Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 505/2017-T
Data da decisão: 2018-03-16  IRS  
Valor do pedido: € 226.007,76
Tema: IRS - Indemnização por cessação de contrato de trabalho.*
Decisão arbitral recorrida. Acórdão do STA de 08 de maio de 2019, recurso n.º 407/18.9BALSB nega provimento mas fixa jurisprudência.
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Decisão Arbitral

 

          Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Regina de Almeida Monteiro e Dr.ª Ana Teixeira de Sousa (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 28-11-2017, acordam no seguinte:

 

         

          1. Relatório

 

A…– cabeça de casal da herança de B…, com o NIF…, residente em Rua …, n.º …, …-… …, Parede (doravante designada como «Requerente»), veio, ao abrigo da al. a) do n.º 1 do artigo 2,º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou ”RJAT”), apresentar pedido de pronúncia arbitral visando a declaração da ilegalidade da Liquidação de IRS n.º 2017 … e Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017…, referente ao período de 01-01-2013 a 31-12-2013.

A Requerente pede ainda reembolso do imposto e juros compensatórios, bem como pagamento de juros indemnizatórios.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 13-09-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 08-11-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 28-11-2017.

Em 16-01-2018, a Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta em que defendeu que o pedido deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 02-02-2018 foi dispensada reunião e as alegações, se não houvesse oposição das Partes.

Apenas a Requerente se pronunciou, manifestando não se opor à dispensa de reunião e de alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e têm legitimidade (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Com base nos elementos que constam do processo e do processo administrativo junto aos autos, consideram-se provados os seguintes factos:

 

 

  1. B… exerceu funções no Grupo C… no período entre 14 de outubro de 1987 e 15 de janeiro de 2006, conforme Certificado de Trabalho emitido pelo C… (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. B…, quando cessou as suas funções com o Grupo C…, em janeiro de 2006, não auferiu qualquer montante a título de indemnização ou compensação, pela cessação do respectivo contrato de trabalho;
  3. A 9 de janeiro de 2006 foi celebrado um contrato de trabalho entre o D… e B…, que produziu efeitos desde 16 de janeiro de 2006 (documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. No que respeita a sua categoria profissional, a Cláusula 2.ª (Funções) do Contrato de Trabalho determina que exercia funções de Membro da Comissão Executiva, sendo-lhe atribuída a categoria profissional de Diretor;
  5. A remuneração mensal ilíquida que B… auferia era de € 11.430,00, conforme condições reguladas na Cláusula 4.ª (Retribuição) do Contrato de Trabalho, que foi posteriormente actualizada para € 14.285,71, pago em 14 prestações mensais, com o Aditamento ao Contrato de Trabalho que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  6. No contrato inicial, ficou regulado na Cláusula 7.ª (Antiguidade) o seguinte:

 

‹‹1. O Banco garante ao Segundo Outorgante B… a antiguidade decorrente da prestação de serviço a outras instituições de crédito, desde 14/10/1987 documentalmente provada, com as seguintes especificações:

a) Para efeitos do Fundo de Pensões do D…, o Primeiro Outorgante terá em consideração o tempo de serviço prestado a outras instituições de crédito, sendo o montante da pensão de reforma por invalidez presumível calculado de acordo com o regime previsto no ACTV dos bancários.

b) A parte de reforma correspondente ao tempo de serviço prestado pelo Segundo ao Primeiro Outorgante será calculada nos termos da Cláusula 6.ª do Plano de Pensões do D… .

c) O tempo de serviço prestado a outras instituições de Crédito anteriormente a assinatura do presente contrato não será tido em conta para o cálculo do número de diuturnidades»

  1. Na Cláusula 12.º (Normas Aplicáveis) do Contrato de Trabalho ficou regulado o seguinte:

«No omisso aplica-se o ACTV para o Sector Bancário, com as ressalvas constantes no BTE, 1.ª Série, n.º 42 de 15.11.94 e a lei geral do trabalho»;

  1. Esta cláusula é replicada na Cláusula 14.1 do Aditamento ao Contrato de Trabalho que determina que serão aplicáveis os instrumentos de regulamentação colectiva em vigor para o sector;
  2. O D… subscreveu o referido ACT e que o trabalhador em causa encontrava-se filiado no Sindicato, efectuando o pagamento de quotas (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. O D… subscreveu o ACT com a seguinte ressalva:

«Na contagem do tempo de serviço para quaisquer efeitos emergentes do ACT, contarão apenas o tempo de serviço prestado às próprias Instituições signatárias de presente ressalva, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras instituições ou empresas, mas, neste caso, desde que tal resulte de acordo individual entre aquelas e o trabalhador» (artigo 36.º do pedido de pronúncia arbitral, não contestado);

  1. A 26 de Fevereiro de 2013 foi celebrado o Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho (adiante “Acordo de Revogação”), com efeitos a 31 de Maio de 2013 (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. Do Considerando B do referido acordo consta o seguinte:

Que as Partes acordaram reconhecer a antiguidade do Colaborador decorrente da prestação de atividade a outras instituições de crédito desde 14 de outubro de 1987, de acordo com a cláusula 7.ª do Contrato, nos termos e para os efeitos da cláusula 17.ª do Acordo Coletivo de Trabalho para o Setor Bancário (doravante, o “ACT”), nos termos da ressalva oposta pelo Banco, que faz depender a relevância da contagem desse tempo

de serviço prestado a outras instituições de crédito de acordo individual entre o Banco e cada concreto trabalhador, acordo esse que, no caso do Colaborador, efetivamente existiu e agora reiteram para todos os efeitos legais, designadamente os expostos na doutrina subjacente ao acórdão de 21 de setembro de 2010 do Tribunal Central Administrativo Sul (EUGÉNIO SEQUEIRA), no proc. 03748/10»;

  1. Para efeitos de indemnização, a Cláusula 2.ª do Acordo de Revogação determina que em contrapartida do distrate do Contrato de Trabalho, o Banco obrigava-se a pagar a B… a quantia ilíquida de € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros) como compensação pecuniária global, quantia essa que foi efetivamente recebida por B… e incluída no recibo de vencimento de Junho de 2013, com a descrição ‹‹Comp. Cess. Mutuo Acord», e sobre a qual se discute a incidência em sede de IRS (documento n.º 6);
  2. Em 2014 foi submetida a Declaração de IRS por B… e a Requerente, referente a 2013, que consta do documento n.º9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, tendo sido declarado como montante global de rendimentos auferidos no âmbito da Categoria A o valor global de € 406.420,02 (documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  3. Nessa declaração foi considerado pelos declarantes que dos € 750.000,00 referidos apenas estava sujeito a IRS o montante de € 232.502,24, por aplicação do disposto na alínea h) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS, por o montante de € 517.497,76 ter sido considerado indemnização isenta, montante este calculado tendo em conta o valor médio de € 19.903,76 das remunerações regulares com caracter de retribuição sujeitas a imposto auferidas nos últimos 12 meses e 26 anos de antiguidade;
  4. Dessa declaração resultou IRS a pagar, que foi pago, por referência ao ano de 2013, o valor de € 26.687,76 (documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  5. Foi efectuada uma inspecção tributária à Requerente ao abrigo da OI 2016…, em sede de IRS, ao exercício de 2013, na qual foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que do processo administrativo, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES NIERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1.1 - DILIGÊNCIAS EFETUADAS

Na sequência do anteriormente exposto, de acordo com os elementos obtidos, verificamos que o sujeito passivo (B…) recebeu em 2013, uma indemnização no valor de € 750 000,00 considerando não ter declarado o montante de € 370 700,71.

Neste âmbito, ao abrigo do n.º 4 do art.º 57º do Código do IRS, o sujeito passivo A… cabeça de casal da herança de B…, foi devidamente notificada, através do N/ Ofício n.º…, de 2016.02.25, comunicando que deveria substituir a declaração de rendimentos supra referida, acrescentando a parte da indemnização que não foi declarada, no montante de € 370 700,71.

Salientando-se ainda, que a falta de apresentação da referida declaração nos prazos fixados (15 dias) a AT, deverá proceder à liquidação oficiosa de acordo com os elementos disponíveis, nos termos do n.º 4 do art.º 65.º do CIRS.

No caso em apreço, não veio aduzir ao processo qualquer esclarecimento ou elementos de prova, o sujeito passivo devidamente notificado, para apresentar a declaração de substituição ao exercício de 2013, na qualidade de cabeça de casal de B…, de acordo com o art.º 29.º da Lei Geral Tributária que estabelece no seu n.º 2 que “ as obrigações tributárias originais e subsidiárias transmitem-se mesmo que não tenham sido ainda liquidadas, em caso de sucessão universal por morte, sem prejuízo do benefício de inventário."

Neste sentido, reportando à matéria em causa, verificamos divergências de entendimentos, para efeitos de cálculo da importância a excluir de tributação, quanto à rubrica - antiguidade, concretizando, considerar o tempo de serviço prestado na entidade devedora (tempo de serviço - 7,38), ou a antiguidade considerada pelo D… (tempo de serviço - 26), no cálculo da parcela da indemnização sujeita a tributação em sede de IRS.

III.I.2 - DO DIREITO RELEVANTE

Sobre a matéria que aqui se reputa como circunstancialmente relevante e de realçar o disposto na al. b) do n.º 4 do art.º 2.º do CIRS, que determina que ficam sujeitas a tributação as importâncias auferidas “Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vinculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas peia totalidade. “

Da exegese do referido normativo legal, deve concluir-se que nos casos de recebimento de indemnizações por extinção do contrato de trabalho, a lei consagra uma não sujeição a imposto (delimitação negativa da incidência objectiva do IRS em sede de categoria A) ainda que com um limite máximo. O limite da não sujeição é o valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos doze meses, multiplicado pelo número de anos, ou fracção, de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.

Não obstante, mesmo colocando a hipótese de saber se o ACT bancário, no caso aplicado, poderia ter aqui em sede fiscal qualquer relevância, sabido que este não é lei (formal), parece ser de afastar por força do disposto no art.º 112.º da CRP e do art.º 1.º do Código Civil, pois, não tendo sido emanado por qualquer órgão estadual, ao abrigo da sua competência objectiva e nos limites materiais da respectiva competência subjectiva, antes emana do acordo de vontades formado entre as associações sindicais e patronais do sector de actividade, e no âmbito do domínio privado da vontade das partes, não constitui lei em sentido formal e próprio.

Por sua vez, o montante da compensação por distrate de contrato de trabalho (sendo a situação em análise), não é matéria limitada por nenhuma norma legal injuntiva e, por isso, nada impede as partes de, mesmo no caso de o negociarem em função da antiguidade do trabalhador, considerarem uma medida inferior ou superior aquela que o trabalhador efectivamente tenha.

Na ratio do preceito fiscal estará, segundo cremos a intenção de conceder uma espécie de benefício, excluindo de tributação e premiando com essa exclusão proporcionalmente mais quem há mais anos se mantém na entidade em que cessa o contrato ou o exercício de funções.

Salvo melhor opinião, não estaria certamente no espírito do legislador conceder uma maior exclusão de tributação a quem, não cumprindo este requisito, simplesmente acorde com a entidade empregadora (ou se prevaleça de uma convenção colectiva que assim o estabeleça) uma antiguidade que na realidade não tem o que excede a que efectivamente tem, ou seja, negociando sobre uma " medida " como se de um bem jurídico disponível se tratasse.

Cremos, por isso, que mesmo adoptando a interpretação segundo a qual a norma fiscal se refere apenas a antiguidade e havendo que recorrer ao direito laboral para preencher esse conceito, o conceito de antiguidade a perfilhar deve ser o mais estrito, conceito " medida ", de antiguidade na empresa, o que conduz a solução idêntica àquela que temos por correcta e que entendemos resultar do próprio elemento literal, que é a de que o legislador fiscal pretendeu referir-se a "antiguidade ... na entidade devedora".

E aqui chegados, ainda a propósito do factor de antiguidade atentando ao disposto da referida norma legal, citamos a opinião de Manuel Faustino: “Não é oponível à administração fiscal a cláusula do ACTV sector bancário que impõe, na transferência de um trabalhador entre instituições de crédito, a contagem do tempo de antiguidade verificada na anterior ou anteriores instituições de crédito de que tenha sido trabalhador. Como, por maioria de razão, também o não são quaisquer acordos que, respeitando a garantia dos benefícios inerentes a antiguidade, hajam sido celebrados entre o trabalhador e a entidade patronal. Sem considerações que hoje poderiam ser propiciadas pela extensão subjetiva do conceito de entidade patronal operada pelo n.º 10 do art.º 2.º., uma vez que aquela assenta nas relações de domínio ou de grupo entre sociedades, independentemente da sua localização geográfica, reafirmamos aqui a conhecida orientação da Administração Fiscal segundo a qual 0 tempo de antiguidade relevante e, tão só, o tempo de antiguidade “ adquirido" na entidade com que se cessa o contrato individual de trabalho, como literalmente decorre da lei, não parecendo haver qualquer margem para outro tipo de interpretação".

Não obstante, consideramos para efeitos de melhor consolidação da posição dos Serviços, quanto à matéria controvertida subjacente a estes processos, tendo em consideração que podem existir instrumentos jurídicos de natureza negocial que imponham à entidade devedora da compensação monetária referida na norma uma antiguidade maior do que a correspondente à duração da relação contratual atribuída pela entidade, foi o assunto reencaminhado a respetiva entidade competente o órgão da administração tributária central - Direção de Serviços do IRS, para superior apreciação e decisão.

Neste sentido, de 2016.06.14, veio a Direção de Serviços de IRS, pronunciar-se relativamente ao cálculo da indemnização para efeitos da al. b) do n.º 4 do art.º 2.º do Código do IRS relacionado com a sua aplicação aos trabalhadores do setor bancário abrangidos pelo respetivo ACT, tendo sido proferido o despacho em 2016.03.21, da Sr.ª Diretora Geral, foi sancionado o seguinte entendimento;

" As importâncias auferidas pelos trabalhadores do setor bancário, a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho, abrangidos pelo ACT, pagas pela última entidade na qual prestam serviço, sendo aplicável a regra de exclusão prevista na al. b) do n.º 4 do art.º 2.º do CIRS, deve ter em consideração para efeitos do respectivo cálculo apenas o número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na última entidade devedora dos rendimentos que, por força do elemento histórico-sistemático inerente à norma do actual n.º 10 do supra citado artigo, corresponde a “ entidade empregadora/patronal", com a amplitude decorrente desta norma, bem como das situações de sucessão na posição desta entidade, máximo por efeito da equiparação inerente ao artigo 285.º do Código do Trabalho de 2009.”

Pelo que se conclui, no presente caso de indemnização por rescisão do contrato de trabalho por mútuo acordo, entre o Sr. B…, e a sua entidade patronal o Banco D…, a solução mais consentânea, relativamente ao conceito de antiguidade para efeitos do cálculo do montante da compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação nos termos do n.º 4 do art.º 2.º do referido normativo legal, deve ter em consideração apenas o número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na última entidade devedora dos rendimentos, de acordo o entendimento propugnado pelos Serviços.

III.1.3 PROPOSTA DE CORREÇÃO

Face a todo o exposto, com especial relevo para o referido em III.1.2, salvo melhor opinião, deverão ser adicionados aos rendimentos obtidos no D…, o montante de € 370 700,71 ou seja, o rendimento inicial inscrito no Anexo A - Quadro 4, da declaração Mod. 3 de IRS, relativa ao exercício de 2013, deverá ser corrigido para o montante de € 777 120,73, conforme referido anteriormente.

 

  1.  Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRS n.º 2017…, e a Demonstração de acerto de contas n.º 2017…, que inclui juros compensatórios, referente ao período de 2013 (documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  2. Em 25-07-2017, a Requerente pagou a quantia indicada liquidada (documentos n.ºs 11 e 12 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  3. Em 12-19-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Não há factos relevantes á decisão da causa que não se tenham provado, nem há controvérsia sobre a matéria de facto, que assenta na prova documental indicada.

 

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Posições das Partes

 

          Está em causa no presente processo, apurar a incidência de IRS sobre uma indemnização por cessação de contrato de trabalho, à face do artigo 1.º, n.º 4, alínea b), do CIRS.

          O artigo 2.º, n.º 4, alínea b), do CIRC, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, estabelece o seguinte:

 

4 - Quando, por qualquer forma, cessem os contratos subjacentes às situações referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1, mas sem prejuízo do disposto na alínea d) do mesmo número, quanto às prestações que continuem a ser devidas mesmo que o contrato de trabalho não subsista, ou se verifique a cessação das funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa colectiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente, as importâncias auferidas, a qualquer título, ficam sempre sujeitas a tributação:

(...)

b) Na parte que exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora, nos demais casos, salvo quando nos 24 meses seguintes seja criado novo vínculo profissional ou empresarial, independentemente da sua natureza, com a mesma entidade, caso em que as importâncias serão tributadas pela totalidade.

         

 

          Esta norma configura uma delimitação negativa de incidência de IRS que a parte da indemnização que não exceda o valor correspondente ao valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora.

          Como se refere no Relatório da Inspecção Tributária, há «divergências de entendimentos, para efeitos de cálculo da importância a excluir de tributação, quanto à rubrica - antiguidade, concretizando, considerar o tempo de serviço prestado na entidade devedora (tempo de serviço - 7,38), ou a antiguidade considerada pelo D… (tempo de serviço - 26), no cálculo da parcela da indemnização sujeita a tributação em sede de IRS».

          Assim, a questão a apreciar é a de saber se, para efeitos da delimitação negativa de incidência do IRS em caso de indemnização por cessação do contrato de trabalho, deve ser considerado todo o tempo de serviço prestado nesse sector, ainda que prestado entidades patronais diversas mas reconhecido pela última, ou apenas o prestado à última delas e com quem veio a efectivar a rescisão.

           A Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu no Relatório da Inspecção Tributária que antiguidade relevante é apenas a «antiguidade na empresa», que entende «resultar do próprio elemento literal, que é a de que o legislador fiscal pretendeu referir-se a "antiguidade ... na entidade devedora"».

          Pelo que concluiu a Autoridade Tributária e Aduaneira que «no presente caso de indemnização por rescisão do contrato de trabalho por mútuo acordo, entre o Sr. B…, e a sua entidade patronal o Banco D…, a solução mais consentânea, relativamente ao conceito de antiguidade para efeitos do cálculo do montante da compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação nos termos do n.º 4 do art.º 2.º do referido normativo legal, deve ter em consideração apenas o número de anos ou fração de antiguidade ou de exercício de funções na última entidade devedora dos rendimentos».

          Invocou ainda a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária que a relevância fiscal do Acordo Colectivo de Trabalho para o sector bancário «parece ser de afastar por força do disposto no art.º 112.º da CRP e do art.º 1.º do Código Civil, pois, não tendo sido emanado por qualquer órgão estadual, ao abrigo da sua competência objectiva e nos limites materiais da respectiva competência subjectiva, antes emana do acordo de vontades formado entre as associações sindicais e patronais do sector de actividade, e no âmbito do domínio privado da vontade das partes, não constitui lei em sentido formal e próprio».

          Na mesma linha, no presente processo, a Autoridade Tributária e Aduaneira invoca o «princípio da legalidade em matéria de incidência fiscal, cujos corolários de igualdade, responsabilidade e segurança reclamam uma intensa determinabilidade» «que inequivocamente pressupõem na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS uma “antiguidade” referenciada à “entidade devedora” e que não admitem, face ao elemento teleológico aferido pela finalidade da exclusão da incidência fiscal estatuída naquela mesma norma, que instrumentos jurídicos negociais se permitissem, através de majorações da antiguidade inerente à efectiva duração da relação contratual outorgada por aquela entidade, delimitar voluntariamente a amplitude dessa exclusão da incidência fiscal».

          Afirma ainda Autoridade Tributária e Aduaneira que «a “entidade devedora” a que se refere o nº 4 do art. 2º, tem de ser a “entidade patronal” mencionada no nº 10 do mesmo preceito legal, o que fica explícito quando no nº 4 se condiciona a exclusão da tributação à não criação de novo vínculo profissional ou empresarial no prazo de 24 meses com a mesma “entidade”».

          A Requerente invoca jurisprudência que propugna, em suma, que é relevante, para efeitos do no n.º 4 do artigo 2.º do CIRC, a antiguidade derivada de serviço prestado pelo trabalhador a entidades do mesmo sector quando se verificam os seguintes:

i) A nova entidade patronal tenha sobrescrito o ACT do respectivo sector;

ii) Exista acordo individual entre O trabalhador e a nova entidade patronal no sentido da relevância do tempo de serviço prestado a entidades do mesmo sector; e,

iii) O trabalhador seja filiado no respectivo sindicato.

 

          Defende a Requerente que estes requisitos que estão satisfeitos no caso em apreço, pois;

– foi inserida uma cláusula no contrato de trabalho celebrado entre o D… e B…, no qual foi expressamente incluída a antiguidade em todas as instituições bancárias em Portugal desde 14 de outubro de 1987;

– o D… subscreveu o Acordo Colectivo de Trabalho (ACT) para o sector bancário com o Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, em que o trabalhador se encontrava;

– do ACT do sector bancário resulta, por força da Cláusula 17.ª, que a antiguidade do trabalhador, para todos os efeitos previstos no Acordo, será determinada pela contagem de todos os anos de serviço prestado em Portugal, nas Instituições de Crédito com actividade em território português.

         

          A Requerente defende ainda que será discriminatório (e, por isso, inconstitucional e ilegal) a interpretação da Lei Fiscal no sentido de que (como o faz a AT) a antiguidade laboral e apenas aferida pelo tempo afecto à última entidade patronal.

 

         

          3.2. Apreciação da questão

 

          A questão da interpretação da alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS tem sido apreciada pela jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul ( [1] ) e arbitral ( [2] ).

          Essa jurisprudência tem em comum, em suma, o entendimento de que

– não definindo o CIRS nem a legislação fiscal o conceito de «antiguidade», deve ser utilizado o conceito utilizado no direito laboral, por força do n.º 2 do artigo 11.º da LGT, que estabelece que «sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei», o que viabilizará a aplicação do conceito de antiguidade utilizado no direito laboral;

– o direito laboral prevê um conceito amplo de antiguidade ao permitir que seja tomado em linha de conta o tempo de serviço e a categoria já alcançados noutras entidades patronais, por forma a que ele seja admitido sem prejuízo da antiguidade ali adquirida, pois que tal não é proibido pela lei geral do trabalho, sendo uma prática atendida nalguns Instrumentos de Regulamentação Colectiva e Trabalho e nos usos da profissão do trabalho e das empresas.

 

          É particularmente elucidativa a síntese feita no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul proferido no processo n.º 5971/12, em que se refere:

 

8. Na construção do conceito de rendimento tributário, o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.).

9. Nos termos do artº.2, nº.3, al. e), do C.I.R.S., o legislador considera rendimentos do trabalho dependente quaisquer indemnizações resultantes, além do mais, da extinção da relação jurídica que origine os mesmos rendimentos do trabalho dependente. Tais indemnizações pela cessação do contrato de trabalho não se enquadram no conceito de remuneração, embora recebam enquadramento expresso enquanto rendimentos do trabalho passíveis de tributação, nos termos consagrados no nº. 4, do mesmo preceito.

10. Da exegese do artº.2, nº.4, do C.I.R.S., deve concluir-se que nos casos de recebimento de indemnizações por extinção do contrato de trabalho ou outros contratos que originem rendimentos tributáveis na categoria A do I.R.S., a lei consagra uma não sujeição a imposto (delimitação negativa da incidência objectiva do I.R.S. em sede de categoria A) ainda que com um limite máximo. O limite da não sujeição é o valor correspondente a uma vez e meia o valor médio das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos doze meses, multiplicado pelo número de anos, ou fracção, de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora.

11. Não resultando da norma sob exame (cfr.artº.2, nº.4, do C.I.R.S.) que o conceito de antiguidade se refira restritamente ao tempo de serviço na entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho, e nada justificando uma interpretação restritiva da norma de incidência, a noção mais lata de antiguidade oriunda do direito laboral deve ser aceite para o cálculo da importância sujeita a tributação em sede de I.R.S.

 

 

          No entanto, não estando este Tribunal Arbitral vinculado por precedentes jurisprudenciais (artigo 2.º, n.º 2, do RJAT), justifica-se uma reanálise da questão, tendo em conta a argumentação trazida pelas Partes, inclusivamente as questões de inconstitucionalidade colocadas no Relatório da Inspecção Tributária e no presente processo.

          A primeira questão a resolver é a de saber se a norma em causa fornece elementos que permitam detectar qual o conceito de antiguidade que se considera relevante, designadamente se este pode ser interpretado como reportando-se a «antiguidade ... na entidade devedora».

          A expressão «número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora», utilizada na alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, revela com clareza que quanto ao «número de anos ou fracção ... de exercício de funções», apenas releva o que se reporta ao exercício «na entidade devedora».

          Quanto à «antiguidade» não existe a mesma clareza, pois a referência final à «entidade devedora» pode reportar-se, gramaticalmente, apenas ao «exercício de funções».

          No entanto, gramaticalmente, a referência final à «entidade devedora» também poderá, sem esforço apreciável, reportar-se à «antiguidade» («antiguidade ... na entidade devedora»), sendo esta uma forma textualmente adequada para expressar uma intenção legislativa no sentido de a antiguidade relevante ser também, como sucede quanto ao «exercício de funções», a referente à entidade devedora.

          Esta última leitura afigura-se ser a mais consistente, pois a alternativa que aí se refere, entre a «antiguidade» e o «exercício de funções», justifica-se por o conceito de antiguidade ser adequado a referenciar o tempo de serviço prestado no âmbito de um contrato de trabalho, mas não ao serviço prestado no âmbito de outras funções a que se aplica este regime, referidas no corpo do referido n.º 4, como é manifestamente o caso do exercício de funções de gestor público (como flui do respectivo Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 71/2007, de 27 de Março [3]), mas também das funções de administração em pessoas colectivas. Isso mesmo se confirma pela alínea a) do mesmo n.º 4 do artigo 2.º em que se refere expressamente o «exercício de funções de gestor público, administrador ou gerente de pessoa coletiva, bem como de representante de estabelecimento estável de entidade não residente».

          Não havendo qualquer delimitação negativa de incidência quanto à parte das indemnização que corresponda a este exercício de funções de gestão e representação [como veio a ser explicitado pela redacção dada àquela alínea a) pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro, a que o seu artigo 14.º atribuiu natureza interpretativa], a referência na alínea b) a existência de delimitação negativa nos casos de «exercício de funções na entidade devedora» visará os casos em que os trabalhadores não exerceram apenas aquelas funções na entidade devedora, cumulando-as com trabalho a que é aplicável o conceito de antiguidade. Isto é, tratar-se-á, nomeadamente, das situações, que serão frequentes, de trabalhadores vinculados por contrato de trabalho que passam a exercer funções de gestão: nestes casos, a parte da indemnização que corresponde ao exercício de funções de gestão é tributável na totalidade, mas à parte da indemnização que corresponde a trabalho de outro tipo aplica-se a delimitação negativa de incidência considerando-se para determinar a sua amplitude quer a antiguidade quer o período de exercício das funções de gestão.

          Assim, no contexto em que a referida expressão é utilizada, afigura-se adequado interpretar esta norma como aludindo à «antiguidade ... na entidade devedora» e ao «exercício de funções na entidade devedora».

          Aliás, para efeito de indemnização por cessação de contrato de trabalho, o alcance normal da expressão «antiguidade», tout court, é o de «antiguidade na empresa», o de duração do contrato de trabalho, como há muito se vem entendendo. ( [4] )

          No entanto, mesmo com esta leitura, não fica completamente esclarecido o alcance da expressão, pois, literalmente, a antiguidade do trabalhador na entidade devedora pode ser entendida como a que é legalmente reconhecida ao trabalhador, incluindo a referente a trabalho em outras entidades, mas que lhe é reconhecida relativa na empresa por força de acordo colectivo de trabalho, ou de portaria de extensão, ou de contrato individual de trabalho. ( [5] )

          Porém, como diz a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, uma interpretação deste tipo implicaria a inconstitucionalidade formal daquela alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRC, pois reconduzir-se-ia a reconhecer a relevância de actos de natureza não legislativa para integrar um conceito que, por força da CRP, está subordinado à reserva de lei formal.

          Na verdade, aquela alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS, constitui uma delimitação negativa de incidência de IRS e as normas que definem a incidência dos impostos só são constitucionalmente válidas se forem inseridas em lei formal ou decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa da Assembleia da República, como resulta do preceituado nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), e 198.º, n.º 1 alínea b), da CRP.

          E, por força do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».

          Por isso, a alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRC, será inconstitucional se interpretada como atribuindo a actos contratos individuais ou a actos de normativos de natureza não legislativa (como são os acordos colectivos de trabalho e as portarias de extensão) o poder de definirem a amplitude da delimitação da incidência do IRS.

          Se se entender que o artigo 11.º, n.º 2, da LGT assegura a possibilidade que fazer apelo a normas de natureza não legislativa para definir o âmbito da incidência de IRS, nessa interpretação, será materialmente inconstitucional, por ser incompaginável com o artigo 112.º n.º 5 da CRP. A referência a «nenhuma lei» que consta desta norma constitucional, abrange a LGT.

 

          Consequentemente, a interpretação constitucionalmente admissível desta norma é a que lhe atribui um alcance preciso, não modificável por actos normativos ou acordos individuais, que é o de se reportar à antiguidade na «entidade devedora», à semelhança do que sucede com o «exercício de funções».

          Aliás, é também esta a interpretação mais congruente e que assegura o princípio constitucionalmente da igualdade (artigo 13.º da CRP), pois a este nível de tributação em IRS de indemnizações devidas por cessação de actividade numa empresa, não se vêem razões que justifiquem que sejam aplicados regimes diferentes em função da natureza do serviço prestado.

          Com efeito, em qualquer dos casos valem as razões que podem justificar esta delimitação negativa de incidência que são «atender ao facto de que o montante indemnizatório será necessário ao trabalhador para assegurar a sua subsistência durante o período de desemprego que, na maioria dos casos, se seguirá» e ter «em conta que o recebimento de tal soma, em geral relativamente avultada, terá um efeito disparador sobre a taxa do imposto: o rendimento obtido nesse ano será excepcionalmente elevado, pelo que resultará tributado a taxas elevadas dada a progressividade do tributo» ( [6] ).

          Por outro lado, ainda na perspectiva do princípio da igualdade, não se vê razão que justifique distinguir, para efeitos de tributação em IRS de trabalhadores que recebem indemnizações por cessão de contratos de trabalho, entre aqueles que estão sindicalizados em sindicatos que celebraram convenções colectivas de trabalho e aqueles que não estão sindicalizados ou que estão sindicalizados em sindicatos que não celebraram essas convenções.

          Designadamente, não se demonstra haver tratamento discriminatório injustificado nas situações que a Requerente refere como gerando-se discriminação inconstitucional, de «dois trabalhadores com o mesmo salário que tenham recebido o mesmo valor de 100 000 € a título de indemnização por cessação do contrato de trabalho, após uma carreira laboral de 20 anos, podem ter dois tratamentos completamente diferentes» e se um «trabalhou ininterruptamente durante 20 anos na mesma empresa» e outro «trabalhou 10 anos junto de uma entidade patronal, depois saiu dessa empresa sem indemnização, e voltou imediatamente a ter outra entidade patronal no mesmo setor de atividade e exercendo as mesmas funções durante mais 10 anos (ou seja, tendo no total 20 anos de atividade), apenas pode beneficiar da isenção calculada em função de uma antiguidade de 10 anos».

          Na verdade, a delimitação negativa de incidência pode ser aplicada a mais que uma indemnização por cessação do vínculo laboral os trabalhadores, desde que entre as múltiplas aplicações decorram cinco anos, como se prevê no n.º 7 do artigo 2.º do CIRS ( [7] ), pelo que, na situação descrita pela Requerente, o trabalhador que viu cessado o primeiro vínculo laboral ao fim de 10 anos poderia usufruir do regime em causa repetindo a aplicação do regime quando cessasse o segundo vínculo laboral de 10 anos. Por outro lado, se na primeira cessação do vínculo laboral o trabalhador não teve direito a indemnização, não há justificação para que esse período de trabalho, que não conferiu direito a indemnização, seja recuperado para efeitos da tributação de indemnização relativa a cessação de um distinto vínculo laboral posterior.

          Aliás, sob esta perspectiva do princípio da igualdade, em face da referida possibilidade de repetição da aplicação do regime de decorre do no n.º 7 do artigo 2.º do CIRS, é a tese da Requerente que poderia conduzir a uma discriminação positiva injustificada do trabalhador que cessasse mais que uma vez vínculos laborais com indemnizações distanciadas cinco ou mais anos. Com efeito, aplicando o entendimento da Requerente, a mesma antiguidade que foi valorada para efeito de aplicação do regime na primeira cessação do vínculo poderia ser reutilizada várias vezes para delimitação negativa do IRS, sendo, na última utilização, considerada toda a antiguidade desde o primeiro vínculo. ( [8] )

          Por isso, aquela alínea b) do n.º 4 do artigo 2.º do CIRS seria materialmente inconstitucional, por violação daquele artigo 13.º da CRP, se interpretada como fazendo depender a delimitação negativa de incidência do IRS aí prevista da aplicabilidade ao trabalhador de regras previstas em acordos colectivos de trabalho ou em contratos individuais.

          Pelo exposto, conclui-se que a interpretação desta norma do CIRS compaginável com a Constituição é a que foi feita pela Autoridade Tributária e Aduaneira e está subjacente a liquidação impugnada, de que, para todos os trabalhadores, a antiguidade a atender é a antiguidade na entidade devedora da indemnização, à semelhança do que sucede com os gestores.

          Conclui-se, assim, que a liquidação impugnada não enferma da ilegalidade que a Requerente lhe imputa.

 

 

          3.3. Juros compensatórios

 

          A liquidação de juros compensatórios tem por base a liquidação de IRS (artigo 35.º, n.º 8, da LGT), pelo que, não enferma do vício que a Requerente lhe imputa como reflexo da ilegalidade da liquidação de IRS.

          No entanto, a Requerente imputa vícios próprios à liquidação de juros compensatórios, designadamente, em suma, a não existência de um nexo subjectivo de imputação do retardamento da liquidação ao contribuinte, a título de culpa.

          Como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23-09-1998, e é jurisprudência pacífica ( [9] ):  

 

«Os juros compensatórios destinam-se a compensar ou indemnizar o credor tributário pelo prejuízo presumivelmente sofrido com o atraso da entrada do imposto na sua esfera patrimonial.

     A responsabilidade pelo pagamento de juros compensatórios depende existência de uma dívida de imposto, da existência de um atraso na efectivação de uma liquidação de imposto, e da imputabilidade deste atraso actuação do contribuinte.

     Esta imputabilidade reclama a existência de nexo de causalidade entre a actuação do contribuinte e o retardamento referido e a possibilidade de formulação de um juízo de censura à actuação do contribuinte (culpa)».

 

          No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não imputa à Requerente factos que sejam suporte de um juízo de censura.

          Por outro lado, a solução da questão do âmbito da delimitação negativa de incidência de IRS não é clara, à face da letra da lei, nem há jurisprudência consolidada no sentido defendido pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que não pode merecer um juízo de censura o mero facto de a Requerente defender a interpretação da lei que entende adequada.

          Pelo exposto, não há fundamento para a liquidação de juros compensatórios.

 

 

4. Reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios

 

A Requerente pagou a quantia liquidada e pede o reembolso da quantia paga, acrescida de juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, bem como o reembolso da quantia paga, que é a base de cálculo dos juros.

Cumpre, assim, apreciar o pedido de reembolso do montante indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

No caso em apreço, improcedendo o pedido de pronúncia arbitral quanto à liquidação de IRS, o respectivo pagamento não é indevido, pelo que a Requerente não tem direito a reembolso da quantia respectiva nem a juros indemnizatórios.

No entanto, no que concerne aos juros compensatórios, sendo ilegal a liquidação, a Requerente pagou indevidamente a quantia respectiva, de € 20.454,00, pelo que tem direito ao respectivo reembolso, acrescido de juros indemnizatórios.

Na verdade, por força dos referidos arts. 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, o reembolso é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante que for reembolsado.

Os juros indemnizatórios serão pagos desde a data em que a Requerente efectuou o pagamento (25-07-2017) até ao integral pagamento do montante que deve ser reembolsado, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, do artigo 61.º do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

 

5. Decisão

 

Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

 

  1. Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à parte da Liquidação n.º 2017… e Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017…, que se referem à liquidação do IRS, e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido na parte respectiva;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto às partes da Liquidação n.º 2017… e da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2017… que se reportam aos juros compensatórios e anular essa liquidação e demonstração nas partes respectivas;
  3.  Julgar parcialmente procedente o pedido de reembolso, quanto à quantia de € 20.454,00 relativa a juros compensatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar à Requerente esse montante;
  4. Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios quanto à parte que se refere à liquidação de juros compensatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar aqueles juros indemnizatórios, calculados sobre a quantia de € 20.454,00, desde 25-07-2017 até reembolso desta quantia.

 

 

 

6. Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 226.007,76.

 

 

 

7. Custas

 

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.284,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente na percentagem de 90,95% e a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira na percentagem de 9,05%.

 

 

Lisboa, 16-03-2018

 

Os Árbitros

 

 

 

 

 

(Jorge Manuel Lopes de Sousa)

 

 

 

(Regina de Almeida Monteiro)

 

 

 

 

(Ana Teixeira de Sousa)

(com a declaração de voto anexa)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

 

Concordo com a decisão do Tribunal Arbitral de julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral mas não com parte da fundamentação.

Sem prejuízo do devido respeito, que é muito, pela fundamentação apresentada, voto no sentido da improcedência do pedido arbitral com base na seguinte fundamentação.

 O nº 4 do art. 2º do Código do IRS refere que, para calcular a parcela excluída da indemnização por cessação do contrato de trabalho, deveremos atender à “antiguidade ou exercício de funções na entidade devedora”.

A disposição legal em causa fala em “número de anos ou fracção de antiguidade ou de exercício de funções na entidade devedora…”.

Parece ter havido, efectivamente, a necessidade de uma previsão legal normativa mais abrangente uma vez que a norma que define os rendimentos do trabalho dependente inclui também, na sua previsão, uma multiplicidade de situações diversas e de âmbito mais ou menos alargado.

Não tendo o legislador fiscal definido para este efeito, o conceito de antiguidade do trabalhador, o intérprete e aplicador deve socorrer-se do conteúdo desse conceito tal como vigora no direito laboral, sabido que constitui doutrina corrente (actualmente consagrada no artº.11, da L.G.T.) que sempre que nas normas fiscais se empreguem termos próprios de outros ramos do direito, devem os mesmo ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm,  salvo se outro decorrer directamente da lei.

 Efectivamente, não resultando da norma sob exame (cfr.artº.2, nº.4, do C.I.R.S.) que o conceito de antiguidade se refira restritamente ao tempo de serviço na entidade devedora da compensação pela cessação do contrato de trabalho,  a noção de antiguidade oriunda do direito laboral deve ser aceite para o cálculo da importância sujeita a tributação em sede de I.R.S. (cfr.ac.T.C.A.Sul, 11/5/2004, proc.6002/01; ac. T.C.A. Sul, 21/9/2010, proc.3748/10).  Existe já igualmente jurisprudência bastante dos tribunais judiciais e dos tribunais arbitrais nesta matéria. Ora, precisamente esta jurisprudência tem aceite, na maioria dos casos e com fundamento no percurso que de seguida se fará, que o conceito de antiguidade se deve reportar àquilo que decorre dos conceitos utilizados pelo Código do Trabalho, aceitando incluir os anteriores vínculos laborais desde que estes tenham ocorrido na mesma atividade e existam Acordos Coletivos de Trabalho (ACT) nesse sentido.

Acompanhando a jurisprudência tributária fixada no Processo nº 616/2015-T sabemos que é normal as normas tributárias fazerem uso de termos e conceitos próprios de outros ramos de Direito, nomeadamente do Direito Administrativo, Laboral ou Civil, como “renda”, “transmissão” ou “salário”. Nestes casos, o artigo 11.º, n.º 2 da LGT determina que tais conceitos devem ser interpretados no sentido idêntico ao que têm nos seus ramos de origem, excepto se outro decorrer directamente da lei tributária.

 

Devemos salientar que estes conceitos mantêm muitas vezes o seu sentido originário, embora “não sejam menos numerosos os casos em que esses conceitos ganham outro sentido quando empregues pelo legislador fiscal” conforme salienta SÉRGIO VASQUES  em “Manual de Direito Fiscal”, referindo designadamente os conceitos de transmissão de bens e de prestações de serviços no CIVA.

 

Ora, não há dúvida que a “antiguidade” constitui um conceito com origem no Direito do Trabalho, e também não há dúvida que o legislador fiscal não conferiu a este conceito um recorte próprio. Assim, este conceito deve ser interpretado no mesmo sentido daquele que tem no direito laboral, na medida em que o legislador fiscal não o definiu para efeitos de tributação em sede de IRS, não decorrendo, insista-se, expressamente da lei fiscal nenhum sentido diverso.

 

O actual Código do Trabalho aprovado pelo art.º 1.º da Lei n.º 7/2009 de 12/02/2009 (CT), coloca em primeiro lugar, os instrumentos de regulamentação colectiva, como as fontes do direito donde promanam, em primeira linha, as normas aplicáveis ao contrato de trabalho, e definindo as formas que estes podem assumir.  Desde logo o art. 1º do CT refere que o contrato de trabalho está sujeito, em especial, aos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé.  Esta é também a doutrina que decorre concomitantemente do art. 3º do CT  “Relações entre fontes de regulação”  do qual sai reforçada uma força normativa diferenciada e mais  vinculativa dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho face ao contrato individual de trabalho, como fonte de direitos e obrigações laborais.

 

É verdade que o CT não apresenta ele próprio uma noção especialmente recortada e balizada daquilo que se deve entender como antiguidade. Não obstante, diversas disposições de direito laboral preveem um conceito amplo de antiguidade ao permitir que seja tomado em linha de conta o tempo de serviço e a categoria já alcançados noutras entidades patronais, de forma a que o colaborador não seja prejudicado na antiguidade adquirida, pois que tal não é proibido nem pela lei (cfr.v.g.artºs.129, nº.1, al.j), e 396, do Código do Trabalho) nem pelos princípios da boa fé, sendo uma prática atendida em alguns Instrumentos de Regulamentação Colectiva de Trabalho e nos usos da profissão do trabalho e das empresas.

 

 E diversas vicissitudes do contrato de trabalho, nomeadamente a cedência ou  transferência temporária de entidade patronal ou outras que provoquem uma suspensão do contrato de trabalho, não afectam a antiguidade do trabalhador na empresa, conceito que aqui nos importará.

 

Veja-se, a título exemplificativo o art. 295º nº 2 do Código do Trabalho que determina que: “

“ O tempo de redução ou suspensão conta-se para efeitos de antiguidade”.

 

E a própria Autoridade Tributária tem vindo a aceitar um conceito de antiguidade que extravasa o de “exercício de funções na entidade devedora” aceitação expressa em mais do que uma informação vinculativa, aceitando um conceito de “antiguidade” que vai para além do âmbito do nº 1, 4 e 10 do artigo 2º do CIRS, dando relevância fiscal específica a situações de reconhecimento de antiguidade decorrentes da aplicação das regras do Código do Trabalho.

 

Nesta sequência e encadeamento há igualmente que atender ao facto de que o conceito de “antiguidade” ou “tempo de serviço” se encontra especificamente regulado pelo instrumento de regulamentação colectiva do trabalho aplicável ao sector bancário.

 

Assim sendo, não se podendo extrair um conceito de antiguidade da Lei, isto é, do Código de Trabalho, teremos que analisar, no caso concreto, o Contrato Individual de Trabalho celebrado ou o Acordo Colectivo de Trabalho do sector bancário.

 

Do ACT do sector bancário resulta, por força da cláusula 17.ª, que a antiguidade do trabalhador, para todos os efeitos previstos no Acordo, será determinada pela contagem de todos os anos de serviço prestado em Portugal, nas Instituições de Crédito com actividade em território português.

 

No entanto, é de referir que resulta do artigo 2.º do ACT que o mesmo apenas obriga as Instituições de Crédito e as Sociedades Financeiras que o subscreverem e os trabalhadores ao seu serviço filiados nos Sindicatos dos Bancários do Centro, do Norte e do Sul e Ilhas, o que se verifica no presente caso quer para o Requerente quer para a sua entidade patronal D… .

 

Os instrumentos de regulamentação colectiva aplicáveis aos sector bancário são assim consistentes e mandatórios no que se refere à aplicação do conceito de antiguidade, que inclui sempre os anos de serviço em qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira subscritoras desse mesmo instrumento de regulamentação colectiva.

 

E não há aqui qualquer contradição entre uma relação formal e uma relação material uma vez que este regime de antiguidade é obrigatório e decorre da lei e do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho e serve precisamente para proteger o trabalhador e evitar abusos do ponto de vista das actuações das entidades patronais.

 

Já não me parece aceitável que esse conceito possa ser recortado por mero acordo entre as partes, quer através do clausulado do Contrato Individual de Trabalho quer através do Acordo de Revogação do Contrato de Trabalho.

 

Citando Filipe Fraústo da Silva e Cláudia Reis Duarte in ANOTAÇÃO AO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL SOBRE ANTIGUIDADE DO TRABALHADOR BANCÁRIO (para efeitos de cálculo do montante de compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação, nos termos do n.º 4 do art. 2.º do Código do IRS) Processo n.º 03748/10(1):

Afigura-se-nos que a antiguidade não se deve considerar, em si mesma, um direito subjectivo ou, melhor, objecto de qualquer direito subjectivo dos trabalhadores. Em consequência, parece não ser possível discutir a sua disponibilidade ou indisponibilidade (outra coisa será a disponibilidade ou indisponibilidade de direitos ou, até, de expectativas jurídicas ou, como se usa também, de direitos em formação, constituídos em resultado da contagem de certa antiguidade em determinada situação). Pela mesma razão, consideramos também inviáveis negócios jurídicos sobre a antiguidade: um trabalhador não pode, por exemplo, adquirir antiguidade alheia, nem pode alienar a própria, embora se admita que possa, perante o empregador, renunciar a expectativas ou a direitos nela fundados, pelo menos no momento da cessação do vínculo. A impossibilidade dos referidos negócios, mesmo se linguisticamente concebíveis, acarreta a sua nulidade, nos termos do art. 280.º do Código Civil.

 

Aqui chegada há que referir o seguinte para o processo de tomada de decisão

 

Não me parece que a norma fiscal não seja ou não possa ser compatível com a norma de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, cujo âmbito de aplicação e força vinculativa decorre da própria lei.  Efectivamente, este conceito de antiguidade utilizado no ACT da Banca é muito próprio e relevante e, quer a sua consideração quer a sua não consideração pela lei fiscal podem, efectivamente, conduzir a situações de desigualdade e injustiça bem como discriminação. A prática da Banca tem sido pagar estas indemnizações considerando o conceito juslaboral do IRCT e aplicando a norma fiscal decorrente desta consideração.

 

É certo que a norma fiscal em causa – art. 2º nº 4 do CIRS - não pretende assegurar que toda a quantia a que o trabalhador tenha direito por força da cessação do contrato de trabalho não seja tributada, mas pretende limitar de forma objectiva a não sujeição desses rendimentos a IRS.

 

Compreende-se a preocupação em assegurar que não haja trabalhadores prejudicados, em casos de mudança de entidade empregadora, sem que na cessação da relação laboral com a primeira entidade recebam qualquer compensação, que beneficiaria da não sujeição em questão. E que não haja trabalhadores injustificadamente beneficiados.

 

Todavia estas situações estão salvaguardadas pela Lei e pelo Código de Trabalho.

 

Ora, na situação objecto da presente decisão arbitral e do que se retira dos pontos 34. a 39. da PI entendo que o reconhecimento da antiguidade prevista na Cláusula 17ª do ACT para efeitos de pagamento de uma compensação por cessação do contrato de trabalho decorre exclusivamente de Cláusula do Contrato Individual de Trabalho e do Acordo de Revogação do mesmo e não da aplicação mandatória do ACT, neste particular.

 

Com efeito o Banco D… é outorgante do Acordo Coletivo de Trabalho do Setor Bancário (ACT), cuja última alteração foi publicada no BTE, 1.ª série, n.º 20, de 29 de maio de 2011.

 

No contrato de trabalho inicial celebrado com o Requerente, ficou regulado na Cláusula 7.ª (Antiguidade) o seguinte:

‹‹1. O Banco garante ao Segundo Outorgante B… a antiguidade decorrente da prestação de serviço a outras instituições de crédito, desde 14/10/1987 documentalmente provada, com as seguintes especificações:

a) Para efeitos do Fundo de Pensões do D…, o Primeiro Outorgante terá em consideração 0 tempo de serviço prestado a outras instituições de crédito, sendo o montante da pensão de reforma por invalidez presumível calculado de acordo com o regime previsto no ACTV dos bancários.

b) A parte de reforma correspondente ao tempo de serviço prestado pelo Segundo ao Primeiro Outorgante será calculada nos termos da Cláusula 6.ª do Plano de Pensões do D… .

c) O tempo de serviço prestado a outras instituições de Crédito anteriormente a assinatura do presente contrato não será tido em conta para o cálculo do número de diuturnidades»

 

Na Cláusula 12.º (Normas Aplicáveis) do Contrato de Trabalho ficou regulado o seguinte:

«No omisso aplica-se o ACTV para o Sector Bancário, com as ressalvas constantes no BTE, 1.ª Série, n.º 42 de 15.11.94 e a lei geral do trabalho»;

 

Compulsado o BTE 1ª série  nº 42 de 15/11/1994 refere-se que: “ Na contagem do tempo de serviço para quaisquer efeitos emergentes do ACT, o D… contará apenas o tempo de serviço prestado ao próprio Banco, acrescido eventualmente do tempo de serviço prestado a outras instituições ou empresas, mas, neste caso, desde que tal resulte de acordo individual entre o Banco e o trabalhador”.

 

No presente caso concluo que a contagem da antiguidade decorre estritamente de acordo individual e, pelas razões que já expus, entendo que a remissão para um conceito de antiguidade baseado unicamente num acordo individual entre entidade patronal e trabalhador vai para além da ratio da norma em causa pois o legislador não pode ter desenhado uma norma cuja aplicação em concreto possa fundamentar benefícios injustificados para trabalhadores, por força alterações convencionais (nomeadamente singulares ) ao conceito de antiguidade, aceitando um conceito que facilmente desembocaria em situações de violação do principio da igualdade e  não discriminação.  Neste caso estaremos nitidamente numa zona de inconstitucionalidade com as implicações descritas no Acórdão deste tribunal arbitral pelo que não pode proceder o pedido do Requerente.

 

Ana Teixeira de Sousa



[1] Acórdãos de 11-05-2004, processo n.º 06002/01; de 21-09-2010, processo n.º 03748/10; de 12-03-2013, processo n.º 05971/12.

[2] Acórdãos de 02-05-2016, processo n.º 616/2015-T; de 19-10-2017, processo n.º 126/2017-T; de 20-11-2017, processo n.º 308/2017-T.

[3]  Alterado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, pelo Decreto-Lei n.º 8/2012, de 18 de Janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de Julho.

[4]  Neste sentido, ANTÓNIO MONTEIRO FERNANDES, Noções Fundamentais de Direito do Trabalho, 2.ª edição, 1976, página 80, acompanhado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-10-2009, proferido no processo n.º 614/06.5TTBCL.S1.

É esse o sentido com a que a expressão antiguidade é normalmente entendida, quando não é utilizada qualquer expressão que especifique que se trata de outro tipo de antiguidade, como referem FILIPE FRAÚSTO DA SILVA e CLÁUDIA REIS DUARTE em Anotação ao Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul sobre antiguidade do trabalhador bancário (para efeitos de cálculo do montante de compensação por cessação do contrato de trabalho não sujeito a tributação, nos termos do n.º 4 do artigo 2.º do Código do IRS), publicado na Revista da Ordem dos Advogados, n.º 1, 2012, página 440.

[5]  A antiguidade na entidade devedora não coincide com o tempo de exercício de funções, desde logo porque há períodos em que não é prestado trabalho, mas que contam para a antiguidade (como sucede, entre várias outras situações, com os períodos de greve e as licenças no âmbito da parentalidade).

[6]  Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 31-05-2017, processo n.º 0801/16, na esteira de RUI DUARTE MORAIS, Sobre o IRS, 3ª ed. Almedina, páginas 54/55.

[7]  Limite este que perceptivelmente tem em vista evitar situações de abuso.

[8]  Isto é, por exemplo, um trabalhador que mudasse de empresa a cada cinco anos num período de 40 anos, poderia usufruir da delimitação negativa de incidência de IRS 8 vezes, valorando para o seu cálculo 180 anos de antiguidade no total (5+10+15+20+25+30+35+40 = 180), enquanto o trabalhador que trabalhou o mesmo tempo total na mesma empresa apenas veria ser relevante 40 anos de antiguidade para o cálculo daquela delimitação negativa.

[9]  No mesmo sentido, entre muitos, podem ver-se os acórdãos os Supremo Tribunal Administrativo de 19-11-2008, processo n.º 0325/08; de 11-3-2009, processo n.º 0961/08; e de 22-1-2014, processo n.º 1490/13.