.º 1 do artigo 23.º do CIRC, em relação a encargos que não estão directamente associados à aquisição de participações sociais.

Por outro lado, mesmo que se entendesse (como estará subjacente ao ponto 7 da Circular n.º 7/2004, mas também sem apoio no texto da lei) que aquele artigo 32.º, n.º 2, tem ínsita uma presunção de que há associação entre encargos financeiros e a aquisição de participações sociais, essa hipotética presunção sempre admitiria prova em contrário, por força do disposto no artigo 73.º da LGT, que se reporta a normas de incidência em sentido lato, que abrange todas as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação». Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria tributável ou colectável, a taxa e os benefícios fiscais. ( [11] ) (…)

Sendo este o regime que está previsto na lei, ele não pode ser alterado por via regulamentar, pois preceitos criados por actos de natureza legislativa não podem ser, com eficácia externa, interpretados, integrados, modificados, suspensos ou revogados por actos de outra natureza (artigo 112.º, n.º 5, da CRP).

Para além disso, a definição dos pressupostos da tributação é matéria sujeita ao princípio da legalidade, desde logo por força do disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP que estabelece que «os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes».”

Mais recentemente, também o STA, em decisão proferida a 24 de Janeiro de 2018, no âmbito do processo n.º 0745/15[12], defendeu posição semelhante à supra-exposta, pelo que, com a devida vénia, se transcreve parte da mesma, subscrita por este Tribunal Arbitral:

Tal questão foi já decidida nesta Secção do Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos proferidos em 8/03/207, no proc. nº 0227/16, de 31/05/2017, no proc. nº 01229/15, e de 29/11/2017, no proc. nº 01292/16, nos quais, com fundamentação que merece a nossa adesão, se concluiu no sentido da correcção do julgado, isto é, que estabelecendo um método indirecto e presuntivo, no que diz respeito à afectação de encargos financeiros para efeitos de cálculo do lucro tributável, o nº 7 da Circular nº 7/2004 afronta o princípio da legalidade tributária.

Deste modo, e atendendo também à regra constante nº 3 do art.º 8º do C.Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito – bem com à falta de nova argumentação que nos leve a inflectir ou a divergir do entendimento ali firmado, limitar-nos-emos a remeter para a fundamentação que consta do acórdão proferido no proc. nº 0227/16, que aqui se acolhe e subscreve na íntegra.

«No essencial, a recorrente pede a este Supremo Tribunal que diga se o disposto no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da DSIRC - Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais (7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.) - se traduz ou não, num método não conforme à Lei constitucional e ordinária, para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais.

Tanto na sentença recorrida, como nas alegações da recorrente, não há divergência sobre a natureza das regras contidas em tal Circular, trata-se de instruções genéricas que não são mais do que meras orientações administrativas que apenas vinculam a Administração, cfr. artigo 55º do CPPT e 68º-A da LGT.

Ou seja, não têm uma dimensão erga omnes, tal como as leis editadas pelo Parlamento e pelo Governo e, consequentemente, não vinculam os contribuintes e, especialmente, os Tribunais, cfr. nº 3 daquele artigo 55º, estando o seu campo de aplicação obrigatório confinado à actuação da administração tributária que procedeu à sua emissão.

[…]

Da leitura atenta que se faz daquele ponto 7, cuja legalidade vem questionada nos presentes autos, pode-se surpreender com facilidade que o método escolhido pela AT se assume como um método indirecto de afectação dos encargos, em contraposição a um método directo, motivado pela dificuldade de utilização de um método de afectação directa ou específica e pela possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria.

Ou seja, a AT, face às dificuldades sentidas de integração do disposto naquele artigo 32º do EBF, desinteressou-se pela obtenção da verdade dos factos, pilar da tributação sobre o rendimento real, cfr. artigo 104º, n.º 2, da CRP, e assumiu como único método aceitável o que parte de uma presunção de que os passivos remunerados das SGPS e SCR devem ser afectos liminarmente e de forma prioritária a empréstimos remunerados a participadas e outros investimentos geradores de juros e, no remanescente, aos demais activos, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.

Portanto, a recorrente ao seguir as orientações genéricas da AT, a que não estava obrigada, lançou mão de um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros, mas como bem refere a própria AT na decisão do recurso hierárquico, de nada lhe valeria (à recorrente) fazer de modo diferente porque, caso o fizesse, seria sempre corrigida a sua liquidação nos precisos termos daquelas orientações genéricas existentes, cfr. pág. 39 dos autos, parágrafo 2º.

Aliás, seguindo os contribuintes as orientações da AT, desde que conformes à lei, nas suas autoliquidações, evitam posteriormente dissabores e incómodos no tocante à regularização da sua situação tributária.

Na situação dos autos não vem concretamente explicada a razão pela qual (não) se poderia efectuar a afectação dos encargos financeiros por outro modo (directo), diferente daquele que foi efectivamente utilizado (indirecto), não o explica a recorrente, nem o explica a AT, ambas se limitam a referir que o método utilizado é o determinado pela Circular em questão. E a sentença bastou-se com o facto de a recorrente na autoliquidação ter seguido o método que para si não era obrigatório.

Tratando-se a avaliação indirecta de uma operação sem correspondência com a verdade dos factos, precisamente porque estes não são possíveis de determinar com segurança e certeza, ou porque há indícios muito fortes (a quase certeza) de que os factos evidenciados pelo contribuinte, e que devem servir de fundamento à determinação da matéria tributável, não são verdadeiros, previu o legislador, de forma taxativa, as concretas situações em que é possível o recurso a tais métodos indirectos nos artigos 87º a 90º da LGT.

Portanto, a “norma” emitida pela AT não pode ser considerada de per si, de forma isolada, sem qualquer relação com uma concreta situação de determinado contribuinte, como se tratando de método de afectação ilegal e proibido; se houver razões que justifiquem a sua aplicação, pode tratar-se de método idóneo a efectuar a respectiva afectação, mas se não se verificarem tais razões, trata-se de método inadequado de proceder a essa mesma afectação.

Já vimos que no caso dos autos nada se diz a esse respeito, isto é, nada se diz da possibilidade ou impossibilidade de aplicação de um método de afectação directo, tem-se por bom o método de afectação indirecto, de forma acrítica e sem conexão intima com a situação concreta da contribuinte.

Contudo, não vindo expressamente invocado pela AT que no caso concreto da recorrente se imponha o recurso a um método de avaliação indirecto, o que lhe competia nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 3 da LGT, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação-, não se pode valer da dita “norma administrativa” da Circular em análise para manter a autoliquidação efectuada de acordo com a mesma.

É certo que as “normas administrativas” constantes da circular que se analisa foram emitidas, precisamente, face às dificuldades e dúvidas quanto à possibilidade de utilização de um método de afectação directa e à possibilidade de haver manipulação desse mesmo método por parte dos contribuintes, no entanto a aplicação de métodos indirectos, quaisquer que eles sejam, de forma generalizada e sem ser tida em conta a situação individual concreta de que cada contribuinte está proibida por lei, resultando essa proibição do disposto nos artigos 104º, n.º 2 da CRP, 81º, n.º 1 e 85º da LGT, e, como também já vimos, as ditas “normas administrativas” não prevalecem sobre qualquer um daqueles preceitos legais, cfr. artigo 112º, n.º 5 da CRP.

Temos, assim, que concluir pela razão da recorrente no que toca a pretender que não se aplique à sua situação concreta o disposto naquele n.º 7 da dita Circular 7/2004, mostrando-se afectada por vício de violação de lei a autoliquidação efectuada.

De resto, o facto de a própria recorrente ter procedido à autoliquidação do imposto, segundo as regras estabelecidas pela AT, não implica que tal seja admissível ou lhe seja oponível, desde logo porque aos contribuintes não assiste o direito de apresentar as suas declarações de rendimentos lançando mão de métodos indirectos que não tenham uma correspondência directa e imediata com a sua realidade contabilística, o que se impõe por força dos princípios da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade, segundo os quais, todos, e cada um, contribuirão coactivamente para a receita do Estado segundo as suas possibilidades e na medida do esforço que lhes possa ser exigido, cfr. artigo 103º, n.º 1, da CRP.

E já vimos que, o uso de tais métodos indirectos, apenas é consentido à AT nas situações enumeradas na lei e segundo os parâmetros legalmente estabelecidos, neste caso, para salvaguarda da receita do Estado, assim se conseguindo a distribuição do sacrifício, na medida do possível, por todos os contribuintes.».

 

Conclui-se, assim, que o acto impugnado enferma de vício de violação de lei, por não ter observado o regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF e ter infringido o princípio da legalidade, nas vertentes formal (artigos 103.º, n.º 2, da CRP e 8.º, n.º 1, da LGT) e procedimental (artigos 55.º da LGT e 266.º, n.º 2, da CRP).

Ora, não havendo qualquer motivo para divergir daquele entendimento, mostra-se afectado por vício de violação de lei o acto de autoliquidação de IRC efectuado em obediência à orientação constante no ponto 7 da Circular nº 7/2004, na medida em que nela se estabelece um método ilegal de afectação de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, violando o disposto no artigo 32.º, n.º 2, do EBF, e infringindo o princípio da legalidade, nas vertentes formal (artigos 103.º, n.º 2, da CRP e 8.º, n.º 1, da LGT) e procedimental (artigos 55.º da LGT e 266.º, n.º 2, da CRP).

Por isso, procede o pedido de pronúncia arbitral, nesta parte.

 

 

III.2.3. Ónus da Prova

Não obstante, releva ainda determinar se, no caso de uma autoliquidação que tenha aplicado a Circular n.º 7/2004 (que já se determinou ser ilegal por violação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF), o ónus de demonstrar, e sempre por referência às circunstâncias do caso concreto, que não há alternativa ao método formulaico-presuntivo da Circular, recai sobre a Requerente ou sobre a Requerida.

Ora, importa começar por relembrar que o artigo 32.º, n.º 2, do EBF estabelecia que “os encargos financeiros suportados com a sua aquisição [de participações sociais] não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”.

Uma vez que resultou provado que 89% dos encargos financeiros estão relacionados nocionalmente (pelo método daquela Circular) com participações sociais adquiridas por subscrição de capital realizado em espécie, necessariamente que tais 89% não foram adquiridas com recurso a financiamento. Desta forma, é irrelevante a determinação de quem tem o encargo do ónus da prova, pois não sendo tais participações sociais adquiridas com recurso a financiamento, não pode haver lugar à aplicação do artigo 32.º, n.º 2, do EBF.

Relativamente aos restantes 11% dos encargos financeiros nocionalmente atribuídos (nos termos da Circular n.º 7/2004) às participações sociais, também aqui recorremos à decisão arbitral n.º 663/2015, por subscrevermos o excerto que se segue:

Aplicando o método previsto na referida Circular, a Requerente, na declaração modelo 22 relativa ao ano de 2011 [neste caso, 2010], indicou como não dedutíveis nos termos do artigo 32.º, n.º 2, do EBF encargos financeiros que suportou, não por eles terem sido efectivamente suportados com a aquisição de participações sociais, mas apenas porque, como se determina naquela Circular, deve afectar-se «aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição» o remanescente dos passivos remunerados, depois da afectação aos empréstimos remunerados concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros.(…)

O ponto 7 da Circular n.º 7/2004 consubstancia uma norma de natureza inovadora sobre a determinação da matéria tributável de IRC, criando situações de indedutibilidade de encargos financeiros não previstas na lei (aquelas em que não haja relação entre encargos desse tipo e a aquisição de participações sociais), pelo que é inválida por violação do princípio da legalidade.

Por isso, no caso em apreço, para concluir que os encargos financeiros referidos pela Requerente na declaração modelo 22 não deveriam ser deduzidos ao lucro tributável por força da parte final do n.º 2 do artigo 32.º do EBF, deveria a Autoridade Tributária e Aduaneira demonstrar que esses encargos foram suportados com a aquisição das participações sociais referidas pela Requerente.”

Resulta assim do supra-exposto que o ónus da prova de que os encargos foram suportados com aquisição de participações sociais incumbia à Requerida. Não pode por isso proceder a alegação da Requerida de que o ónus da prova se encontra acometido à Requerente, não tendo a mesma provado que nenhum financiamento obtido pela A…SGPS foi contratualmente destinado à aquisição das referidas participações sociais. Muito menos poderá proceder a argumentação da Requerida de que a Requerente apenas alega que 89% (40% + 49%) dos encargos financeiros acrescidos se referem a participações em que alegadamente não existe qualquer financiamento associado vindo, no entanto, peticionar, a final, a anulação de 100% dos encargos acrescidos, sem que avance qualquer outra justificação para a pretensa invalidade deste acréscimo dos 11% (100% - 89%), que não seja a (in)aplicabilidade da Circular.

A este propósito, importa relembrar o acórdão do STA, em decisão proferida a 24 de Janeiro de 2018, no âmbito do processo n.º 0745/15:

Portanto, a recorrente ao seguir as orientações genéricas da AT, a que não estava obrigada, lançou mão de um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros, mas como bem refere a própria AT na decisão do recurso hierárquico, de nada lhe valeria (à recorrente) fazer de modo diferente porque, caso o fizesse, seria sempre corrigida a sua liquidação nos precisos termos daquelas orientações genéricas existentes, cfr. pág. 39 dos autos, parágrafo 2º. (…)

Contudo, não vindo expressamente invocado pela AT que no caso concreto da recorrente se imponha o recurso a um método de avaliação indirecto, o que lhe competia nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 3 da LGT, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação-, não se pode valer da dita “norma administrativa” da Circular em análise para manter a autoliquidação efectuada de acordo com a mesma. (…)

De resto, o facto de a própria recorrente ter procedido à autoliquidação do imposto, segundo as regras estabelecidas pela AT, não implica que tal seja admissível ou lhe seja oponível, desde logo porque aos contribuintes não assiste o direito de apresentar as suas declarações de rendimentos lançando mão de métodos indirectos que não tenham uma correspondência directa e imediata com a sua realidade contabilística, o que se impõe por força dos princípios da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade, segundo os quais, todos, e cada um, contribuirão coactivamente para a receita do Estado segundo as suas possibilidades e na medida do esforço que lhes possa ser exigido, cfr. artigo 103º, n.º 1, da CRP.

Conclui-se assim que, quanto aos restantes 11% de encargos cuja dedutibilidade a Requerente alega, atendendo a que o ónus da prova da impossibilidade de recurso a método directo não foi satisfeito pela Requerida (aliás, nem foi alegado pela AT, que considerou que nada tinha a provar por considerar que o ónus da prova pertencia ao contribuinte), também quanto a estes se deve considerar que não há lugar à aplicação do artigo 32.º, n.º 2 , do EBF, devendo tais encargos de financiamento ser considerados totalmente dedutíveis.

Verificando-se que o ónus da prova incumbia à Requerida e não foi por ela satisfeito (acrescido ao facto de que a Requerente fez prova, ainda que não lhe incumbisse tal ónus, quanto a 89% do montante de encargos financeiros aqui em causa), deverá concluir-se que o acto impugnado enferma de vício de violação de lei, por não ter observado o regime do artigo 32.º, n.º 2, do EBF. Desta forma, o pedido de pronúncia arbitral procede também nesta parte.

Finalmente improcedem as questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Requerida quanto à interpretação sufragada do artigo 32.º do EBF, nos termos da jurisprudência seguida no Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional (n.º 750/2017) que recaiu sobre o processo que correu termos no CAAD sob o n.º 663/2015-T.

 

III.2.4. Pedido de juros indemnizatórios e seu cômputo

Tendo procedido o pedido de anulação parcial da autoliquidação de IRC, importa assim analisar o pedido da Requerente de que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT, por corresponder à concretização de um direito com base constitucional, previsto no artigo 22.º da CRP, alegando que há erro imputável aos serviços, nos termos do n.º 2 do artigo 78.º da LGT, segundo a redacção em vigor à data da apresentação do pedido de revisão oficiosa do acto da autoliquidação ora em crise, contados desde 31 de Maio de 2011.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece o seguinte:

Artigo 43.º

            Pagamento indevido da prestação tributária

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

3 – São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias:

a) Quando não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos tributos;

b) Em caso de anulação do acto tributário por iniciativa da administração tributária, a partir do 30.º dia posterior à decisão, sem que tenha sido processada a nota de crédito;

c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

4 – A taxa dos juros indemnizatórios é igual à taxa dos juros compensatórios.

5 – No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas.

 

Das várias situações em que são devidos juros indemnizatórios indicadas no artigo 43.º da LGT, haverá lugar aos mesmos se se entender que ocorreu erro imputável aos serviços.

No caso em apreço, os impostos indevidamente pagos foram autoliquidados, pelo que a Autoridade Tributária e Aduaneira não teve qualquer intervenção na prática do acto em que se baseou o pagamento, sendo à própria Requerente que é imputável a sua prática.

Como se pode ler, entre outros, na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 208/2015-T: “Por isso, quanto ao acto de autoliquidação, não ocorreu erro imputável aos serviços, não havendo, consequentemente direito a juros indemnizatórios derivado da sua prática.

No entanto, o mesmo não sucede com a decisão da reclamação graciosa, pois deveria ter sido acolhida a pretensão da Requerente, quanto à ilegalidade da autoliquidação e o não acolhimento das pretensões é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Este caso de a Autoridade Tributária e Aduaneira manter uma situação de ilegalidade, quando devia repô-la deverá ser enquadrada, por mera interpretação declarativa, no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pois trata-se de uma situação em que há nexo de causalidade adequada entre um erro imputável aos serviços e a manutenção de um pagamento indevido e a omissão de reposição da legalidade quando se deveria praticar a acção que a reporia deve ser equiparada à acção ( [13] ).”

E como se aditou na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 748/2016-T: “Assim sendo, deverá entender-se que, a partir do momento em que se completou o prazo de decisão das reclamações graciosas, começaram a contar juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios serão calculados à taxa legal e pagos nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril (ou outra ou outras que alterem a taxa legal).”.

Também Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª edição, Áreas Editora, Lisboa, p. 537, escreve: “Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação (…)) (…) o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos. Será indiferente, para este efeito de imputabilidade do erro, gerador de dívida de juros indemnizatórios, que se trate de caso de impugnação administrativa necessária ou facultativa, pois, em qualquer dos casos, a decisão da impugnação (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) é um acto da autoria da Administração Tributária, pelo que o eventual erro ser-lhe-á imputável, a partir do momento em que o praticou”.

As considerações acima mencionadas podem ser transpostas para o caso em apreço com as devidas adaptações. Com efeito, a Requerente procedeu à autoliquidação de IRC e de seguida, em 28 de Maio de 2015, apresentou pedido de revisão oficiosa da referida autoliquidação, que foi indeferida por despacho de 11 de novembro de 2016 da Exma. Senhora Subdiretora-geral da Área de Gestão Tributária – Impostos sobre o Rendimento.

 Assim sendo, por aplicação da jurisprudência e doutrina atrás referidas, a Requerida teve oportunidade de repor a legalidade e acolher a pretensão da Requerente. Não o tendo feito, deverá entender-se que são devidos juros indemnizatórios a partir do prazo de um ano após o pedido de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (27 de Maio de 2016), em consonância com a lógica do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT: “São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (…) c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.”

Assim o decidiu recentemente o STA, em 6 de Dezembro de 2017, por Acórdão no Processo 0926/17[14]: “(…) o princípio da igualdade impõe tratamento semelhante entre o contribuinte cujo pedido de revisão obtém êxito, para além do prazo de um ano, junto da administração, e o contribuinte que obtém idêntico resultado, também para além desse prazo, junto do tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito.”.

 

 

 

  1. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

 

  1. Julgar improcedentes as excepções de incompetência material e quanto ao valor suscitadas pela Requerida;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral, na parte respeitante à declaração de ilegalidade do indeferimento tácito do recurso hierárquico verificado em 19 de Fevereiro de 2017 e, bem assim, o indeferimento do precedente pedido de revisão oficiosa n.º …2015…, de 11 de Novembro de 2016, e consequente anulação dos mesmos;
  3. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade da autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2010, e consequente anulação parcial da mesma, na parte correspondente ao montante de € 3.056.662,62;
  4. Julgar procedente o pedido de reembolso de IRC no montante de € 3.056.662,62 e pago pela Requerente, respeitante ao exercício de 2010, acrescido de juros indemnizatórios a partir do prazo de um ano após o pedido de revisão do acto tributário.

 

 

V.VALOR DA CAUSA

De acordo com o disposto no artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o valor da causa em € 3.056.662,62.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 10 de Abril de 2018.

 

 

 

Maria Fernanda Maçãs (Árbitro-presidente)

 

 

 

Ricardo da Palma Borges (Árbitro-adjunto)

(com a declaração de voto em anexo)

 

 

 

Manuel Pires (Árbitro-adjunto)

(vencido, conforme declaração em anexo)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de voto

 

Votei favoravelmente o presente acórdão arbitral.

 

Todavia, quanto ao respectivo ponto “III.2.4. Pedido de juros indemnizatórios e seu cômputo”, por parte da Requerente, pretendo explicitar o meu pensamento, por razões idênticas às que já me levaram a emitir declaração, em 5 de Abril de 2017, no Processo n.º 553/2016-T[15], e de que a presente é, no essencial, uma repetição.

 

            A Requerente, alega, nos artigos 178.º e 179.º da sua Petição Inicial, que:

 

«178º

Assim sendo, dúvidas não restam de que anulada a, ou declarada a ilegalidade da, autoliquidação, na parte que aqui se peticiona, deverá ter-se por verificado erro imputável aos Serviços para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios pelos prejuízos resultantes do pagamento de imposto em excesso.

 

179º

Pelo que a requerente terá direito a que lhe sejam pagos juros indemnizatórios calculados sobre o montante de € 3.056.662,62, e contados desde 31 de Maio de 2011, até ao integral reembolso do referido montante.» (destaque meu, reportando-se aquela data à da autoliquidação do imposto relativa ao ano de 2010)

 

O presente acórdão arbitral defende, por seu turno, que: «(…) a Requerida teve oportunidade de repor a legalidade e acolher a pretensão da Requerente. Não o tendo feito, deverá entender-se que são devidos juros indemnizatórios a partir do prazo de um ano após o pedido de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (27 de Maio de 2016), em consonância com a lógica do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT: «São também devidos juros indemnizatórios nas seguintes circunstâncias: (…) c) Quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.

Assim o decidiu recentemente o STA, em 6 de Dezembro de 2017, por Acórdão no Processo 0926/17[16]: “(…) o princípio da igualdade impõe tratamento semelhante entre o contribuinte cujo pedido de revisão obtém êxito, para além do prazo de um ano, junto da administração, e o contribuinte que obtém idêntico resultado, também para além desse prazo, junto do tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito.”»

 

O regime de juros em apreço justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT. Em suma, nestes casos de revisão do acto tributário, o contribuinte não teria, por via de regra, direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do acto tributário, nos termos da referida alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT. 

 

Nesse sentido, reputo de positivo o desenvolvimento jurisprudencial recente vertido no Acórdão do STA no Processo n.º 0926/17. E, sobretudo a benefício da formação de uma maioria, mas também para evitar uma contradição espúria com este recente acórdão do STA sobre o tema, votei o sentido da decisão. Concordo que à Requerente são, ao menos, devidos juros indemnizatórios a partir do prazo de um ano após o pedido de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (ou seja, contados desde 27 de Maio de 2016). Mas penso que se poderia e deveria, in casu, ter ido mais além, atribuindo juros contados desde 31 de Maio de 2011, data de pagamento do imposto pela Requerente. É óbvio, no entanto, que a atribuição feita pelo presente acórdão arbitral está contida naquela que eu próprio consideraria a mais adequada, pelo que não pode oferecer dúvidas que, na parte em que foram atribuídos juros desde 27 de Maio de 2016 se formou maioria de decisão, o mesmo apenas não sucedendo no excedente de juros contados desde 31 de Maio de 2011, como se evidencia através da seguinte ilustração de circunferências tangentes internas:

 

Passo a explicar porque considero que se poderia e deveria ter ido mais longe na atribuição de juros à Requerente.

 

Com a devida vénia, e por economia de esforços, transcrevo a eloquente declaração de voto do Senhor Conselheiro Domingos Brandão de Pinho no Acórdão do STA proferido no Processo n.º 016/06, de 17 de Maio de 2006[17], em que no essencial me revejo:

 

«O artigo 43.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária dispõe que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

E o seu n.º 3, alínea c) preceitua serem também devidos os mesmos juros “quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária”.

O artigo 78.º da mesma lei regula a “revisão dos actos tributários”, prevendo duas modalidades: por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade; ou por iniciativa da administração tributária (revisão oficiosa), no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

Todavia, o n.º 6 do mesmo preceito prevê a revisão oficiosa a pedido do contribuinte.

E é a esta que se refere a dita alínea c).

Na verdade, aquela primeira modalidade de revisão do acto confunde-se ou equivale à reclamação graciosa pelo que está desde logo incluída no referido n.º 1 do artigo 43.º.

Assim, só há lugar a juros indemnizatórios, nos termos daquela alínea c), se a Administração não efectuar a revisão no prazo de um ano após o pedido do contribuinte, salvo se o atraso não for imputável àquela.

O que significa, desde logo, que, naquela segunda modalidade de revisão - por iniciativa da Administração Tributária - e não havendo “iniciativa do contribuinte”, só são devidos juros do tipo em causa nos termos da alínea b) do n.º 3.

O que bem se compreende se se atentar em que a Administração procedeu de motu próprio, reconhecendo o erro imputável aos serviços e efectuando a revisão pelo que, ante a inércia do contribuinte, não lhe devem ser atribuídos quaisquer juros não obstante a sua razão de ser intrínseca - a compensação àquele pelo desapossamento de quantias pecuniárias legalmente indevidas – se a respectiva nota de crédito for processada até ao 30.º dia posterior à decisão.

Quando o contribuinte peça a “revisão oficiosa”, mesmo assim, não são devidos juros se a Administração efectuar a revisão no prazo de um ano, salvo atraso imputável à própria Administração.

Temos, assim, que aquela alínea c) só se aplica quando a Administração proceda à revisão oficiosa “por iniciativa do contribuinte”.

Se este a pede mas a Administração não a efectua, sendo determinado o pagamento de juros na consequente impugnação judicial, a situação cai, logo literalmente, na alçada do n.º 1 do artigo 43.º, que não da predita alínea c) uma vez que foi naquele meio processual que se determinou a existência de erro imputável aos serviços.

E tanto assim é que o artigo 100.º da LGT, regulando os “efeitos da decisão favorável ao sujeito passivo”, e impondo à Administração a “imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação, objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios”, nem sequer se refere à revisão - tão raros serão, aí, os casos da atribuição de juros indemnizatórios - mas apenas à “reclamação, impugnação judicial ou recurso”.

Nem pode argumentar-se contra a tese exposta dizendo-se que, assim, em lugar de deduzirem impugnação judicial ou reclamarem graciosamente, os contribuintes esperariam pelo último dia do dito prazo de quatro anos para pedirem a revisão oficiosa, tendo então direito a receber os respectivos juros indemnizatórios.
É que tal só se verifica se a Administração não proceder à revisão no prazo de um ano - salvo sempre atraso que lhe não seja imputável - o que, no entendimento legal, constitui o lapso temporal necessário e suficiente para o efeito.

Assim, se o contribuinte pedir a revisão oficiosa, ainda que naquele último dia do prazo, em lugar de impugnar ou reclamar no prazo de 90 dias, não receberá quaisquer juros se a Administração fizer a revisão no prazo de um ano.
Se a não fizer, pagará juros mas ...
sibi imputet.

Por outro lado, o artigo 43.º da Lei Geral Tributária - salva a situação prevista na alínea b) do n.º 3 - apenas regula o direito a juros indemnizatórios, isto é, as situações em que eles são devidos e a respectiva taxa.

A definição do período temporal respectivo e o seu pagamento foram relegados para o Código de Procedimento e Processo Tributário - artigo 61.º.
Estabelecendo o seu n.º 3 que os “juros serão contados desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito”.

Sem que se faça aí qualquer distinção entre impugnação judicial, reclamação graciosa ou revisão.

É, assim, de concluir que, não procedendo a Administração à revisão oficiosa pedida pelo contribuinte, ou seja, indeferido o pedido, e estabelecido serem devidos juros indemnizatórios na sequente impugnação judicial, estes serão contados nos termos do predito n.º 3 do artigo 61.º do CPPT: “desde a data do pagamento do imposto indevido até à data da emissão da respectiva nota de crédito”.

Cfr., aliás, no sentido exposto, os acórdãos do STA de 11 de Maio de 2005 recurso n.º 319/05 e de 1 de Junho de 2005 recurso n.º 249/05.» (destaques meus)

 

Em primeiro lugar, o processo arbitral está legalmente assimilado ao de impugnação judicial, de que é um meio alternativo (cfr. n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), nele podendo, em abstracto, haver decisão de atribuição de juros indemnizatórios. Pois, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial [leia-se também processo arbitral], que houve erro imputável aos serviços (…)”.

 

            O próprio Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Vol. I, 6.ª edição, 2011, Áreas Editora, Lisboa, p. 537, escreve: «Nas situações em que a prática do acto que define a dívida tributária cabe ao contribuinte (como sucede, nomeadamente, nos referidos casos de autoliquidação (…)) (…) o erro passará a ser imputável à Administração Tributária após o eventual indeferimento da pretensão apresentada pelo contribuinte, isto é, a partir do momento em que, pela primeira vez, a Administração Tributária toma posição sobre a situação do contribuinte, dispondo dos elementos necessários para proferir uma decisão com pressupostos correctos. Será indiferente, para este efeito de imputabilidade do erro, gerador de dívida de juros indemnizatórios, que se trate de caso de impugnação administrativa necessária ou facultativa, pois, em qualquer dos casos, a decisão da impugnação (reclamação graciosa ou recurso hierárquico) é um acto da autoria da Administração Tributária, pelo que o eventual erro ser-lhe-á imputável, a partir do momento em que o praticou».

            Se bem interpreto o pensamento do Senhor Conselheiro Jorge Lopes de Sousa o erro ser ou não imputável à AT releva apenas, para ele, nos casos de impugnação tempestiva, seja reclamação graciosa, recurso hierárquico ou impugnação judicial – mas já não nos casos de revisão oficiosa, nomeadamente por iniciativa do contribuinte, se o pedido foi efectuado fora do prazo de reclamação.

Também assim o parece interpretar o Professor Doutor Rui Duarte Morais, em Manual de Procedimento e Processo Tributário, 2012, Livraria Almedina, Coimbra, p. 367, nota de rodapé 735: “Jorge de Sousa, Código…, I, p. 537, entende que, nos casos de autoliquidação e outras situações para as quais a lei prevê reclamações necessárias como condição de impugnação, o erro do sujeito passivo passa a ser imputável à administração fiscal a partir do momento em que tais reclamações sejam indeferidas, expressa ou tacitamente”.

Há porém doutrina, como a de Rui Duarte Morais, Ibidem, pp. 367-368, que vai mais longe, entendendo que existindo erro na autoliquidação, do qual resultou pagamento de imposto superior ao devido, como o sujeito passivo actua naquele procedimento como comissário da administração fiscal, realizando, substancialmente, tarefas desta, há sempre erro imputável aos serviços, pelo que o contribuinte teria direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido em todos os casos que tivessem resultado em enriquecimento indevido do Estado, mesmo que por erros cometidos pelo sujeito passivo em seu desfavor.

            Exporei agora o meu pensamento, que colhe das três lições anteriores.

Quanto ao caso sub judice, a Autoridade Tributária, ao ser confrontada com a pretensão da Requerente, indeferiu-a expressamente, pelo que o erro inicialmente cometido pelo sujeito passivo passou a ser-lhe imputável a ela, a partir do momento do dito indeferimento. Ao indeferir, a Autoridade Tributária, no fundo, mais não diz que, acaso o acto originário tivesse sido de heteroliquidação, por ela, ao invés de autoliquidação, pelo sujeito passivo, teria actuado da mesma exacta forma que o contribuinte. Ou seja, ao indeferir a pretensão da Requerente, a Autoridade Tributária assume plenamente o acto do sujeito passivo, como se o tivesse praticado originariamente. Nesse sentido, a imputabilidade desse erro à Autoridade Tributária, a partir do momento em que esta o assume explicitamente, deve ter efeitos ex tunc.  Pelo que não pode surpreender que, também nesse caso, nos termos do artigo 61.º, n.º 5, do CPPT, “Os juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto”.

O sistema revela-se assim equilibrado. O contribuinte não pode aspirar a quaisquer juros se o erro originário for seu e a inércia na sua correcção, por meio de revisão oficiosa a seu pedido, for sua – desde que, bem entendido, a Autoridade Tributária repare o erro, em devido prazo. Todavia, se a Autoridade Tributária não repara o acto, porque, embora confrontada com um pedido de revisão, não reconhece o erro, antes o assumindo também, de forma expressa, então o risco de que o acto padeça efectivamente de tal erro, e dê origem a juros indemnizatórios, passa a ser plenamente imputável aos serviços desta, como se ela o tivesse originariamente praticado.

 

10 de Abril de 2018

 

(Ricardo da Palma Borges)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

1.Votei vencido por entender verificar-se a incompetência material do tribunal arbitral. O art. 1º do Decreto- Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, estabeleceu “a arbitragem como meio alternativo de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”. No entanto,” A vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos” (art. 4° n° 1 do citado Decreto- Lei). Daí, diferentemente do pretendido, não corresponder à lei a adesão genérica, abstracta, incondicional e irrestrijta à arbitragem. mas sim a adesão à arbitragem com limitações admissíveis legalmente. Em conformidade, na Portaria n° 112-A/2013, de 22 de Maio, estabeleceu- se a vinculação da agora AT à jurisdição dos tribunais arbitrais (artigos 1º e 2º proémios) “com excepção das (….) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamentos por conta, que não tenham sido precedidos de recurso de via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário” [citado artigo 2º alínea a)]. A adesão , pois, “ a este mecanismo de resolução alternativa de litígios “ foi “ nos termos e condições aqui [na citada portaria] estabelecidos, atendendo à especificidade e valor das matérias em causa”, não se podendo, assim, invocar a plenitude do carácter alternativo da arbitragem com a impugnacão, visto terem sido permitidas legal e expressamente e estabelecidas limitações a que se tem necessariamente de atender, qualquer que seja a natureza atribuída à portaria, até pela relevância redobrada, no caso, por, não obstante ser, em geral, excepção a apreciação do tipo agora em causa, operar-se o retorno à possibilidade da competência, no caso de se cumprir algo que, sem ele, repete-se, estaria fora do campo da arbitragem, isto é, está-se perante uma excepção à excepção. A limitação, no caso sob julgamento, é a precedência da reclamação graciosa e não “o recurso à via administrativa” em geral referido, mas imediatamente limitado. De outro modo porque se acrescentou algo ao recurso a tal via? Seria uma inutilidade. Como é possível entender-se que a norma correspondente permite a afirmação de obediência ao preceito segundo o qual “ Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”( artigo 9º nº.2 do CC)? De outro modo, considerando unicamente o prius ilimitado, qual o efeito do posterius, constituído pela restrlção? E é porque existe especificidade e não generalidade que não é aceitável a ideia de que o desejado foi qualquer tipo de apreciação prévia pela Administração de algo por ela ainda não considerado, a ser submetido a entidade fora do seu âmbito, e não é aceitável porque houve especificação estabelecida pela norma, houve limitação da via a utilizar. Aliás, a limitação é ainda mais ostensiva quando o artigo 124º da Lei 3-B/2020, de 28 de Abril, a lei de autorização da arbitragem, refere, no âmbito das possibilidades​ do objecto do processo, os actos” de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação”, redacção muito mais ampla do que a acolhida finalmente. Uma eventual diferente vontade do legislador não foi de modo algum explicitada, pelo contrário, a limitação ostensivamente acrescentada é reveladora da falta daquela vontade, não sendo de recepcionar a presunção de um julgador sem perícia ou distraído ( artigo 9º nº. 3 do CC). É certo estarem ultrapassados desde há muito os brocardos in claris non fit interpretatio ou ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus, mas a extensão da letra da lei, o que ocorreria com a interpretação pretendida, só é admissível por razões claras e determinantes, o que não ocorre, visto nem sequer haver quaisquer razões, atento a reclamação graciosa e a revisão (oficiosa) constituirem procedimentos diversos quer pela iniciativa ( artigos 68º do CPPT e 78º da LGT), quer pelos objectivos ( idem), quer pelos prazos (artigos 70º do CPPT e 78º da LGT) quer pelo decisor (artigos 75º do CPPT, 78º da LGT e 6º n. 4 do Decreto-lei nº 433/99), quer pelos efeitos ( artigos 68º do CPPT e 79º da LGT ), sendo relevantes, no caso em apreciação, os prazos e o decisor, sendo, portanto, totalmente forçada a respectiva equiparação que não pode ser ditada por uma mera identidade entre a revisão e a reclamação de ambas proporcionarem a possibilidade de apreciação prévia por parte da AT, visto as diferenças assinaladas com interesse no presente âmbito, interpretação não abrangente, todavia, que não elimina essa possibilidade de apreciação. Portanto, não é indiferente o recurso a qualquer das duas vias, mormente no relativo à diferença concernente à entidade de grau hierárquico distinto que proferirá a decisão, não se tratando obviamente de se exigir a correspondente cumulação, visto o legislador ter optado apenas por uma: a reclamação graciosa. Como resultado do que se escreveu, não é admissível, seria mesmo incongruente, que a lei, depois de explicitar a limitação após a menção genérica do “recurso à via administrativa”, incluísse implicitamente a perfeita equiparação, tendo em mente a interpretação da disposição relevante conforme a jurisprudência no âmbito da impugnação judicial - artigo 131º do CPPT.. Portanto, não basta, para sustentar a opinião contrária, a mera remissão para o artigo.131º do CPPT. Não existe, pois, razão para se desconhecer a reserva formulada, ferindo, com esse desconhecimento, a liberdade e a opção feita, liberdade e opção que legal e claramente conduziram a uma restrição do processo arbitral face à impugnação, ao seu carácter alternativo, liberdade reconhecida pelo decreto- lei e concretizada pela portaria, daí não se poder imputar a esta ilegalidade de qualquer grau. O contrário seria a ampliação da vinculação limitada da arbitragem que claramente foi permitida e estabelecida, vinculação não existente no caso da impugnação, limitação que poderia até ter sido mais ampla, dado o disposto no decreto-lei sob referência, convindo bem sublinhar que, com o carácter acolhido, não é impossibilitada “a arbitragem como meio alternativo da resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária”, visto ser possível a arbitragem, o que antes não sucedia, não sendo igualmente invocável a negação do princípio do acesso ao direito e do direito do contribuinte à tutela jurisdicional efectiva, unicamente porque não lhe foi concedida a escolha que pode existir noutros domínios mas não neste, pelos motivos aqui amplamente referenciados. De outro modo é situar incompreensivelmente o raciocínio num momento anterior ao das limitações, obnibulando-as totalmente contra legem .Também não pode, pois, ser considerado violado o artigo 78º da LGT, por apenas não se ter admitido, no caso, a via nele estabelecida, tendo, porém, sido admitida legalmente outra, não existindo algo que tivesse impedido a via seguida, sendo, pelo contrário, admitida Ainda invocar uma não concordância do género de palavra (“precedidos” em vez de” precedidas”, porque referida a pretensões) como algo probatório da falta de rigor na redacção do preceito sob análise, conduzindo a outra “deficiência” que seria a aposição da reclamação à via administrativa em geral, aposição que, segundo a mesma opinião, seria desnecessária, é algo que, pela comparação feita, não envolve comentário prolongado, atento os dois casos serem qualitativamente bem díspares. A exigência é clara, não existe qualquer imperfeição, não esquecendo que “na fixação do sentido e do alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador considerou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” (artigo 9º n°3 do CC). De tudo resulta não se estar face à uma mera interpretação literal, visto o circunstancialismo que rodeou a criação da norma e a sua ratio demonstrarem bem o afirmado. No sentido sustentado, afigura-se o que o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa ensinou em 2011:” De harmonia com o disposto na no art. 2º, alínea a), da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de março, relativamente a atos de autoliquidação, a Administração Tributária apenas se vinculou a jurisdição dos tribunais arbitrais se o pedido de declaração da ilegalidade tiver sido precedido de recurso à via administrativa, isto é, de reclamação graciosa . Por isso, se o sujeito passivo pretender apresentar um pedido de declaração de ilegalidade perante um tribunal arbitral, a reclamação graciosa será sempre necessária “ ( Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, 6ª edição, 2011, II volume ,pág. 409; cfr., para outros tipos de casos, págs.430 e 428 ). E não se diga também, por reflectir pensamento outrora em voga e não o pensamento esclarecido actual, que a solução objecto de nosso dissenso tem uma função garantística, visto a liquidação de impostos ter natureza agressiva ou mesmo fortemente agressiva e para apoio da nossa divergência não é necessário recorrer a Murphy e Nagel com o seu The Myth of Ownership - the taxes and justice. Nestes termos, deveria ser decidida a incompetência material deste tribunal arbitral para apreciar o presente caso, julgando procedente a invocada excepção, não devendo, pois, ser conhecido o mérito do pedido. E não se diga ser pacífica a opinião contrária ou, utilizando o sentido usual, não se diga estar-se perante vox clamantis in deserto. ( cfr. acórdãos nos Processos nºs 51/2012-T, 236/20113-T e 603/2014-T). 2. Também votei vencido por entender, mesmo que a excepção anterior não fosse procedente, o que não se concede, ser o tribunal incompetente quanto à matéria de reembolso, considerando as disposições legais disciplinadoras do respectivo poder de julgar - nomeadamente os artigos 2º nº. 1 e 24º do RJAT e Portaria nº 112-A, de 22 de Março, por força do artigo 4º do RJAT- não existindo, sem excepção, a orientação contrária. Assim, procedendo à devida interpretação do dispositivo legal, o acórdão do tribunal arbitral nº. 244/2013. 3. Acrescenta-se que, se o Tribunal fosse competente, o que mais uma vez não se concede, a decisão proferida sobre a matéria substancial não mereceria também a nossa concordância, com todas as consequências legais - incluindo os juros-, visto a prova produzida pela Requerente não ter sido totalmente concludente não só porque não foi exaustiva, como deveria ter sido, em relação aos 89% do pedido, devendo ter ocorrido com observância da discriminação contabilística [ ( artigo 17º nº. 3 alínea b) do CIRC ], não tendo ainda provado não ter havido aumentos de capital - tendo reconhecido, aliás, a Requerente que “as entradas de capitais realizadas em espécie em resultado de imposições legais” foram-no “ essencialmente”, o que significa que não foram na totalidade- mas também porque não produziu qualquer prova em relação aos 11% do pedido, devendo ter sído objecto de aprofundamento a pretendida inversão do ónus da prova (cfr. acórdãos arbitrais nºs 199/2015 e 258/2015, bem como do STA no processo nº. 0982/14) . Também não foi analisada a questão assaz importante de o artigo 32º nº. 2 do EBF, então em vigor, se limitar ou não à afectação directa do passivo e de a interpretação limitativa possibilitar actuações disruptivas face à letra e ao espírito do normativo legal.

 

10 de Abril de 2018

 

(Manuel Pires)

 

 

 

 



[1] Uma vez que não houve reclamação graciosa, mas antes pedido de revisão oficiosa nessa data, deverá considerar-se que a Requerida pretendeu referir-se ao pedido de revisão oficiosa.

[2] Neste sentido ver Jorge Lopes de Sousa, “Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária” in Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereia (Coord), Guia da Arbitragem Tributária, Coimbra,  Almedina, 2013, pp. 110 ss.

[3] Além disso, como se afirma no Ac. 617/2015 CAAD, de 22/2/2016, “nem se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, tida como desnecessária, não ter sido efetuada”.

[4] Cfr. Lopes de Sousa, Código do Procedimento e Processo Tributário Anotado e Comentado. Vol. II, Áreas Ed., p. 407.

[5] Adicionalmente, como se refere no Ac. 617/2015 CAAD já citado, “além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de atos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os atos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos atos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária”.

[6] Cfr. Ac. STA de 12/6/2006 (proc. 0402/06, relator: Jorge de Sousa).

[7] Cfr. Ac. 617/2015 CAAD, de 22/2/2016.

[8] Cfr. no mesmo sentido Ac. 117/2013, 244/2013, 299/2013, 613/2014, 56/2015, 203/2015 e 617/2015, todos do CAAD.

[11] SOARES MARTINEZ, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 126.

Em sentido idêntico, pode ver-se NUNO SA GOMES, Manual de Direito Fiscal, volume II, página 56.

Neste sentido, pode ver-se o acórdão do STA de 04-11-2009, processo n.º 0553/09, em que se entendeu que «a regra estabelecida no artigo 73.º da Lei Geral Tributária vale não apenas as normas de incidência tributária em sentido próprio, mas também em relação a outras normas que estabelecem ficções que influenciam a determinação da matéria colectável (quer directamente, através de valores ficcionados para a matéria colectável, quer indirectamente, ao fixarem ficcionadamente os valores dos rendimentos relevantes para a sua determinação), pois que o advérbio "sempre" aí utilizado inculca a ideia de tratar-se de um princípio basilar da globalidade do ordenamento jurídico tributário, corolário do princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, assente no princípio da capacidade contributiva

[13] ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, 10.ª edição, página 528:«A omissão, como pura atitude negativa, não pode gerar física ou materialmente o dano sofrido pelo lesado; mas entende-se que a omis­são é causa do dano, sempre que haja o dever jurídico especial de praticar um acto que, seguramente ou muito provavelmente, teria impedido a consumação desse dano».