Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 268/2016-T
Data da decisão: 2018-04-19  IVA  
Valor do pedido: € 1.375.954,71
Tema: IVA – Regularizações – Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis – Reenvio prejudicial.
REENVIO PREJUDICIAL   Versão em PDF

 

DECISÃO ARBITRAL

 

Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 30 de Agosto de 2016, Prof. Dra. Clotilde Celorico Palma, (árbitro-presidente), Dra. Alexandra Martins (designada pela A…, S.A.) e Prof. Doutor António Carlos dos Santos (designado pela AT), acordam no seguinte:

 

 

  1. Relatório

 

A…, S.A., com sede na …, …, …-… Lisboa, com o número único de matrícula e de identificação fiscal …, no âmbito territorial do Serviço de Finanças de Lisboa…, doravante “Requerente”, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º, da alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º, da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º, e do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), vertido no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado na sequência da notificação das liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado “IVA” e respectivos juros compensatórios e de mora, no valor total de EUR 1.375.954,71 (um milhão, trezentos e setenta e cinco mil, novecentos e cinquenta e quatro euros e setenta e um cêntimos), discriminadas infra, e tem por objecto a ilegalidade, e consequente anulação, dos seguintes actos tributários referentes a 2011, 2012, 2013, Janeiro, Março e Abril de 2014:

 

  • IVA do ano de 2011:
  • Liquidação n.º 2015…, no valor de EUR 755.326,81, referente ao IVA do ano de 2011 adicionalmente cobrado;
  • Liquidação n.º 2015…, no valor de EUR 115.223,55, referente a juros compensatórios, por referência ao ano de 2011;
  • Liquidação n.º 2015…, no valor de EUR 49.127,75, referente ao IVA do ano de 2011 que alegadamente terá sido indevidamente reportado para o período seguinte;
  • Liquidação n.º 2015…, no valor de EUR 11.081,73, referente a juros de mora, por referência ao ano de 2011.

 

  • IVA do ano de 2012:
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 319.972,13, referente ao IVA do ano de 2012 adicionalmente cobrado;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 39.869,40, referente a juros compensatórios, por referência ao ano de 2012.

 

  • IVA do ano de 2013:
  • Liquidação n.º 2016…, referente ao IVA do ano de 2013, na qual não foi cobrado imposto adicional, tendo-se apenas corrigido o montante a reportar para o período seguinte (EUR 77.051,87).

 

  • IVA do ano de 2014:
  • Liquidação n.º 2016…, no montante de EUR 30.543,53, referente ao IVA do período de 2014/01;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 3.493,31, referente a juros de mora, relativo ao período de 2014/01;
  • Liquidação n.º 2016…, no montante de EUR 31.832,93, referente ao IVA do período de 2014/03;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 3.336,67, referente a juros de mora, relativo ao período de 2014/03;
  • Liquidação n.º 2016…, no montante de EUR 14.675,41, referente ao IVA do período de 2014/04;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 1.471,49, referente a juros de mora, relativo ao período de 2014/04.

 

       É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

      

       A Requerente optou por designar como Árbitro a Dra. Alexandra Coelho Martins, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT.

      

       O pedido de constituição do Tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16-05-2016.

 

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Prof. Doutor António Carlos dos Santos.

 

Em 03-08-2016 os Árbitros designados pelas partes comunicaram ao CAAD a designação da Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma como Árbitro Presidente.

 

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Presidente do CAAD informou as partes dessa designação em 04-08-2016.

 

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 30-08-2016.

 

A Requerente sustenta, no pedido de constituição do Tribunal Arbitral, a ilegalidade das liquidações efectuadas pela AT, alegando, por um lado, que o imposto relativo às liquidações de IVA e juros efectuadas por referência a 2011, e referentes às fracções autónomas “C” a “H”, se reporta ao ano errado e encontra-se caducado e, por outro lado, que, independentemente da caducidade, todas as correcções efectuadas em sede de inspecção tributária e, em consequência, as liquidações contestadas, são ilegais, com base nos argumentos descritos infra.

 

Conclui pela procedência do pedido e consequente anulação das liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios e de mora, restituição das quantias pagas, bem como pelo direito a juros indemnizatórios.

 

Subsidiariamente, solicitou, ad cautelem, a suspensão da instância e o correspondente reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), para que esta instância se pronunciasse sobre a compatibilidade da interpretação proposta pela AT com os princípios e normas que constituem o sistema comum do IVA.

 

Com a petição juntou 53 documentos, tendo sido arroladas 5 testemunhas.

 

A AT apresentou Resposta, em que impugnou os documentos n.ºs 39, 40, 41 e 43 apresentados pela Requerente. Impugnou também o teor do artigo 65.º do Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral, no que concerne à data concreta do termo dos contratos de arrendamento referentes às fracções "C" e "H" (Rua …), data essencial para a determinação da contagem do prazo de caducidade da liquidação de IVA referente a 2011, por considerar que a Requerente não juntou as provas que, inequivocamente, poderiam evidenciar as datas das respectivas cessações contratuais, em ordem a permitir que esse Tribunal pudesse, sem recorrer a indesejadas presunções, determinar a data concreta do fim dos ditos contratos.

 

Requereu ainda que o Tribunal ordenasse a tradução dos documentos n.º 20.º, 21, 22, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 42 juntos pela Requerente, uma vez que se encontram redigidos em língua inglesa, solicitando a sua tradução para língua portuguesa.

 

Veio ainda a AT dizer que a única prova admissível no presente caso é a documental, que constitui, no seu entender, o único meio de prova idóneo a sustentar o direito que se arroga a Requerente, requerendo assim que o requerimento de prova testemunhal fosse indeferido.

 

Conclui dever a acção ser julgada improcedente, mais requerendo que caso não fosse dispensada a produção de prova testemunhal, fosse a Requerente notificada para indicar quais os factos que pretende ver provados pelas testemunhas e que seja recusado como testemunha o cidadão B…, pois que na qualidade de administrador da Requerente, é considerado parte no processo.

 

Juntou a estes autos o processo administrativo, bem como 1 documento, de que se deu conhecimento à Requerente.

 

A Requerente veio, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do RJAT, exercer o contraditório à Resposta da Requerida, sustentando que os documentos impugnados pela AT deviam ser mantidos nos autos e livremente analisados pelo Tribunal, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, a que alude o n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC) (ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

 

Quanto à data em que cessaram os contratos de arrendamento relativos às fracções "C" e "H", veio a Requerente, na mesma Resposta, juntar um documento que, segundo alega, demonstra que os referidos contratos cessaram, efectivamente, em 31 de Janeiro de 2008.

 

No tocante ao pedido de tradução para língua portuguesa dos documentos, veio a Requerente dizer que existem orientações administrativas, aplicáveis a toda a autuação da AT, no sentido de que, sempre que sejam apresentados documentos elaborados em inglês, francês ou alemão, os mesmos não carecem de ser traduzidos. Não obstante, atenta a contestação pelos Representantes da AT da validade do teor dos documentos em face da sua não tradução para português e, bem assim, ao pedido expresso de junção da tradução dos documentos para língua portuguesa, nos termos do artigo 134.º do CPC (alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT), a Requerente diligenciou no sentido de proceder à sua tradução, que posteriormente juntou, por Requerimento de 28-10-2016.

 

Por fim, quanto à oposição à diligência requerida de inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, entendeu a mesma que, em face dos factos controvertidos, esta diligência se afigura essencial, quer no que toca à inquirição das testemunhas por si arroladas, quer no que respeita às declarações de parte de B…, o que se requereu nos termos do artigo 13.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT) (ex vi alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT).

 

Veio o Tribunal proferir Despacho de 17-10-2016, para que se providenciasse no sentido da marcação da primeira reunião, tendo a Requerida apresentado, a este respeito, um requerimento no sentido de dever ser dispensada a primeira reunião, por considerar ser um acto inútil.

 

Por Despacho de 21-10-2016, o Tribunal decidiu no sentido da manutenção da primeira reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, que se realizou no dia 31 de Outubro de 2016, à qual compareceram os Exmos. Senhores Árbitros e a ilustre mandatária da Requerente, não tendo, porém, comparecido os ilustres representantes da Requerida, pelo que o Tribunal determinou a sua notificação para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre o pedido de reenvio prejudicial.

 

O Tribunal proferiu Despacho, de 08-11-2016, no sentido de dever ser realizada a inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente, mais decidindo que a inquirição da testemunha B… deveria ser realizada através da figura processual da Declaração de Parte, por considerar que tais diligências se afiguram úteis ao apuramento da verdade. Mais ordenou a notificação da Requerente para indicar sobre que factos irão recair os vários depoimentos, o que foi feito pela Requerente por Requerimento de 11-11-2016.

A Requerida manifestou-se no sentido de nada ter a opor ao pedido de reenvio prejudicial.

 

A 18-11-2016 foi realizada a inquirição de testemunhas e do administrador da Requerente ao abrigo da prova por Declarações de Parte.

 

Tendo sido nomeada pela Requerente uma tradutora para proceder à tradução do depoimento da testemunha C… de inglês para português, a AT veio a opor-se a tal nomeação, invocando para o efeito a falta de imparcialidade e a consequente nulidade da nomeação, ao abrigo do disposto nos artigos 132, n.º2 e 195.º do CPC, ex vi artigo 29.º do RJAT, tendo o Tribunal confirmado e procedido à respectiva nomeação em conformidade com as regras constantes das alíneas c), e) e f) do n.º1 do artigo 19.º do RJAT, dada a idoneidade e imparcialidade demonstradas pelo seu currículo.

 

Em 16 de Dezembro de 2016, foi proferida decisão de reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça (“TJUE”), por se suscitarem dúvidas, com relevância para a decisão de mérito, sobre a conformidade dos artigos 26.º do Código do IVA e 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, na interpretação que a AT faz dos mesmos, com a Directiva 2006/112/CE (“Directiva IVA”) e, em consequência, suspendeu-se a instância arbitral.

 

O TJUE, em 28 de Fevereiro de 2018, proferiu o Acórdão relativo ao processo de reenvio prejudicial em causa, ao qual foi atribuído o n.º C-672/16, tendo sido notificado ao Tribunal Arbitral em 5 de Março de 2018, cessando nesta data o referido o efeito suspensivo.

 

 

  1. Saneamento

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

 

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

  1.  Matéria de Facto

 

  1. Factos provados

 

       Com relevo para a decisão importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

 

  1. A Requerente é uma sociedade que tem por objecto social a compra e venda, o arrendamento e a gestão de imóveis (quer sejam da propriedade da sociedade ou de terceiros) destinados a fins residenciais, a serviços (comércio e escritórios) e mistos, podendo ainda adquirir lotes de terreno para construção de edifícios com os fins anteriormente referidos.

 

  1. A Requerente é proprietária do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, n.º … e …, Rua … n.º … e Rua Dr. …, n.º…, … e …, em Algés, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º … e inscrito na matriz com o artigo…, da freguesia de União das Freguesias de…, … e … (correspondente ao anterior artigo …, da freguesia de …).

 

  1. A Requerente é, ainda, proprietária do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na …, n.º …, em …, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º … e inscrito na matriz com o artigo …, da freguesia de União das Freguesias de …, … e … (correspondente ao anterior artigo …, da freguesia de …).

 

  1. Ambos os imóveis acima descritos são edifícios para escritórios, comércio e parque público.

 

  1. A Requerente procedeu por diversos meios e com carácter de continuidade, nos períodos de tributação em causa (2011 a 2014), à promoção comercial dos imóveis em apreço com vista à sua locação.

 

  1. Previamente à celebração de cada um dos contratos de arrendamento, e por referência aos períodos de tributação em questão (2011 a 2014), a Requerente sempre renunciou à isenção do IVA nas referidas operações, nos termos do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IVA e do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis.

 

  1. As fracções autónomas “C” a “H” do imóvel sito na Rua …, n.º … e …, Rua … n.º … e Rua Dr. …, n.º…, … e …, em Algés (adiante “fracções autónomas “C” a “H”) permaneceram desocupadas por um período superior a 2 anos.

 

  1. Os contratos de arrendamento respeitantes àquelas fracções cessaram em 31 de Janeiro de 2008.

 

  1. Em 10 de Fevereiro de 2011, a Requerente apresentou um requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa –…, nos termos do qual informou que, em face dos circunstancialismos do mercado, as citadas fracções autónomas “C” a “H” continuavam por arrendar, tendo referido que, ainda assim, não haveria que efectuar qualquer regularização do IVA deduzido em virtude de tais fracções permanecerem afectas à actividade tributável, em sede de IVA, da Requerente, a qual continuava a promover a sua locação, conforme iniciativas descritas no mesmo requerimento.

 

  1. Em 13 de Fevereiro de 2013, a Requerente apresentou um novo requerimento, dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa –…, nos mesmos termos do requerimento anterior, desta feita por referência às fracções autónomas “W”, “P”, “Z”, “AB”, “L” e “Q” do imóvel sito na …, n.º…, em Algés.

 

  1. Em 17 de Setembro de 2015, a Requerente foi notificada do início da acção inspectiva efectuada ao ano de 2011, em cumprimento da Ordem de Serviço OI2014…, no contexto da qual foram efectuadas correcções aritméticas (de imposto em falta) no montante de EUR 804.454,52 com base nos seguintes fundamentos:

O art.º 10 do “Regime da Renúncia”, para além da transposição das regularizações à dedução relativas a bens imóveis, previstas no Código do Iva, contém como condição para a manutenção da opção pela renúncia à isenção, que os imóveis não se encontrem desocupados ou afectos a fins alheios à actividade da empresa, em suma, a operações não tributadas, por período superior a dois anos”;

“(…) verifica-se que a A…, tendo frações desocupadas, para além de não ter procedido às regularizações determinadas pela alínea b) do nº 1 do artº. 10º do Regime da Renúncia”, não efectuou as regularizações anuais, previstas no nº 1 do artº. 26º do CIVA, em cada um dos primeiros dois anos em que os imóveis permaneceram desocupados, em conformidade com o n.º 3 do artº. 10º daquele regime”;

“(…) a A…, relativamente às fracções desocupadas, deveria ter procedido às respetivas regularizações de imposto no período de 2011-12”.

 

  1. A AT veio, assim, invocar que a Requerente deveria proceder à regularização anual nuns casos, e à regularização definitiva noutros, do imposto deduzido quanto às seguintes fracções e nos seguintes termos:

 

 

 

 

Artigo

Fração

Piso

Data do Certificado de Renúncia

Data do Início Arrendamento

Data do Final do Arrendamento

IVA deduzido

Regularização al.b) art 10 Dec-Lei 21/2007

Regularização Art 26 CIVA

Montantes

Demonstração do cálculo

 

 

... (atual ...)

W

6.ºB

02-10-2006

28-06-2006

setembro / 2009

142.083,64

106.562,73

(1/20) x 15 anos x imposto deduzido

 

P

12ºA

10-03-2005

01-09-2005

dezembro / 2009

193.233,75

135.263,63

(1/20) x 14 anos x imposto deduzido

 

Z

9ºB

05-04-2005

01-02-2005

fevereiro / 2010

142.083,64

 

 

7.104,18

AB

11ºB

20-12-2006

31-10-2005

maio / 2010

142.083,64

 

 

7.104,18

L

8ºA

10-03-2005

01-11-2005

novembro / 2010

193.233,75

 

 

9.661,69

 

 

... (atual ...)

C

 

05-07-2002

10-07-2002

12-01-2008

23.091,99

12.700,59

(1/20) x 11 anos x imposto deduzido

 

D

73.574,48

40.465,96

(1/20) x 11 anos x imposto deduzido

 

E

07-04-2006

12-01-2006

01-02-2008

220.723,43

121.397,89

(1/20) x 11 anos x imposto deduzido

 

F

220.723,43

121.397,89

(1/20) x 11 anos x imposto deduzido

 

G

220.723,43

121.397,89

(1/20) x 11 anos x imposto deduzido

 

H

220.723,43

121.397,89

(1/20) x 11 anos x imposto deduzido

 

 

  1. Na sequência das correcções operadas ao ano de 2011, a Requerente foi notificada da liquidação de IVA n.º 2015…, no valor de EUR 755.326,81, da liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, no valor de EUR 115.223,55, da liquidação de IVA indevidamente reportado n.º 2015…, no valor de EUR 49.127,75 e da liquidação de juros de mora n.º 2015…, no valor de EUR 11.081,73, todas por referência ao ano de 2011 e emitidas com data de 15 de Dezembro de 2015, cujo prazo para pagamento voluntário terminava em 15 de Fevereiro de 2016.

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações, no montante global de EUR 930.759,84.

 

  1. Em 11 de Abril de 2016, a Requerente foi notificada da acção inspectiva efectuada aos exercícios de 2012 e 2013, em cumprimento das Ordens de Serviço OI2015… e OI2015…, na qual foram efectuadas correcções aritméticas (de imposto em falta) no montante de EUR 319.972,13 (2012) e EUR 77.051,87 (2013), com base nos mesmos argumentos que estiveram na origem das correcções efectuadas quanto ao exercício de 2011.

 

  1. A AT veio invocar que a Requerente deveria proceder à regularização anual nuns casos, e à regularização definitiva noutros, do imposto deduzido quanto às seguintes frações do imóvel sito na …, n.º … em Algés e nos seguintes termos:

Art.

Fração

Piso

Data do Certificado de Renúncia

Data do Início Arrendamento

Data do Final do Arrendamento

IVA deduzido

Regularização al.b) art 10 Dec-Lei 21/2007

Regularização Art 26 CIVA

Montantes

Demonstração do cálculo

2012

2013

... (atual

...)

Z

9ºB

05-04-2005

01-02-2005

fevereiro / 2010

142.083,64

92.354,37

(1/20) x 13 anos x imposto deduzido

 

 

AB

11ºB

20-12-2006

31-10-2005

maio / 2010

142.083,64

92.354,37

(1/20) x 13 anos x imposto deduzido

 

 

L

8ºA

10-03-2005

01-11-2005

novembro / 2010

193.233,75

125.601,94

(1/20) x 13 anos x imposto deduzido

 

 

Q

13ºA

06-03-2006

28-12-2005

dezembro / 2011

193.233,75

 

 

9.661,45

9.661,45

A

R/C A

12-11-2004

01-10-2004

setembro / 2012

76.853,70

 

 

 

3.842,69

B

R/C B

12-11-2004

01-10-2004

setembro / 2012

55.893,60

 

 

 

2.794,68

C

R/C C

19-08-2005

02-05-2005

setembro / 2012

69.867,00

 

 

 

3.493,35

D

Galeria

07-10-2004

22-07-2004

setembro / 2012

193.233,75

 

 

 

9.661,45

 

E

1º A

19-08-2005

02-05-2005

setembro / 2012

193.233,75

 

 

 

9.661,45

R

1º B

06-11-2007

01-10-2007

setembro / 2012

190.392,08

 

 

 

9.519,60

F

2º A

07-04-2006

01-12-2005

setembro / 2012

142.083,64

 

 

 

7.104,18

S

2º B

06-11-2007

01-10-2007

setembro / 2012

142.083,64

 

 

 

7.104,18

U

4º B

25-11-2004

22-07-2004

setembro / 2012

142.083,64

 

 

 

7.104,18

X

7º B

19-08-2005

01-06-2005

setembro / 2012

142.083,64

 

 

 

7.104,18

 

  1. Na sequência das correcções operadas aos exercícios de 2012 e 2013 – este último com repercussões ao nível do imposto deduzido já no ano de 2014 (períodos de 2014/01, 2014/03 e 2014/04) –, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações, cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 9 de Junho de 2016:

 

  • IVA do ano de 2012:
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 319.972,13, referente a IVA do ano de 2012 adicionalmente cobrado;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 39.869,40, referente a juros compensatórios, por referência ao ano de 2012.

 

  • IVA do ano de 2013:
  • Liquidação n.º 2016…, referente a IVA do ano de 2013, na qual não foi cobrado imposto adicional, tendo-se apenas corrigido o montante a reportar para o período seguinte (EUR 77.051,87).

 

  • IVA do ano de 2014:
  • Liquidação n.º 2016…, no montante de EUR 30.543,53, referente ao IVA do período de 2014/01;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 3.493,31, referente a juros de mora, relativo ao período de 2014/01;
  • Liquidação n.º 2016…, no montante de EUR 31.832,93, referente ao IVA do período de 2014/03;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 3.336,67, referente a juros de mora, relativo ao período de 2014/03;
  • Liquidação n.º 2016…, no montante de EUR 14.675,41, referente ao IVA do período de 2014/04;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 1.471,49, referente a juros de mora, relativo ao período de 2014/04.

 

  1. Ambos os imóveis, propriedade da Requerente (rectius as fracções autónomas em que os mesmos se decompõem), estão contabilizados nas demonstrações financeiras da Requerente na conta 42 – Propriedades de Investimento.

 

  1. A Requerente promoveu a oferta dos espaços disponíveis tendo em vista a sua inerente rentabilização através da celebração de contratos de arrendamento, contratos de prestação de serviços do tipo “office centre” e da gestão do parque de estacionamento público (inserido no Lote 5 do empreendimento).

 

  1. A Requerente procedeu à celebração dos seguintes contratos tendo em vista a promoção e oferta dos espaços para escritórios, em concreto, quanto às frações que se encontravam por arrendar:
  • Contrato celebrado, em 1 de Fevereiro de 2008, entre a Requerente e a D…, Lda. e a E…, S.A., referente às fracções autónomas “C” a “I” do imóvel sito na Rua …, n.º …, Rua … n.º … e Rua Dr. …, n.º …, em Algés (artigo … à data dos factos e actual artigo …);
  • Contrato celebrado, em Dezembro de 2009, entre a Requerente e a D…, Lda. e a F…, Lda., referente às fracções autónomas “C” a “I” do imóvel sito na Rua …, n.º…, Rua … n.º … e Rua …, n.º…, em Algés (artigo … à data dos factos e actual artigo …);
  • Contrato celebrado, em 16 de Maio de 2011, entre a Requerente e a D…, Lda. e a F…, Lda., referente às fracções autónomas “C” a “H” do imóvel sito na Rua …, n.º …, Rua … n.º… e Rua …, n.º…, em Algés (artigo … à data dos factos e actual artigo …);
  • Contrato celebrado, em 19 de Julho de 2011, entre a Requerente e a D…, Lda. e a F…, Lda., referente às fracções autónomas “A” a “F”, “R” e “S” do imóvel sito na …, n.º…, em Algés (artigo … à data dos factos e actual artigo…).

 

  1. Em resultado da celebração dos contratos acima referidos, a Requerente pagou a cada uma das empresas contratadas os serviços devidos pela promoção comercial dos seus edifícios, conforme resulta dos balancetes referentes aos anos de 2011 a 2013.

 

  1. No âmbito dos seus deveres contratuais para com a Requerente, as referidas empresas apresentaram, periodicamente, o resultado da actividade e das diligências efectuadas.

 

  1. Devidamente aconselhada pelas empresas mencionadas anteriormente, a Requerente desenvolveu ainda várias actividades de marketing em suporte à comercialização de onde se destacam:
  • Criação de um hand-out;
  • Criação de uma mailing list;
  • Criação de um site na internet;
  • Criação e divulgação de press releases de ampla divulgação pública;
  • Colocação de painéis publicitários nos imóveis.

 

  1. Estas iniciativas implicaram o dispêndio de custos suportados pela Requerente, conforme resulta dos balancetes referentes aos anos de 2011 a 2013.

 

  1. A Requerente procedeu ao ajustamento da oferta através (i) da disponibilização de espaços locáveis a preços mais competitivos (designadamente através do efeito combinado da disponibilização de mais espaço locável por um valor por m2 mais baixo), e (ii) da possibilidade de negociação de períodos de carência na fase de instalação de cada inquilino.

 

  1. Num primeiro momento foi promovido o arrendamento das fracções na sua integralidade, independentemente da área que as mesmas apresentassem.

 

  1. A Requerente recebeu manifestações de interesse.

 

  1. A Requerente celebrou novos contratos de arrendamento, com os seguintes inquilinos:
  • Contrato de arrendamento celebrado, em 14 de Julho de 2010, com a sociedade G…, S.A., referente à fracção autónoma “I”, do imóvel sito na Rua …, n.º …, Rua … n.º … e Rua …, n.º …, em Algés (artigo …  à data dos factos e actual artigo …);
  • Contrato de arrendamento celebrado, em 27 de Novembro de 2014, com a sociedade H…, Lda., referente às frações autónomas “A”, “B”, “D”, “E”, “F” (e respectivos parqueamentos) do imóvel sito na …, n.º…, em Algés (artigo … à data dos factos e actual artigo…).

 

  1. A Requerente não conseguiu locar todos os espaços.

 

  1. A Requerente optou por reestruturar a sua oferta, através da adopção de um novo modelo de negócio baseado na oferta integrada de espaços e serviços (“office centre”).

 

  1. A Requerente, solicitou à AT uma informação vinculativa que sancionou o entendimento de que o “office centre” estava sujeito e não isento de IVA.

 

  1. A partir de 2014, procedeu à divisão dos espaços de algumas das fracções, tendo celebrado os seguintes contratos:
  • Contrato celebrado, em 18 de Junho de 2014, com a sociedade I…, Lda;
  • Contrato celebrado, em 13 de Agosto de 2014, com a sociedade J…, S.A.;
  • Contrato celebrado, em 2 de Setembro de 2014, com a sociedade K…– Sucursal em Portugal.
  • Contrato celebrado, em 15 de Junho de 2015, com a sociedade L…, S.A.
  • Contrato celebrado, em 14 de Agosto de 2015, com a sociedade M…, Lda.
  • Contrato celebrado, em 24 de Setembro de 2015, com a sociedade N…, Lda.;
  • Contrato celebrado, em 25 de Fevereiro de 2016, com a sociedade O…, Lda.

 

  1. A partir de 2014, a Requerente passou a prosseguir a sua actividade com base em dois modelos de negócio distintos – o arrendamento de fracções autónomas, e a prestação de serviços integrados segundo o modelo de “office centre”.

 

  1. Os custos associados a estas iniciativas estão reflectidos contabilisticamente nas demonstrações financeiras da Requerente, em especial nos balancetes, tomando por referência os exercícios de 2011 a 2013.

 

  1. Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

  1. Motivação da decisão de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, no processo administrativo e na prova testemunhal e por declarações de parte.

As testemunhas inquiridas, bem como o administrador que foi inquirido ao abrigo da prova por declarações de parte, aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que referiram.

 

 

  1. Matéria de Direito

 

1. Questões a decidir

 

       Relativamente às liquidações de IVA referentes ao ano 2011 e às fracções autónomas “C” a “H”, importa, desde logo, determinar se o imposto se reporta, ou não, ao ano errado e se se encontra, ou não, caducado, em função das normas nacionais e comunitárias que respeitam à caducidade e à exigibilidade do imposto, em particular sobretudo os artigos 45.º, n.º 4, da LGT e 7.º e 8.º do Código do IVA, em transposição dos artigos e 62.º e 63.º da Directiva 2006/112/CE.

 

Adicionalmente, caso não se tenha verificado a caducidade do direito à liquidação do imposto no tocante às liquidações adicionais reportadas a 2011 e, bem assim, quanto aos demais actos de liquidação (reportados aos anos de 2012 a 2014), está, sobretudo, em causa a interpretação do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, face ao Direito da União Europeia, mais concretamente:

 

  1. A questão de saber se a obrigatoriedade de regularizar de uma só vez o IVA deduzido por não utilização efectiva do imóvel por um período superior a dois anos, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do referido Regime de Renúncia à Isenção do IVA, é compatível com as regras e princípios comunitários, em especial com o disposto na Directiva IVA;

 

  1. A questão de saber se a conjugação da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do aludido Regime de Renúncia à Isenção do IVA é conforme ao Direito da União Europeia, em especial ao disposto na Directiva IVA, na medida em que o seu efeito combinado determina a impossibilidade de um sujeito passivo de IVA poder vir a renunciar à isenção do IVA na celebração de novos contratos de arrendamento após a ocorrência de uma regularização do IVA de uma só vez;

 

  1. A interpretação do n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e da alínea b) do n.º 1 artigo 10.º do referido Regime de Renúncia à Isenção do IVA, nas suas redacções anteriores, face ao disposto na Directiva IVA, especificamente a questão de saber se os mesmos devem ser interpretados no sentido de não serem aplicáveis sempre que, apesar de o imóvel se encontrar vago, seja intenção do respectivo proprietário arrendá-lo com sujeição a IVA, estando em condições de provar que realizou e está a realizar todos os esforços necessários para arrendar o imóvel, com renúncia à isenção de IVA.

 

2. Normativos em causa

 

       De acordo com o previsto no n. º4 do artigo 12.º do CIVA, “Os sujeitos passivos que procedam à locação de prédios urbanos ou fracções autónomas destes a outros sujeitos passivos, que os utilizem, total ou predominantemente, em actividades que conferem direito à dedução, podem renunciar à isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º”.

 

       O Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas operações relativas a Bens Imóveis foi transposto para o direito nacional para o n.º 4 do artigo 12.º do CIVA, determinando-se, no respectivo n.º 6, que constaria de legislação especial.

 

       Os termos e as condições para a renúncia à isenção passaram a estar especificadamente estabelecidos no Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, regime este que, posteriormente, veio a ser reformulado pelo aludido Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro.

 

As disposições referidas do aludido Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas operações relativas a Bens Imóveis, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 21/2007, previam o seguinte à data dos factos:

 

Artigo 2.º

Condições objectivas para a renúncia à isenção

1 - A renúncia à isenção é admitida nas operações relativas a bens imóveis quando se mostrem satisfeitas as seguintes condições:

a) O imóvel se trate de um prédio urbano ou de uma fracção autónoma deste ou ainda, no caso de transmissão, de um terreno para construção;

b) O imóvel esteja inscrito na matriz em nome do seu proprietário, ou tenha sido pedida a respectiva inscrição, e não se destine a habitação;

c) O contrato tenha por objecto a transmissão do direito de propriedade do imóvel ou a sua locação e diga respeito à totalidade do bem imóvel;

d) O imóvel seja afecto a actividades que confiram direito à dedução do IVA suportado nas aquisições;

e) No caso de locação, o valor da renda anual seja igual ou superior a quinze avos do valor de aquisição ou construção do imóvel.

2 - Verificadas as condições previstas no número anterior, a renúncia só é permitida quando o bem imóvel se encontre numa das seguintes circunstâncias:

a) Esteja em causa a primeira transmissão ou locação do imóvel ocorrida após a construção, quando tenha sido deduzido ou ainda seja possível deduzir, no todo ou em parte, o IVA nela suportado;

b) Esteja em causa a primeira transmissão ou locação do imóvel após ter sido objecto de grandes obras de transformação ou renovação, de que tenha resultado uma alteração superior a 50% do valor patrimonial tributável para efeito do imposto municipal sobre imóveis, quando ainda seja possível proceder à dedução, no todo ou em parte, do IVA suportado nessas obras;

c) Na transmissão ou locação do imóvel subsequente a uma operação efectuada com renúncia à isenção, quando esteja a decorrer o prazo de regularização previsto no n.º 2 do artigo 24.º do Código do IVA relativamente ao imposto suportado nas despesas de construção ou aquisição do imóvel.

(…)”

Artigo 10.º

Regularização do imposto deduzido

1 - Não obstante o disposto no n.º 1 do artigo 25.º do Código do IVA, os sujeitos passivos que utilizem bens imóveis relativamente aos quais houve direito à dedução total ou parcial do imposto que onerou a respectiva aquisição são obrigados a regularizar, de uma só vez, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do mesmo Código, as deduções efectuadas, considerando que os bens estão afectos a uma actividade não tributada, quando:

a) O bem imóvel seja afecto a fins alheios à actividade exercida pelo sujeito passivo;

b) Ainda que não seja afecto a fins alheios à actividade exercida pelo sujeito passivo, o bem imóvel não seja efectivamente utilizado em fins da empresa por um período superior a dois anos consecutivos. [actualmente cinco anos]

2 - O montante das regularizações referidas no número anterior deve ser incluído na declaração de imposto relativa ao último período do ano em que ocorrer a situação que lhes dá origem.

3 - O disposto na alínea b) do n.º 1 não prejudica o dever de proceder às regularizações anuais previstas no n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA até ao decurso do prazo de cinco anos referido nessa alínea.”

      

       Estabelecem os n.ºs 5 e n.º 6 do artigo 24.º do Código do IVA que:

 

“Artigo 24.º  

Regularizações das deduções relativas a bens do activo imobilizado

(…)

5 - Nos casos de transmissões de bens do activo imobilizado durante o período de regularização, esta é efectuada de uma só vez, pelo período ainda não decorrido, considerando-se que tais bens estão afectos a uma actividade totalmente tributada no ano em que se verifica a transmissão e nos restantes até ao esgotamento do prazo de regularização. Se, porém, a transmissão for isenta de imposto, nos termos dos n.os 30) ou 32) do artigo 9.º, considera-se que os bens estão afectos a uma actividade não tributada, devendo no primeiro caso efectuar-se a regularização respectiva.

6 - A regularização prevista no número anterior é também aplicável, considerando-se que os bens estão afectos a uma actividade não tributada, no caso de bens imóveis relativamente aos quais houve inicialmente lugar à dedução total ou parcial do imposto que onerou a respectiva construção, aquisição ou outras despesas de investimento com eles relacionadas, quando:

a) O sujeito passivo, devido a alteração da actividade exercida ou por imposição legal, passe a realizar exclusivamente operações isentas sem direito à dedução;

b) O sujeito passivo passe a realizar exclusivamente operações isentas sem direito à dedução, em virtude do disposto no n.º 3 do artigo 12.º ou nos n.os 3 e 4 do artigo 55.º;

c) O imóvel passe a ser objecto de uma locação isenta nos termos do n.º 29 do artigo 9.º

(…).”

 

       O artigo 25.º do CIVA vem prever o seguinte:

 

 “Artigo 25.º

Regularizações relativas a bens do activo imobilizado por motivo de alteração da actividade ou imposição legal

1 - Se, por motivo de alteração da actividade ou por imposição legal, os sujeitos passivos passarem a praticar operações sujeitas que conferem direito à dedução, podem ainda deduzir o imposto relativo aos bens do activo imobilizado, do seguinte modo:

(…)

b) No caso de bens imóveis adquiridos ou concluídos no ano da alteração do regime de tributação e nos 19 anos civis anteriores, o imposto dedutível é proporcional ao número de anos que faltem para completar o período de 20 anos a partir do ano da ocupação dos bens;

4 - A regularização prevista na alínea b) do n.º 1 é também aplicável quando, após uma locação isenta abrangida pela alínea c) do n.º 6 do artigo 24.º, o imóvel seja objecto de utilização pelo sujeito passivo exclusivamente no âmbito de operações que conferem direito à dedução.”

 

Por outro lado, o n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA, determina o seguinte: “A não utilização em fins da empresa de bens imóveis relativamente aos quais houve dedução do imposto durante 1 ou mais anos civis completos após o início do período de 19 anos referido no n.º 2 do artigo 24.º dá lugar à regularização anual de 1/20 da dedução efectuada, que deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.”

 

3. Entendimento da Requerente

 

3.1. Caducidade do direito à liquidação do IVA (ano 2011)

 

A Requerente começa por sustentar a caducidade do direito à liquidação do IVA referente ao ano 2011 e consequente ilegalidade das liquidações efectuadas pela AT, alegando, por um lado, que o imposto relativo às liquidações de IVA e juros efectuadas por referência a 2011, e referentes às fracções autónomas “C” a “H”, se reporta ao ano errado e que o mesmo se encontra caducado, com base nos seguintes argumentos: 

 

  1. Resulta do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT) que o prazo de caducidade, no caso do IVA, deve ser contado do primeiro dia do ano seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.

 

  1. As regras de exigibilidade estão previstas no artigo 7.º do Código do IVA quando estão em causa operações de transmissões de bens, prestações de serviços ou importações.

 

  1. No presente caso, na medida em que o imposto alegadamente devido não resulta de nenhuma operação, mas sim de uma regularização que, quando devida, é um acto que deve ser praticado pelo próprio sujeito passivo na sua declaração periódica do último período do ano em que o facto se verifica, as referidas normas não são de aplicação.

 

  1. O artigo 8.º do mesmo Código prevê, supletivamente, as situações em que o imposto se torna exigível sempre que a transmissão de bens ou a prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir uma factura.

 

  1. Ora, a alegada necessidade de proceder à regularização do IVA no caso em apreço também não dá azo à emissão de uma factura, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º e do artigo 36.º do Código do IVA, pelo que as regras do artigo 8.º do mesmo Código não são, igualmente, aplicáveis ao caso sub judice.

 

  1. Por sua vez, resulta do artigo 62.º da Directiva IVA que o momento em que o imposto se torna exigível corresponde ao momento em que o direito a receber o imposto nasce na esfera do Estado, momento que não deve ser confundido com aquele a partir do qual o Estado, através da acção da sua administração tributária, pode proceder à cobrança desse mesmo imposto.

 

  1. O artigo 63.º da mesma Directiva (e que foi transposto pelo artigo 7.º do Código do IVA) determina que, por referência às operações tributáveis, é a ocorrência do facto tributável que faz nascer a exigibilidade do imposto, enquanto direito da administração tributária a receber o IVA liquidado pelo sujeito passivo.

 

  1. Ou seja, o IVA torna-se exigível no momento em que o facto tributável tem lugar ou na data da emissão da competente factura, altura em que o imposto se torna quantificável e, por isso mesmo, exigível pela administração tributária ao sujeito passivo que o deve auto liquidar, momento que não deve ser confundido com aquele a partir do qual a AT adquire o direito à cobrança do imposto, e que apenas ocorre após o prazo para a entrega da declaração periódica e pagamento do imposto auto liquidado.

 

  1. Decorre da factualidade descrita que os contratos de arrendamento referentes às fracções autónomas “C” a “H” cessaram, o mais tardar, em Fevereiro de 2008, pelo que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, deve considerar-se que o imposto deduzido deveria ser regularizado a partir de Fevereiro de 2010.

 

  1. Deve depreender-se destas normas que o imposto a favor do Estado, resultante desta pretensa regularização, tornou-se devido e exigível no decurso de 2010, e não no decurso de 2011, sendo esta a única interpretação conforme com a imposição do Direito da União Europeia de que a exigibilidade deve considerar-se verificada no momento em que nasce o direito ao imposto em falta, ou seja, quando se verifica o facto que obriga à regularização do imposto.

 

  1. Por isso mesmo, e muito embora o n.º 2 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA determine que a regularização seja efectuada na declaração periódica do último período do ano em que respeita (in casu, Dezembro de 2010), a circunstância de a referida declaração periódica apenas ser entregue no ano seguinte (Fevereiro de 2011), não é argumento para assumir que o imposto regularizado apenas se torna exigível no final do prazo de entrega dessa mesma declaração.

 

  • Em consequência, não só as liquidações adicionais efectuadas estão incorrectas, uma vez que deveriam dizer respeito ao ano de 2010, e não ao ano de 2011, como as mesmas foram emitidas já depois de findo o prazo de caducidade aplicável, contado a partir de 1 de Janeiro de 2011, e termo em 31 de Dezembro de 2014.

 

  1. De facto, na medida em que o n.º 4 do artigo 45.º da LGT impõe que o prazo de caducidade, no caso do IVA, seja contado do primeiro dia do ano seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto (equiparando-se para este efeito o IVA aos impostos periódicos), é forçoso concluir que o prazo de caducidade, por referência às liquidações em crise, terminou muito antes da data de emissão (e notificação) das mesmas, ainda que se leve em conta a eventual suspensão de tal prazo por efeito do procedimento instrutivo.

 

  • Conclui, assim, a Requerente que as liquidações adicionais efectuadas por referência a 2011, e relativas às fracções autónomas “C” a “H”, são manifestamente ilegais, uma vez que, não só se reportam ao ano errado (2011, em vez de 2010), como também não respeitaram o prazo de caducidade previsto no n.º 4 do artigo 45.º da LGT.

 

3.2. Desconformidade do regime de regularizações de IVA à face do direito da UE e incorrecta subsunção do caso (anos 2011 a 2014)

 

Por outro lado, a Requerente defende que a interpretação perfilhada pela AT é manifestamente abusiva e ilegal face ao disposto na Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Directiva IVA), e à pretendida subsunção dos factos no âmbito do n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, tanto na sua versão original, como na versão da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

 

Assim, a Requerente sustenta que todas as correcções efectuadas em sede de inspecção tributária e, em consequência, as liquidações contestadas, são ilegais, com base nos seguintes argumentos:

 

  1. Essas correcções partem do pressuposto que a Requerente estava obrigada a proceder, nuns casos, à regularização anual, e, noutros, à sua regularização de uma só vez, do IVA deduzido, consoante as fracções se encontrassem, respectivamente, desocupadas por período superior a um ano (ao abrigo do artigo 26.º, n.º 1, do Código do IVA) ou por período superior a dois anos (ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA).

 

  1. A imposição da obrigatoriedade de proceder à regularização do IVA deduzido de uma só vez, determina, na esfera da Requerente, a impossibilidade legal (excepto em casos da realização de grandes obras de transformação ou renovação de que resulte uma alteração superior a 30% do valor patrimonial tributável) de renunciar à isenção do IVA na celebração de novos contratos de arrendamento tendo por objecto as fracções visadas (cf. alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 2.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis).

 

  1. O entendimento sufragado pela AT, e as liquidações que do mesmo resultaram, são manifestamente ilegais tendo em atenção:
  • A desconformidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis face ao direito da UE, em especial ao disposto nas Directivas 2006/69/CE do Conselho, de 24 de Julho de 2006 e 2006/112/CE;
  • A desconformidade da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis face ao direito da UE, em especial ao disposto na Directiva IVA, na medida em que o seu efeito combinado determina a impossibilidade de um sujeito passivo de IVA poder vir a renunciar à isenção do IVA na celebração de novos contratos de arrendamento após a ocorrência de uma regularização do IVA de uma só vez;
  • A incorrecta subsunção do caso vertente nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis.

 

Concretizando o seu entendimento, a Requerente começa por efectuar uma análise da compatibilidade das normas de direito nacional com o direito da UE, alegando a este respeito o seguinte:

 

  1. Da conjugação do n º 1 do artigo 9.º e dos artigos 167.º e 168.º da Directiva IVA, resulta que a qualidade de sujeito passivo de IVA, incluindo o direito à dedução, é adquirida no momento em que o sujeito passivo dá início a uma actividade económica ainda que, por razões alheias à sua vontade, o mesmo jamais tenha feito uso de tais bens ou serviços para realizar operações tributárias, sem prejuízo das regularizações de imposto a que haja lugar.

 

  1. A referida interpretação é conforme à jurisprudência constante do TJUE, o qual vem defendendo a manutenção do direito à dedução por parte do sujeito passivo, independentemente do resultado da actividade, e de a mesma ser ou não geradora de rendimento, excepto no caso de estarmos perante situações fraudulentas ou abusivas

 

  1. Muito embora os Estados-Membros estejam autorizados, nos termos do n.º 2 do artigo 137.º da Directiva IVA, a regular as condições em que se processa a renúncia à isenção do IVA, tal mandato não lhes confere uma latitude irrestrita ao abrigo da qual a legislação doméstica possa derrogar ou limitar o direito à dedução do imposto em contravenção com os princípios estruturantes da neutralidade, da igualdade tributária e da proporcionalidade em que assenta o sistema comum do IVA.

 

  1. Como decorre da jurisprudência do TJUE, a latitude conferida aos Estados-Membros está limitada, no tocante às regularizações de imposto, aos dispositivos previstos no artigo 189.º da Directiva IVA (anterior n.º 4 do artigo 20.º da Sexta Directiva).

 

  1. É, precisamente, a restrição ilegítima do direito à dedução que está aqui em causa, quer a partir das regras do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, quer da interpretação restritiva que delas faz a AT.

 

  1. Na verdade, estabelece o artigo 184.º da Directiva IVA que “A dedução inicialmente efectuada é objecto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito”.

 

  1. Ora, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, o sujeito passivo deverá fazer uma regularização de uma só vez, a favor do Estado, caso o bem imóvel não seja efectivamente utilizado em fins da empresa por um período superior a 2 anos consecutivos (actualmente 5 anos).

 

  1. Ou seja, há lugar a uma regularização quando o valor do IVA inicialmente deduzido é superior àquele que o sujeito passivo tem direito segundo essa regra.

 

  1. Neste ponto, importa chamar à colação a evidente desarmonia sistemática entre o disposto no n.º 4 do artigo 25.º do Código do IVA, e os efeitos associados à regularização do IVA, por uma só vez, e que resultam da aplicação das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 2.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, todas do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis.

 

  1. Ao referir-se expressamente à situação prevista na alínea c) do n.º 6 do artigo 24.º do Código do IVA, o n.º 4 do artigo 25.º do mesmo diploma, parece apenas permitir que o sujeito passivo deduza o IVA suportado com o imóvel em causa (na proporção dos anos que faltarem para o fim do prazo de regularização), quando a afectação do mesmo a uma actividade sujeita se siga a uma locação isenta, e não já quando se siga a outras situações que tenham determinado a realização de regularizações do imposto deduzido, tais como as previstas no artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis.

 

  1. Ao vedar a possibilidade do sujeito passivo, objecto de regularizações nos termos do artigo 10.º do Regime da Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, de “reverter parcialmente” tal regularização sempre que os imóveis em causa sejam, ainda durante o seu prazo de regularização, afectos a actividades que conferem de direito à dedução do IVA, está-se na prática a limitar o direito à dedução do imposto consagrado pela Directiva IVA.

 

  • Além disso, ao determinar a impossibilidade de renunciar à isenção do IVA na celebração de novos contratos de arrendamento tendo por objecto os imóveis que deram causa à regularização por uma só vez, a lei portuguesa impede que o sujeito passivo possa deduzir o IVA suportado com todas as despesas directamente relacionadas com a promoção, gestão, manutenção e conservação dos imóveis que pretende manter afectos ao exercício de uma actividade tributada. O que naturalmente o coloca numa posição desfavorável face a outros operadores económicos.

 

  1. Em resumo, a legislação portuguesa, não só não permite dar cumprimento ao estabelecido na Directiva IVA, mormente à possibilidade de ocorrer uma regularização (a favor do sujeito passivo) caso se verifique que a dedução inicialmente efectuada foi, afinal, inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito, como impede o sujeito passivo de deduzir os inputs de IVA suportados após uma regularização a favor do Estado nos termos do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis.

 

  • Admitir este tipo de entorses, implicaria aceitar a violação do princípio da igualdade tributária (equivalência económica e fiscal de direitos formalmente diversos) emanado do princípio da neutralidade, atenta a clara discriminação que representaria para os operadores a actuar no mercado imobiliário destinado ao arrendamento, face aos demais operadores económicos.

 

  • É precisamente por estar em causa a defesa do princípio da neutralidade, que o direito da UE veda os Estados-Membros a possibilidade de derrogarem ou limitarem o direito à dedução do imposto nos moldes consagrados na Directiva IVA, mesmo quando invocam, como o faz confessadamente o legislador português no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, que aprovou o Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, a necessidade de combater situações de fraude, evasão e abuso.

 

  1. Basta, aliás, confrontar o texto da Directiva 2006/69/CE com Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, que aprovou o Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, para concluir que, com excepção das medidas referentes ao valor normal de mercado e à inversão do sujeito passivo no caso de renúncia, todas as restantes disposições limitativas do direito à renúncia e dedução do imposto, incluindo os casos de regularização forçada numa única vez, resultam da iniciativa do legislador nacional, sendo manifestamente desproporcionadas.

 

  1. Daqui flui inevitavelmente que o Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, pelo carácter irreversível da obrigatoriedade de regularizar de uma só vez o IVA deduzido por inutilização do imóvel, sem que o sujeito passivo possa sequer justificar o motivo que esteve na origem dessa mesma inutilização, não observa a regra da proporcionalidade.

 

  1. Em face do acima exposto, entende a Requerente que o entendimento sufragado pela AT e as liquidações que do mesmo resultaram são manifestamente ilegais tendo em atenção:

- A desconformidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis em face ao direito da UE, em especial do direito à dedução do IVA consagrado no artigo 184.º da Directiva IVA, com a consequente da violação dos princípios da neutralidade, igualdade tributária e da proporcionalidade, neste último caso tendo ainda em atenção o disposto na Directiva 2006/69/CE;

- A desconformidade da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis face ao direito da UE, em especial ao disposto na Directiva IVA, na medida em que o seu efeito combinado determina a impossibilidade de um sujeito passivo de IVA poder vir a renunciar à isenção do IVA na celebração de novos contratos de arrendamento após a ocorrência de uma regularização do IVA de uma só vez.

 

Por fim, a Requerente procede à interpretação do direito interno para concluir pela errada aplicação, por parte da AT, do n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e, sobretudo, do disposto na alínea b) do n.º 1 artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA, nas suas redacções anteriores, alegando o seguinte:

 

  1. O regime de renúncia à isenção do IVA nas operações imobiliárias, mais concretamente nas transmissões e locações de bens imóveis, tem por objectivo facultar aos sujeitos passivos de IVA a opção pela tributação dessas operações quando os adquirentes ou locatários tenham a respectiva actividade total ou parcialmente afecta a operações tributáveis em IVA.

 

  1. A possibilidade de opção pela tributação tem a sua génese na Sexta Directiva e vem actualmente prevista no artigo 137.º da Directiva IVA, concedendo o legislador comunitário a cada Estado-Membro a opção por definir as regras processuais segundo as quais o direito à opção pela tributação pode ser exercido.
  2. O legislador nacional optou por consagrar no artigo 12.º do Código do IVA o direito de renúncia à isenção em termos muito genéricos, remetendo actualmente para o Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis no que tange à definição dos termos e condições em que a referida opção pela tributação pode ser exercida.

 

  1. O regime das regularizações das deduções do IVA relativas a bens imóveis é tratado, principalmente no artigo 26.º do Código do IVA e no artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis.

 

  1. Parece ser no mínimo precipitada a conclusão sustentada pela AT de que “O art.º 10 do “Regime da Renúncia”, (…) contém como condição para a manutenção da opção pela renúncia à isenção, que os imóveis não se encontrem desocupados (…) por período superior a dois anos”.

 

  1. O mecanismo da regularização visa incentivar a continuidade, pelo sujeito passivo, da actividade empresarial que deu origem ao direito à dedução do imposto, e bem assim, de contrariar - constituindo aqui uma verdadeira disposição anti-abuso -, o desvio da afectação dos imóveis a fins alheios ou isentos, evitando a recuperação abusiva do imposto.

 

  1. Explicado por outras palavras, tanto o alcance do n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA, como da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, visam, cada um à sua maneira, atingir aquelas situações em que o imóvel deixou de estar afecto a uma actividade empresarial, ainda que possa continuar associado ao interesse geral do sujeito passivo.

 

  1. Entende a Requerente que deve ser traçada uma linha de fronteira entre as situações puramente passivas – em que o sujeito passivo nada faz para rentabilizar o bem –, e aquelas outras em que o bem imóvel, apesar de desocupado, continua a ser activamente promovido pelo sujeito passivo com vista ao desenvolvimento da sua actividade comercial sujeita e não isenta de imposto.

 

  1. Tal como no caso das despesas preparatórias, é inegável que a promoção comercial dos imóveis com vista à sua locação com IVA constitui um estado larvar ou prévio da actividade comercial tributável exercida pelo sujeito passivo. Não podendo, por isso mesmo, ser dissociada desta última, como aliás é reconhecido e validado pela jurisprudência do TJUE.

 

  1. De outra forma, e caso prevalecesse uma interpretação mais restritiva, a mesma conduziria a uma inexplicável penalização dos sujeitos passivos proprietários de imóveis destinados ao arrendamento, os quais, para além de não obterem qualquer rendimento pelo facto de manterem os imóveis desocupados, ainda seriam obrigados a devolver ao Estado parte ou a totalidade do IVA deduzido por referência a esses imóveis.

 

  1. O impacto relatado seria especialmente gravoso no caso da regularização, de uma só vez, do IVA, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA. Aqui, além dos prejuízos sofridos, os promotores ainda seriam obrigados a devolver ao Estado, todo o IVA deduzido por referência a esses imóveis por todo o período de regularização ainda não decorrido.

 

  • A jurisprudência do TJUE tem sido constante na defesa da manutenção do direito à dedução por parte do sujeito passivo, independentemente do resultado da actividade exercida, excepto nos casos de comprovadas situações fraudulentas ou abusivas, reconhecendo, pois, que o direito à dedução do IVA deverá manter-se – não havendo necessidade de proceder a qualquer regularização – nos casos em que os bens em causa não são efectivamente utilizados por motivos e circunstâncias que estão fora do controlo do sujeito passivo.

 

  1. Assim, na inexistência de circunstâncias fraudulentas ou abusivas e sem prejuízo de eventuais regularizações em conformidade com as condições previstas no artigo 185.° da Directiva IVA, o direito a dedução, uma vez surgido, permanece adquirido mesmo quando a actividade económica prevista não deu lugar a operações tributáveis.

 

  • Sendo o mecanismo de regularização previsto na Directiva IVA parte integrante do regime de dedução do IVA estabelecido pela mesma, não pode um Estado-Membro, mesmo que autorizado pelo n.º 2 do artigo 137.º a definir as regras de renúncia à isenção do IVA na locação imobiliária, não pode limitar o direito dos sujeitos passivos a efectuar as deduções ligadas às operações tributáveis sempre e quando o direito de opção tiver sido validamente exercido em conformidade com as referidas regras.

 

  • Em particular, a aplicação das regras processuais nacionais não pode ter como consequência limitar o período em que as deduções podem ser efectuadas a um período mais curto do que o previsto pela Directiva IVA para o ajustamento das deduções.

 

  1. Por isso mesmo, além de não ter qualquer apoio legal (sobretudo até 2014), aceitar a interpretação restritiva em debate, colocaria em pé de igualdade os infractores e os promotores imobiliários que activa e comprovadamente procuram ocupar os seus imóveis. Com a agravante de violar frontalmente aos princípios e regras comunitárias que informam o sistema comum do IVA.

 

  1. Conclui-se que, em face da Directiva IVA e da jurisprudência citada, tanto o n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA, como sobretudo o disposto a alínea b) do n.º 1 artigo 10.º do citado Regime, nas suas redacções anteriores, devem ser interpretados no sentido de não serem aplicáveis sempre que, apesar de o imóvel se encontrar vago, seja intenção do respectivo proprietário arrendá-lo com sujeição a IVA, estando em condições de provar que realizou e está a realizar todos os esforços necessários para arrendar o imóvel, com renúncia à isenção de IVA, ou afectá-lo a operações tributadas de outra natureza, designadamente de oferta integrada de espaços e serviços (“office centre”).

 

  1. No caso em apreço, é manifesto que, não obstante os imóveis melhor identificados supra tenham estado desocupados por mais de dois anos consecutivos, tal situação não é imputável à Requerente que efectuou (e ainda efectua, à presente data) todas as diligências necessárias para arrendar os imóveis, sendo manifesta a perseverança da Requerente na promoção dos seus imóveis, o que levou a que a mesma tivesse celebrado contratos de arrendamento de imóveis e contratos de serviços sobre os mesmos.

 

  1. Terá, assim, de se concluir que a Requerente não estava adstrita e efectuar qualquer regularização de IVA – nem ao abrigo do artigo 26.º do Código do IVA, nem ao abrigo da alínea b) do n.º 1 artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA –, pelo que as liquidações de imposto e respectivos juros compensatórios e moratórios são manifestamente ilegais, por violação dos citados preceitos legais.

 

4. Entendimento da Requerida

 

A AT pugnou pela improcedência do pedido relativamente a todas as liquidações contestadas, alegando, quanto à caducidade suscitada pela Requerente no que respeita ao imposto relativo às fracções autónomas “C” a “H”, referentes ao ano de 2011, que a prova da apresentação das comunicações a denunciar os contratos, pertencia, nos termos dos artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º do CC, em exclusivo, à Requerente, visto ser a ela que aproveita o provimento da caducidade das liquidações e que o facto de no relatório de inspecção final se indicar como data de cessação de contrato para as aludidas fracções os dias 12-01-2008 e 01-02-2008, não significa que se deva assumir, sem mais, como pacífico que foi, precisamente, naquelas datas que findaram as relações contratuais entre a Requerente e as então arrendatárias. Face ao que, segundo a AT, deverá ser indeferido o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA, das fracções autónomas “C” a “H”, referentes ao ano de 2011.

 

      No que se refere ao regime das regularizações, a AT considera, em síntese, que:

 

  1. O Decreto-Lei n.º 21/2007 foi, como consta do seu preâmbulo, aprovado com o objectivo específico de combater as situações de fraude, abuso e evasão fiscal que, em larga escala, e de forma cada vez mais galopante, se vinham registando ainda na vigência do Decreto-Lei n.º 241/86, tendo, por essa razão, o legislador, ao abrigo do actual artigo 137.º da Directiva IVA, determinado os critérios de acesso ao regime de renúncia à isenção.

 

  1. Ora, os n.ºs 2 e 3 do artigo 137.º da Directiva IVA, prevêem que é cada Estado-Membro que define, por meio de legislação interna, as regras do exercício do direito de renúncia, atribuindo-se-lhes margem para poderem exercer uma maior ou menor restrição consoante a necessidade e a política fiscal e económica de cada país.

 

  1. Por seu turno, o artigo 187.º da Directiva IVA prevê no n.º 2 que: “A regularização referida no primeiro parágrafo é realizada em função das alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos, produzidos ou, se for caso disso, utilizados pela primeira vez.

 

  1. Ora, foi precisamente com base no que se referiu, isto é, na faculdade conferida pela Directiva de os Estados-Membros definirem e restringirem o exercício de renúncia à isenção em sede de IVA, e bem assim com base na necessidade urgente de combater a fraude e o abuso sob o ponto de vista fiscal, que levou justamente o legislador nacional a “apertar o cerco” ao sector imobiliário, gizando regras muito concretas de acesso à dita renúncia, vertidas no Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro.

 

  1. Pelo que, in casu, a pedra de toque aqui é, frise-se, a mencionada liberdade que originariamente a Directiva IVA concedeu aos Estados-Membros de bem delinearem o regime de renúncia à isenção.

 

  1. No decurso dos procedimentos inspectivos, constatou-se que as fracções autónomas dos Quadros I e II, propriedade da Requerente, relativamente às quais tinha havido renúncia à isenção, encontravam-se desocupadas há mais de dois anos.

 

  1. Não obstante a aludida desocupação, fruto da cessação dos contratos de arrendamento comercial, ainda assim a Requerente - volvidos mais de dois anos de os imóveis não serem efectivamente utilizados em fins empresariais -, não procedeu às regularizações que legalmente se impunham, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do Decreto-Lei n.º 21/2007 e do artigo 26.º, n.º 1 do CIVA.

 

  1. De acordo com a redacção do artigo 26.º, n.º 1, do CIVA, apenas a utilização efectiva do imóvel para a realização de operações de transmissão de bens e/ou prestações de serviços sujeitas a imposto é que confere o direito à dedução do imposto suportado na aquisição/construção do imóvel.

 

  1. A leitura daquele artigo 26.º, n.º 1, do CIVA, deve ser concatenada com a redacção do artigo 10.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 21/2007, pois esta última refere que existe obrigação de proceder à regularização de imposto deduzido sempre que o bem imóvel não seja efectivamente utilizado em fins da empresa por um período superior a dois anos consecutivos.

 

  1. A questão a interpretar é o que se deve entender por “efectivamente utilizado”, sendo que na situação de locação de bens imóveis, somente se pode subsumir à utilização efectiva e prolongada no tempo (que o legislador considerou de 20 anos) na realização de operações tributadas que permitem à Requerente absorver o imposto suportado na sua aquisição/construção.

 

  1. Por consequência, o facto de os imóveis sub judice não estarem a ser utilizados para a realização de operações tributáveis determina, nos termos do artigo 187.º, n.º 2, da Directiva 2006/112/CE, a regularização do imposto deduzido.

 

  • Regularização que, conforme o aludido artigo, é realizada em função das «alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos, produzidos ou, se for o caso disso, utilizados pela primeira vez».

 

  1. Tornando-se, assim, obrigatório, nos termos do disposto no artigo 26.º, n.º 1, do CIVA, que a Requerente proceda à regularização anual de 1/20, isso sempre que tenha havido dedução do imposto suportado, mesmo quando o sujeito passivo exerce uma actividade tributada.

 

  • Bem como, de acordo com os relatórios de inspecção, tornando obrigatório que a Requerente, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 21/2007, regularize o imposto remanescente que corresponde ao período de regularização definido, que é de 20 anos, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 2 do CIVA.

 

  • No que concerne ao ano de 2011, considerando, por um lado, as disposições legais supra referidas; e considerando, por outro, a desocupação das fracções, ou melhor, a sua não utilização efectiva em operações tributadas, deveria então a Requerente ter procedido às regularizações de imposto no período 201112.

 

  1. No que respeita ao ano de 2012 e 2013, deveria então a Requerente ter procedido às regularizações de imposto nos períodos 201212 e 201312.

 

  1. Nada do que se alegou é contrário ao princípio da neutralidade ou daquilo que a jurisprudência do TJUE tem vindo a decidir, na medida em que relacionado com a presente matéria foi justamente a própria jurisprudência do Tribunal de Justiça, através do Acórdão de 03-12-1998, no âmbito do processo n.º C-381/87 (BelgoCodex), que acolheu a tese de que as alterações legislativas introduzidas no seio de um ordenamento jurídico nacional em sede de IVA, ainda que com o objectivo de eliminar o direito de renúncia à isenção na locação de imóveis, não violam os princípios da neutralidade e proporcionalidade.

 

  1. O Tribunal de Justiça defendeu, neste âmbito, que aos Estados Membros cabe-lhes, acima de tudo, apreciar se é conveniente instaurar ou não o direito de opção, consoante o que consideram oportuno em função do contexto existente no seu país num determinado momento.
  2. Os Estados podem, por isso, também no âmbito das suas competências, revogar o direito de opção de tributação (renúncia à isenção) depois o terem instituído e retomar a regra de base, que é a exoneração do imposto para as operações de locação de bens imóveis.

 

  1. Transpondo a mencionada tese jurisprudencial para a situação em concreto, e recorrendo ao elemento lógico da argumentação, “a maiori, ad minus” - isto é, quem pode o mais, pode o menos -, temos então que se, de acordo com o TJUE, o direito da UE permite a revogação doméstica do regime de renúncia à isenção que havia sido antes instituído, então também não existem motivos para repudiar a solução preconizada no Decreto-Lei n.º 21/2007, que não revogou o regime de renúncia à isenção, antes restringiu a sua aplicação, adicionando-lhe condicionalismos e consequências que antes não se encontravam previstos no Decreto-Lei n.º 241/86 - condicionalismos que, se verificados, redundariam precisamente na regra de base, que é, como se disse, a exoneração do imposto para as operações de locação de bens imóveis.

 

  1. O Estado Português, ao introduzir novos condicionalismos no regime de renúncia à isenção em sede de IVA, não violou, assim, quaisquer princípios comunitários.

 

  1. E nem se diga que a introdução do Decreto-Lei n.º 21/2007 no ordenamento jurídico português violou os princípios da confiança e da segurança jurídica, sendo que, na situação em apreço, existem, pelo menos duas fracções autónomas cuja renúncia à isenção somente operou após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, isto é, numa altura em que no ordenamento jurídico português estava já vigente o artigo 10.º, n.º 1, al. b), do dito diploma.

 

  1. Deste modo, e porque, nas situações de renúncia, o direito à dedução do IVA nasce somente no momento em que é celebrado o contrato de arrendamento (devendo, para isso, o sujeito passivo estar munido do certificado competente), temos que, quanto àquelas duas fracções, não se pode afirmar que o Decreto-Lei n.º 21/2007 tenha eliminado o respectivo direito à dedução.

 

  1. Não merecem censura as correcções aritméticas resultantes da acção de inspecção aos anos de 2011, 2012 e 2013 e aos meses de Janeiro, Março e Abril de 2014, devendo, por consequência, as liquidações de IVA impugnadas manter-se válidas na ordem jurídica.

 

5. Questões Prejudiciais e Reenvio para o TJUE

 

Discute-se essencialmente na presente acção a legitimidade da interpretação que a AT está a conferir aos artigos 26.º do CIVA e 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, aprovado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º21/2007, de 29 de Janeiro, tendo em consideração a sua compatibilidade com o Direito da União Europeia, bem como da própria compatibilidade de algumas das suas normas.

 

Em especial pretende-se aferir se:

 

a) A obrigatoriedade de regularizar de uma só vez o IVA deduzido por inutilização do imóvel por um período superior a dois anos, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do referido Regime de Renúncia à Isenção do IVA, é compatível com as regras e princípios comunitários, em especial com o disposto na Directiva IVA;

 

b) A conjugação da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do aludido Regime de Renúncia à Isenção do IVA é conforme ao Direito da União Europeia, em especial ao disposto na Directiva IVA, na medida em que o seu efeito combinado determina a impossibilidade de um sujeito passivo de IVA poder vir a renunciar à isenção do IVA na celebração de novos contratos de arrendamento após a ocorrência de uma regularização do IVA de uma só vez;

 

c) A interpretação do n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e da alínea b) do n.º 1 artigo 10.º do mencionado Regime de Renúncia à Isenção do IVA, nas suas redacções anteriores, face ao disposto na Directiva IVA, especificamente a questão de saber se os mesmos devem ser interpretados no sentido de não serem aplicáveis sempre que, apesar de o imóvel se encontrar desocupado, seja intenção do respectivo proprietário arrendá-lo com sujeição a IVA, estando em condições de provar que realizou e está a realizar os esforços necessários para arrendar o imóvel, com renúncia à isenção de IVA.

 

Em conformidade com as conclusões emanadas do Acórdão Schwarze (de 01-12-1965, proc. 16/65), o reenvio prejudicial é "um instrumento de cooperação judiciária ... pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados membros".

 

No entanto, como é doutrina oficial do TJUE, a partir do Acórdão Cilfit (de 06 -10-82, processo 283/81), que a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando:

 

            i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;

ii) o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma;

          iii) o juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de         Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.  

 

Não se verifica no caso sub judice o preenchimento destas condições.

 

De facto, não pode afirmar-se que o acto em questão seja claro ou esteja devidamente aclarado pela jurisprudência do TJUE de forma firme ou por meio de jurisprudência consolidada.

 

Ora, em caso de “dúvida razoável” sobre o Direito da União Europeia e não estando claramente preenchidos aqueles critérios, o juiz nacional é obrigado a efectuar o reenvio prejudicial. Em caso de dúvida sobre a existência de uma excepção à obrigação de reenvio é aconselhável colocar a questão prejudicial, pelo que decidiu suspender-se a instância e proceder ao reenvio prejudicial para o TJUE, de harmonia com o disposto no artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

 

              Nestes termos, formularam-se as seguintes questões ao TJUE:

 

1) Nas circunstâncias em que um imóvel, apesar de se encontrar desocupado pelo período de dois ou mais anos, esteja em comercialização, isto é, disponível no mercado para arrendamento ou para prestação de serviços do tipo “office centre”, comprovando-se a intenção do respectivo proprietário o arrendar com sujeição a IVA e a realização dos esforços necessários para a concretização dessa intenção, é conforme com os artigos 167.º, 168.º, 184,º, 185.º e 187.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, o enquadramento como “não utilização efectiva do imóvel em fins da empresa” e/ou “não utilização efectiva do imóvel em operações tributadas”, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e na alínea b) do n.º 1 artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, nas suas redacções anteriores, e, em consequência, considerar-se que a dedução inicialmente efectuada deve ser objecto de regularização, porque superior à que o sujeito passivo tinha direito?

 

2) Em caso afirmativo, pode, à luz da correcta interpretação dos artigos 137.º, 167.º, 168.º, 184.º, 185.º e 187.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, ser imposta essa regularização, de uma só vez, pela totalidade do período ainda não decorrido, como estabelece a legislação portuguesa, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, na sua redacção anterior, nos casos em que o imóvel se encontra desocupado há mais de dois anos, mas sempre em comercialização para arrendamento (com possibilidade de renúncia) e/ou prestação de serviços (tributável), visando-se a afectação do imóvel nos anos subsequentes a actividades tributadas que conferem o direito à dedução?

 

3) A conjugação da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, ao determinar a impossibilidade de um sujeito passivo de IVA poder vir a renunciar à isenção do IVA na celebração de novos contratos de arrendamento após a ocorrência de uma regularização do IVA de uma só vez e ao comprometer o regime de dedução subsequente no decurso do período de regularização, é conforme ao disposto nos artigos 137.º, 167.º, 168.º e 184.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006?

 

Em 28 de Fevereiro de 2018, o TJUE emitiu pronúncia relativa às questões prejudiciais suscitadas no processo de reenvio, ao qual foi atribuído o n.º C-672/16. A resposta do TJUE cingiu-se à primeira questão colocada e foi no sentido da desconformidade da interpretação preconizada pela AT com a Directiva IVA, considerando, por esta razão, estar prejudicada (usando a locução “não há que responder”) a resposta à segunda e terceira questões.

 

O Tribunal Europeu conclui no dispositivo do Acórdão que:

 

Os artigos 167.°, 168.°, 184.°, 185.° e 187.° da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que prevê a regularização do imposto sobre o valor acrescentado inicialmente deduzido, pelo facto de se considerar que um imóvel, relativamente ao qual foi exercido o direito de opção pela tributação, já não é utilizado pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas, quando esse imóvel ficou desocupado durante mais de dois anos, mesmo se se provar que o sujeito passivo procurou arrendá‑lo durante esse período.” (o aresto pode ser acedido em linha em http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?language=en&td=ALL&num=C-672/16)

 

Analisam-se de seguida, no âmbito da apreciação concreta, os argumentos do TJUE e as suas implicações na decisão de mérito. 

 

6. Apreciação concreta

 

       São dois os vícios invocados, de caducidade e de violação do direito comunitário, neste último caso por incompatibilidade do n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e da alínea b), do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis com a disciplina da Directiva IVA.  Ambos os vícios são geradores de anulabilidade, pelo que, nos termos do artigo 124.º do CPPT, o Tribunal conhece em primeiro lugar do vício de caducidade.

 

6.1. Caducidade do direito à liquidação do IVA (2011)

      

A Requerente começa por suscitar o vício de caducidade relativamente aos actos de liquidação de IVA e juros compensatórios do ano 2011 e às fracções autónomas “C” a “H”, ao abrigo do disposto no artigo 45.º da LGT, que determina no seu n.º 1 que o direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, contando-se este prazo, nos termos do n.º 4 do referido preceito, a partir “do início [do primeiro dia] do ano civil seguinte àquele em que se verificou (…) a exigibilidade do imposto”.

 

Convém, neste âmbito, começar por assinalar que a disciplina da exigibilidade das regularizações de IVA não se encontra nos artigos 7.º e 8.º do Código do IVA, relativos às transmissões de bens, prestações de serviços e importações, mas nas próprias regras de ajustamento às deduções que dispõem que este ajustamento, quando devido, é efectuado com referência ao último período do ano[1] a que respeita.

 

Assim é quanto às regularizações anuais, correspondentes a 1/20 do IVA deduzido, as quais devem constar da “declaração do último período do ano a que respeita[m]”, conforme dispõe o artigo 26.º, n.º 1 do Código do IVA, tendo em conta o período de regularização de 20 anos aplicável a inputs incorridos em relação a bens imóveis.

 

De igual modo, também é no último período do ano em causa que devem ser efectuadas as regularizações definitivas, “de uma só vez”, previstas no artigo 10.º, n.º 1, alínea b) do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis. Com efeito, conforme regula o seu n.º 2: “[o] montante das regularizações referidas no número anterior deve ser incluído na declaração de imposto relativa ao último período do ano em que ocorrer a situação que lhes dá origem.”

 

Esta disciplina enquadra-se na margem de conformação do legislador nacional, que em matéria procedimental de regularizações é mantida na competência dos Estados-Membros, desde que observados os parâmetros definidos nos artigos 184.º a 192.º da Directiva IVA.

 

Acresce referir que o conceito de exigibilidade é objecto de definição pelo artigo 62.º da Directiva IVA, como o “direito que o fisco pode fazer valer nos termos da lei a partir de um determinado momento, face ao devedor, relativamente ao pagamento do imposto, ainda que o pagamento possa ser diferido.”

 

A exigibilidade não se confunde, assim, com o prazo de entrega da declaração periódica do imposto, nem com o prazo limite para pagamento (voluntário). O imposto exigível em Dezembro[2] de um dado ano é reportado na declaração periódica referente a esse mês, cujo prazo para apresentação e pagamento ocorre até ao dia 10 de Fevereiro do ano seguinte (cf. artigos 41.º e 27.º do Código do IVA).

 

A caducidade conta-se da exigibilidade e não do prazo limite para apresentação (ou pagamento) das declarações fiscais. Aliás, este princípio não é privativo do IVA. No caso do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”), a caducidade conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário (i.e., inicia-se no dia 1 de Janeiro do ano seguinte) e não a partir do termo do prazo para entrega da declaração anual modelo 22 (31 de Maio do ano seguinte).

 

Decorre da factualidade assente que os contratos de arrendamento referentes às fracções autónomas “C” a “H” cessaram em 31 de Janeiro de 2008, pelo que o período de dois anos consecutivos em que alegadamente estes imóveis não estariam a ser “efectivamente utilizados em fins da empresa” terminou dois anos depois, em 31 de Janeiro de 2010. Assim, as regularizações correspondentes (caso a elas houvesse lugar) deveriam ser incluídas na declaração periódica de IVA referente ao último período do ano em que ocorreu a situação que lhes deu origem. Deste modo, a exigibilidade dessas regularizações de IVA é reportada a Dezembro de 2010, último período mensal do ano em causa.

 

Tem, deste modo, razão a Requerente ao afirmar que não é relevante para este efeito – de contagem do prazo de caducidade – o final do prazo de entrega da declaração periódica de IVA relativa a Dezembro de 2010 (que ocorreu em 10 de Fevereiro de 2011), mas sim o período a que a declaração se reporta e que terminou, como referido, em 31 de Dezembro de 2010[3].

 

Decorre do exposto que as liquidações adicionais emitidas com referência ao ano de 2011 dizem, na verdade, respeito ao ano de 2010, iniciando-se a contagem do prazo de caducidade de 4 anos a partir de Janeiro de 2011. Uma vez que, como consta do probatório, tais actos de liquidação foram emitidos em 15 de Dezembro de 2015, nesse momento já tinham decorrido mais de 4 anos, mesmo tendo em conta a suspensão do prazo por efeito do procedimento inspectivo.

 

Deste modo, procede o vício de caducidade invocado pela Requerente, que determina a anulabilidade das liquidações de IVA e de juros compensatórios, de acordo com o artigo 135.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”)[4] aplicável por remissão dos artigos 2.º, alínea c) da LGT e 2.º, alínea d) do CPPT.

 

6.2. Erro nos pressupostos: violação da Directiva IVA pelo n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e pela alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis

 

       Quer o n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA, quer a alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis impõem aos sujeitos passivos a regularização, a favor do Estado, do IVA deduzido relativo a despesas de investimento em bens imóveis, no caso desses imóveis não serem efectivamente utilizados em fins da empresa.

 

       Na primeira hipótese, do artigo 26.º do Código do IVA, a regularização é faseada e devida com periodicidade anual, durante o prazo de regularização de 20 anos associado ao IVA deduzido em despesas de investimento em bens imóveis, e corresponde a 1/20 do IVA em causa. A regularização persiste enquanto não cessar a circunstância que lhe deu origem (de não utilização em fins da empresa).

 

       Na segunda hipótese, do artigo 10.º, n.º 1, alínea b) do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, comina-se a regularização, mais severa, efectuada de uma só vez, por todo o período que ainda falte para completar os 20 anos do prazo de regularizações, caso o período de não utilização efectiva dos imóveis em fins da empresa ultrapasse o prazo de 2 anos, na redacção aplicável à data dos factos (tendo ulteriormente passado a 3 anos e sendo hoje de 5 anos). A título de exemplo, se ainda faltarem 12 anos para terminar o prazo de regularizações, a regularização corresponderá a 12/20 do IVA deduzido inicialmente.

 

       De salientar que esta disciplina de regularizações “de uma só vez” pretende ser definitiva, pois determina a impossibilidade de ser exercida a opção pela tributação em ulteriores operações de arrendamento ou de venda, de harmonia com o artigo 2.º, n.º 2 do mencionado regime. 

 

       Suscita-se, desde logo, a questão de saber se é correcta a interpretação da AT conducente ao enquadramento das circunstâncias da Requerente na previsão das citadas normas. I.e., se se pode afirmar que numa situação em que os imóveis ou partes de imóveis (fracções autónomas) não estão arrendados por vicissitudes do mercado de arrendamento, continuando a Requerente a desenvolver, de forma continuada e comprovada, as iniciativas necessárias à promoção comercial dos espaços disponíveis com vista à sua locação, estes não estão a ser objecto de uma utilização efectiva em fins da empresa.

 

       Afigura-se que esta não é a melhor solução interpretativa, pois não só o regime das deduções para efeitos de IVA não está associado a uma obrigação de resultado, como a consideração de que um imóvel não ocupado, em virtude de factores que escapam ao controlo da Requerente, equivale a um imóvel não utilizado para fins das operações tributadas, é contrária à teleologia da norma, de marcado carácter anti-abuso, como reconhece a própria Requerida, inaplicável à situação vertente, na qual não se identificam contornos elisivos, nem os mesmos foram invocados.

 

       Porém, admitindo-se a dúvida (que esteve na base da formulação das questões prejudiciais), o TJUE veio esclarecer que a interpretação da legislação nacional preconizada pela AT violava o regime das deduções do sistema comum do IVA instituído pela Directiva IVA (artigos 167.º a 172.º, 184.º, 185.º e 187.º) e era incompatível com o princípio da neutralidade fiscal. 

 

       Para tal, o TJUE alicerça-se, antes de mais, no quadro fáctico subjacente, designadamente na circunstância de:

  1. Os imóveis terem sido ocupados e efectivamente arrendados com tributação em IVA;
  2. Os arrendamentos terem cessado por circunstâncias de mercado que não são da responsabilidade da Requerente, nem estão no seu controlo;
  3. No período que deu origem às regularizações (entre 2011 e 2013), a Requerente ter desenvolvido “diversas operações de marketing em suporte à comercialização, incluindo, em especial, a criação de um hand‑out, de uma mailing list e de um sítio Internet, a criação e divulgação de press releases de ampla divulgação pública e a colocação de painéis publicitários nos imóveis em causa”;
  4. Ter ajustado a sua oferta através, por um lado, da disponibilização de espaços locáveis a preços mais competitivos e, por outro, da possibilidade de negociação de períodos de carência na fase de instalação de cada inquilino; e
  5. Ter incorrido em diversos gastos com estas iniciativas que estão reflectidos nas demonstrações financeiras referentes aos anos de 2011 a 2013,

– cf. pontos 23 a 25 do Acórdão de 28 de Fevereiro de 2018, processo C-672/16.

 

       O TJUE conclui pela incompatibilidade com o Direito da União tendo em conta os seguintes argumentos:

 

“30      Importa recordar, a título preliminar, que, segundo a lógica do sistema instituído pela Diretiva IVA, os impostos que tenham incidido a montante sobre os bens ou os serviços utilizados por um sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas podem ser deduzidos. A dedução dos impostos pagos a montante está ligada à cobrança dos impostos a jusante. Quando os bens ou os serviços adquiridos por um sujeito passivo são utilizados para os fins de operações isentas ou não incluídas no âmbito de aplicação do IVA, não pode existir cobrança do imposto a jusante nem dedução do imposto a montante (v., neste sentido, Acórdão de 30 de março de 2006, Uudenkaupungin kaupunki, C‑184/04, EU:C:2006:214, n.° 24).

31      A tributação das operações de locação é uma faculdade que o legislador da União concedeu aos Estados‑Membros em derrogação à regra geral, estabelecida no artigo 135.°, n.° 1, alínea l), da Diretiva IVA, segundo a qual as operações de locação estão, em princípio, isentas de IVA. Por conseguinte, o direito à dedução relativo a essa tributação não se exerce de forma automática mas unicamente se os Estados‑Membros tiverem utilizado a faculdade prevista no artigo 137.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva IVA e desde que os sujeitos passivos exerçam o direito de opção que lhes foi concedido (Acórdão de 12 de janeiro de 2006, Turn‑und Sportunion Waldburg, C‑246/04, EU:C:2006:22, n.° 26 e jurisprudência referida).

32      É pacífico que a República Portuguesa fez uso dessa faculdade. Além disso, resulta da decisão de reenvio que, quando da celebração de contratos de arrendamento sobre os bens imóveis em causa no processo principal, que teve lugar anteriormente ao período de não ocupação controvertido, a A… optou pela tributação da locação desses bens.

33      Acresce que resulta da redação do artigo 168.°, da Diretiva IVA que, para efeitos de acesso ao direito à dedução, é necessário que o interessado seja um «sujeito passivo» na aceção desta diretiva, por um lado, e que os bens e serviços em questão tenham sido utilizados para os fins das próprias operações tributadas, por outro (Acórdão 15 de dezembro de 2005, Centralan Property, C‑63/04, EU:C:2005:773, n.° 52).

34      No caso em apreço, a qualidade de sujeito passivo da A… não é contestada. Em contrapartida, a Administração Tributária e Aduaneira impôs‑lhe a regularização de deduções de IVA porquanto os bens imóveis em causa já não eram ocupados há mais de dois anos e, por esse facto, se considerava que já não eram utilizados para os fins das suas próprias operações tributadas, mesmo estando demonstrado que essa empresa, durante esse período, teve sempre a intenção de dar esses bens em locação com sujeição ao IVA e tomou as medidas necessárias para esse efeito.

35      Nos termos do artigo 167.° da Diretiva IVA, o direito à dedução surge no momento em que o imposto dedutível se torna exigível. Consequentemente, apenas a qualidade em que o particular age nesse momento pode determinar a existência de um direito à dedução (v., neste sentido, Acórdãos de 11 de julho de 1991, Lennartz, C‑97/90, EU:C:1991:315, n.° 8, e de 30 de março de 2006, Uudenkaupungin kaupunki, C‑184/04, EU:C:2006:214, n.° 38).

36      A partir do momento em que a Administração Tributária aceitou, com base nos dados fornecidos por uma empresa, que lhe seja atribuída a qualidade de sujeito passivo, este estatuto já não pode, em princípio, ser‑lhe depois retirado com efeitos retroativos devido à ocorrência ou não ocorrência de determinados acontecimentos (v., neste sentido, Acórdão de 29 de fevereiro de 1996, INZO, C‑110/94, EU:C:1996:67, n.° 21), salvo em caso de fraude ou abuso.

37      Há que recordar que, segundo jurisprudência constante, o direito a dedução previsto nos artigos 167.° a 172.° da Diretiva IVA faz parte integrante do mecanismo do IVA e não pode, em princípio, ser limitado. É imediatamente exercido em relação à totalidade dos impostos que tenham onerado as operações efetuadas a montante (Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Centralan Property, C‑63/04, EU:C:2005:773, n.° 50 e jurisprudência referida).

38      O regime das deduções visa desonerar inteiramente o empresário do encargo do IVA devido ou pago no quadro de todas as suas atividades económicas. O sistema comum do IVA garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as atividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas atividades, na condição de as referidas atividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA (Acórdão de 15 de dezembro de 2005, Centralan Property, C‑63/04, EU:C:2005:773, n.° 51 e jurisprudência referida).

39      Importa recordar também que é a aquisição de bens ou serviços por um sujeito passivo agindo nessa qualidade que determina a aplicação do regime do IVA e, portanto, do mecanismo da dedução. A utilização que é dada aos bens ou serviços, ou que lhes é destinada, apenas determina o montante da dedução inicial a que o sujeito passivo tem direito, nos termos do artigo 168.° da Diretiva IVA, e o âmbito das eventuais regularizações nos períodos seguintes, mas não afeta o surgimento do direito à dedução (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 1991, Lennartz, C‑97/90, EU:C:1991:315, n.° 15).

40      Daqui resulta que o direito a essa dedução subsiste, em princípio, mesmo que, posteriormente, em razão de circunstâncias estranhas à sua vontade, o sujeito passivo não faça uso dos referidos bens e serviços que deram origem à dedução no âmbito de operações tributadas (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de fevereiro de 1996, INZO, C‑110/94, EU:C:1996:67, n.° 20, e de 15 de janeiro de 1998, Ghent Coal Terminal, C‑37/95, EU:C:1998:1, n.os 19 e 20).

41      No caso em apreço, segundo a interpretação adotada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, o facto de um edifício estar desocupado por um determinado período interrompe a afetação do imóvel aos fins da empresa, obrigando o sujeito passivo a proceder à regularização do imposto deduzido, mesmo se se provar que este último teve sempre a intenção de continuar a exercer uma atividade tributada.

42      Ora, resulta da jurisprudência referida nos n.os 39 e 40 do presente acórdão que um sujeito passivo mantém o direito à dedução, uma vez que esse direito surgiu, ainda que esse sujeito passivo não possa, por razões independentes da sua vontade, utilizar os bens ou os serviços que estão na origem da dedução no âmbito de operações tributadas.

43      Uma interpretação diferente da Diretiva IVA seria contrária ao princípio da neutralidade do IVA quanto à carga fiscal da empresa. Seria suscetível de criar, quando do tratamento fiscal de atividades de investimento idênticas, diferenças não justificadas entre empresas que já realizam operações tributáveis e outras que procuram, através de investimentos, iniciar atividades que serão fonte de operações tributáveis. Do mesmo modo, seriam estabelecidas diferenças arbitrárias entre essas últimas empresas, na medida em que a aceitação definitiva das deduções dependesse da questão de saber se esses investimentos conduzem ou não a operações tributadas (Acórdão de 29 de fevereiro de 1996, INZO, C‑110/94, EU:C:1996:67, n.° 22).

44      Por conseguinte, o princípio da neutralidade fiscal opõe‑se a uma legislação nacional que, fazendo depender a aceitação definitiva das deduções de IVA dos resultados da atividade económica exercida pelo sujeito passivo, cria, no que se refere ao tratamento fiscal de atividades de investimento imobiliário idênticas, diferenças injustificadas entre empresas com o mesmo perfil e que exercem a mesma atividade.

45      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento do Governo português segundo o qual, em virtude da rescisão dos contratos de arrendamento anteriormente celebrados, se verificaram «alterações dos elementos tomados em consideração para a determinação do montante das deduções», na aceção do artigo 185.°, n.° 1, da Diretiva IVA, pelo que havia que proceder a uma regularização proporcional do imposto deduzido.

46      Com efeito, em primeiro lugar, embora seja verdade que a necessidade de proceder à regularização do imposto deduzido pode igualmente existir devido a circunstâncias independentes da vontade dos sujeitos passivos (v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2004, Gemeente Leusden e Holin Groep, C‑487/01 e C‑7/02, EU:C:2004:263, n.° 55), não é menos certo que esta disposição não deve pôr em causa os princípios fundamentais em que assenta o sistema instituído pela Diretiva IVA, designadamente, o princípio da neutralidade fiscal.

47      Ora, contrariamente ao que sustenta o Governo português, considerar que basta, para demonstrar a existência de «alterações» na aceção do artigo 185.° da Diretiva IVA, que um imóvel tenha permanecido vazio, após a cessação de um contrato de arrendamento de que era objeto, devido a circunstâncias independentes da vontade do seu proprietário, mesmo que esteja provado que este último teve sempre a intenção de o explorar para os fins de uma atividade tributada e empreendeu as diligências necessárias para esse efeito, equivaleria a restringir o direito à dedução através das disposições aplicáveis em matéria de regularizações.

48      Em segundo lugar, embora o artigo 137.°, n.° 2, da Diretiva IVA confira aos Estados‑Membros um amplo poder discricionário que lhes permite determinar as modalidades de exercício do direito de opção e mesmo suprimi‑lo (v., neste sentido, Acórdão de 12 de janeiro de 2006, Turn‑ und Sportunion Waldburg, C‑246/04, EU:C:2006:22, n.os 27 a 30), os Estados‑Membros não podem utilizar esse poder para infringir os artigos 167.° e 168.° desta diretiva, revogando um direito à dedução já adquirido.

49      Com efeito, uma limitação das deduções de IVA ligadas às operações tributadas, após o exercício do direito de opção, respeitaria não ao «alcance» do direito de opção que os Estados‑Membros podem restringir nos termos do artigo 137.°, n.° 2, da Diretiva IVA, mas às consequências do exercício deste direito (v., neste sentido, Acórdão de 30 de março de 2006, Uudenkaupungin kaupunki, C‑184/04, EU:C:2006:214, n.° 46).

50      Por último, há que sublinhar que a qualidade de sujeito passivo só é definitivamente adquirida se a declaração de intenção de iniciar as atividades económicas projetadas foi feita de boa‑fé pelo interessado. Em situações fraudulentas ou abusivas, em que este simulou desenvolver uma determinada atividade económica, mas procurou, na realidade, fazer entrar no seu património privado bens que podem ser objeto de dedução, a Administração Fiscal pode pedir, com efeitos retroativos, a restituição das quantias deduzidas, uma vez que essas deduções foram concedidas com base em falsas declarações (Acórdão de 21 de março de 2000, Gabalfrisa e o., C‑110/98 a C‑147/98, EU:C:2000:145, n.° 46).

51      A este respeito, importa recordar que a luta contra a fraude, a evasão fiscal e os eventuais abusos é um objetivo reconhecido e encorajado pela Diretiva IVA, como é recordado no seu artigo 131.° (Acórdão de 29 de abril de 2004, Gemeente Leusden e Holin Groep, C‑487/01 e C‑7/02, EU:C:2004:263, n.° 76).

52      Por conseguinte, se a Administração Fiscal viesse a constatar que o direito à dedução foi exercido de forma fraudulenta ou abusiva, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, poderia reclamar, com efeitos retroativos, a restituição das quantias deduzidas (Acórdão de 3 de março de 2005, Fini H, C‑32/03, EU:C:2005:128, n.° 33 e jurisprudência referida).

53      Atendendo às considerações precedentes, há que responder à primeira questão que os artigos 167.°, 168.°, 184.°, 185.° e 187.° da Diretiva IVA devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional que prevê a regularização do IVA inicialmente deduzido, pelo facto de se considerar que um imóvel, relativamente ao qual foi exercido o direito de opção pela tributação, já não é utilizado pelo sujeito passivo para os fins das suas próprias operações tributadas, quando esse imóvel ficou desocupado durante mais de dois anos, mesmo se se provar que o sujeito passivo procurou arrendá‑lo durante esse período.”

 

       Atento o exposto, é inequívoco que a aplicação, aos imóveis da Requerente, do regime de regularizações vertido no n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis à Requerente, derivada a interpretação, segundo entendemos errada, de que as circunstâncias concretas da Requerente configurariam a não utilização efectiva dos imóveis para os fins da sua actividade (tributável), enferma de invalidade, seja porque tal interpretação não tem suporte legal, seja porque, caso tivesse, seria incompatível com o Direito da União e as normas em causa teriam de ser desaplicadas pelo Tribunal.

 

       Desta forma, assiste razão à Requerente, devendo ser anuladas as liquidações de IVA e de juros compensatórios que constituem o objecto da presente acção arbitral, por erro nos pressupostos de direito, em conformidade com o estatuído no artigo 135.º do CPA, na versão aplicável à data dos factos.

 

Assinala-se, a este respeito, que o Tribunal, devendo embora “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação”, não está vinculado a apreciar todos os argumentos utilizados pelas partes, do mesmo modo que não está impedido de, na decisão, usar considerandos por elas não produzidos, conforme preceitua o artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC). Deste modo, foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

 

6.3. Juros de mora

      

       A competência dos Tribunais Arbitrais é delimitada pelo disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e b) do RJAT e visa a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos ou de determinação da matéria tributável, configurando o processo arbitral um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial, como referido de forma expressa na autorização legislativa habilitante do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o RJAT.

 

       Assim, os poderes de pronúncia deste Tribunal abrangem aqueles que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos Tribunais Tributários.

 

       Os juros de mora (previstos nos artigos 44.º da LGT e 86.º do CPPT), ao contrário dos juros compensatórios (do artigo 35.º da LGT) e dos juros indemnizatórios (do artigo 43.º da LGT), não fazem parte das realidades que, nos termos do elenco do n.º 1 do artigo 30.º da LGT, integram a relação jurídica tributária. Dito de outro modo, incidem sobre a dívida tributária, mas não partilham da natureza desta.

 

       No entanto, de acordo com o disposto no artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, diploma que estabelece o regime dos juros de mora das dívidas ao Estado e outras entidades públicas, os devedores podem impugnar a liquidação de juros moratórios nos termos e com os fundamentos previstos actualmente no CPPT (à data vigorava o CPT), pelo que a forma processual própria para a discussão destes juros é a impugnação judicial, como  decidido pelo Acórdão do TCASul, de 26 de Junho de 2012, processo n.º 04704/11.

 

       Dada a equiparação da acção arbitral ao processo de impugnação judicial, cabe nos poderes de cognição e pronúncia dos Tribunais Arbitrais, à semelhança dos Tribunais Tributários, a apreciação e declaração da (i)legalidade dos juros de mora.

 

       Considerando que os juros de mora incidem sobre a dívida tributária e que, na situação sub iudice, esta dívida foi anulada in totum nos termos e pelas razões acima expostas, os actos de liquidação de tais juros partilham, em consequência, dos mesmos vícios e, por isso, devem ser também anulados. 

 

6.4. Juros indemnizatórios

      

            Quando está em causa uma errada interpretação e aplicação pela Requerida de norma de incidência tributária, tem sido pacificamente entendido que os Tribunais Arbitrais tributários[5] têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos em processo de impugnação judicial, incluindo portanto as que derivam do reconhecimento do direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT.

 

       Trata-se de um direito que se alicerça no princípio constitucional da responsabilidade das entidades públicas e que se revela fundamental na estrutura de um Estado que é regido pelo Direito (artigo 22.º da CRP)[6].

 

       O direito a juros indemnizatórios depende de um conjunto de pressupostos constitutivos. Deste logo, é imprescindível que a Requerente tenha previamente procedido ao pagamento do imposto e dos juros compensatórios e moratórios relativamente aos quais reclama a devolução.

 

       Na situação vertente, a Requerente apenas comprovou o pagamento de actos de liquidação no valor de € 930.759,84, ónus que sobre si recaía. Deste modo, o pedido de  condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, procede parcialmente (por a Requerente ter pago IVA, juros compensatórios e de mora que não eram devidos), na referida importância de € 930.759,84, soçobrando no remanescente. Os juros devem ser calculados sobre a quantia paga e contados desde a data do pagamento efectuado pela Requerente até ao momento do respectivo reembolso.

 

 

  1. DECISÃO

 

Em face do exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação dos actos de liquidação de IVA, e respectivos juros compensatórios e de mora, emitidos com referência aos anos de 2011, 2012, 2013, Janeiro, Março e Abril de 2013 no valor global de 1.375.954,71 e consequente restituição das importâncias pagas;
  2. Julgar parcialmente procedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a calcular sobre a importância de € 930.759,84, contados desde a data em que foi efectuado o respectivo pagamento até integral reembolso da mesma.

 

* * *

 

Fixa-se o valor do processo em € 1.375.954,71 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

 

 

Lisboa, 19 de Abril de 2018

 

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

(Clotilde Celorico Palma)

 

 

 

(Alexandra Coelho Martins)

 

 

 

(António Carlos dos Santos)

 

 

A redacção do presente acórdão arbitral rege-se pela ortografia antiga.

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo colectivo de árbitros.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECISÃO DE REENVIO PREJUDICIAL

 

 

  1. RELATÓRIO

 

A…, S.A., com sede na…, …, …-… Lisboa, com o número único de matrícula e de identificação fiscal…, no âmbito territorial do Serviço de Finanças de Lisboa…, doravante “Requerente”, requereu a constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º, da alínea a) do n.º 3 do artigo 5.º, da alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º, e do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), vertido no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado na sequência da notificação das liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios e de mora, no valor total de EUR 1.375.954,71 (um milhão, trezentos e setenta e cinco mil, novecentos e cinquenta e quatro euros e setenta e um cêntimos), discriminadas infra, e tem por objecto a ilegalidade, e consequente anulação, dos seguintes actos tributários:

  • IVA do ano de 2011:
  • Liquidação n.º 2015…, no valor de EUR 755.326,81, referente ao IVA do ano de 2011 adicionalmente cobrado;
  • Liquidação n.º 2015…, no valor de EUR 115.223,55, referente a juros compensatórios, por referência ao ano de 2011;
  • Liquidação n.º 2015…, no valor de EUR 49.127,75, referente ao IVA do ano de 2011 que alegadamente terá sido indevidamente reportado para o período seguinte;
  • Liquidação n.º 2015…, no valor de EUR 11.081,73, referente a juros de mora, por referência ao ano de 2011.

 

  • IVA do ano de 2012:
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 319.972,13, referente ao IVA do ano de 2012 adicionalmente cobrado;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 39.869,40, referente a juros compensatórios, por referência ao ano de 2012.

 

  • IVA do ano de 2013:
  • Liquidação n.º 2016…, referente ao IVA do ano de 2013, na qual não foi cobrado imposto adicional, tendo-se apenas corrigido o montante a reportar para o período seguinte (EUR 77.051,87).

 

  • IVA do ano de 2014:
  • Liquidação n.º 2016…, no montante de EUR 30.543,53, referente ao IVA do período de 2014/01;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 3.493,31, referente a juros de mora, relativo ao período de 2014/01;
  • Liquidação n.º 2016…, no montante de EUR 31.832,93, referente ao IVA do período de 2014/03;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 3.336,67, referente a juros de mora, relativo ao período de 2014/03;
  • Liquidação n.º 2016…, no montante de EUR 14.675,41, referente ao IVA do período de 2014/04;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 1.471,49, referente a juros de mora, relativo ao período de 2014/04.

 

       É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).

       A Requerente optou por designar como Árbitro a Dra. Alexandra Coelho Martins, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT.

       O pedido de constituição do Tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16-05-2016.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º e do n.º 3 do artigo 11.º do RJAT, e dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, o dirigente máximo do serviço da Administração Tributária designou como Árbitro o Prof. Doutor António Carlos dos Santos.

Em 03-08-2016 os Árbitros designados pelas partes comunicaram ao CAAD a designação da Prof.ª Doutora Clotilde Celorico Palma como Árbitro Presidente.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, o Presidente do CAAD informou as partes dessa designação em 04-08-2016.

Assim, em conformidade com o preceituado no n.º 7 do artigo 11.º do RJAT, decorrido o prazo previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT sem que as partes nada viessem dizer, o Tribunal Arbitral Colectivo ficou constituído em 30-08-2016.

A Requerente sustenta, no pedido de constituição do Tribunal arbitral, a ilegalidade das liquidações efectuadas pela AT, alegando, por um lado, que o imposto relativo às liquidações de IVA e juros efectuadas por referência a 2011, e referentes às fracções autónomas “C” a “H”, se reporta ao ano errado e encontra-se caducado e, por outro lado, que, independentemente da caducidade, todas as correcções efectuadas em sede de inspecção tributária e, em consequência, as liquidações contestadas, são ilegais, com base nos argumentos descritos infra.

Conclui pela procedência do pedido e consequente anulação das liquidações de IVA e respectivos juros compensatórios e de mora, bem como pelo direito a juros indemnizatórios.

Subsidiariamente, solicitou, ad cautelem, a suspensão da instância e o correspondente reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), para que esta instância se pronuncie sobre a compatibilidade da interpretação proposta pela AT com os princípios e normas que constituem o sistema comum do IVA.

Com a petição juntou 53 documentos, tendo sido arroladas 5 testemunhas.

A AT apresentou Resposta, em que impugnou os documentos n.ºs 39, 40, 41 e 43 apresentados pela Requerente. Impugnou também o teor do artigo 65.º do Pedido de Constituição do Tribunal Arbitral, no que concerne à data concreta do termo dos contratos de arrendamento referentes às fracções "C" e "H" (Rua…), data essencial para a determinação da contagem do prazo de caducidade da liquidação de IVA referente a 2011, por considerar que a Requerente não juntou as provas que, inequivocamente, poderiam evidenciar as datas das respectivas cessações contratuais, em ordem a permitir que esse Tribunal pudesse, sem recorrer a indesejadas presunções, determinar a data concreta do fim dos ditos contratos.

Requereu ainda que o Tribunal ordenasse a tradução dos documentos n.º 20.º, 21, 22, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 42 juntos pela Requerente, uma vez que se encontram redigidos em língua inglesa, solicitando a sua tradução para língua portuguesa.

Veio ainda a AT dizer que a única prova admissível no presente caso é a documental, que constitui, no seu entender, o único meio de prova idóneo a sustentar o direito que se arroga a Requerente, requerendo assim que o requerimento de prova testemunhal fosse indeferido.

Conclui dever a acção ser julgada improcedente, mais requerendo que caso não fosse dispensada a produção de prova testemunhal, fosse a Requerente notificada para indicar quais os factos que pretende ver provados pelas testemunhas e que seja recusado como testemunha o cidadão B…, pois que na qualidade de administrador da Requerente, é considerado parte no processo.

Juntou a estes autos o processo administrativo, bem como 1 documento, de que se deu conhecimento à Requerente.

A Requerente veio, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 3.º do RJAT, exercer o contraditório à Resposta da Requerida, sustentando que os documentos impugnados pela AT deviam ser mantidos nos autos e livremente analisados pelo Tribunal, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, a que alude o n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC) (ex vi alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT).

Quanto à data em que cessaram os contratos de arrendamento relativos às fracções "C" e "H", veio a Requerente, na mesma Resposta, juntar um documento que, segundo alega, demonstra que os referidos contratos cessaram, efectivamente, em 31 de Janeiro de 2008.

No tocante ao pedido de tradução para língua portuguesa dos documentos, veio a Requerente dizer que existem orientações administrativas, aplicáveis a toda a autuação da AT, no sentido de que, sempre que sejam apresentados documentos elaborados em inglês, francês ou alemão, os mesmos não carecem de ser traduzidos. Não obstante, atenta a contestação pelos Representantes da AT da validade do teor dos documentos em face da sua não tradução para português e, bem assim, ao pedido expresso de junção da tradução dos documentos para língua portuguesa, nos termos do artigo 134.º do CPC (alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT), a Requerente diligenciou no sentido de proceder à sua tradução, que posteriormente juntou, por Requerimento de 28-10-2016.

Por fim, quanto à oposição à diligência requerida de inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente, entendeu a mesma que, em face dos factos controvertidos, esta diligência se afigura, essencial quer no que toca à inquirição das testemunhas por si arroladas, quer no que respeita às declarações de parte de B…, o que se requereu nos termos do artigo 13.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT) (ex vi alínea a) do n.º1 do artigo 29.º do RJAT).

Veio o Tribunal proferir Despacho de 17-10-2016, para que se providenciasse no sentido da marcação da primeira reunião, tendo a Requerida apresentado, a este respeito, um requerimento no sentido de dever ser dispensada a primeira reunião, por considerar ser um acto inútil.

Por Despacho de 21-10-2016, o Tribunal decidiu no sentido da manutenção da primeira reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, que se realizou no dia 31 de Outubro de 2016, à qual compareceram os Exmos. Senhores Árbitros e a ilustre mandatária da Requerente, não tendo, porém, comparecido os ilustres representantes da Requerida, pelo que o Tribunal determinou a sua notificação para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, sobre o pedido de reenvio prejudicial.

O Tribunal proferiu Despacho, de 08-11-2016, no sentido de dever ser realizada a inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente, mais decidindo que a inquirição da testemunha B… deveria ser realizada através da figura processual da Declaração de Parte, por considerar que tais diligências se afiguram úteis ao apuramento da verdade. Mais ordenou a notificação da Requerente para indicar sobre que factos irão recair os vários depoimentos, o que foi feito pela Requerente por Requerimento de 11-11-2016.

A Requerida manifestou-se no sentido de nada ter a opor ao pedido de reenvio prejudicial.

A 18-11-2016 foi realizada a inquirição de testemunhas e do administrador da Requerente ao abrigo da prova por Declarações de Parte.

Tendo sido nomeada pela Requerente uma tradutora para proceder à tradução do depoimento da testemunha C… de inglês para português, a AT veio a opor-se a tal nomeação, invocando para o efeito a falta de imparcialidade e a consequente nulidade da nomeação, ao abrigo do disposto nos artigos 132, n.º2 e 195.º do CPC, ex vi artigo 29.º do RJAT, tendo o Tribunal confirmado e procedido à respectiva nomeação em conformidade com as regras constantes das alíneas c), e) e f) do n.º1 do artigo 19.º do RJAT, dada a idoneidade e imparcialidade demonstradas pelo seu currículo.

 

 

 

  1. SANEAMENTO

 

O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2.º do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

 

  1. QUESTÕES A DECIDIR

 

       Relativamente às liquidações de IVA referentes ao ano 2011 e às fracções autónomas “C” a “H”, importa, desde logo, determinar se o imposto se reporta, ou não, ao ano errado e se se encontra, ou não, caducado, em função das normas nacionais e comunitárias que respeitam à caducidade e à exigibilidade do imposto, em particular sobretudo os artigos 45.º, n.º 4, da LGT e 62.º e 63.º da Directiva 2006/112/CE.

 

Adicionalmente, caso não se tenha verificado a caducidade do direito à liquidação do imposto no tocante às liquidações adicionais reportadas a 2011 e, bem assim, quanto aos demais actos de liquidação (reportados aos anos de 2012 a 2014), está, sobretudo, em causa a interpretação do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas operações relativas a Bens Imóveis, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, face ao direito da União Europeia, mais concretamente:

  1. A questão de saber se a obrigatoriedade de regularizar de uma só vez o IVA deduzido por não utilização efectiva do imóvel por um período superior a dois anos, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do referido Regime de Renúncia à Isenção do IVA, é compatível com as regras e princípios comunitários, em especial com o disposto na Directiva IVA;
  2. A questão de saber se a conjugação da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do aludido Regime de Renúncia à Isenção do IVA é conforme ao direito da União Europeia, em especial ao disposto na Directiva IVA, na medida em que o seu efeito combinado determina a impossibilidade de um sujeito passivo de IVA poder vir a renunciar à isenção do IVA na celebração de novos contratos de arrendamento após a ocorrência de uma regularização do IVA de uma só vez;
  3. A interpretação do n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e da alínea b) do n.º 1 artigo 10.º do referido Regime de Renúncia à Isenção do IVA, nas suas redacções anteriores, face ao disposto na Directiva IVA, especificamente a questão de saber se os mesmos devem ser interpretados no sentido de não serem aplicáveis sempre que, apesar de o imóvel se encontrar vago, seja intenção do respectivo proprietário arrendá-lo com sujeição a IVA, estando em condições de provar que realizou e está a realizar todos os esforços necessários para arrendar o imóvel, com renúncia à isenção de IVA.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos provados

 

Com relevo para a decisão importa atender aos seguintes factos que se consideram provados:

  1. A Requerente é uma sociedade que tem por objecto social a compra e venda, o arrendamento e a gestão de imóveis (quer sejam da propriedade da sociedade ou de terceiros) destinados a fins residenciais, a serviços (comércio e escritórios) e mistos, podendo ainda adquirir lotes de terreno para construção de edifícios com os fins anteriormente referidos.
  2. A Requerente é proprietária do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua …, n.º…, Rua … n.º … e Rua …, n.º …, em Algés, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º … e inscrito na matriz com o artigo…, da freguesia de União das Freguesias de …, … e … (correspondente ao anterior artigo …, da freguesia de Algés).
  3. A Requerente é, ainda, proprietária do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na …, n.º …, em Algés, descrito na … Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob o n.º … e inscrito na matriz com o artigo …, da freguesia de União das Freguesias de …, … e … (correspondente ao anterior artigo …, da freguesia de …).
  4. Ambos os imóveis acima descritos são edifícios para escritórios, comércio e parque público.
  5. A Requerente procedeu por diversos meios e com carácter de continuidade, nos períodos de tributação em causa (2011 a 2014), à promoção comercial dos imóveis em apreço com vista à sua locação.
  6. Previamente à celebração de cada um dos contratos de arrendamento, e por referência aos períodos de tributação em questão (2011 a 2014), a Requerente sempre renunciou à isenção do IVA nas referidas operações, nos termos do n.º 4 do artigo 12.º do Código do IVA e do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis.
  7. As fracções autónomas “C” a “H” do imóvel sito na Rua…, n.º…, Rua … n.º … e Rua …, n.º…, em Algés (adiante “fracções autónomas “C” a “H”) permaneceram desocupadas por um período superior a 2 anos.
  8. Os contratos de arrendamento respeitantes àquelas fracções cessaram em 31 de Janeiro de 2008.
  9. Em 10 de Fevereiro de 2011, a Requerente apresentou um requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa – …, nos termos do qual informou que, em face dos circunstancialismos do mercado, as citadas fracções autónomas “C” a “H” continuavam por arrendar, tendo referido que, ainda assim, não haveria que efectuar qualquer regularização do IVA deduzido em virtude de tais fracções permanecerem afectas à actividade tributável, em sede de IVA, da Requerente, a qual continuava a promover a sua locação, conforme iniciativas descritas no mesmo requerimento.
  10. Em 13 de Fevereiro de 2013, a Requerente apresentou um novo requerimento, dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa –…, nos mesmos termos do requerimento anterior, desta feita por referência às fracções autónomas “W”, “P”, “Z”, “AB”, “L” e “Q” do imóvel sito na …, n.º…, em Algés.
  11. Em 17 de Setembro de 2015, a Requerente foi notificada do início da acção inspectiva efectuada ao ano de 2011, em cumprimento da Ordem de Serviço OI2014…, no contexto da qual foram efectuadas correcções aritméticas (de imposto em falta) no montante de EUR 804.454,52 com base nos seguintes fundamentos:

O art.º 10 do “Regime da Renúncia”, para além da transposição das regularizações à dedução relativas a bens imóveis, previstas no Código do Iva, contém como condição para a manutenção da opção pela renúncia à isenção, que os imóveis não se encontrem desocupados ou afectos a fins alheios à actividade da empresa, em suma, a operações não tributadas, por período superior a dois anos”;

“(…) verifica-se que a A…, tendo frações desocupadas, para além de não ter procedido às regularizações determinadas pela alínea b) do nº 1 do artº. 10º do Regime da Renúncia”, não efectuou as regularizações anuais, previstas no nº 1 do artº. 26º do CIVA, em cada um dos primeiros dois anos em que os imóveis permaneceram desocupados, em conformidade com o n.º 3 do artº. 10º daquele regime”;

“(…) a A…, relativamente às fracções desocupadas, deveria ter procedido às respetivas regularizações de imposto no período de 2011-12”.

  1. A AT veio, assim, invocar que a Requerente deveria proceder à regularização anual nuns casos, e à regularização definitiva noutros, do imposto deduzido quanto às seguintes fracções e nos seguintes termos:

 

Artigo

Fração

Piso

Data do Certificado de Renúncia

Data do Início Arrendamento

Data do Final do Arrendamento

IVA deduzido

Regularização al.b) art 10 Dec-Lei 21/2007

Regularização Art 26 CIVA

Montantes

Demonstração do cálculo

 

 

... (atual ...)

W

6.ºB

02-10-2006

28-06-2006

setembro / 2009

142.083,64

106.562,73

(1/20) x 15 anos x imposto deduzido

 

P

12ºA

10-03-2005

01-09-2005

dezembro / 2009

193.233,75

135.263,63

(1/20) x 14 anos x imposto deduzido

 

Z

9ºB

05-04-2005

01-02-2005

fevereiro / 2010

142.083,64

 

 

7.104,18

AB

11ºB

20-12-2006

31-10-2005

maio / 2010

142.083,64

 

 

7.104,18

L

8ºA

10-03-2005

01-11-2005

novembro / 2010

193.233,75

 

 

9.661,69

 

 

... (atual ...)

C

 

05-07-2002

10-07-2002

12-01-2008

23.091,99

12.700,59

(1/20) x 11 anos x imposto deduzido

 

D

73.574,48

40.465,96

(1/20) x 11 anos x imposto deduzido

 

E

07-04-2006

12-01-2006

01-02-2008

220.723,43

121.397,89

(1/20) x 11 anos x imposto deduzido

 

F

220.723,43

121.397,89

(1/20) x 11 anos x imposto deduzido

 

G

220.723,43

121.397,89

(1/20) x 11 anos x imposto deduzido

 

H

220.723,43

121.397,89

(1/20) x 11 anos x imposto deduzido

 

 

 

 

 

  1. Na sequência das correcções operadas ao ano de 2011, a Requerente foi notificada da liquidação de IVA n.º 2015…, no valor de EUR 755.326,81, da liquidação de juros compensatórios n.º 2015…, no valor de EUR 115.223,55, da liquidação de IVA indevidamente reportado n.º 2015…, no valor de EUR 49.127,75 e da liquidação de juros de mora n.º 2015…, no valor de EUR 11.081,73, todas por referência ao ano de 2011, cujo prazo para pagamento voluntário terminava em 15 de Fevereiro de 2016.
  2. A Requerente procedeu ao pagamento das liquidações, no montante global de EUR 930.759,84.
  3. Em 11 de Abril de 2016, a Requerente foi notificada da acção inspectiva efectuada aos exercícios de 2012 e 2013, em cumprimento das Ordens de Serviço OI2015… e OI2015…, na qual foram efectuadas correcções aritméticas (de imposto em falta) no montante de EUR 319.972,13 (2012) e EUR 77.051,87 (2013), com base nos mesmos argumentos que estiveram na origem das correcções efectuadas quanto ao exercício de 2011.
  4. A AT veio invocar que a Requerente deveria proceder à regularização anual nuns casos, e à regularização definitiva noutros, do imposto deduzido quanto às seguintes frações do imóvel sito na …, n.º…, em Algés e nos seguintes termos:

 

 

 

 

 

 

Art.

Fração

Piso

Data do Certificado de Renúncia

Data do Início Arrendamento

Data do Final do Arrendamento

IVA deduzido

Regularização al.b) art 10 Dec-Lei 21/2007

Regularização Art 26 CIVA

Montantes

Demonstração do cálculo

2012

2013

... (atual...)

Z

9ºB

05-04-2005

01-02-2005

fevereiro / 2010

142.083,64

92.354,37

(1/20) x 13 anos x imposto deduzido

 

 

AB

11ºB

20-12-2006

31-10-2005

maio / 2010

142.083,64

92.354,37

(1/20) x 13 anos x imposto deduzido

 

 

L

8ºA

10-03-2005

01-11-2005

novembro / 2010

193.233,75

125.601,94

(1/20) x 13 anos x imposto deduzido

 

 

Q

13ºA

06-03-2006

28-12-2005

dezembro / 2011

193.233,75

 

 

9.661,45

9.661,45

A

R/C A

12-11-2004

01-10-2004

setembro / 2012

76.853,70

 

 

 

3.842,69

B

R/C B

12-11-2004

01-10-2004

setembro / 2012

55.893,60

 

 

 

2.794,68

C

R/C C

19-08-2005

02-05-2005

setembro / 2012

69.867,00

 

 

 

3.493,35

D

Galeria

07-10-2004

22-07-2004

setembro / 2012

193.233,75

 

 

 

9.661,45

 

E

1º A

19-08-2005

02-05-2005

setembro / 2012

193.233,75

 

 

 

9.661,45

R

1º B

06-11-2007

01-10-2007

setembro / 2012

190.392,08

 

 

 

9.519,60

F

2º A

07-04-2006

01-12-2005

setembro / 2012

142.083,64

 

 

 

7.104,18

S

2º B

06-11-2007

01-10-2007

setembro / 2012

142.083,64

 

 

 

7.104,18

U

4º B

25-11-2004

22-07-2004

setembro / 2012

142.083,64

 

 

 

7.104,18

X

7º B

19-08-2005

01-06-2005

setembro / 2012

142.083,64

 

 

 

7.104,18

 

  1. Na sequência das correcções operadas aos exercícios de 2012 e 2013 – este último com repercussões ao nível do imposto deduzido já no ano de 2014 (períodos de 2014/01, 2014/03 e 2014/04) –, a Requerente foi notificada das seguintes liquidações, cujo prazo para pagamento voluntário terminou em 9 de Junho de 2016:

 

  • IVA do ano de 2012:
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 319.972,13, referente a IVA do ano de 2012 adicionalmente cobrado;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 39.869,40, referente a juros compensatórios, por referência ao ano de 2012.

 

  • IVA do ano de 2013:
  • Liquidação n.º 2016…, referente a IVA do ano de 2013, na qual não foi cobrado imposto adicional, tendo-se apenas corrigido o montante a reportar para o período seguinte (EUR 77.051,87).

 

  • IVA do ano de 2014:
  • Liquidação n.º 2016…, no montante de EUR 30.543,53, referente ao IVA do período de 2014/01;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 3.493,31, referente a juros de mora, relativo ao período de 2014/01;
  • Liquidação n.º 2016…, no montante de EUR 31.832,93, referente ao IVA do período de 2014/03;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 3.336,67, referente a juros de mora, relativo ao período de 2014/03;
  • Liquidação n.º 2016…, no montante de EUR 14.675,41, referente ao IVA do período de 2014/04;
  • Liquidação n.º 2016…, no valor de EUR 1.471,49, referente a juros de mora, relativo ao período de 2014/04.
  1. Ambos os imóveis, propriedade da Requerente (rectius as fracções autónomas em que os mesmos se decompõem), estão contabilizados nas demonstrações financeiras da Requerente na conta 42 – Propriedades de Investimento.
  2. A Requerente promoveu a oferta dos espaços disponíveis tendo em vista a sua inerente rentabilização através da celebração de contratos de arrendamento, contratos de prestação de serviços do tipo “office centre” e da gestão do parque de estacionamento público (inserido no Lote 5 do empreendimento).
  3. A Requerente procedeu à celebração dos seguintes contratos tendo em vista a promoção e oferta dos espaços para escritórios, em concreto, quanto às frações que se encontravam por arrendar:
  • Contrato celebrado, em 1 de Fevereiro de 2008, entre a Requerente e a D…, Lda. e a E…, S.A., referente às fracções autónomas “C” a “I” do imóvel sito na Rua …, n.º…, Rua … n.º … e Rua …, n.º …, em Algés (artigo … à data dos factos e actual artigo…).
  • Contrato celebrado, em Dezembro de 2009, entre a Requerente e a D…, Lda. e a F…, Lda., referente às fracções autónomas “C” a “I” do imóvel sito na Rua …, n.º…, Rua … n.º … e Rua …, n.º…, em Algés (artigo … à data dos factos e actual artigo …);
  • Contrato celebrado, em 16 de Maio de 2011, entre a Requerente e a D…, Lda. e a F…, Lda., referente às fracções autónomas “C” a “H” do imóvel sito na Rua …, n.º…, Rua … n.º … e Rua…, n.º…, em Algés (artigo … à data dos factos e actual artigo…);
  • Contrato celebrado, em 19 de Julho de 2011, entre a Requerente e a D…, Lda. e a F…, Lda., referente às fracções autónomas “A” a “F”, “R” e “S” do imóvel sito na …, n.º…, em Algés (artigo … à data dos factos e actual artigo…).
  1. Em resultado da celebração dos contratos acima referidos, a Requerente pagou a cada uma das empresas contratadas os serviços devidos pela promoção comercial dos seus edifícios, conforme resulta dos balancetes referentes aos anos de 2011 a 2013.
  2. No âmbito dos seus deveres contratuais para com a Requerente, as referidas empresas apresentaram, periodicamente, o resultado da actividade e das diligências efectuadas.
  3. Devidamente aconselhada pelas empresas mencionadas anteriormente, a Requerente desenvolveu ainda várias actividades de marketing em suporte à comercialização de onde se destacam:
  • Criação de um hand-out;
  • Criação de uma mailing list;
  • Criação de um site na internet;
  • Criação e divulgação de press releases de ampla divulgação pública;
  • Colocação de painéis publicitários nos imóveis.
  1. Estas iniciativas implicaram o dispêndio de custos suportados pela Requerente, conforme resulta dos balancetes referentes aos anos de 2011 a 2013.
  2. A Requerente procedeu ao ajustamento da oferta através (i) da disponibilização de espaços locáveis a preços mais competitivos (designadamente através do efeito combinado da disponibilização de mais espaço locável por um valor por m2 mais baixo), e (ii) da possibilidade de negociação de períodos de carência na fase de instalação de cada inquilino.
  3. Num primeiro momento foi promovido o arrendamento das fracções na sua integralidade, independentemente da área que as mesmas apresentassem.
  4. A Requerente recebeu manifestações de interesse.
  5. A Requerente celebrou novos contratos de arrendamento, com os seguintes inquilinos:
  • Contrato de arrendamento celebrado, em 14 de Julho de 2010, com a sociedade G…, S.A., referente à fracção autónoma “I”, do imóvel sito na Rua …, n.º…, Rua … n.º … e Rua …, n.º…, em Algés (artigo … à data dos factos e actual artigo …);
  • Contrato de arrendamento celebrado, em 27 de Novembro de 2014, com a sociedade H…, Lda., referente às frações autónomas “A”, “B”, “D”, “E”, “F” (e respectivos parqueamentos) do imóvel sito na …, n.º…, em Algés (artigo … à data dos factos e actual artigo…).
  1. A Requerente não conseguiu locar todos os espaços.
  2. A Requerente optou por reestruturar a sua oferta, através da adopção de um novo modelo de negócio baseado na oferta integrada de espaços e serviços (“office centre”).
  3. A Requerente, solicitou à AT uma informação vinculativa que sancionou o entendimento de que o office center estava sujeito e não isento de IVA.
  4. A partir de 2014, procedeu à divisão dos espaços de algumas das fracções, tendo celebrado os seguintes contratos:
  • Contrato celebrado, em 18 de Junho de 2014, com a sociedade I…, Lda;
  • Contrato celebrado, em 13 de Agosto de 2014, com a sociedade J…, S.A.;
  • Contrato celebrado, em 2 de Setembro de 2014, com a sociedade K…– Sucursal em Portugal.
  • Contrato celebrado, em 15 de Junho de 2015, com a sociedade L…, S.A.
  • Contrato celebrado, em 14 de Agosto de 2015, com a sociedade M…, Lda.
  • Contrato celebrado, em 24 de Setembro de 2015, com a sociedade N…, Lda.;
  • Contrato celebrado, em 25 de Fevereiro de 2016, com a sociedade O…, Lda.
  1. A partir de 2014, a Requerente passou a prosseguir a sua actividade com base em dois modelos de negócio distintos – o arrendamento de fracções autónomas, e a prestação de serviços integrados segundo o modelo de “office centre”.
  2. Os custos associados a estas iniciativas estão reflectidos contabilisticamente nas demonstrações financeiras da Requerente, em especial nos balancetes, tomando por referência os exercícios de 2011 a 2013.

 

  1. Factos não provados

 

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

 

  1. Motivação da decisão de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral, no processo administrativo e na prova testemunhal e por declarações de parte.

As testemunhas inquiridas, bem como o administrador que foi inquirido ao abrigo da prova por declarações de parte, aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que referiram.

 

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

1. Normativos em causa

 

De acordo com o previsto no n.º4 do artigo 12.º do CIVA, “Os sujeitos passivos que procedam à locação de prédios urbanos ou fracções autónomas destes a outros sujeitos passivos, que os utilizem, total ou predominantemente, em actividades que conferem direito à dedução, podem renunciar à isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º”.

O Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas operações relativas a Bens Imóveis foi transposto para o direito nacional para o n.º 4 do artigo 12.º do CIVA, determinando-se, no respectivo n.º 6, que constaria de legislação especial.

Os termos e as condições para a renúncia à isenção passaram a estar especificadamente estabelecidos no Decreto-Lei n.º 241/86, de 20 de Agosto, regime este que, posteriormente, veio a ser reformulado pelo aludido Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro.

As disposições referidas do aludido Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas operações relativas a Bens Imóveis, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 21/2007, previam o seguinte à data dos factos:

 

Artigo 2.º

Condições objectivas para a renúncia à isenção

1 - A renúncia à isenção é admitida nas operações relativas a bens imóveis quando se mostrem satisfeitas as seguintes condições:

a) O imóvel se trate de um prédio urbano ou de uma fracção autónoma deste ou ainda, no caso de transmissão, de um terreno para construção;

b) O imóvel esteja inscrito na matriz em nome do seu proprietário, ou tenha sido pedida a respectiva inscrição, e não se destine a habitação;

c) O contrato tenha por objecto a transmissão do direito de propriedade do imóvel ou a sua locação e diga respeito à totalidade do bem imóvel;

d) O imóvel seja afecto a actividades que confiram direito à dedução do IVA suportado nas aquisições;

e) No caso de locação, o valor da renda anual seja igual ou superior a quinze avos do valor de aquisição ou construção do imóvel.

2 - Verificadas as condições previstas no número anterior, a renúncia só é permitida quando o bem imóvel se encontre numa das seguintes circunstâncias:

a) Esteja em causa a primeira transmissão ou locação do imóvel ocorrida após a construção, quando tenha sido deduzido ou ainda seja possível deduzir, no todo ou em parte, o IVA nela suportado;

b) Esteja em causa a primeira transmissão ou locação do imóvel após ter sido objecto de grandes obras de transformação ou renovação, de que tenha resultado uma alteração superior a 50% do valor patrimonial tributável para efeito do imposto municipal sobre imóveis, quando ainda seja possível proceder à dedução, no todo ou em parte, do IVA suportado nessas obras;

c) Na transmissão ou locação do imóvel subsequente a uma operação efectuada com renúncia à isenção, quando esteja a decorrer o prazo de regularização previsto no n.º 2 do artigo 24.º do Código do IVA relativamente ao imposto suportado nas despesas de construção ou aquisição do imóvel.

(…)”

Artigo 10.º

Regularização do imposto deduzido

1 - Não obstante o disposto no n.º 1 do artigo 25.º do Código do IVA, os sujeitos passivos que utilizem bens imóveis relativamente aos quais houve direito à dedução total ou parcial do imposto que onerou a respectiva aquisição são obrigados a regularizar, de uma só vez, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do mesmo Código, as deduções efectuadas, considerando que os bens estão afectos a uma actividade não tributada, quando:

a) O bem imóvel seja afecto a fins alheios à actividade exercida pelo sujeito passivo;

b) Ainda que não seja afecto a fins alheios à actividade exercida pelo sujeito passivo, o bem imóvel não seja efectivamente utilizado em fins da empresa por um período superior a dois anos consecutivos.” (actualmente cinco anos).

 

Estabelecem os n.ºs 5 e n.º 6 do artigo 24.º do Código do IVA que:

 

“Artigo 24.º  

Regularizações das deduções relativas a bens do activo imobilizado

(…)

5 - Nos casos de transmissões de bens do activo imobilizado durante o período de regularização, esta é efectuada de uma só vez, pelo período ainda não decorrido, considerando-se que tais bens estão afectos a uma actividade totalmente tributada no ano em que se verifica a transmissão e nos restantes até ao esgotamento do prazo de regularização. Se, porém, a transmissão for isenta de imposto, nos termos dos n.os 30) ou 32) do artigo 9.º, considera-se que os bens estão afectos a uma actividade não tributada, devendo no primeiro caso efectuar-se a regularização respectiva.

6 - A regularização prevista no número anterior é também aplicável, considerando-se que os bens estão afectos a uma actividade não tributada, no caso de bens imóveis relativamente aos quais houve inicialmente lugar à dedução total ou parcial do imposto que onerou a respectiva construção, aquisição ou outras despesas de investimento com eles relacionadas, quando:

a) O sujeito passivo, devido a alteração da actividade exercida ou por imposição legal, passe a realizar exclusivamente operações isentas sem direito à dedução;

b) O sujeito passivo passe a realizar exclusivamente operações isentas sem direito à dedução, em virtude do disposto no n.º 3 do artigo 12.º ou nos n.os 3 e 4 do artigo 55.º;

c) O imóvel passe a ser objecto de uma locação isenta nos termos do n.º 29 do artigo 9.º

(…).”

O artigo 25.º do CIVA vem prever o seguinte:

 

 “Artigo 25.º

Regularizações relativas a bens do activo imobilizado por motivo de alteração da actividade ou imposição legal

1 - Se, por motivo de alteração da actividade ou por imposição legal, os sujeitos passivos passarem a praticar operações sujeitas que conferem direito à dedução, podem ainda deduzir o imposto relativo aos bens do activo imobilizado, do seguinte modo:

(…)

b) No caso de bens imóveis adquiridos ou concluídos no ano da alteração do regime de tributação e nos 19 anos civis anteriores, o imposto dedutível é proporcional ao número de anos que faltem para completar o período de 20 anos a partir do ano da ocupação dos bens;

4 - A regularização prevista na alínea b) do n.º 1 é também aplicável quando, após uma locação isenta abrangida pela alínea c) do n.º 6 do artigo 24.º, o imóvel seja objecto de utilização pelo sujeito passivo exclusivamente no âmbito de operações que conferem direito à dedução.”

 

Por outro lado, o n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA, determina o seguinte: “A não utilização em fins da empresa de bens imóveis relativamente aos quais houve dedução do imposto durante 1 ou mais anos civis completos após o início do período de 19 anos referido no n.º 2 do artigo 24.º dá lugar à regularização anual de 1/20 da dedução efectuada, que deve constar da declaração do último período do ano a que respeita.”

 

 

2. Entendimento da Requerente

 

2.1. Caducidade do direito à liquidação do IVA (ano 2011)

 

A Requerente começa por sustentar a caducidade do direito à liquidação do IVA referente ao ano 2011 e consequente ilegalidade das liquidações efectuadas pela AT, alegando, por um lado, que o imposto relativo às liquidações de IVA e juros efectuadas por referência a 2011, e referentes às fracções autónomas “C” a “H”, se reporta ao ano errado e que o mesmo se encontra caducado, com base nos seguintes argumentos: 

 

  • Resulta do n.º 4 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária (LGT) que o prazo de caducidade, no caso do IVA, deve ser contado do primeiro dia do ano seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto.
  • As regras de exigibilidade estão previstas no artigo 7.º do Código do IVA quando estão em causa operações de transmissões de bens, prestações de serviços ou importações.
  • No presente caso, na medida em que o imposto alegadamente devido não resulta de nenhuma operação, mas sim de uma regularização que, quando devida, é um acto que deve ser praticado pelo próprio sujeito passivo na sua declaração periódica do último período do ano em que o facto se verifica, as referidas normas não são de aplicação ao caso presente.
  • O artigo 8.º do mesmo Código prevê, supletivamente, as situações em que o imposto se torna exigível sempre que a transmissão de bens ou a prestação de serviços dê lugar à obrigação de emitir uma factura.
  • Ora, a alegada necessidade de proceder à regularização do IVA no caso em apreço também não dá azo à emissão de uma factura, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º e do artigo 36.º do Código do IVA, pelo que as regras do artigo 8.º do mesmo Código não são, igualmente, aplicáveis ao caso sub judice.
  • Por sua vez, resulta do artigo 62.º da Directiva IVA que o momento em que o imposto se torna exigível corresponde ao momento em que o direito a receber o imposto nasce na esfera do Estado, momento que não deve ser confundido com aquele a partir do qual o Estado, através da acção da sua administração tributária, pode proceder à cobrança desse mesmo imposto.
  • O artigo 63.º da mesma Directiva (e que foi transposto pelo artigo 7.º do Código do IVA) determina que, por referência às operações tributáveis, é a ocorrência do facto tributável que faz nascer a exigibilidade do imposto, enquanto direito da administração tributária a receber o IVA liquidado pelo sujeito passivo.
  • Ou seja, o IVA torna-se exigível no momento em que o facto tributável tem lugar ou na data da emissão da competente factura, altura em que o imposto se torna quantificável e, por isso mesmo, exigível pela administração tributária ao sujeito passivo que o deve auto liquidar, momento que não deve ser confundido com aquele a partir do qual a AT adquire o direito à cobrança do imposto, e que apenas ocorre após o prazo para a entrega da declaração periódica e pagamento do imposto auto liquidado.
  • Decorre da factualidade descrita que os contratos de arrendamento referentes às fracções autónomas “C” a “H” cessaram, o mais tardar, em Fevereiro de 2008, pelo que, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, deve considerar-se que o imposto deduzido deveria ser regularizado a partir de Fevereiro de 2010.
  • Deve depreender-se destas normas que o imposto a favor do Estado, resultante desta pretensa regularização, tornou-se devido e exigível no decurso de 2010, e não no decurso de 2011, sendo esta a única interpretação conforme com a imposição do direito da União Europeia de que a exigibilidade deve considerar-se verificada no momento em que nasce o direito ao imposto em falta, ou seja, quando se verifica o facto que obriga à regularização do imposto.
  • Por isso mesmo, e muito embora o n.º 2 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA determine que a regularização seja efectuada na declaração periódica do último período do ano em que respeita (in casu, Dezembro de 2010), a circunstância de a referida declaração periódica apenas ser entregue no ano seguinte (Fevereiro de 2011), não é argumento para assumir que o imposto regularizado apenas se torna exigível no final do prazo de entrega dessa mesma declaração.
  • Em consequência, não só as liquidações adicionais efectuadas estão incorrectas, uma vez que deveriam dizer respeito ao ano de 2010, e não ao ano de 2011, como as mesmas foram emitidas já depois de findo o prazo de caducidade aplicável, contado a partir de 1 de Janeiro de 2011, e termo em 31 de Dezembro de 2014.
  • De facto, na medida em que o n.º 4 do artigo 45.º da LGT impõe que o prazo de caducidade, no caso do IVA, seja contado do primeiro dia do ano seguinte àquele em que se verificou a exigibilidade do imposto (equiparando-se para este efeito o IVA aos impostos periódicos), é forçoso concluir que o prazo de caducidade, por referência às liquidações em crise, terminou muito antes da data de emissão (e notificação) das mesmas, ainda que se leve em conta a eventual suspensão de tal prazo por efeito do procedimento instrutivo.
  • Conclui, assim, a Requerente que as liquidações adicionais efectuadas por referência a 2011, e relativas às fracções autónomas “C” a “H”, são manifestamente ilegais, uma vez que, não só se reportam ao ano errado (2011, em vez de 2010), como também não respeitaram o prazo de caducidade previsto no n.º 4 do artigo 45.º da LGT.

 

2.2. Desconformidade do regime de regularizações de IVA à face do direito da UE e incorrecta subsunção do caso (anos 2011 a 2014)

Por outro lado, a Requerente defende que a interpretação perfilhada pela AT é manifestamente abusiva e ilegal face ao disposto na Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 (Directiva IVA), e à pretendida subsunção dos factos no âmbito do n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, tanto na sua versão original, como na versão da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro.

Assim, a Requerente sustenta que todas as correcções efectuadas em sede de inspecção tributária e, em consequência, as liquidações contestadas, são ilegais, com base nos seguintes argumentos:

  1. Essas correcções partem do pressuposto que a Requerente estava obrigada a proceder, nuns casos, à regularização anual, e, noutros, à sua regularização de uma só vez, do IVA deduzido, consoante as fracções se encontrassem, respectivamente, desocupadas por período superior a um ano (ao abrigo do artigo 26.º, n.º 1, do Código do IVA) ou por período superior a dois anos (ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA).
  2. A imposição da obrigatoriedade de proceder à regularização do IVA deduzido de uma só vez, determina, na esfera da Requerente, a impossibilidade legal (excepto em casos da realização de grandes obras de transformação ou renovação de que resulte uma alteração superior a 30% do valor patrimonial tributável) de renunciar à isenção do IVA na celebração de novos contratos de arrendamento tendo por objecto as fracções visadas (cf. alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 2.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis).
  3. O entendimento sufragado pela AT, e as liquidações que do mesmo resultaram, são manifestamente ilegais tendo em atenção:
  • A desconformidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis face ao direito da UE, em especial ao disposto nas Directivas 2006/69/CE do Conselho, de 24 de Julho de 2006 e 2006/112/CE;
  • A desconformidade da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis face ao direito da UE, em especial ao disposto na Directiva IVA, na medida em que o seu efeito combinado determina a impossibilidade de um sujeito passivo de IVA poder vir a renunciar à isenção do IVA na celebração de novos contratos de arrendamento após a ocorrência de uma regularização do IVA de uma só vez;
  • A incorrecta subsunção do caso vertente nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis.

Concretizando o seu entendimento, a Requerente começa por efectuar uma análise da compatibilidade das normas de direito nacional com o direito da UE, alegando a este respeito o seguinte:

  1. Da conjugação do n º 1 do artigo 9.º e dos artigos 167.º e 168.º da Directiva IVA, resulta que a qualidade de sujeito passivo de IVA, incluindo o direito à dedução, é adquirida no momento em que o sujeito passivo dá início a uma actividade económica ainda que, por razões alheias à sua vontade, o mesmo jamais tenha feito uso de tais bens ou serviços para realizar operações tributárias, sem prejuízo das regularizações de imposto a que haja lugar.
  2. A referida interpretação é conforme à jurisprudência constante do TJUE, o qual vem defendendo a manutenção do direito à dedução por parte do sujeito passivo, independentemente do resultado da actividade, e de a mesma ser ou não geradora de rendimento, excepto no caso de estarmos perante situações fraudulentas ou abusivas
  3. Muito embora os Estados-Membros estejam autorizados, nos termos do n.º 2 do artigo 137.º da Directiva IVA, a regular as condições em que se processa a renúncia à isenção do IVA, tal mandato não lhes confere uma latitude irrestrita ao abrigo da qual a legislação doméstica possa derrogar ou limitar o direito à dedução do imposto em contravenção com os princípios estruturantes da neutralidade, da igualdade tributária e da proporcionalidade em que assenta o sistema comum do IVA.
  4. Como decorre da jurisprudência do TJUE, a latitude conferida aos Estados-Membros está limitada, no tocante às regularizações de imposto, aos dispositivos previstos no artigo 189.º da Directiva IVA (anterior n.º 4 do artigo 20.º da Sexta Directiva).
  5. É, precisamente, a restrição ilegítima do direito à dedução que está aqui em causa, quer a partir das regras do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, quer da interpretação restritiva que delas faz a AT.
  6. Na verdade, estabelece o artigo 184.º da Directiva IVA que “A dedução inicialmente efectuada é objecto de regularização quando for superior ou inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito”.
  7. Ora, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, o sujeito passivo deverá fazer uma regularização de uma só vez, a favor do Estado, caso o bem imóvel não seja efectivamente utilizado em fins da empresa por um período superior a 2 anos consecutivos (actualmente 5 anos).
  8. Ou seja, há lugar a uma regularização quando o valor do IVA inicialmente deduzido é superior àquele que o sujeito passivo tem direito segundo essa regra.
  9. Neste ponto, importa chamar à colação a evidente desarmonia sistemática entre o disposto no n.º 4 do artigo 25.º do Código do IVA, e os efeitos associados à regularização do IVA, por uma só vez, e que resultam da aplicação das alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 2.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, todas do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis.
  10. Ao referir-se expressamente à situação prevista na alínea c) do n.º 6 do artigo 24.º do Código do IVA, o n.º 4 do artigo 25.º do mesmo diploma, parece apenas permitir que o sujeito passivo deduza o IVA suportado com o imóvel em causa (na proporção dos anos que faltarem para o fim do prazo de regularização), quando a afectação do mesmo a uma actividade sujeita se siga a uma locação isenta, e não já quando se siga a outras situações que tenham determinado a realização de regularizações do imposto deduzido, tais como as previstas no artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis.
  11. Ao vedar a possibilidade do sujeito passivo, objecto de regularizações nos termos do artigo 10.º do Regime da Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, de “reverter parcialmente” tal regularização sempre que os imóveis em causa sejam, ainda durante o seu prazo de regularização, afectos a actividades que conferem de direito à dedução do IVA, está-se na prática a limitar o direito à dedução do imposto consagrado pela Directiva IVA.
  12. Além disso, ao determinar a impossibilidade de renunciar à isenção do IVA na celebração de novos contratos de arrendamento tendo por objecto os imóveis que deram causa à regularização por uma só vez, a lei portuguesa impede que o sujeito passivo possa deduzir o IVA suportado com todas as despesas directamente relacionadas com a promoção, gestão, manutenção e conservação dos imóveis que pretende manter afectos ao exercício de uma actividade tributada. O que naturalmente o coloca numa posição desfavorável face a outros operadores económicos.
  13. Em resumo, a legislação portuguesa, não só não permite dar cumprimento ao estabelecido na Directiva IVA, mormente à possibilidade de ocorrer uma regularização (a favor do sujeito passivo) caso se verifique que a dedução inicialmente efectuada foi, afinal, inferior à dedução a que o sujeito passivo tinha direito, como impede o sujeito passivo de deduzir os inputs de IVA suportados após uma regularização a favor do Estado nos termos do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis.
  14. Admitir este tipo de entorses, implicaria aceitar a violação do princípio da igualdade tributária (equivalência económica e fiscal de direitos formalmente diversos) emanado do princípio da neutralidade, atenta a clara discriminação que representaria para os operadores a actuar no mercado imobiliário destinado ao arrendamento, face aos demais operadores económicos.
  15. É precisamente por estar em causa a defesa do princípio da neutralidade, que o direito da UE veda os Estados-Membros a possibilidade de derrogarem ou limitarem o direito à dedução do imposto nos moldes consagrados na Directiva IVA, mesmo quando invocam, como o faz confessadamente o legislador português no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, que aprovou o Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, a necessidade de combater situações de fraude, evasão e abuso.
  16. Basta, aliás, confrontar o texto da Directiva 2006/69/CE com Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, que aprovou o Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, para concluir que, com excepção das medidas referentes ao valor normal de mercado e à inversão do sujeito passivo no caso de renúncia, todas as restantes disposições limitativas do direito à renúncia e dedução do imposto, incluindo os casos de regularização forçada numa única vez, resultam da iniciativa do legislador nacional, sendo manifestamente desproporcionadas.
  17. Daqui flui inevitavelmente que o Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, pelo carácter irreversível da obrigatoriedade de regularizar de uma só vez o IVA deduzido por inutilização do imóvel, sem que o sujeito passivo possa sequer justificar o motivo que esteve na origem dessa mesma inutilização, não observa a regra da proporcionalidade.
  18. Em face do acima exposto, entende a Requerente que o entendimento sufragado pela AT e as liquidações que do mesmo resultaram são manifestamente ilegais tendo em atenção:

- A desconformidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis em face ao direito da UE, em especial do direito à dedução do IVA consagrado no artigo 184.º da Directiva IVA, com a consequente da violação dos princípios da neutralidade, igualdade tributária e da proporcionalidade, neste último caso tendo ainda em atenção o disposto na Directiva 2006/69/CE;

- A desconformidade da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis face ao direito da UE, em especial ao disposto na Directiva IVA, na medida em que o seu efeito combinado determina a impossibilidade de um sujeito passivo de IVA poder vir a renunciar à isenção do IVA na celebração de novos contratos de arrendamento após a ocorrência de uma regularização do IVA de uma só vez.

Por fim, a Requerente procede à interpretação do direito interno para concluir pela errada aplicação, por parte da AT, do n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e, sobretudo, do disposto na alínea b) do n.º 1 artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA, nas suas redacções anteriores, alegando o seguinte:

  1. O regime de renúncia à isenção do IVA nas operações imobiliárias, mais concretamente nas transmissões e locações de bens imóveis, tem por objectivo facultar aos sujeitos passivos de IVA a opção pela tributação dessas operações quando os adquirentes ou locatários tenham a respectiva actividade total ou parcialmente afecta a operações tributáveis em IVA.
  2. A possibilidade de opção pela tributação tem a sua génese na Sexta Directiva e vem actualmente prevista no artigo 137.º da Directiva IVA, concedendo o legislador comunitário a cada Estado-Membro a opção por definir as regras processuais segundo as quais o direito à opção pela tributação pode ser exercido.
  3. O legislador nacional optou por consagrar no artigo 12.º do Código do IVA o direito de renúncia à isenção em termos muito genéricos, remetendo actualmente para o Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis no que tange à definição dos termos e condições em que a referida opção pela tributação pode ser exercida.
  4. O regime das regularizações das deduções do IVA relativas a bens imóveis é tratado, principalmente no artigo 26.º do Código do IVA e no artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis.
  5. Parece ser no mínimo precipitada a conclusão sustentada pela AT de que “O art.º 10 do “Regime da Renúncia”, (…) contém como condição para a manutenção da opção pela renúncia à isenção, que os imóveis não se encontrem desocupados (…) por período superior a dois anos”.
  6. O mecanismo da regularização visa incentivar a continuidade, pelo sujeito passivo, da actividade empresarial que deu origem ao direito à dedução do imposto, e bem assim, de contrariar - constituindo aqui uma verdadeira disposição anti-abuso -, o desvio da afectação dos imóveis a fins alheios ou isentos, evitando a recuperação abusiva do imposto.
  7. Explicado por outras palavras, tanto o alcance do n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA, como da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, visam, cada um à sua maneira, atingir aquelas situações em que o imóvel deixou de estar afecto a uma actividade empresarial, ainda que possa continuar associado ao interesse geral do sujeito passivo.
  8. Entende a Requerente que deve ser traçada uma linha de fronteira entre as situações puramente passivas – em que o sujeito passivo nada faz para rentabilizar o bem –, e aquelas outras em que o bem imóvel, apesar de desocupado, continua a ser activamente promovido pelo sujeito passivo com vista ao desenvolvimento da sua actividade comercial sujeita e não isenta de imposto.
  9. Tal como no caso das despesas preparatórias, é inegável que a promoção comercial dos imóveis com vista à sua locação com IVA constitui um estado larvar ou prévio da actividade comercial tributável exercida pelo sujeito passivo. Não podendo, por isso mesmo, ser dissociada desta última, como aliás é reconhecido e validado pela jurisprudência do TJUE.
  10. De outra forma, e caso prevalecesse uma interpretação mais restritiva, a mesma conduziria a uma inexplicável penalização dos sujeitos passivos proprietários de imóveis destinados ao arrendamento, os quais, para além de não obterem qualquer rendimento pelo facto de manterem os imóveis desocupados, ainda seriam obrigados a devolver ao Estado parte ou a totalidade do IVA deduzido por referência a esses imóveis.
  11. O impacto relatado seria especialmente gravoso no caso da regularização, de uma só vez, do IVA, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA. Aqui, além dos prejuízos sofridos, os promotores ainda seriam obrigados a devolver ao Estado, todo o IVA deduzido por referência a esses imóveis por todo o período de regularização ainda não decorrido.
  12. A jurisprudência do TJUE tem sido constante na defesa da manutenção do direito à dedução por parte do sujeito passivo, independentemente do resultado da actividade exercida, excepto nos casos de comprovadas situações fraudulentas ou abusivas, reconhecendo, pois, que o direito à dedução do IVA deverá manter-se – não havendo necessidade de proceder a qualquer regularização – nos casos em que os bens em causa não são efectivamente utilizados por motivos e circunstâncias que estão fora do controlo do sujeito passivo.
  13. Assim, na inexistência de circunstâncias fraudulentas ou abusivas e sem prejuízo de eventuais regularizações em conformidade com as condições previstas no artigo 185.° da Directiva IVA, o direito a dedução, uma vez surgido, permanece adquirido mesmo quando a actividade económica prevista não deu lugar a operações tributáveis.
  14. Sendo o mecanismo de regularização previsto na Directiva IVA parte integrante do regime de dedução do IVA estabelecido pela mesma, não pode um Estado-Membro, mesmo que autorizado pelo n.º 2 do artigo 137.º a definir as regras de renúncia à isenção do IVA na locação imobiliária, não pode limitar o direito dos sujeitos passivos a efectuar as deduções ligadas às operações tributáveis sempre e quando o direito de opção tiver sido validamente exercido em conformidade com as referidas regras.
  15. Em particular, a aplicação das regras processuais nacionais não pode ter como consequência limitar o período em que as deduções podem ser efectuadas a um período mais curto do que o previsto pela Directiva IVA para o ajustamento das deduções.
  16. Por isso mesmo, além de não ter qualquer apoio legal (sobretudo até 2014), aceitar a interpretação restritiva em debate, colocaria em pé de igualdade os infractores e os promotores imobiliários que activa e comprovadamente procuram ocupar os seus imóveis. Com a agravante de violar frontalmente aos princípios e regras comunitárias que informam o sistema comum do IVA.
  17. Conclui-se que, em face da Directiva IVA e da jurisprudência citada, tanto o n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA, como sobretudo o disposto a alínea b) do n.º 1 artigo 10.º do citado Regime, nas suas redacções anteriores, devem ser interpretados no sentido de não serem aplicáveis sempre que, apesar de o imóvel se encontrar vago, seja intenção do respectivo proprietário arrendá-lo com sujeição a IVA, estando em condições de provar que realizou e está a realizar todos os esforços necessários para arrendar o imóvel, com renúncia à isenção de IVA.
  18. No caso em apreço, é manifesto que, não obstante os imóveis melhor identificados supra tenham estado desocupados por mais de dois anos consecutivos, tal situação não é imputável à Requerente que efectuou (e ainda efectua, à presente data) todas as diligências necessárias para arrendar os imóveis, sendo manifesta a perseverança da Requerente na promoção dos seus imóveis, o que levou a que a mesma tivesse celebrado contratos de arrendamento de imóveis e contratos de serviços sobre os mesmos.
  19. Terá, assim, de se concluir que a Requerente não estava adstrita e efectuar qualquer regularização de IVA – nem ao abrigo do artigo 26.º do Código do IVA, nem ao abrigo da alínea b) do n.º 1 artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA –, pelo que as liquidações de imposto e respectivos juros compensatórios e moratórios são manifestamente ilegais, por violação dos citados preceitos legais.

 

3. Entendimento da Requerida

A AT pugnou pela improcedência do pedido relativamente a todas as liquidações contestadas, alegando, quanto à caducidade suscitada pela Requerente no que respeita ao imposto relativo às fracções autónomas “C” a “H”, referentes ao ano de 2011, que a prova da apresentação das comunicações a denunciar os contratos, pertencia, nos termos dos artigos 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º do CC, em exclusivo, à Requerente, visto ser a ela que aproveita o provimento da caducidade das liquidações e que o facto de no relatório de inspecção final se indicar como data de cessação de contrato para as aludidas fracções os dias 12-01-2008 e 01-02-2008, não significa que se deva assumir, sem mais, como pacífico que foi, precisamente, naquelas datas que findaram as relações contratuais entre a Requerente e as então arrendatárias. Face ao que, segundo a AT, deverá ser indeferido o pedido de declaração de ilegalidade das liquidações adicionais de IVA, das fracções autónomas “C” a “H”, referentes ao ano de 2011.

 

      No que se refere ao regime das regularizações, a AT considera, em síntese, que:

  1. O Decreto-Lei n.º 21/2007 foi, como consta do seu preâmbulo, aprovado com o objectivo específico de combater as situações de fraude, abuso e evasão fiscal que, em larga escala, e de forma cada vez mais galopante, se vinham registando ainda na vigência do Decreto-Lei n.º 241/86, tendo, por essa razão, o legislador, ao abrigo do actual artigo 137.º da Directiva IVA, determinado os critérios de acesso ao regime de renúncia à isenção.
  2. Ora, os n.ºs 2 e 3 do artigo 137.º da Directiva IVA, prevêem que é cada Estado-Membro que define, por meio de legislação interna, as regras do exercício do direito de renúncia, atribuindo-se-lhes margem para poderem exercer uma maior ou menor restrição consoante a necessidade e a política fiscal e económica de cada país.
  3. Por seu turno, o artigo 187.º da Directiva IVA prevê no n.º 2 que: “A regularização referida no primeiro parágrafo é realizada em função das alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos, produzidos ou, se for caso disso, utilizados pela primeira vez.
  4. Ora, foi precisamente com base no que se referiu, isto é, na faculdade conferida pela Directiva de os Estados-Membros definirem e restringirem o exercício de renúncia à isenção em sede de IVA, e bem assim com base na necessidade urgente de combater a fraude e o abuso sob o ponto de vista fiscal, que levou justamente o legislador nacional a “apertar o cerco” ao sector imobiliário, gizando regras muito concretas de acesso à dita renúncia, vertidas no Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro.
  5. Pelo que, in casu, a pedra de toque aqui é, frise-se, a mencionada liberdade que originariamente a Directiva IVA concedeu aos Estados-Membros de bem delinearem o regime de renúncia à isenção.
  6. No decurso dos procedimentos inspectivos, constatou-se que as fracções autónomas dos Quadros I e II, propriedade da Requerente, relativamente às quais tinha havido renúncia à isenção, encontravam-se desocupadas há mais de dois anos.
  7.  Não obstante a aludida desocupação, fruto da cessação dos contratos de arrendamento comercial, ainda assim a Requerente - volvidos mais de dois anos de os imóveis não serem efectivamente utilizados em fins empresariais -, não procedeu às regularizações que legalmente se impunham, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do Decreto-Lei n.º 21/2007 e do artigo 26.º, n.º 1 do CIVA.
  8. De acordo com a redacção do artigo 26.º, n.º 1, do CIVA, apenas a utilização efectiva do imóvel para a realização de operações de transmissão de bens e/ou prestações de serviços sujeitas a imposto é que confere o direito à dedução do imposto suportado na aquisição/construção do imóvel.
  9. A leitura daquele artigo 26.º, n.º 1, do CIVA, deve ser concatenada com a redacção do artigo 10.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 21/2007, pois esta última refere que existe obrigação de proceder à regularização de imposto deduzido sempre que o bem imóvel não seja efectivamente utilizado em fins da empresa por um período superior a dois anos consecutivos.
  10. A questão a interpretar é o que se deve entender por “efectivamente utilizado”, sendo que na situação de locação de bens imóveis, somente se pode subsumir à utilização efectiva e prolongada no tempo (que o legislador considerou de 20 anos) na realização de operações tributadas que permitem à Requerente absorver o imposto suportado na sua aquisição/construção.
  11. Por consequência, o facto de os imóveis sub judice não estarem a ser utilizados para a realização de operações tributáveis determina, nos termos do artigo 187.º, n.º 2, da Directiva 2006/112/CE, a regularização do imposto deduzido.
  12. Regularização que, conforme o aludido artigo, é realizada em função das «alterações do direito à dedução verificadas durante os anos seguintes, em relação ao direito à dedução do ano em que os bens em questão foram adquiridos, produzidos ou, se for o caso disso, utilizados pela primeira vez».
  13. Tornando-se, assim, obrigatório, nos termos do disposto no artigo 26.º, n.º 1, do CIVA, que a Requerente proceda à regularização anual de 1/20, isso sempre que tenha havido dedução do imposto suportado, mesmo quando o sujeito passivo exerce uma actividade tributada.
  14. Bem como, de acordo com os relatórios de inspecção, tornando obrigatório que a Requerente, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 21/2007, regularize o imposto remanescente que corresponde ao período de regularização definido, que é de 20 anos, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 2 do CIVA.
  15. No que concerne ao ano de 2011, considerando, por um lado, as disposições legais supra referidas; e considerando, por outro, a desocupação das fracções, ou melhor, a sua não utilização efectiva em operações tributadas, deveria então a Requerente ter procedido às regularizações de imposto no período 201112.
  16. No que respeita ao ano de 2012 e 2013, deveria então a Requerente ter procedido às regularizações de imposto nos períodos 201212 e 201312.
  17. Nada do que se alegou é contrário ao princípio da neutralidade ou daquilo que a jurisprudência do TJUE tem vindo a decidir, na medida em que relacionado com a presente matéria foi justamente a própria jurisprudência do Tribunal de Justiça, através do Acórdão de 03-12-1998, no âmbito do processo n.º C-381/87 (BelgoCodex), que acolheu a tese de que as alterações legislativas introduzidas no seio de um ordenamento jurídico nacional em sede de IVA, ainda que com o objectivo de eliminar o direito de renúncia à isenção na locação de imóveis, não violam os princípios da neutralidade e proporcionalidade.
  18. O Tribunal de Justiça defendeu, neste âmbito, que aos Estados Membros cabe-lhes, acima de tudo, apreciar se é conveniente instaurar ou não o direito de opção, consoante o que consideram oportuno em função do contexto existente no seu país num determinado momento.
  19. Os Estados podem, por isso, também no âmbito das suas competências, revogar o direito de opção de tributação (renúncia à isenção) depois o terem instituído e retomar a regra de base, que é a exoneração do imposto para as operações de locação de bens imóveis.
  20. Transpondo a mencionada tese jurisprudencial para a situação em concreto, e recorrendo ao elemento lógico da argumentação, “a maiori, ad minus” - isto é, quem pode o mais, pode o menos -, temos então que se, de acordo com o TJUE, o direito da UE permite a revogação doméstica do regime de renúncia à isenção que havia sido antes instituído, então também não existem motivos para repudiar a solução preconizada no Decreto-Lei n.º 21/2007, que não revogou o regime de renúncia à isenção, antes restringiu a sua aplicação, adicionando-lhe condicionalismos e consequências que antes não se encontravam previstos no Decreto-Lei n.º 241/86 - condicionalismos que, se verificados, redundariam precisamente na regra de base, que é, como se disse, a exoneração do imposto para as operações de locação de bens imóveis.
  21. O Estado Português, ao introduzir novos condicionalismos no regime de renúncia à isenção em sede de IVA, não violou, assim, quaisquer princípios comunitários.
  22. E nem se diga que a introdução do Decreto-Lei n.º 21/2007 no ordenamento jurídico português violou os princípios da confiança e da segurança jurídica, sendo que, na situação em apreço, existem, pelo menos duas fracções autónomas cuja renúncia à isenção somente operou após a entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, isto é, numa altura em que no ordenamento jurídico português estava já vigente o artigo 10.º, n.º 1, al. b), do dito diploma.
  23. Deste modo, e porque, nas situações de renúncia, o direito à dedução do IVA nasce somente no momento em que é celebrado o contrato de arrendamento (devendo, para isso, o sujeito passivo estar munido do certificado competente), temos que, quanto àquelas duas fracções, não se pode afirmar que o Decreto-Lei n.º 21/2007 tenha eliminado o respectivo direito à dedução.
  24. Não merecem censura as correcções aritméticas resultantes da acção de inspecção aos anos de 2011, 2012 e 2013 e aos meses de Janeiro, Março e Abril de 2014, devendo, por consequência, as liquidações de IVA impugnadas manter-se válidas na ordem jurídica.

 

  1. DO MÉRITO – SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA E REENVIO PREJUDICIAL PARA O TJUE

 

Discute-se essencialmente na presente acção a legitimidade da interpretação que a AT está a conferir aos artigos 26.º do CIVA e 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, aprovado pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º21/2007, de 29 de Janeiro, tendo em consideração  a sua compatibilidade com o Direito da União Europeia, bem como da própria compatibilidade de algumas das suas normas.

 

Em especial pretende-se aferir se:

 

a) A obrigatoriedade de regularizar de uma só vez o IVA deduzido por inutilização do imóvel por um período superior a dois anos, prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do referido Regime de Renúncia à Isenção do IVA, é compatível com as regras e princípios comunitários, em especial com o disposto na Directiva IVA;

b) A conjugação da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do aludido Regime de Renúncia à Isenção do IVA é conforme ao direito da União Europeia, em especial ao disposto na Directiva IVA, na medida em que o seu efeito combinado determina a impossibilidade de um sujeito passivo de IVA poder vir a renunciar à isenção do IVA na celebração de novos contratos de arrendamento após a ocorrência de uma regularização do IVA de uma só vez;

c) A interpretação do n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e da alínea b) do n.º 1 artigo 10.º do mencionado Regime de Renúncia à Isenção do IVA, nas suas redacções anteriores, face ao disposto na Directiva IVA, especificamente a questão de saber se os mesmos devem ser interpretados no sentido de não serem aplicáveis sempre que, apesar de o imóvel se encontrar desocupado, seja intenção do respectivo proprietário arrendá-lo com sujeição a IVA, estando em condições de provar que realizou e está a realizar os esforços necessários para arrendar o imóvel, com renúncia à isenção de IVA.

Em conformidade com as conclusões emanadas do Acórdão Schwarze (de 01-12-1965, proc. 16/65), o reenvio prejudicial é "um instrumento de cooperação judiciária ... pelo qual um juiz nacional e o juiz comunitário são chamados, no âmbito das competências próprias, a contribuir para uma decisão que assegure a aplicação uniforme do Direito Comunitário no conjunto dos estados membros".

No entanto, como é doutrina oficial do TJUE, a partir do Acórdão Cilfit  (de 06 -10-82, processo 283/81),  que a obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação pode ser dispensada quando:

             i) a questão não for necessária, nem pertinente para o julgamento do litígio principal;

           ii) o Tribunal de Justiça já se tiver pronunciado de forma firme sobre a questão a reenviar, ou quando já exista jurisprudência sua consolidada sobre a mesma;

          iii) o juiz nacional não tenha dúvidas razoáveis quanto à solução a dar à questão de         Direito da União, por o sentido da norma em causa ser claro e evidente.  

 Não se verifica no caso sub judice o preenchimento destas condições.

 De facto, não pode afirmar-se que o acto em questão seja claro ou esteja devidamente aclarado pela jurisprudência do TJUE de forma firme ou por meio de jurisprudência consolidada.

Ora, em caso de “dúvida razoável” sobre o Direito da União Europeia e não estando claramente preenchidos aqueles critérios, o juiz nacional é obrigado a efectuar o reenvio prejudicial. Em caso de dúvida sobre a existência de uma excepção à obrigação de reenvio é aconselhável colocar a questão prejudicial.

              Nestes termos, impõe-se a formulação das seguintes questões ao TJUE:

 

1) Nas circunstâncias em que um imóvel, apesar de se encontrar desocupado pelo período de dois ou mais anos, esteja em comercialização, isto é, disponível no mercado para arrendamento ou para prestação de serviços do tipo “office centre”, comprovando-se a intenção do respectivo proprietário o arrendar com sujeição a IVA e a realização dos esforços necessários para a concretização dessa intenção, é conforme com os artigos 167.º, 168.º, 184,º, 185.º e 187.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, o enquadramento como “não utilização efectiva do imóvel em fins da empresa” e/ou “não utilização efectiva do imóvel em operações tributadas”, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 26.º do Código do IVA e na alínea b) do n.º 1 artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, nas suas redacções anteriores, e, em consequência, considerar-se que a dedução inicialmente efectuada deve ser objecto de regularização, porque superior à que o sujeito passivo tinha direito?

2) Em caso afirmativo, pode, à luz da correcta interpretação dos artigos 137.º, 167.º, 168.º, 184.º, 185.º e 187.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, ser imposta essa regularização, de uma só vez, pela totalidade do período ainda não decorrido, como estabelece a legislação portuguesa, nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, na sua redacção anterior, nos casos em que o imóvel se encontra desocupado há mais de dois anos, mas sempre em comercialização para arrendamento (com possibilidade de renúncia) e/ou prestação de serviços (tributável), visando-se a afectação do imóvel nos anos subsequentes a actividades tributadas que conferem o direito à dedução?

3) A conjugação da alínea c) do n.º 2 do artigo 2.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do Regime de Renúncia à Isenção do IVA nas Operações relativas a Bens Imóveis, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, ao determinar a impossibilidade de um sujeito passivo de IVA poder vir a renunciar à isenção do IVA na celebração de novos contratos de arrendamento após a ocorrência de uma regularização do IVA de uma só vez e ao comprometer o regime de dedução subsequente no decurso do período de regularização, é conforme ao disposto nos artigos 137.º, 167.º, 168.º e 184.º da Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006?

  1. DECISÃO

 

Termos em que se decide suspender a instância até à pronúncia do TJUE e se determina a passagem de carta a dirigir pelo CAAD à Secretaria daquele Tribunal Europeu, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado do translado do processo, incluindo cópias do pedido inicial e da resposta da Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como cópia dos diplomas legais mencionados na presente decisão.

 

* * *

 

Fixa-se o valor do processo em € 1.375.954,71 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

 

O montante das custas será fixado a final.

 

Notifique.

 

Lisboa, 16 de Dezembro de 2016

 

Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo colectivo de árbitros.

 

A redacção do presente acórdão arbitral rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 

Os Árbitros,

 

 

 

(Clotilde Celorico Palma)

 

 

 

(Alexandra Coelho Martins)

 

 

 

(António Carlos dos Santos)

 

 

 

 

 

 



[1] Dezembro ou último trimestre do ano, dependendo de os sujeitos passivos estarem enquadrados no regime mensal ou trimestral, nos moldes do artigo 41.º do Código do IVA.

[2] Ou no último trimestre, para as situações de regime trimestral.

[3] De novo, à semelhança do que sucede com o IRC que, para efeitos de caducidade, tem actualmente um regime idêntico ao do IVA. Em IRC o prazo de caducidade conta-se a partir do termo do exercício (normalmente 31 de Dezembro de um dado ano), ou seja, inicia-se no dia 1 de Janeiro do ano seguinte, e não a partir do prazo de entrega da correspondente declaração modelo 22, cujo prazo limite é 31 de Maio do ano seguinte.

[4] Actual artigo 163.º do CPA de 2015.

[5] Vejam-se, a título de exemplo, os Acórdãos proferidos nos processos n.ºs 14/2012-T e 303/2015-T.

[6] Veja-se, neste âmbito, a monografia de Jorge Lopes de Sousa, “Sobre a Responsabilidade Civil da Administração Tributária por Actos Ilegais”, Áreas Editora, Outubro de 2010 e os comentários de Lima Guerreiro, Lei Geral Tributária Anotada, Editora Rei dos Livros, 2000, pp. 204 a 206.