Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 116/2014-T
Data da decisão: 2018-03-14  IUC  
Valor do pedido: € 2.333,23
Tema: Imposto Único de Circulação – autoliquidação - tipologia de liquidação.
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Em cumprimento do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito dos autos de impugnação de decisão arbitral que aí correram termos sob o nº 08101/14, instaurados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, segue decisão arbitral reformada de acordo com o julgado rescisório do Tribunal Central Administrativo Sul. Substitui a decisão de 30 de setembro de 2014.

 

Decisão Arbitral

 

  1. RELATÓRIO

A…, S.A., sociedade com sede na Rua …, …, …-… Lisboa, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva …, doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativos aos vinte e um (21) veículos automóveis identificados no pedido de pronúncia arbitral e correspondentes juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2009 a 2012, no valor total de € 2.333,23, bem como reembolso de igual montante e  pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

  1. A Requerente é uma instituição financeira que, no âmbito da sua actividade, celebra contratos de aluguer de longa duração e contratos de locação financeira de veículos automóveis;
  2. À data da verificação do facto gerador do imposto em causa nos presentes autos, a Requerente não era proprietária dos veículos automóveis sobre os quais incidiu o imposto pago, os quais já haviam sido vendidos;
  3. Nos termos do artigo 3.º do CIUC, são sujeitos passivos de imposto os proprietários dos veículos, sendo equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação;
  4. O n.º 1 do artigo 3.º do CIUC contém uma presunção ilidível;
  5. Assim, sujeito passivo de IUC é o proprietário, ainda que não figure no registo automóvel, desde que seja feita prova bastante para ilidir a presunção legal proveniente do registo;
  6. No caso das liquidações em crise, a Requerente não é sujeito passivo de IUC;
  7. O contrato de compra e venda tem eficácia real;
  8. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não é terceiro para efeitos de registo, pelo que não pode prevalecer-se da falta de actualização do registo de propriedade para colocar em causa a eficácia plena do contrato de compra e venda;
  9. A Requerente pagou o imposto em causa nos presentes autos, bem como os correspondentes juros compensatórios.

A Requerente juntou 76 documentos, não tendo arrolado testemunhas.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 2 a) do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 15 de Abril de 2014.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte:

Por excepção:

  1. Ao contrário do alegado pela Requerente, as liquidações em causa não são liquidações oficiosas mas sim documentos de cobrança do IUC extraídos pela Requerente do Portal das Finanças;
  2. Assim, o pedido de pronúncia arbitral carece de objecto, sendo o tribunal arbitral incompetente para apreciação deste pedido, o que constitui excepção peremptória e dá lugar à absolvição do pedido;
  3. Caso se entenda que os documentos de cobrança emitidos são autoliquidações, sindicáveis junto do tribunal arbitral ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.ºdo RJAT, sempre se dirá que tal impugnação tem de ser precedida de reclamação graciosa;
  4. In casu, a Requerente não apresentou qualquer reclamação graciosa, pelo que tais actos de autoliquidação não são sindicáveis perante este tribunal;
  5. O comportamento da Requerente, que, por um lado, sem ter sido notificada de qualquer acto de liquidação oficiosa de IUC, autoliquidou o imposto, emitindo os documentos de cobrança e pagando e, por outro, veio impugnar os próprios actos a que deu origem, configura abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Por impugnação:

  1. O artigo 3.º do CIUC não estabelece qualquer presunção de propriedade, mas uma verdadeira ficção de propriedade – o legislador não diz que se presumem proprietários, antes que se consideram proprietários;
  2. A falta de inscrição no registo das alterações de propriedade tem como consequência que a obrigação de pagamento do IUC recaia no proprietário inscrito, não podendo a AT liquidar o imposto com base em elementos que não constem do registo;
  3. O IUC é devido pelas pessoas que constam no registo como proprietárias dos veículos;
  4. As faturas juntas pela Requerente como prova da celebração do contrato de compra e venda não são aptas a fazer tal prova;
  5. Quanto ao veículo de matrícula …, a Requerente não junta qualquer fatura;
  6. A interpretação do artigo 3º do CIUC veiculada pela Requerente mostra-se contrária à Constituição, violando os princípios constitucionais da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade

A Requerida juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

Em 25/06/2014 teve lugar a primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT, tendo a Requerente solicitado a produção de prova testemunhal em virtude de a AT se ter oposto às facturas como meio de prova da venda dos veículos automóveis. A Requerida opôs-se a tal pretensão. O tribunal entendeu que o processo já dispunha de todos os elementos necessários, pelo que indeferiu o pedido da Requerente.

As Partes prescindiram de alegações.

  1. QUESTÕES A DECIDIR

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre:

  1. Decidir quanto à matéria de excepção suscitada pela Requerida;

Se a tal não obstar o conhecimento da matéria de excepção acima referida,

  1. Apurar quem é sujeito passivo de IUC quando, na data da verificação do facto gerador do imposto, o veículo automóvel primitivamente objecto de aluguer de longa duração ou de contrato de locação financeira tiver já sido alienado;
  2. Apurar qual o valor jurídico do registo automóvel em sede de IUC, maxime para efeitos da incidência subjectiva do imposto;
  3. Apurar se a interpretação do artigo 3º do CIUC veiculada pela Requerente se mostra contrária à Constituição, violando os princípios constitucionais da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade;
  4. Determinar se a não actualização do registo automóvel permite considerar, como sujeitos passivos de IUC, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados; e
  5. Apurar se as facturas juntas pela Requerente são ou não aptas a provar as pretensas alienações.
  1. MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma instituição financeira de crédito que tem por objecto social a prática das operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos;
  2. No âmbito da sua actividade, a Requerente celebra com os seus clientes contratos de ALD e contratos de locação financeira tendo por objecto veículos automóveis;
  3. Os 45 documentos de pagamento de IUC referem-se a veículos em relação aos quais, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, havia sido emitida, pela Requerente, uma factura de venda a terceiro;
  4. A Requerente pagou o imposto e os juros compensatórios que ora se discutem.
  1. Factos não provados

Com interesse para os autos, nenhum outro facto se provou.

  1. Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pela Requerente, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada.

  1. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS

Nada é dito, no que tange à presente questão, pela Requerente. Cumpre tomar posição: verifica-se a identidade da natureza dos factos tributários, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão, pelo que nada obsta a que, nos termos do artigo 3.º do RJAT e do artigo 104.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, se proceda à cumulação de pedidos.

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas.

O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade; contudo, suscita a Requerida matéria de excepção que importa previamente conhecer; é o que de seguida se fará.

  1. DO DIREITO
    1. Da matéria de excepção

Vem a Requerida propugnar pela excepção peremptória de falta de objecto do pedido de pronúncia arbitral, alegando, sucintamente, que a Requerente não procedeu ao pagamento de liquidações oficiosas, mas antes de documentos de cobrança de IUC por esta extraídos do portal das finanças.

Sustenta, a Requerida, não ter procedido à notificação das liquidações discutidas e, bem assim, não ter emitido quaisquer liquidações oficiosas para os anos e veículos em questão, estribando-se, para tanto, nos documentos juntos pela Requerente ao pedido de pronúncia arbitral sob os números 2 a 46.

Mais refere ter sido a Requerente quem, sem para tanto ter sido notificada, procedeu à emissão dos documentos de cobrança relativamente a cada um dos veículos; daí retirando que “o presente pedido de pronúncia arbitral não se escora sobre actos de liquidação oficiosa emitidos pela [Requerida], mas sim de documentos de cobrança que a Requerente de forma totalmente voluntária extraiu do Portal das Finanças, e sob os quais procedeu ao pagamento”.

A Requerida segue dizendo que “o acto de liquidação se configura na determinação e identificação do sujeito passivo do imposto, por um lado, e por outro na fixação do imposto a pagar”. Sendo, posteriormente, o acto de liquidação, “objecto de notificação os sujeito passivo nos termos do disposto no Art.º 36,º do CPPT”.

E mais salienta que, de acordo com a alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, do pedido de pronúncia arbitral “deverá constar a identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral”; e que da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do mesmo diploma, resulta que “compete aos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.

Como se viu, a Requerida sustenta não terem sido emitidos quaisquer actos de liquidação de IUC referentes aos veículos e anos em apreço, mas antes documentos de cobrança extraídos voluntariamente, pela Requerente, do portal das finanças, donde resulta, segundo a primeira, que o “presente pedido de pronúncia arbitral carece de objecto atendendo a não se encontrarem a ser sindicados actos de liquidação”.

E continua dizendo que, “atendendo à falta de objecto do presente processo em face de não terem sido emitidos actos de liquidação oficiosa de IUC pela entidade Requerida, a qual constitui uma excepção peremptória, a qual se invoca para todos os efeitos legais, nos termos do disposto no n.º 3 do Art.º 577.º do CPC na redacção dada pela Lei 41/2013 de 26 de Junho aplicável ex vi Art.º 1.º do CPTA, a qual dá lugar à absolvição da R. do pedido nos termos e para os efeitos no disposto no n.º 3 do Art.º 576.º do CPC”.

A Requerida vem ainda acrescentar – para o caso de a excepção aduzida não proceder – que, ainda que se entenda estarem em causa actos de autoliquidação – passiveis de sindicância a coberto da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT –, sempre se teria de concluir que o presente pedido de pronúncia arbitral haveria de ser precedido de reclamação graciosa, nos termos do n.º 1 do artigo 131.º do CPPT. Ora, não tendo a Requerente apresentado a dita reclamação graciosa, também a sindicância de tais actos de autoliquidação sai precludida.

Por tudo quanto expõe no que à matéria de excepção concerne, vem a Requerida concluir não ser o tribunal arbitral competente para apreciar os actos em questão. Sustenta, ademais, que no caso vertente não estamos perante actos de liquidação oficiosa, mas sim de documentos de cobrança que a Requerente voluntariamente extraiu e pagou.

E termina dizendo que, “não [se] estando perante actos de liquidação de tributos (…) o Tribunal Arbitral é incompetente para sindicar tais actos”.

Cumpre apreciar e decidir.

Sustenta a Requerida, e com razão, não estarmos perante actos de liquidação oficiosa. Com efeito, a emissão de liquidações oficiosas de IUC apenas poderá ocorrer nos termos e condições fixados no artigo 18.º do respectivo Código; no ano da matrícula nos termos do n.º 1 e, nos anos subsequentes, de acordo com o n.º 2. Ora, compulsada a factualidade dos presentes autos, está bom de ver que não é este o caso, motivo pelo qual não poderia a Requerida ter procedido à emissão de qualquer liquidação oficiosa.

Contudo, a razão que assiste à Requerida começa e termina ali; pois certo é que o pagamento do imposto há-de ter subjacente uma operação prévia de liquidação ou de autoliquidação, como de seguida se explicita. É, pois, com acrescida perplexidade que se lê o argumento da Requerida, vertido no artigo 40.º da sua resposta e cujo teor ora se reproduz:

Logo, não estando perante actos de liquidação de tributos (IUC), como se encontra explicitado no teor da alínea a) do n.º 1 do Art.º 2.º do RJAT, o Tribunal Arbitral é incompetente para sindicar tais actos” (negritos nossos).

Pergunta-se: pretende a Requerida sustentar, in casu, ser possível cumprir a obrigação de imposto na ausência de um acto prévio de liquidação (latu sensu)? Apenas por lapso, certamente.

Na verdade, partir da inexistência de liquidações oficiosas para daí afirmar a negação da existência de liquidações, tout court, no presente caso, equivale a um salto logicamente inadmissível. Uma coisa é a (in)existência de liquidações oficiosas, coisa bem distinta, e que cumpre apurar, é saber que tipo de liquidação encontramos em sede de IUC.

Prossigamos, então, para o apuramento da tipologia da liquidação, porquanto certo é que esta existe e existiu no caso dos autos.

Sob a epígrafe liquidação, o artigo 16.º do CIUC dispõe o seguinte:

1 – A competência para a liquidação do imposto é da Autoridade Tributária e Aduaneira, considerando-se, para todos os efeitos legais, o ato tributário praticado no serviço de finanças da residência ou sede do sujeito passivo.

2 – A liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo através da Internet, nas condições de registo e acesso às declarações electrónicas, sendo obrigatória para as pessoas colectivas.

3 – A liquidação do imposto pode ainda ser feita por qualquer serviço de finanças, em atendimento ao público, sempre que o sujeito passivo o solicite ou quando se verifiquem as seguintes circunstâncias:

a) Os veículos tributáveis não se encontrem matriculados no território nacional;

b) Os veículos tributáveis beneficiem de isenção cujos pressupostos devam ser objecto de comprovação;

c) Exista erro de identificação ou omissão de veículo tributável na base de dados, que não permita ao sujeito passivo liquidar o imposto através da Internet.

4 – No momento da liquidação do imposto é emitido documento único de cobrança que, certificado pelos meios em uso na rede da cobrança, comprova o bom pagamento do imposto.

5 – Quando se verifique furto, extravio ou inutilização da documentação comprovativa do pagamento do imposto ou de isenção pode ser obtida certidão comprovativa em qualquer serviço de finanças ou através da Internet.

Ora, atendendo ao critério do órgão ou sujeito competente para realizar a liquidação([1]), parece resultar do n.º 1 do artigo 16.º estarmos perante uma liquidação administrativa. Contudo, tal entendimento deverá ser temperado com a leitura do n.º 2 do mesmo artigo, que determina caber ao sujeito passivo fazer a liquidação; através da internet, obrigatoriamente, quando se tratar de pessoa colectiva, ou ao balcão de um qualquer serviço de finanças, quanto o sujeito passivo for pessoa singular, como resulta da leitura conjugada do n.º 2 e do n.º 3.

Assim, sabendo que se fala em autoliquidação quando a liquidação do tributo seja realizada pelo sujeito passivo, tendo por base a matéria colectável inscrita nas respectivas declarações, pergunta-se: a liquidação do IUC assume a tipologia de autoliquidação?

A resposta não se afigura unívoca, pois se dos artigos 16.º e 17.º do CIUC parece resultar conclusão afirmativa, sempre se dirá, à luz do primeiro normativo – e lançando mão do modo como, na prática, se processa a «liquidação» e obtenção do documento único de cobrança –, ser possível sustentar tratar-se de uma liquidação administrativa. E, refira-se, não se ignora a existência de doutrina avisada que, a este respeito, entende estarmos perante uma autoliquidação sempre que esta se processe via internet([2]).

Vejamos: como refere BRÁS CARLOS([3]), nos casos de autoliquidação é “a lei que impõe que a liquidação do imposto seja efectuada pelos próprios contribuintes. Assim acontece, nomeadamente, no IVA e no IRC”.

Sucede, porém, que diversamente do que se passa em sede de IRC – onde se determina que a competência para a liquidação é atribuída ao próprio sujeito passivo, mediante a entrega da declaração de rendimentos nos prazos previstos nos artigo 120.º e 122.º do CIRC, e tem por base a matéria colectável que dela conste([4])([5]) –, no âmbito do IUC a lei expressamente atribui a competência para a liquidação do imposto à Autoridade Tributária (cf. n.º 1 do artigo 16.º do CIUC).

Assim, se pode e deve dizer-se que, no caso do IRC, o “sujeito passivo, nas respectivas declarações, aplica a lei ao seu caso concreto, apura a sua matéria colectável e o valor do imposto devido([6]), o mesmo não se poderá fazer no que tange ao IUC, porquanto, aqui, o sujeito passivo em nada influi no apuramento da matéria colectável e na determinação do valor do imposto. E não se venha dizer que a tais operações poderá ser assimilado o comportamento do sujeito passivo que, através da sua área reservada no portal das finanças, «liquide» e emita o documento único de cobrança referente ao IUC.

Com efeito, neste caso, o sujeito passivo, expressando a sua concordância com os parâmetros tributáveis inseridos prévia e automaticamente no cadastro do veículo automóvel, executa um mero acto material conducente à obtenção do DUC; e não concretas operações de determinação da matéria tributável e de aplicação da taxa àquela com vista ao apuramento da colecta. Mais, em sede de IUC, e ao invés do que sucede em verdadeiros procedimentos de autoliquidação, o sujeito passivo não procede à entrega de qualquer declaração de imposto.

Cremos, pelo exposto, que em sede de Imposto Único de Circulação não encontramos uma verdadeira autoliquidação, mas antes uma liquidação administrativa estimulada pelo sujeito passivo. Com efeito, sendo certo que o contribuinte toma parte no processo de liquidação / emissão do DUC, espoletando-o, tal participação não assume o carácter impressivo que se encontra, por exemplo, no âmbito do IRC ou do IVA, não devendo, por isso falar-se em autoliquidação em sentido estrito.

Por tudo quanto se expendeu, conclui-se estarmos perante actos de liquidação de tributos, para os efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

Improcedem, portanto, as excepções suscitadas pela Requerida, não padecendo o processo da falta de objecto apontada e sendo o tribunal arbitral competente para apreciar o mérito da questão; o que de seguida se fará.

  1. Do mérito

Fixada que está a matéria de facto, cumpre agora, por referência àquela, apurar o Direito aplicável.

Compulsados os argumentos expendidos pelas Partes, facilmente se intui a questão de fundo ora em causa: saber se a norma contida no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC contém ou não uma presunção legal. Refira-se, aliás, que esta questão tem sido abundantemente suscitada, originando profusa jurisprudência – também arbitral – que, oportunamente, aqui se trará.

Sob a epígrafe incidência subjectiva, o artigo 3.º do CIUC dispõe que:

1. – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2. – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.

Ora, dissipar as dúvidas sobre o sentido e o alcance a atribuir a determinada norma jurídica implica levar a cabo uma tarefa interpretativa que permita retirar do enunciado linguístico um concreto sentido ou conteúdo de pensamento([7]). Contudo, tal tarefa apenas se pode cumprir – assim se logrando apreender a vis ac potestas legis – através da utilização de um concreto método, que se estriba na interpretação literal, por um lado, e na interpretação lógica ou racional, por outro.

Recorde-se, antes de avançarmos, que de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, as normas tributárias se interpretam de acordo com os princípios de hermenêutica jurídica comummente aceites, maxime os fixados, entre nós, no artigo 9.º do Código Civil. Prossigamos.

A interpretação literal apresenta-se, então, como o primeiro estádio da actividade interpretativa. Como refere FERRARA, “o texto da lei forma o substrato de que deve partir e em que deve repousar o intérprete([8]).

Na verdade, uma vez que a lei se encontra expressa em palavras, deve, então, delas ser extraída a significância verbal que contêm, segundo a sua natural conexão e as regras gramaticais. Porém, sendo as palavras empregues pelo Legislador equívocas ou indeterminadas, será forçoso recorrer à interpretação lógica, que atende ao espírito da disposição a interpretar.

A interpretação lógica, tal como vem sendo pacificamente figurada pela doutrina([9]), estriba-se no elemento racional, no elemento sistemático e no elemento histórico; ponderando-os e deles deduzindo o valor da norma jurídica em apreço.

Por elemento racional há-de entender-se a raison d´être da norma jurídica, i.e., a finalidade para a qual o legislador a instituiu. A descoberta da ratio legis apresenta-se, assim, como um factor de indubitável importância para a determinação do sentido da norma.

Sucede, porém, que uma determinada norma não existe isoladamente, antes convive com as demais normas e princípios jurídicos de forma sistemática e complexa. Assim, natural se torna que o sentido de uma concreta norma resulte claro da confrontação desta com as demais. Como refere BAPTISTA MACHADO, “este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.([10]).

Já o elemento histórico, por seu turno, há-de reportar-se e incluir os materiais conexos com a história da norma, tais como “a história evolutiva do instituto, da figura ou do regime jurídico em causa (…); as chamadas fontes da lei, ou seja os textos legais ou doutrinais que inspiraram o legislador na elaboração da lei (…); os trabalhos preparatórios.”.

Apliquemos o que se vem dizendo ao caso em apreço.

Compulsados os argumentos de Requerente e Requerida, e no que tange ao elemento literal, facilmente se compreende que o foco de dissenso reside na expressão “(…) considerando-se como tais (…)”, contida no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC.

Pergunta-se – como de resto se fez na Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 73/2013-T([11]): “O facto do legislador ter optado pelo vocábulo “considerando-se” destrói a possibilidade de estarmos perante uma presunção?”. Não. É a resposta que, cremos, se impõe. E nem se venha dizer que tal conclusão vai infirmada pela circunstância de o legislador não ter utilizado o vocábulo “presumem-se”, que empregou no vetusto Regulamento do Imposto Sobre Veículos.

Também aqui não podemos deixar de sublinhar o que naquela decisão ficou dito: “examinando o ordenamento jurídico português, encontramos imensas normas que consagram presunções utilizando o verbo considerar, muitas das quais empregues no gerúndio (“considerando” ou mesmo “considerando-se”). São disso exemplos as normas a seguir enumeradas: No Código Civil, entre outras, os artigos 314.º, 369.º n.º 2, 374.º n.º 1, 376.º n.º 2, 1629.º (…). Também no ordenamento jurídico tributário se pode encontrar o verbo “considerar”, nomeadamente o termo “considera-se” com um sentido presuntivo. E ali se acrescenta o ensinamento de LEITE DE CAMPOS, SILVA RODRIGUES e LOPES DE SOUSA que, pela clareza de exposição, igualmente se transcreve. Assim, escrevem os Autores que “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, revelada pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real”.

A este propósito, JORGE LOPES DE SOUSA([12]) refere que no n.º 1 do artigo 40.º do Código do IRS se utiliza a expressão “presume-se, ao passo que no n.º 2 do artigo 46.º do mesmo diploma se faz uso do vocábulo “considera-se”, não havendo qualquer diferença entre uma e outra expressão, ambas significando, afinal, o mesmo: uma presunção legal.

E que dizer do n.º 4 do artigo 89.º-A? Acaso dúvidas subsistem de que se trata de uma presunção? E tal conclusão sai fragilizada pelo facto de ali se empregar o verbo considerar? Não nos parece.

Assim, e ao que aqui nos interessa, revela-se admissível assimilar o verbo considerar ao verbo presumir. Com efeito, podemos estar perante uma presunção mesmo quando o legislador haja optado por outros verbos, nomeadamente pelo considerar. Na verdade, e ao invés do propugnado pela Requerida, é esta a conclusão que menos belisca a coerência sistemática postulada pelo ordenamento jurídico como um todo.

Mas mais: também o elemento racional autoriza semelhante conclusão.

Convoquemos a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 118/X, de 07/03/2007, que originou a Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho. Resulta clara a ratio legis.

Pretendeu-se empreender uma “reforma global e coerente dos impostos ligados à aquisição e propriedade dos veículos automóveis” em função da “necessidade imperiosa de trazer clareza e coerência a esta área do sistema fiscal e da necessidade, mais imperiosa ainda, de subordiná-la aos princípios e preocupações de ordem ambiental e energética que hoje em dia marcam a discussão da tributação automóvel”.

Assim, “os dois novos impostos que agora se criam, o imposto sobre veículos e o imposto único de circulação, constituem muito mais do que o prolongamento técnico das figuras criadas nos anos 70 e 80 que os antecederam, voltadas predominantemente para a angariação da receita, indiferentes ao custo social resultante da circulação automóvel. Constituem algo diferente, figuras já do século em que vivemos, com as quais se pretende, com certeza, angariar receita pública, mas angariá-la na medida do custo que cada indivíduo provoca à comunidade.

De forma congruente àquela motivação, o legislador veio a consagrar, no artigo 1.º do CIUC, o princípio da equivalência, ficando claro “que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária. É este princípio que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate”.

Pode, aliás, dizer-se que as preocupações ambientais e energéticas são tão impressivas em sede de IUC, que o princípio da equivalência molda não apenas a base tributável, mas também, e sobretudo, a própria incidência subjectiva, prevista no artigo 3.º.

Uma vez mais se convoca a Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 73/2013-T: “Tendo em conta quer o lugar sistemático que o princípio da equivalência ocupa (artigo 1.º do CIUC) – elemento sistemático – quer o elemento histórico corporizado pela Proposta de Lei n.º 118/X (fonte de lei), quer o racional (ou teleológico) acabado de analisar, todos apontam no sentido da conclusão preliminar a que chegámos aquando da análise do elemento gramatical, só fazendo sentido conceber no contexto do artigo 3.º do CIUC a expressão “considerando-se como tais” como reveladora da presença de uma presunção ilidível (…). Na verdade, a ratio legis do imposto antes aponta no sentido de serem tributados os utilizadores dos veículos, o proprietário económico, no dizer de DIOGO LEITE DE CAMPOS, os efectivos proprietários ou os locatários financeiros, pois são estes que têm o potencial poluidor causador dos custos ambientais à comunidade”.

Assente que fica a natureza jurídica da norma contida no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC, cumpre agora clarificar a questão da incidência subjectiva do imposto durante o período de vigência de um contrato de ALD ou de locação financeira.

Antes, porém, e para melhor dilucidar a questão que ora nos ocupa, deve sublinhar-se que, na vigência de um contrato de locação financeira, não obstante o locador manter na sua esfera jurídica a propriedade do bem locado, apenas ao locatário assiste o direito de gozar, de forma exclusiva, o bem locado; o que resulta da leitura conjugada do artigo 1.º, da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º e da alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º, todos do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho; e o que se diz relativamente à locação financeira vale, com as necessárias adaptações – mas não quanto ao gozo exclusivo do bem locado, porquanto segue idêntica disciplina –, para o aluguer de longa duração.

Ora, uma vez que é ao locatário que assiste o potencial de utilização do veículo, e atento o princípio informador do IUC – consagrado no artigo 1.º do respectivo Código –, facilmente se compreende que seja o locatário o onerado com a obrigação de imposto por via da sua qualificação como sujeito passivo, através da sua equiparação a proprietário. É este, ao que ora nos importa, o sentido a retirar dos n.º 1 e 2 do artigo 3.º do CIUC.

Ora, sendo o locatário o potencial responsável pelos custos viários e ambientais, bem se compreende que seja ele, e apenas ele, o responsável pelo pagamento do imposto.

Em face do que antecede e à luz do disposto no n.º 2 do artigo 3.º do CIUC, dúvidas não subsistem: se à data da verificação do facto gerador do imposto vigorar um contrato de locação financeira ou um contrato de aluguer de longa duração, cujo objecto seja um veículo automóvel, o sujeito passivo é o locatário; nunca o locador. E idêntica solução se impõe, como adiante se verá, no caso de o registo do direito de propriedade subsistir em nome do locador.

E que dizer se, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, o veículo automóvel objecto do contrato de locação financeira houver sido alienado? Dir-se-á, a título prévio, que a venda ao locatário é uma situação que sucede amiúde na economia do contrato de locação financeira, sendo, contudo, diferente a economia do contrato de aluguer de longa duração.

Ora, sendo a compra e venda celebrada, o locatário será instituído, ex contratu, na posição de proprietário, consequentemente passando a ser-lhe aplicável o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC; i.e., o novo proprietário mantém, para efeitos de IUC, a posição de sujeito passivo do imposto, mas já não por via da norma que lhe atribuía tal qualidade enquanto locatário (n.º 2 do artigo 3.º do CIUC).

E tal solução impõe-se desde o momento da perfeição do contrato de compra e venda não apenas porque o Código do IUC o determina – ao afirmar que são sujeitos passivos do imposto os proprietários –, mas também pelo facto de entre nós vigorar o princípio da consensualidade, que importa que a transmissão da propriedade ocorra por mero efeito do contrato; como resulta em primeira linha do n.º 1 do artigo 408.º do Código Civil. Veja-se, ainda, reforçando o que acima se diz, a alínea a) do artigo 879.º daquele diploma.

Note-se que o entendimento exposto no parágrafo que antecede é unanimemente propugnado por Doutrina([13]) e Jurisprudência([14]), não carecendo, assim, de desenvolvimentos adicionais.

E o que se vem de dizer releva para sustentar a nossa posição no que tange ao valor jurídico do registo automóvel. Recorde-se, porém, que de acordo com a regra geral acima vista, a transferência do direito se produz ex contratu, sem necessidade de qualquer acto material ou de publicidade([15]).

Como pacificamente aceite por Doutrina e Jurisprudência, perante o silêncio do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, quanto à questão do valor jurídico do registo automóvel, torna-se necessário lançar mão da disciplina do registo predial; operação ademais autorizada pelo artigo 29.º daquele Decreto-Lei.

Ora, atendendo ao Código do Registo Predial – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 125/13, de 30 de Agosto –, maxime ao seu artigo 7.º, e conjugando esta norma com o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 54/75, rapidamente se infere a função primacial do registo (automóvel): dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor.

Pode então afirmar-se que o registo não tem natureza constitutiva, antes meramente declarativa, permitindo apenas presumir a existência do direito e a sua titularidade. Note-se: presumir e não ficcionar, podendo assim ser ilidida mediante prova em contrário.

E isto é assim justamente porque, nos termos do disposto no artigo 408.º do Código Civil, e salvas as excepções previstas na lei, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada ocorre por mero efeito do contrato, não ficando a sua validade dependente de qualquer acto subsequente, e.g., inscrição no registo.

Desta feita, não prevendo a lei qualquer excepção para o contrato de compra e venda de veículo automóvel, a eficácia real produz normalmente os seus efeitos, passando o adquirente a ser o seu proprietário, independentemente do registo. Ora, se independentemente do registo o adquirente passa a ser o proprietário, o titular inscrito deixa concomitantemente de o ser; pese embora no registo figure como tal.

In casu, e não obstante a falta de inscrição no registo, as transmissões efectuadas são oponíveis à Requerida, não podendo esta prevalecer-se do disposto no n.º 1 do artigo 5º do Código do Registo Predial. Desde logo pelo facto de não ser, para efeitos do disposto naquela norma, havida como terceiro para efeitos de registo.

A noção de terceiros para efeitos de registo é-nos dada pelo n.º 4 do mesmo artigo 5.º: terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si. Tal não é, manifestamente, o caso dos autos.

O mesmo raciocínio se terá, naturalmente, de aplicar às hipóteses de locação financeira ou de aluguer de longa duração, em relação às quais também o registo não tem qualquer eficácia constitutiva, mais não passando de uma presunção de que o direito existe. Presunção ilidível, do mesmo passo, mediante prova em contrário.

E, da mesma forma, a falta de inscrição no registo do contrato de locação financeira não significa que este não exista.

Aqui chegados, defende a Requerida que esta interpretação da norma contida do artigo 3º do CIUC, que foi aliás propugnada pela Requerente, é contrária à Constituição, violando os princípios constitucionais da confiança e segurança jurídica, o princípio da eficiência do sistema tributário e o princípio da proporcionalidade.

Desde já adiantaremos não sufragar deste entendimento.

Vejamos:

Dispõe o artigo 46º do CPPT que “os atos a adotar no procedimento serão os adequados aos objetivos a atingir, de acordo com os princípios da proporcionalidade, eficiência, praticabilidade e simplicidade”.

O princípio da proporcionalidade obriga a administração a não afetar os direitos ou interesses legítimos dos administrados em termos não adequados e proporcionais aos objetivos a realizar [16].

Nas palavras de FREITAS DO AMARAL[17], o principio da proporcionalidade significa que “a limitação de bens ou interesses privados por atos dos poderes públicos deve ser adequada e necessária aos fins concretos que tais atos prosseguem, bem como tolerável quando confrontada com aqueles fins”.

Através do princípio da proporcionalidade tem-se assim em vista delimitar a atividade da Administração Pública, por forma a garantir que esta, quando seja necessário limitar bens ou interesses privados com vista à prossecução do interesse público, opte pelas medidas que sejam mais equilibradas e adequadas.

No caso dos autos, o interesse público que à Requerida se impõe prosseguir – a obtenção de receitas – tem necessariamente de ser harmonizado com os interesses e direitos dos particulares que possam ser afetados pelos atos da Requerida.

E tal harmonização passa, necessariamente, pela não sujeição a IUC dos particulares que já não são proprietários dos veículos e que em nada contribuem para o eventual agravamento de qualquer custo viário ou ambiental da sua utilização, independentemente de os veículos se encontrarem ou não registados em seu nome. 

Pelo que não se vislumbra em que medida é que a interpretação da norma contida no artigo 3º nº 1 do CIUC defendida pela Requerente não viola o principio constitucional da proporcionalidade.

No que diz respeito ao principio da eficiência do sistema tributário, este é entendido, no domínio do procedimento tributário, como um corolário do principio da proporcionalidade, sendo comummente interpretado como a imposição de a AT alcançar os objetivos de prossecução dos interesses públicos com a utilização do menor número de meios.

A este propósito, invoca a Requerida que a interpretação dada pela Requerente é ofensiva deste princípio, “na medida em que se traduz num entorpecimento e encarecimento das competências atribuídas à Requerida, com óbvio prejuízo para os interesses do Estado Português, de que quer a Requerente quer a Requerida fazem parte

Pese embora o alegado, a Requerida não concretiza em que medida é que a interpretação defendida pela Requerente é apta a violar este princípio da eficiência do processo tributário.

Mas, entendido este princípio como a necessidade de a AT racionalizar os meios que utiliza na prossecução do interesse público de obtenção de receitas, sempre se dirá que a melhor forma de implementar esta racionalização passaria não pela obtenção “cega” de receitas, tributando quem não é proprietário do veículo ou nem sequer permitindo a quem não é proprietário fazer prova de que o não é, mas pela alteração do modus operandi da AT.

Em concreto, e tendo em consideração que uma parte significativa da jurisprudência, incluindo arbitral, entende que o artigo 3º nº 1 do CIUC contém uma presunção ilidível mediante prova em contrário, seria mais conforme ao principio da eficiência do processo tributário a AT começar por solicitar aos contribuintes comprovativos da propriedade dos veículos e não basear-se apenas nos elementos registrais existentes.

Aliás, pese embora in casu a Requerente não tenha apresentado reclamação graciosa prévia à instauração do pedido de pronúncia arbitral, por onde se poderia defender que a AT não teve conhecimento de que esta não seria a proprietária dos veículos sobre os quais incidem as liquidações impugnadas, a verdade é que, notificada da apresentação do pedido por parte da Requerente, poderia a AT, ao abrigo do disposto no artigo 13º nº 1 do RJAT, revogar, ratificar, reformar ou converter os atos impugnados, o que não fez.

Assim, não se vislumbra qualquer violação deste principio constitucional na interpretação do artigo 3º nº 1 do CIUC defendida pela Requerente.

Por último, invoca a Requerida que a interpretação defendida pela Requerente é violadora dos princípios da confiança e segurança jurídicas.A propósito destes princípios, ensina GOMES CANOTILHO[18], que “a segurança jurídica está conexionada com elementos objetivos da ordem jurídica - garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito - enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a calculabilidade e previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos poderes públicos”.

Concretizando, explica o dito Professor que o “princípio geral da segurança jurídica em sentido amplo (abrangendo, pois, a ideia de proteção da confiança) pode formular-se do seguinte modo: o indivíduo tem o direito de poder confiar em que aos seus atos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos previstos e prescritos por essas mesmas normas”.

Transpondo esta doutrina para o caso dos autos, a aplicação de tais princípios imporá necessariamente que os particulares, ao alienarem os seus veículos, têm de estar seguros de que, caso o novo proprietário não proceda à necessária alteração da propriedade no registo automóvel, os efeitos jurídicos daí resultantes serão os previstos e decorrentes das normas legais em vigor e da sua adequada interpretação, face às finalidades legais dessas mesmas normas.

E a mais adequada interpretação das normas legais em vigor, concretamente da norma contida no artigo 3º nº 1 do CIUC, é a que entende que esta norma contém uma presunção ilidível de propriedade, não estando vedado aos particulares ilidir tal presunção quando o registo automóvel não espelha a realidade existente.

Assim, os princípios constitucionais da confiança e segurança jurídicas, da eficiência do sistema tributário e da proporcionalidade impõem, ao invés do defendido pela Requerida, a interpretação da norma contida no artigo 3º nº 1 do CIUC segundo a qual esta contém uma presunção legal, ilidível mediante prova em contrário, podendo desta forma a Requerente ilidir a presunção resultante do registo.

No caso, alega a Requerente que, à data do facto gerador do imposto, já não era proprietária dos veículos em causa, por já os haver alienado.

Assim, e uma vez que a presunção resultante do registo é, como vimos, ilidível, vejamos se os documentos juntos pela Requerente são aptos a cumprir tal desiderato.

Com vista a provar que os veículos referidos nos presentes autos foram por si alienados em data anterior à da ocorrência do facto gerador do imposto, a Requerente juntou as respectivas facturas de venda.

Note-se que a Requerida alegou, relativamente a cada uma das facturas juntas, que estas não se encontram regularmente emitidas, não sendo documento idóneo para comprovar a venda do veículo em causa, uma vez que a mesma não passa de um documento unilateralmente emitido pela Requerente (cf. artigos 127.º a 157.º da resposta).

Verifica-se, antes de mais, que a Requerente juntou, para cada uma das matrículas em causa, factura de venda.

Isto posto, e conforme resulta dos factos provados, nenhum dos 30 veículos em causa nos presentes autos pertence às categorias F ou G a que alude o artigo 4º do CIUC, pelo que o facto gerador do imposto ocorre na data da respectiva matrícula ou em cada um dos seus aniversários.

Decorre ainda dos factos provados que, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, havia sido emitida pela Requerente, relativamente a cada um destes 30 veículos, uma factura de venda a terceiro.

A Requerida sustenta que a factura não é documento idóneo a comprovar a venda do veículo, não passando a mesma de um documento unilateralmente emitido pela Requerente, alegando que “como é do conhecimento público, não faltam casos de emissão de facturas referentes a transmissões de bens e/ou de prestações se serviços que nunca ocorreram”.

É certo, como invoca a Requerida, que muitas situações existem em que as facturas não titulam qualquer negócio jurídico. No caso dos autos, porém, nenhum elemento nos permite concluir que as facturas juntas não titulem nenhum negócio, sendo certo que a sua falsidade não foi sequer arguida pela Requerida, que se limitou a invocar existirem várias situações dessas, sem concretamente referir que a situação dos autos se subsumia a tal.

Assim sendo, à míngua de quaisquer elementos ou fundamentos que nos permitam concluir o contrário, teremos, naturalmente, de aceitar a veracidade dos documentos juntos.

Assente a veracidade das facturas juntas pela Requerente, teremos de considerar, sem necessidade de quaisquer outras considerações, serem estas documentos aptos a provar a alienação dos veículos em causa.

Com efeito, não prevendo a lei qualquer forma específica para a celebração de um contrato de compra e venda de um bem móvel, terá, necessariamente, de se aceitar como prova do dito contrato a factura emitida nos termos legais.

Por onde se verifica que, à data do facto gerador do imposto (data da matrícula ou de cada um dos seus aniversários) a Requerente havia alienado todos os 30 veículos, pese embora as referidas alienações não tenham sido espelhadas no competente registo.

Assim, atento o facto de, conforme já exposto, a presunção resultante do registo ser ilidível mediante prova em contrário, prova essa que se considera suficiente com a apresentação das facturas de venda dos veículos, verifica-se que, relativamente a estes 30 veículos, a Requerente não é a sua proprietária, não sendo, por isso, sujeito passivo do IUC liquidado.

Em suma:

  • A norma ínsita no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC contém uma presunção;
  • Estando aquela presunção contida numa norma de incidência tributária, admitirá sempre prova em contrário, como resulta do artigo 73.º da LGT;
  • Quando, na data da verificação do facto gerador do imposto, o veículo automóvel primitivamente objecto de contrato de locação financeira tiver já sido alienado, embora o direito de propriedade continue registado em nome do primitivo proprietário, o sujeito passivo do IUC é o novo proprietário, contanto que aquele ilida a presunção decorrente do registo;
  • A transmissão da propriedade ocorre por mero efeito do contrato, não carecendo de qualquer acto subsequente;
  • O registo automóvel não tem natureza constitutiva, antes visando dar publicidade à situação dos veículos através de presunções, ilidíveis, da existência do direito e da respectiva titularidade;
  • Não pode a AT estribar-se na ausência de actualização do registo para, questionando a perfeição dos contratos de compra e venda, atribuir ao primitivo proprietário a qualidade de sujeito passivo de IUC e, assim, exigir deste o cumprimento da obrigação de imposto.

De tudo quanto se expendeu resulta clara a inexistência de fundamento legal para os actos de liquidação de IUC, impondo-se a sua anulação, bem como dos respectivos juros compensatórios, com as demais consequências legais.

  1. DISPOSITIVO

Em face do exposto, decide-se:

  1. Julgar procedente, por provado, o pedido de anulação dos actos de liquidação de IUC e de juros compensatórios a que se refere o pedido da Requerente;
  2. Anular os actos de liquidação de IUC e de juros compensatórios referidos na alínea anterior;
  3. Julgar procedente o pedido de restituição do montante de € 2.333.23, pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde os pagamentos indevidos, até integral pagamento à Requerente das quantias liquidadas;
  4. Condenar a Requerida nas custas do processo.

***

Fixa-se o valor do processo em € 2.333,23, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

***

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 4 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida por ser a parte vencida.

***

Registe e notifique.

Lisboa, 14 de Março de 2018.

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 

 

 

 

 

 

 

Decisão arbitral substituída pela decisão de 14 de março de 2018.

 

Decisão Arbitral

 

  1. RELATÓRIO

..., S.A., sociedade com sede na Rua …, Lisboa, titular do número único de matrícula e de identificação de pessoa colectiva ..., doravante simplesmente designada Requerente, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT), peticionando a anulação dos actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC) relativos aos vinte e um (21) veículos automóveis identificados no pedido de pronúncia arbitral e correspondentes juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2009 a 2012, no valor total de € 2.333,23, bem como reembolso de igual montante e pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.

Para fundamentar o seu pedido alega, em síntese:

  1. A Requerente é uma instituição financeira que, no âmbito da sua actividade, celebra contratos de aluguer de longa duração e contratos de locação financeira de veículos automóveis;
  2. À data da verificação do facto gerador do imposto em causa nos presentes autos, a Requerente não era proprietária dos veículos automóveis sobre os quais incidiu o imposto pago, os quais já haviam sido vendidos;
  3. Nos termos do artigo 3.º do CIUC, são sujeitos passivos de imposto os proprietários dos veículos, sendo equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força de contrato de locação;
  4. O n.º 1 do artigo 3.º do CIUC contém uma presunção ilidível;
  5. Assim, sujeito passivo de IUC é o proprietário, ainda que não figure no registo automóvel, desde que seja feita prova bastante para ilidir a presunção legal proveniente do registo;
  6. No caso das liquidações em crise, a Requerente não é sujeito passivo de IUC;
  7. O contrato de compra e venda tem eficácia real;
  8. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) não é terceiro para efeitos de registo, pelo que não pode prevalecer-se da falta de actualização do registo de propriedade para colocar em causa a eficácia plena do contrato de compra e venda;
  9. A Requerente pagou o imposto em causa nos presentes autos, bem como os correspondentes juros compensatórios.

A Requerente juntou 76 documentos, não tendo arrolado testemunhas.

No pedido de pronúncia arbitral, a Requerente optou por não designar árbitro, pelo que, nos termos do disposto no artigo 6º nº 2 a) do RJAT, foi designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa, o signatário, tendo a nomeação sido aceite nos termos legalmente previstos.

O tribunal arbitral foi constituído em 15 de Abril de 2014.

Notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º do RJAT, a Requerida apresentou resposta, defendendo-se por excepção e por impugnação, alegando, em síntese, o seguinte:

Por excepção:

  • Ao contrário do alegado pela Requerente, as liquidações em causa não são liquidações oficiosas mas sim documentos de cobrança do IUC extraídos pela Requerente do Portal das Finanças;
  • Assim, o pedido de pronúncia arbitral carece de objecto, sendo o tribunal arbitral incompetente para apreciação deste pedido, o que constitui excepção peremptória e dá lugar à absolvição do pedido;
  • Caso se entenda que os documentos de cobrança emitidos são autoliquidações, sindicáveis junto do tribunal arbitral ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.ºdo RJAT, sempre se dirá que tal impugnação tem de ser precedida de reclamação graciosa;
  • In casu, a Requerente não apresentou qualquer reclamação graciosa, pelo que tais actos de autoliquidação não são sindicáveis perante este tribunal;
  • O comportamento da Requerente, que, por um lado, sem ter sido notificada de qualquer acto de liquidação oficiosa de IUC, autoliquidou o imposto, emitindo os documentos de cobrança e pagando e, por outro, veio impugnar os próprios actos a que deu origem, configura abuso do direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Por impugnação:

  1. O artigo 3.º do CIUC não estabelece qualquer presunção de propriedade, mas uma verdadeira ficção de propriedade – o legislador não diz que se presumem proprietários, antes que se consideram proprietários;
  2. A falta de inscrição no registo das alterações de propriedade tem como consequência que a obrigação de pagamento do IUC recaia no proprietário inscrito, não podendo a AT liquidar o imposto com base em elementos que não constem do registo;
  3. O IUC é devido pelas pessoas que constam no registo como proprietárias dos veículos;
  4. As facturas juntas pela Requerente como prova da celebração do contrato de compra e venda não são aptas a fazer tal prova;
  5. Quanto ao veículo de matrícula …, a Requerente não junta qualquer factura.

A Requerida juntou cópia do processo administrativo, não tendo arrolado nenhuma testemunha.

Em 25/06/2014 teve lugar a primeira reunião do Tribunal Arbitral, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT, tendo a Requerente solicitado a produção de prova testemunhal em virtude de a AT se ter oposto às facturas como meio de prova da venda dos veículos automóveis. A Requerida opôs-se a tal pretensão. O tribunal entendeu que o processo já dispunha de todos os elementos necessários, pelo que indeferiu o pedido da Requerente.

As Partes prescindiram de alegações.

  1. QUESTÕES A DECIDIR

Atentas as posições assumidas pelas Partes, vertidas nos argumentos expendidos, cumpre:

  1. Decidir quanto à matéria de excepção suscitada pela Requerida;

Se a tal não obstar o conhecimento da matéria de excepção acima referida,

  1. Apurar quem é sujeito passivo de IUC quando, na data da verificação do facto gerador do imposto, o veículo automóvel já tiver sido alienado;
  2. Apurar qual o valor jurídico do registo automóvel em sede de IUC, maxime para efeitos da incidência subjectiva do imposto;
  3. Determinar se a não actualização do registo automóvel permite considerar, como sujeitos passivos de IUC, as pessoas em nome das quais os veículos se encontrem registados; e
  4. Apurar se as facturas juntas pela Requerente são ou não aptas a provar as pretensas alienações.
  1. MATÉRIA DE FACTO
  1. Factos provados

Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, deram-se como provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma instituição financeira de crédito que tem por objecto social a prática das operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos;
  2. No âmbito da sua actividade, a Requerente celebra com os seus clientes contratos de ALD e contratos de locação financeira tendo por objecto veículos automóveis;
  3. Os 45 documentos de pagamento de IUC referem-se a veículos em relação aos quais, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, havia sido emitida, pela Requerente, uma factura de venda a terceiro;
  4. A Requerente pagou o imposto e os juros compensatórios que ora se discutem.
  1. Factos não provados

Com interesse para os autos, nenhum outro facto se provou.

  1. Fundamentação da matéria de facto

A convicção acerca dos factos tidos como provados formou-se tendo por base a prova documental junta pela Requerente, indicada relativamente a cada um dos pontos, e cuja adesão à realidade não foi questionada.

  1. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS

Nada é dito, no que tange à presente questão, pela Requerente. Cumpre tomar posição: verifica-se a identidade da natureza dos factos tributários, dos fundamentos de facto e de direito invocados e do tribunal competente para a decisão, pelo que nada obsta a que, nos termos do artigo 3.º do RJAT e do artigo 104.º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, se proceda à cumulação de pedidos.

  1. SANEAMENTO

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas.

O processo não enferma de vícios que afectem a sua validade; contudo, suscita a Requerida matéria de excepção que importa previamente conhecer; é o que de seguida se fará.

  1. DO DIREITO
    1. Da matéria de excepção

Vem a Requerida propugnar pela excepção peremptória de falta de objecto do pedido de pronúncia arbitral, alegando, sucintamente, que a Requerente não procedeu ao pagamento de liquidações oficiosas, mas antes de documentos de cobrança de IUC por esta extraídos do portal das finanças.

Sustenta, a Requerida, não ter procedido à notificação das liquidações discutidas e, bem assim, não ter emitido quaisquer liquidações oficiosas para os anos e veículos em questão, estribando-se, para tanto, nos documentos juntos pela Requerente ao pedido de pronúncia arbitral sob os números 2 a 46.

Mais refere ter sido a Requerente quem, sem para tanto ter sido notificada, procedeu à emissão dos documentos de cobrança relativamente a cada um dos veículos; daí retirando que “o presente pedido de pronúncia arbitral não se escora sobre actos de liquidação oficiosa emitidos pela [Requerida], mas sim de documentos de cobrança que a Requerente de forma totalmente voluntária extraiu do Portal das Finanças, e sob os quais procedeu ao pagamento”.

A Requerida segue dizendo que “o acto de liquidação se configura na determinação e identificação do sujeito passivo do imposto, por um lado, e por outro na fixação do imposto a pagar”. Sendo, posteriormente, o acto de liquidação, “objecto de notificação os sujeito passivo nos termos do disposto no Art.º 36,º do CPPT”.

E mais salienta que, de acordo com a alínea b) do n.º 2 do artigo 10.º do RJAT, do pedido de pronúncia arbitral “deverá constar a identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral”; e que da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, do mesmo diploma, resulta que “compete aos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”.

Como se viu, a Requerida sustenta não terem sido emitidos quaisquer actos de liquidação de IUC referentes aos veículos e anos em apreço, mas antes documentos de cobrança extraídos voluntariamente, pela Requerente, do portal das finanças, donde resulta, segundo a primeira, que o “presente pedido de pronúncia arbitral carece de objecto atendendo a não se encontrarem a ser sindicados actos de liquidação”.

E continua dizendo que, “atendendo à falta de objecto do presente processo em face de não terem sido emitidos actos de liquidação oficiosa de IUC pela entidade Requerida, a qual constitui uma excepção peremptória, a qual se invoca para todos os efeitos legais, nos termos do disposto no n.º 3 do Art.º 577.º do CPC na redacção dada pela Lei 41/2013 de 26 de Junho aplicável ex vi Art.º 1.º do CPTA, a qual dá lugar à absolvição da R. do pedido nos termos e para os efeitos no disposto no n.º 3 do Art.º 576.º do CPC”.

A Requerida vem ainda acrescentar – para o caso de a excepção aduzida não proceder – que, ainda que se entenda estarem em causa actos de autoliquidação – passiveis de sindicância a coberto da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT –, sempre se teria de concluir que o presente pedido de pronúncia arbitral haveria de ser precedido de reclamação graciosa, nos termos do n.º 1 do artigo 131.º do CPPT. Ora, não tendo a Requerente apresentado a dita reclamação graciosa, também a sindicância de tais actos de autoliquidação sai precludida.

Por tudo quanto expõe no que à matéria de excepção concerne, vem a Requerida concluir não ser o tribunal arbitral competente para apreciar os actos em questão. Sustenta, ademais, que no caso vertente não estamos perante actos de liquidação oficiosa, mas sim de documentos de cobrança que a Requerente voluntariamente extraiu e pagou.

E termina dizendo que, “não [se] estando perante actos de liquidação de tributos (…) o Tribunal Arbitral é incompetente para sindicar tais actos”.

Cumpre apreciar e decidir.

Sustenta a Requerida, e com razão, não estarmos perante actos de liquidação oficiosa. Com efeito, a emissão de liquidações oficiosas de IUC apenas poderá ocorrer nos termos e condições fixados no artigo 18.º do respectivo Código; no ano da matrícula nos termos do n.º 1 e, nos anos subsequentes, de acordo com o n.º 2. Ora, compulsada a factualidade dos presentes autos, está bom de ver que não é este o caso, motivo pelo qual não poderia a Requerida ter procedido à emissão de qualquer liquidação oficiosa.

Contudo, a razão que assiste à Requerida começa e termina ali; pois certo é que o pagamento do imposto há-de ter subjacente uma operação prévia de liquidação ou de autoliquidação, como de seguida se explicita. É, pois, com acrescida perplexidade que se lê o argumento da Requerida, vertido no artigo 40.º da sua resposta e cujo teor ora se reproduz:

Logo, não estando perante actos de liquidação de tributos (IUC), como se encontra explicitado no teor da alínea a) do n.º 1 do Art.º 2.º do RJAT, o Tribunal Arbitral é incompetente para sindicar tais actos” (negritos nossos).

Pergunta-se: pretende a Requerida sustentar, in casu, ser possível cumprir a obrigação de imposto na ausência de um acto prévio de liquidação (latu sensu)? Apenas por lapso, certamente.

Na verdade, partir da inexistência de liquidações oficiosas para daí afirmar a negação da existência de liquidações, tout court, no presente caso, equivale a um salto logicamente inadmissível. Uma coisa é a (in)existência de liquidações oficiosas, coisa bem distinta, e que cumpre apurar, é saber que tipo de liquidação encontramos em sede de IUC.

Prossigamos, então, para o apuramento da tipologia da liquidação, porquanto certo é que esta existe e existiu no caso dos autos.

Sob a epígrafe liquidação, o artigo 16.º do CIUC dispõe o seguinte:

1 – A competência para a liquidação do imposto é da Autoridade Tributária e Aduaneira, considerando-se, para todos os efeitos legais, o ato tributário praticado no serviço de finanças da residência ou sede do sujeito passivo.

2 – A liquidação do imposto é feita pelo próprio sujeito passivo através da Internet, nas condições de registo e acesso às declarações electrónicas, sendo obrigatória para as pessoas colectivas.

3 – A liquidação do imposto pode ainda ser feita por qualquer serviço de finanças, em atendimento ao público, sempre que o sujeito passivo o solicite ou quando se verifiquem as seguintes circunstâncias:

a) Os veículos tributáveis não se encontrem matriculados no território nacional;

b) Os veículos tributáveis beneficiem de isenção cujos pressupostos devam ser objecto de comprovação;

c) Exista erro de identificação ou omissão de veículo tributável na base de dados, que não permita ao sujeito passivo liquidar o imposto através da Internet.

4 – No momento da liquidação do imposto é emitido documento único de cobrança que, certificado pelos meios em uso na rede da cobrança, comprova o bom pagamento do imposto.

5 – Quando se verifique furto, extravio ou inutilização da documentação comprovativa do pagamento do imposto ou de isenção pode ser obtida certidão comprovativa em qualquer serviço de finanças ou através da Internet.

Ora, atendendo ao critério do órgão ou sujeito competente para realizar a liquidação([19]), parece resultar do n.º 1 do artigo 16.º estarmos perante uma liquidação administrativa. Contudo, tal entendimento deverá ser temperado com a leitura do n.º 2 do mesmo artigo, que determina caber ao sujeito passivo fazer a liquidação; através da internet, obrigatoriamente, quando se tratar de pessoa colectiva, ou ao balcão de um qualquer serviço de finanças, quanto o sujeito passivo for pessoa singular, como resulta da leitura conjugada do n.º 2 e do n.º 3.

Assim, sabendo que se fala em autoliquidação quando a liquidação do tributo seja realizada pelo sujeito passivo, tendo por base a matéria colectável inscrita nas respectivas declarações, pergunta-se: a liquidação do IUC assume a tipologia de autoliquidação?

A resposta não se afigura unívoca, pois se dos artigos 16.º e 17.º do CIUC parece resultar conclusão afirmativa, sempre se dirá, à luz do primeiro normativo – e lançando mão do modo como, na prática, se processa a «liquidação» e obtenção do documento único de cobrança –, ser possível sustentar tratar-se de uma liquidação administrativa. E, refira-se, não se ignora a existência de doutrina avisada que, a este respeito, entende estarmos perante uma autoliquidação sempre que esta se processe via internet([20]).

Vejamos: como refere BRÁS CARLOS([21]), nos casos de autoliquidação é “a lei que impõe que a liquidação do imposto seja efectuada pelos próprios contribuintes. Assim acontece, nomeadamente, no IVA e no IRC”.

Sucede, porém, que diversamente do que se passa em sede de IRC – onde se determina que a competência para a liquidação é atribuída ao próprio sujeito passivo, mediante a entrega da declaração de rendimentos nos prazos previstos nos artigo 120.º e 122.º do CIRC, e tem por base a matéria colectável que dela conste([22])([23]) –, no âmbito do IUC a lei expressamente atribui a competência para a liquidação do imposto à Autoridade Tributária (cf. n.º 1 do artigo 16.º do CIUC).

Assim, se pode e deve dizer-se que, no caso do IRC, o “sujeito passivo, nas respectivas declarações, aplica a lei ao seu caso concreto, apura a sua matéria colectável e o valor do imposto devido([24]), o mesmo não se poderá fazer no que tange ao IUC, porquanto, aqui, o sujeito passivo em nada influi no apuramento da matéria colectável e na determinação do valor do imposto. E não se venha dizer que a tais operações poderá ser assimilado o comportamento do sujeito passivo que, através da sua área reservada no portal das finanças, «liquide» e emita o documento único de cobrança referente ao IUC.

Com efeito, neste caso, o sujeito passivo, expressando a sua concordância com os parâmetros tributáveis inseridos prévia e automaticamente no cadastro do veículo automóvel, executa um mero acto material conducente à obtenção do DUC; e não concretas operações de determinação da matéria tributável e de aplicação da taxa àquela com vista ao apuramento da colecta. Mais, em sede de IUC, e ao invés do que sucede em verdadeiros procedimentos de autoliquidação, o sujeito passivo não procede à entrega de qualquer declaração de imposto.

Cremos, pelo exposto, que em sede de Imposto Único de Circulação não encontramos uma verdadeira autoliquidação, mas antes uma liquidação administrativa estimulada pelo sujeito passivo. Com efeito, sendo certo que o contribuinte toma parte no processo de liquidação / emissão do DUC, espoletando-o, tal participação não assume o carácter impressivo que se encontra, por exemplo, no âmbito do IRC ou do IVA, não devendo, por isso falar-se em autoliquidação em sentido estrito.

Por tudo quanto se expendeu, conclui-se estarmos perante actos de liquidação de tributos, para os efeitos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT.

Improcedem, portanto, as excepções suscitadas pela Requerida, não padecendo o processo da falta de objecto apontada e sendo o tribunal arbitral competente para apreciar o mérito da questão; o que de seguida se fará.

  1. Do mérito

Fixada que está a matéria de facto, cumpre agora, por referência àquela, apurar o Direito aplicável.

Compulsados os argumentos expendidos pelas Partes, facilmente se intui a questão de fundo ora em causa: saber se a norma contida no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC contém ou não uma presunção legal. Refira-se, aliás, que esta questão tem sido abundantemente suscitada, originando profusa jurisprudência – também arbitral – que, oportunamente, aqui se trará.

Sob a epígrafe incidência subjectiva, o artigo 3.º do CIUC dispõe que:

1. – São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados.

2. – São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação.

Ora, dissipar as dúvidas sobre o sentido e o alcance a atribuir a determinada norma jurídica implica levar a cabo uma tarefa interpretativa que permita retirar do enunciado linguístico um concreto sentido ou conteúdo de pensamento([25]). Contudo, tal tarefa apenas se pode cumprir – assim se logrando apreender a vis ac potestas legis – através da utilização de um concreto método, que se estriba na interpretação literal, por um lado, e na interpretação lógica ou racional, por outro.

Recorde-se, antes de avançarmos, que de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 11.º da Lei Geral Tributária, as normas tributárias se interpretam de acordo com os princípios de hermenêutica jurídica comummente aceites, maxime os fixados, entre nós, no artigo 9.º do Código Civil. Prossigamos.

A interpretação literal apresenta-se, então, como o primeiro estádio da actividade interpretativa. Como refere FERRARA, “o texto da lei forma o substrato de que deve partir e em que deve repousar o intérprete([26]).

Na verdade, uma vez que a lei se encontra expressa em palavras, deve, então, delas ser extraída a significância verbal que contêm, segundo a sua natural conexão e as regras gramaticais. Porém, sendo as palavras empregues pelo Legislador equívocas ou indeterminadas, será forçoso recorrer à interpretação lógica, que atende ao espírito da disposição a interpretar.

A interpretação lógica, tal como vem sendo pacificamente figurada pela doutrina([27]), estriba-se no elemento racional, no elemento sistemático e no elemento histórico; ponderando-os e deles deduzindo o valor da norma jurídica em apreço.

Por elemento racional há-de entender-se a raison d´être da norma jurídica, i.e., a finalidade para a qual o legislador a instituiu. A descoberta da ratio legis apresenta-se, assim, como um factor de indubitável importância para a determinação do sentido da norma.

Sucede, porém, que uma determinada norma não existe isoladamente, antes convive com as demais normas e princípios jurídicos de forma sistemática e complexa. Assim, natural se torna que o sentido de uma concreta norma resulte claro da confrontação desta com as demais. Como refere BAPTISTA MACHADO, “este elemento compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.([28]).

Já o elemento histórico, por seu turno, há-de reportar-se e incluir os materiais conexos com a história da norma, tais como “a história evolutiva do instituto, da figura ou do regime jurídico em causa (…); as chamadas fontes da lei, ou seja os textos legais ou doutrinais que inspiraram o legislador na elaboração da lei (…); os trabalhos preparatórios.”.

Apliquemos o que se vem dizendo ao caso em apreço.

Compulsados os argumentos de Requerente e Requerida, e no que tange ao elemento literal, facilmente se compreende que o foco de dissenso reside na expressão “(…) considerando-se como tais (…)”, contida no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC.

Pergunta-se – como de resto se fez na Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 73/2013-T([29]): “O facto do legislador ter optado pelo vocábulo “considerando-se” destrói a possibilidade de estarmos perante uma presunção?”. Não. É a resposta que, cremos, se impõe. E nem se venha dizer que tal conclusão vai infirmada pela circunstância de o legislador não ter utilizado o vocábulo “presumem-se”, que empregou no vetusto Regulamento do Imposto Sobre Veículos.

Também aqui não podemos deixar de sublinhar o que naquela decisão ficou dito: “examinando o ordenamento jurídico português, encontramos imensas normas que consagram presunções utilizando o verbo considerar, muitas das quais empregues no gerúndio (“considerando” ou mesmo “considerando-se”). São disso exemplos as normas a seguir enumeradas: No Código Civil, entre outras, os artigos 314.º, 369.º n.º 2, 374.º n.º 1, 376.º n.º 2, 1629.º (…). Também no ordenamento jurídico tributário se pode encontrar o verbo “considerar”, nomeadamente o termo “considera-se” com um sentido presuntivo. E ali se acrescenta o ensinamento de LEITE DE CAMPOS, SILVA RODRIGUES e LOPES DE SOUSA que, pela clareza de exposição, igualmente se transcreve. Assim, escrevem os Autores que “as presunções em matéria de incidência tributária podem ser explícitas, revelada pela utilização da expressão presume-se ou semelhante (…). No entanto, presunções também podem estar implícitas em normas de incidência, designadamente de incidência objectiva, quando se consideram como constituindo matéria tributável determinados valores de bens móveis ou imóveis, em situações em que não é inviável apurar o valor real”.

A este propósito, JORGE LOPES DE SOUSA([30]) refere que no n.º 1 do artigo 40.º do Código do IRS se utiliza a expressão “presume-se, ao passo que no n.º 2 do artigo 46.º do mesmo diploma se faz uso do vocábulo “considera-se”, não havendo qualquer diferença entre uma e outra expressão, ambas significando, afinal, o mesmo: uma presunção legal.

E que dizer do n.º 4 do artigo 89.º-A? Acaso dúvidas subsistem de que se trata de uma presunção? E tal conclusão sai fragilizada pelo facto de ali se empregar o verbo considerar? Não nos parece.

Assim, e ao que aqui nos interessa, revela-se admissível assimilar o verbo considerar ao verbo presumir. Com efeito, podemos estar perante uma presunção mesmo quando o legislador haja optado por outros verbos, nomeadamente pelo considerar. Na verdade, e ao invés do propugnado pela Requerida, é esta a conclusão que menos belisca a coerência sistemática postulada pelo ordenamento jurídico como um todo.

Mas mais: também o elemento racional autoriza semelhante conclusão.

Convoquemos a exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 118/X, de 07/03/2007, que originou a Lei n.º 22-A/2007, de 29 de Junho. Resulta clara a ratio legis.

Pretendeu-se empreender uma “reforma global e coerente dos impostos ligados à aquisição e propriedade dos veículos automóveis” em função da “necessidade imperiosa de trazer clareza e coerência a esta área do sistema fiscal e da necessidade, mais imperiosa ainda, de subordiná-la aos princípios e preocupações de ordem ambiental e energética que hoje em dia marcam a discussão da tributação automóvel”.

Assim, “os dois novos impostos que agora se criam, o imposto sobre veículos e o imposto único de circulação, constituem muito mais do que o prolongamento técnico das figuras criadas nos anos 70 e 80 que os antecederam, voltadas predominantemente para a angariação da receita, indiferentes ao custo social resultante da circulação automóvel. Constituem algo diferente, figuras já do século em que vivemos, com as quais se pretende, com certeza, angariar receita pública, mas angariá-la na medida do custo que cada indivíduo provoca à comunidade.

De forma congruente àquela motivação, o legislador veio a consagrar, no artigo 1.º do CIUC, o princípio da equivalência, ficando claro “que o imposto, no seu conjunto, se subordina à ideia de que os contribuintes devem ser onerados na medida do custo que provocam ao ambiente e à rede viária, sendo esta a razão de ser desta figura tributária. É este princípio que dita a oneração dos veículos em função da respectiva propriedade e até ao momento do abate”.

Pode, aliás, dizer-se que as preocupações ambientais e energéticas são tão impressivas em sede de IUC, que o princípio da equivalência molda não apenas a base tributável, mas também, e sobretudo, a própria incidência subjectiva, prevista no artigo 3.º.

Uma vez mais se convoca a Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 73/2013-T: “Tendo em conta quer o lugar sistemático que o princípio da equivalência ocupa (artigo 1.º do CIUC) – elemento sistemático – quer o elemento histórico corporizado pela Proposta de Lei n.º 118/X (fonte de lei), quer o racional (ou teleológico) acabado de analisar, todos apontam no sentido da conclusão preliminar a que chegámos aquando da análise do elemento gramatical, só fazendo sentido conceber no contexto do artigo 3.º do CIUC a expressão “considerando-se como tais” como reveladora da presença de uma presunção ilidível (…). Na verdade, a ratio legis do imposto antes aponta no sentido de serem tributados os utilizadores dos veículos, o proprietário económico, no dizer de DIOGO LEITE DE CAMPOS, os efectivos proprietários ou os locatários financeiros, pois são estes que têm o potencial poluidor causador dos custos ambientais à comunidade”.

Vejamos, agora, que solução se impõe ante uma compra e venda de veículo. Sendo a compra e venda celebrada, o adquirente será instituído, ex contratu, na posição de proprietário, consequentemente passando a ser-lhe aplicável o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC; i.e., o novo proprietário adquire, para efeitos de IUC, a posição de sujeito passivo do imposto.

E tal solução impõe-se desde o momento da perfeição do contrato de compra e venda não apenas porque o Código do IUC o determina – ao afirmar que são sujeitos passivos do imposto os proprietários –, mas também pelo facto de entre nós vigorar o princípio da consensualidade, que importa que a transmissão da propriedade ocorra por mero efeito do contrato; como resulta em primeira linha do n.º 1 do artigo 408.º do Código Civil. Veja-se, ainda, reforçando o que acima se diz, a alínea a) do artigo 879.º daquele diploma.

Note-se que o entendimento exposto no parágrafo que antecede é unanimemente propugnado por Doutrina([31]) e Jurisprudência([32]), não carecendo, assim, de desenvolvimentos adicionais.

E o que se vem de dizer releva para sustentar a nossa posição no que tange ao valor jurídico do registo automóvel. Recorde-se, porém, que de acordo com a regra geral acima vista, a transferência do direito se produz ex contratu, sem necessidade de qualquer acto material ou de publicidade([33]).

Como pacificamente aceite por Doutrina e Jurisprudência, perante o silêncio do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, quanto à questão do valor jurídico do registo automóvel, torna-se necessário lançar mão da disciplina do registo predial; operação ademais autorizada pelo artigo 29.º daquele Decreto-Lei.

Ora, atendendo ao Código do Registo Predial – aprovado pelo Decreto-Lei n.º 125/13, de 30 de Agosto –, maxime ao seu artigo 7.º, e conjugando esta norma com o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 54/75, rapidamente se infere a função primacial do registo (automóvel): dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor.

Pode então afirmar-se que o registo não tem natureza constitutiva, antes meramente declarativa, permitindo apenas presumir a existência do direito e a sua titularidade. Note-se: presumir e não ficcionar, podendo assim ser ilidida mediante prova em contrário.

E isto é assim justamente porque, nos termos do disposto no artigo 408.º do Código Civil, e salvas as excepções previstas na lei, a constituição ou transferência de direitos reais sobre coisa determinada ocorre por mero efeito do contrato, não ficando a sua validade dependente de qualquer acto subsequente, e.g., inscrição no registo.

Desta feita, não prevendo a lei qualquer excepção para o contrato de compra e venda de veículo automóvel, a eficácia real produz normalmente os seus efeitos, passando o adquirente a ser o seu proprietário, independentemente do registo. Ora, se independentemente do registo o adquirente passa a ser o proprietário, o titular inscrito deixa concomitantemente de o ser; pese embora no registo figure como tal.

In casu, e não obstante a falta de inscrição no registo, as transmissões efectuadas são oponíveis à Requerida, não podendo esta prevalecer-se do disposto no n.º 1 do artigo 5º do Código do Registo Predial. Desde logo pelo facto de não ser, para efeitos do disposto naquela norma, havida como terceiro para efeitos de registo.

A noção de terceiros para efeitos de registo é-nos dada pelo n.º 4 do mesmo artigo 5.º: terceiros, para efeitos de registo, são aqueles que tenham adquirido de um autor comum direitos incompatíveis entre si. Tal não é, manifestamente, o caso dos autos.

O mesmo raciocínio se terá, naturalmente, de aplicar às hipóteses de locação financeira ou de aluguer de longa duração, em relação às quais também o registo não tem qualquer eficácia constitutiva, mais não passando de uma presunção de que o direito existe. Presunção ilidível, do mesmo passo, mediante prova em contrário.

E, da mesma forma, a falta de inscrição no registo do contrato de locação financeira não significa que este não exista.

Ora, pese embora à data da emissão dos DUC a Requerente ainda figurar no registo como proprietária dos veículos, a verdade é que alega não ser, à data do facto gerador do imposto, a sua proprietária, por já os haver alienado.

Assim, e uma vez que a presunção resultante do registo é, como vimos, ilidível, vejamos se os documentos juntos pela Requerente são aptos a cumprir tal desiderato.

Com vista a provar que os veículos referidos nos presentes autos foram por si alienados em data anterior à da ocorrência do facto gerador do imposto, a Requerente juntou as respectivas facturas de venda.

Note-se que a Requerida alegou, relativamente a cada uma das facturas juntas, não se encontram regularmente emitidas, não sendo documento idóneo para comprovar a venda do veículo em causa, uma vez que a mesma não passa de um documento unilateralmente emitido pela Requerente (cf. artigos 127.º a 157.º da resposta).

Verifica-se, antes de mais, que a Requerente juntou, para cada uma das matrículas em causa, factura de venda.

Isto posto, e conforme resulta dos factos provados, nenhum dos 30 veículos em causa nos presentes autos pertence às categorias F ou G a que alude o artigo 4º do CIUC, pelo que o facto gerador do imposto ocorre na data da respectiva matrícula ou em cada um dos seus aniversários.

Decorre ainda dos factos provados que, na data da ocorrência do facto gerador do imposto, havia sido emitida pela Requerente, relativamente a cada um destes 30 veículos, uma factura de venda a terceiro.

A Requerida sustenta que a factura não é documento idóneo a comprovar a venda do veículo, não passando a mesma de um documento unilateralmente emitido pela Requerente, alegando que “como é do conhecimento público, não faltam casos de emissão de facturas referentes a transmissões de bens e/ou de prestações se serviços que nunca ocorreram”.

É certo, como invoca a Requerida, que muitas situações existem em que as facturas não titulam qualquer negócio jurídico. No caso dos autos, porém, nenhum elemento nos permite concluir que as facturas juntas não titulem nenhum negócio, sendo certo que a sua falsidade não foi sequer arguida pela Requerida, que se limitou a invocar existirem várias situações dessas, sem concretamente referir que a situação dos autos se subsumia a tal.

Assim sendo, à míngua de quaisquer elementos ou fundamentos que nos permitam concluir o contrário, teremos, naturalmente, de aceitar a veracidade dos documentos juntos.

Assente a veracidade das facturas juntas pela Requerente, teremos de considerar, sem necessidade de quaisquer outras considerações, serem estas documentos aptos a provar a alienação dos veículos em causa.

Com efeito, não prevendo a lei qualquer forma específica para a celebração de um contrato de compra e venda de um bem móvel, terá, necessariamente, de se aceitar como prova do dito contrato a factura emitida nos termos legais.

Por onde se verifica que, à data do facto gerador do imposto (data da matrícula ou de cada um dos seus aniversários) a Requerente havia alienado todos os 30 veículos, pese embora as referidas alienações não tenham sido espelhadas no competente registo.

Assim, atento o facto de, conforme já exposto, a presunção resultante do registo ser ilidível mediante prova em contrário, prova essa que se considera suficiente com a apresentação das facturas de venda dos veículos, verifica-se que, relativamente a estes 30 veículos, a Requerente não é a sua proprietária, não sendo, por isso, sujeito passivo do IUC liquidado.

Em suma:

  • A norma ínsita no n.º 1 do artigo 3.º do CIUC contém uma presunção;
  • Estando aquela presunção contida numa norma de incidência tributária, admitirá sempre prova em contrário, como resulta do artigo 73.º da LGT;
  • Quando, na data da verificação do facto gerador do imposto, o veículo automóvel tiver já sido alienado, embora o direito de propriedade continue registado em nome do primitivo proprietário, o sujeito passivo do IUC é o novo proprietário, contanto que aquele ilida a presunção decorrente do registo;
  • A transmissão da propriedade ocorre por mero efeito do contrato, não carecendo de qualquer acto subsequente;
  • O registo automóvel não tem natureza constitutiva, antes visando dar publicidade à situação dos veículos através de presunções, ilidíveis, da existência do direito e da respectiva titularidade;
  • Não pode a AT estribar-se na ausência de actualização do registo para, questionando a perfeição dos contratos de compra e venda, atribuir ao primitivo proprietário a qualidade de sujeito passivo de IUC e, assim, exigir deste o cumprimento da obrigação de imposto.

De tudo quanto se expendeu resulta clara a inexistência de fundamento legal para os actos de liquidação de IUC, impondo-se a sua anulação, bem como dos respectivos juros compensatórios, com as demais consequências legais.

  1. DISPOSITIVO

Em face do exposto, decide-se:

  1. Julgar procedente, por provado, o pedido de anulação dos actos de liquidação de IUC e de juros compensatórios a que se refere o pedido da Requerente;
  2. Anular os actos de liquidação de IUC e de juros compensatórios referidos na alínea anterior;
  3. Julgar procedente o pedido de restituição do montante de € 2.333.23, pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal, contados desde os pagamentos indevidos, até integral pagamento à Requerente das quantias liquidadas;
  4. Condenar a Requerida nas custas do processo.

***

Fixa-se o valor do processo em € 2.333,23, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

***

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 612,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, e do n.º 4 do artigo 4.º, do citado Regulamento, a pagar pela Requerida por ser a parte vencida.

***

Registe e notifique.

Lisboa, 30 de Setembro de 2014.

O Árbitro,

 

Alberto Amorim Pereira

***

Texto elaborado em computador, nos termos do n.º 5 do artigo 131.º do CPC, aplicável por remissão da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20/01.

A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.

 

 



([1])      Cf. CASALTA NABAIS, JOSÉ, Direito Fiscal, Almedina, 6ª Edição, 2010, p. 316.

([2])      O mesmo é dizer, no caso das pessoas colectivas. Cf. BRIGAS AFONSO, ANTÓNIO e TEIXEIRA FERNANDES, MANUEL, Imposto sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, Códigos Anotados, Coimbra Editora, p. 218 e ss.

([3])      BRÁS CARLOS, AMÉRICO, Impostos – Teoria Geral, 2ª Edição Actualizada e Aumentada, Almedina, 2008, p. 83 e 84.

([4])      Cf. MARTINS, HELENA, O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, Lições de Fiscalidade (coord. JOÃO RICARDO CATARINO e VASCO BRANCO GUIMARÃES), Almedina, 2012, p. 284.

([5])      Também em sede de IVA cabe ao sujeito passivo a determinação da divida de imposto, por aplicação da taxa à matéria tributável. Cf. VASQUES, SÉRGIO, Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, 2001, p. 356.

([6])      Cf. MORAIS, RUI DUARTE, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, p. 208.

([7])      Cf. BAPTISTA MACHADO, JOÃO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1982, p. 175.

([8])      FERRARA, FRANCESCO, Interpretação e Aplicação das Leis, 1921, Roma; Tradução de MANUEL DE ANDRADE, Arménio Amado, Editor, Sucessor – Coimbra, 2.ª Edição, 1963, p. 138 e ss.

([9])      Vide, por todos, BAPTISTA MACHADO, JOÃO, op. cit., p. 181.

([10])    BAPTISTA MACHADO, JOÃO, op. cit., p. 183.

([11])    Cf. Decisão Arbitral de 5 de Dezembro de 2013, proferida no âmbito do Processo n.º 73/2013, p. 21.

([12])    Cf. LOPES DE SOUSA, JORGE, Código do Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 6ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 589.

([13])    Vide, por todos, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volumes I e II, Coimbra Editora, 4ª Edição Revista e Actualizada, Anotações aos artigos 408.º e 79.º.

([14])    Vide, inter alios, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 1998.

([15])    Cf. EWALD HÖRSTER, HEINRICH, A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, 2ª Reimpressão da Edição de 1992, p. 467.

 

[16] DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, in Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontros de Escrita, 4ª Edição, 2012, p.448.

 

[17] In Curso de Direito Administrativo, Volume II, Almedina, 2002, p. 129.

 

 

[18] In Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 1998, pp. 250 e ss

([19])    Cf. CASALTA NABAIS, JOSÉ, Direito Fiscal, Almedina, 6ª Edição, 2010, p. 316.

([20])    O mesmo é dizer, no caso das pessoas colectivas. Cf. BRIGAS AFONSO, ANTÓNIO e TEIXEIRA FERNANDES, MANUEL, Imposto sobre Veículos e Imposto Único de Circulação, Códigos Anotados, Coimbra Editora, p. 218 e ss.

([21])    BRÁS CARLOS, AMÉRICO, Impostos – Teoria Geral, 2ª Edição Actualizada e Aumentada, Almedina, 2008, p. 83 e 84.

([22])    Cf. MARTINS, HELENA, O Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, Lições de Fiscalidade (coord. JOÃO RICARDO CATARINO e VASCO BRANCO GUIMARÃES), Almedina, 2012, p. 284.

([23])    Também em sede de IVA cabe ao sujeito passivo a determinação da divida de imposto, por aplicação da taxa à matéria tributável. Cf. VASQUES, SÉRGIO, Os Impostos Especiais de Consumo, Almedina, 2001, p. 356.

([24])    Cf. MORAIS, RUI DUARTE, Apontamentos ao IRC, Almedina, 2007, p. 208.

([25])    Cf. BAPTISTA MACHADO, JOÃO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1982, p. 175.

([26])    FERRARA, FRANCESCO, Interpretação e Aplicação das Leis, 1921, Roma; Tradução de MANUEL DE ANDRADE, Arménio Amado, Editor, Sucessor – Coimbra, 2.ª Edição, 1963, p. 138 e ss.

([27])    Vide, por todos, BAPTISTA MACHADO, JOÃO, op. cit., p. 181.

([28])    BAPTISTA MACHADO, JOÃO, op. cit., p. 183.

([29])    Cf. Decisão Arbitral de 5 de Dezembro de 2013, proferida no âmbito do Processo n.º 73/2013, p. 21.

([30])    Cf. LOPES DE SOUSA, JORGE, Código do Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, Vol. I, 6ª Edição, Áreas Editora, Lisboa, 2011, p. 589.

([31])    Vide, por todos, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Volumes I e II, Coimbra Editora, 4ª Edição Revista e Actualizada, Anotações aos artigos 408.º e 79.º.

([32])    Vide, inter alios, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Março de 1998.

([33])    Cf. EWALD HÖRSTER, HEINRICH, A Parte Geral do Código Civil Português, Almedina, 2ª Reimpressão da Edição de 1992, p. 467.