Decisão Arbitral
RELATÓRIO
1. A…, S.A., Pessoa Coletiva nº…, com sede na Rua …, nº…, …, …, na qualidade de sociedade incorporante da sociedade B… SGPS, S.A., Pessoa Coletiva nº…, com sede no lugar de…, nº … …, pertencente ao serviço de finanças de …, requereu, ao abrigo do disposto no artigo 10º do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20/01, a constituição do Tribunal Arbitral, em que é requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (a seguir, Requerida ou AT), relativamente ao Despacho que Indeferiu o Recurso Hierárquico, bem como, e consequentemente, os atos antecedentes, como seja a liquidação adicional de IRC, nº…, de Julho de 2013, relativa ao exercício de 2009.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 4-8-2017.
3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou como árbitro singular o Professor Doutor Jónatas Machado, que aceitou o encargo, a 17-10-2017.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Por força do preceituado na al. c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 9.11.2017.
Descrição dos factos
6. No requerimento de pronúncia arbitral, a A… (doravante designada por Requerente) veio requerer a anulação, com fundamento em ilegalidade, do Despacho do Subdiretor Geral, ao abrigo de Subdelegação de competências, de 19/05/2017, da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, Divisão de Administração, que Indeferiu o Recurso Hierárquico, n.º …2014… bem como do Despacho de indeferimento parcial expresso da Reclamação Graciosa n.º …2013…, de 7/4/2014, e da liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) nº… .
7. Desta resulta, após compensação, um valor a pagar de € 623.528,63, relativo ao exercício de 2009 (documento 2), consubstanciando uma correção à matéria coletável da Requerente no montante de € 201.239,41, passando esta de € 8.141.349,82, para € 8.342.589,23. Esta liquidação adicional foi emitida na sequência do Relatório de Fiscalização Tributária (doravante Relatório B…) elaborado no decurso da análise interna à declaração de rendimentos de IRC (Modelo 22) do Grupo de Sociedades. No caso sub judice, contesta-se a correção efetuada à matéria coletável do grupo de sociedades, decorrente da correção feita no montante de € 23.165,71, ao prejuízo fiscal declarado da sociedade C…, S.A. (C…), por custos escriturados (considerados para efeitos fiscais) e não dedutíveis para efeitos de apuramento do resultado fiscal (artigo 23º do CIRC).
8. Mais especificamente, a questão é circunscrita pelo Relatório de Fiscalização ao montante de € 18.985,23 escriturado em 2008 a título de custos e perdas financeiras. Em causa está, na perspetiva da Requerente, o facto de a liquidação de IRC reclamada e recorrida hierarquicamente padecer de erro sobre os pressupostos em torno do artigo 23.º do CIRC, devendo por isso ser anulada relativamente às correções impugnadas. Igualmente requerida foi a condenação da Autoridade Tributária ao pagamento da indemnização correspondente à garantia indevidamente prestada.
9. A AT, ao abrigo do disposto no art. 17.º do RJAT, juntou, em 18.12.2017, o processo administrativo e a sua Resposta ao pedido de pronúncia arbitral da Requerente, onde sustenta que o mesmo deve ser julgado improcedente, por não provado, o presente, mantendo-se na ordem jurídica os atos tributários impugnados e absolvendo-se, em conformidade, a Requerida do pedido.
Argumentos das partes
10. Os argumentos e contra-argumentos esgrimidos pelas partes dizem respeito, fundamentalmente, à interpretação e aplicação ao caso concreto, quanto ao período fiscal em causa, da norma então constante do artigo 23.º/1 do CIRC, onde se estabelecia o seguinte:
«Consideram-se gastos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (…).»
11. Para fundamentar a sua posição, alega a Requerente que a liquidação contestada padece de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, haja em vista que:
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Não cabe à Requerida controlar a gestão empresarial da Requerente;
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O artigo 23.º do CIRC não faz depender a dedução de custos da prévia existência de proveitos operacionais no exercício;
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A circunstância de a C… (cujo objeto social é a compra e venda de imóveis) não ter vendido os dois imóveis de que é proprietária não significa ausência de atividade, mas apenas que está a aguardar por condições de mercado mais favoráveis;
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Os empréstimos obtidos pela C… junto do seu acionista D… (€ 330.000,00 em 2001, € 490.000,00 em 2007 e € 150.000,00 em 2009), por via de contratos de suprimentos, destinaram-se, entre outros, a cobrir carências de tesouraria e a dotá-la dos meios financeiros necessários ao normal desenvolvimento da sua atividade, nomeadamente o pagamento de: juros relacionados com os empréstimos, Imposto Municipal Sobre Imóveis (“IMI”), fornecedores e serviços de auditoria, de contabilidade e de publicidade;
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A C… apresenta uma média anual de prejuízos no valor de € 23.245,00;
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Não existe, concluindo, uma desproporção entre os custos operacionais e os empréstimos obtidos.
12. Em sentido contrário, a argumentação desenvolvida pela Requerida assenta nos seguintes tópicos:
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No artigo 23º do CIRC o legislador fiscal não estabeleceu uma correspondência absoluta entre, por um lado, os custos contabilísticos e, por outro, os custos fiscais, tendo antes adotado um modelo de dependência parcial que toma como ponto de referência as normas e o resultado contabilísticos, para o sujeitar a ajustes extracontabilísticos.
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A indispensabilidade não é aferida segundo uma relação causa-efeito entre custos e proveitos – a qual exigiria que só poderiam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais fosse possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos.
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A indispensabilidade deve ser aferida de maneira negativa, entendendo-se que não são indispensáveis os custos que não tenham relação causal e justificada com a atividade produtiva da empresa.
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A Requerida poderá desconsiderar os gastos declarados pelos sujeitos passivos se e quando resultar do seu controlo inspetivo que os custos (efetivos) não têm a potencialidade de gerar incremento dos ganhos, independentemente do resultado (positivo ou negativo) que eles proporcionaram.
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À luz das regras da experiência, há uma manifesta desproporção entre as quantias mutuadas (€ 330.000,00 em 2001, € 490.000,00 em 2007 e € 150.000,00 em 2009) e os custos operacionais incorridos, sendo igualmente relevante o não pagamento de vencimentos a colaboradores e o baixo montante do IMI pago em 2007, 2008 e 2009, que nunca chega aos 6 000 €.
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Os empréstimos contraídos são manifestamente excessivos relativamente às necessidades de financiamento exigíveis pelo normal desenvolvimento da atividade de uma empresa que só tem 2 imóveis para venda e pretende apenas “manter as portas abertas”.
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Os empréstimos não foram empregues, por exemplo, na aquisição de outros imóveis (ou seja, tendo em vista a prossecução do respetivo objeto social), o que, de facto, seria um ato de gestão potencialmente apto a gerar eventuais ganhos numa futura alienação.
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Da desproporção entre as quantias mutuadas e os custos incorridos resulta claro que os gastos com os juros devidos pelos empréstimos não são adequados à estrutura produtiva da Requerente e à obtenção de lucros.
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O gasto contabilizado a título de juros de empréstimos obtidos, no montante de € 18.985,23, não deve ser por isso dedutível para efeitos de determinação do resultado fiscal do ano de 2009 porquanto o mesmo não é comprovadamente indispensável para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a IRC.
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A Requerente limita-se a divagar teoricamente sobre o artigo 23.º do CIRC e a fornecer justificações gerais e abstratas, sem concretizar minimamente a necessidade de contrair avultados empréstimos para a diminuta atividade desenvolvida e sem justificar a potencialidade associada à enorme massa monetária disponibilidade.
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A Requerente não cumpre o ónus da prova reconhecido e afirmado pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido a 2004-11-30 no âmbito do processo n.º 07375/02, segundo o qual:
«No que respeita à qualificação das verbas contabilizadas como custos dedutíveis, cabe ao contribuinte o ónus da prova da sua indispensabilidade para a obtenção dos proveitos ou para a manutenção da força produtora, se a AT questionar fundadamente essa indispensabilidade.»
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Não se afigura suficiente apontar para uma média anual de prejuízos no valor de € 23.245,00 para justificar a contração de avultados empréstimos para fazer face a prejuízos ao longo de 14 anos, já que isso sugere que quando a empresa avaliou a decisão de contrair esses empréstimos já sabia de antemão que na realidade não pretendia verdadeiramente desenvolver a sua atividade, mas tão-somente manter-se de “portas abertas”.
Reunião arbitral do artigo 18º do RJAT
13. No dia teve 22 de janeiro de 2018 teve lugar, na sede do CAAD, a reunião arbitral prevista no artigo 18º do RJAT, presidida pelo árbitro designado e secretariada pelo Dr. António Fontoura de Oliveira, Jurista do CAAD, tendo sido lavrada competente ata que consta dos autos. Sob compromisso de honra, foram ouvidos os depoimentos das quatro testemunhas arroladas pela Requerente, tendo as mesmas sido sujeitas a inquirição pela Dra. E…, Mandatária da Requerente, e pelos Dr. F… e Dr. G…, Juristas em representação da Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira. A saber, H…, atual administrador da Holding e de quase todas as sociedades do grupo, I…, contabilista certificado da C…, J…, diretor financeiro do grupo B… e K… (inquirido via Skype), que prestou serviços ao grupo B… .
Alegações finais
14. Nas suas alegações, a Requerente sintetizou o depoimento das testemunhas e reiterou as razões de direito apresentadas na petição inicial.
15. A Requerida manteve sem reservas tudo o que alegou na resposta oportunamente apresentada tendo, além disso, sustentado que em caso de vencimento da causa, o pedido de anulação deduzido pela Requerente nunca poderá redundar numa anulação total da liquidação sub judice, mas, quando muito, numa anulação parcial da liquidação aqui em causa. Sublinhou a Requerida que todo o pedido de pronúncia arbitral se encontra centrado na discussão da correção efetuada pela Requerida ao sujeito passivo C…, S.A. (“C…”), no valor de € 23.165,71 (cfr. artigos 11.º e ss. da p.i.), mais concretamente, na desconsideração dos gastos contabilizados a título de juros de empréstimos no montante de € 18.985,23 – valor atribuído ao próprio pedido de pronúncia arbitral, pese embora afetar a liquidação apenas no montante de € 5.384,11 (conforme simulação junta aos autos em 2-2-2018).
SANEAMENTO
16. Não foram invocadas exceções.
17. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (arts. 5.º, n.ºs 1 e 3, al. a), 6.º, n.º 2, al. a) e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT)
18. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.
19. O processo não enferma de nulidades nem foram invocadas exceções, podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.
20. Competindo ao juiz fixar o valor da causa, sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, o saneamento do processo afigura-se adequado para o efeito, nos termos do artigo 306º/1/2 do CPC, ex vi artigo 29º n.º 1 alínea e) do RJAT. Resulta da alínea a) do n.º 1 do artigo 97º - A do Código de Procedimento e Processo Tributário, sob a epígrafe do valor da causa, que o valor atendível quando seja impugnada a liquidação é o da importância cuja anulação se pretende. Ora, embora esteja em discussão a desconsideração dos gastos contabilizados a título de juros de empréstimos, pela sociedade C…, no montante de € 18.985,23 – valor atribuído ao pedido de pronúncia arbitral pela Requerente – a verdade é que o mesmo só afeta o valor da liquidação cuja anulação se requer em € 5.384,11, sendo este último quantitativo correspondente ao benefício económico a obter com a procedência da presente ação. Porque assim é, o valor da causa e fixado em € 5.384,11.
FUNDAMENTAÇÃO
Factos dados como provados
21. Com base nos documentos 1 a 9 trazidos aos autos e nos depoimentos das testemunhas, e sem prejuízo de outros factos acessórios com eles relacionados constantes dos autos, são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:
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A sociedade Requerente -A…, S.A. – no decurso de um processo de fusão por incorporação, incorporou a sociedade B… Holding SGPS, S.A., sendo sociedade dominante do grupo.
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A sociedade C… foi constituída em 1995, sendo detida a 100% pela D… .
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Em 2007 a sociedade C… tinha no seu ativo dois imóveis, o prédio urbano nº … e o prédio urbano nº…, ambos localizados na freguesia de …, Porto.
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O prédio urbano nº … foi adquirido por entrada em espécie em 1995 (€ 712.216,53) e o prédio nº … foi adquirido por compra e venda, em 1996, pelo valor de € 36.670,16.
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A Administração da C… tomou a decisão de gestão de só vender os lotes quando surgir um investidor interessado em oferecer o preço que a mesma considera ser o devido, em termos de valor de mercado (cfr. depoimento da testemunha H…).
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Apesar de diligenciar nesse sentido, até 2009 a C… ainda não havia alienado nenhum dos lotes de que era proprietária, situação que se mantém atualmente (cfr. depoimento da testemunha H…).
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Desde a data da sua constituição que a sociedade C… não gerava rendimentos ou receitas, embora suportasse os custos são necessários à manutenção da sua atividade o que a conduziu a uma situação deficitária.
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Entre esses custos encontram-se os necessários à aquisição do prédio urbano … em 1996, e os relacionados com o IMI, os serviços de contabilidade e auditoria, as avaliações dos imóveis e a promoção imobiliária (cfr. depoimento das testemunhas H…, I… e J…).
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A C…, contraiu empréstimos junto do seu acionista, a D…, mediante contratos de suprimentos de médio/longo prazo, no valor de € 330.000,00 em 2001 e € 490.000,00 em 2007.
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O empréstimo no valor de € 330.000,00 deveria ser reembolsado na íntegra em 366 dias, tendo, porém, sido prorrogado automaticamente por períodos iguais e sucessivos conforme previsto no contrato de suprimento, tendo sido amortizado em 2007.
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O empréstimo contraído em 2007, no valor de € 490.000,00 foi utilizado para a amortização do empréstimo de € 330 000,00 contraído em 2001, e para pagar o descoberto bancário acumulado, no valor de €130 500,00
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O valor em dívida em 2009 era de €410 000,00 tendo sido contraído um novo empréstimo no valor de € 150.000,00 nesse mesmo ano.
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A C… apresenta uma média anual de prejuízos no valor de € 23.245,00.
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A C… não procedeu ao pagamento de vencimentos a colaboradores (Documento 1).
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Os montantes de IMI exigidos foram de € 5.774,55, em 2007, € 5.052,73, em 2008 e € 5.242,21, em 2009 (Documentos 2,3, e 4).
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A Requerente prestou garantia bancária até ao limite de € 793 760.91 (Doc.3).
Factos não provados
22. Com relevo para a decisão sobre o mérito não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados, sem prejuízo de não terem sido provados gastos incorridos na prestação de garantia bancária.
Motivação
23. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
24. Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
25. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta aos autos, conjugada com a prova testemunhal produzida, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Questão decidenda
26. A questão a decidir prende-se com a correção efetuada pela AT ao sujeito passivo C…, S.A. (C…), no valor de € 23.165,71, mais concretamente, com a desconsideração dos gastos contabilizados a título de juros de empréstimos no montante de € 18.985,23 – valor atribuído ao próprio pedido de pronúncia arbitral. É este o âmbito do thema decidendum e é naturalmente sobre ele que recairá a decisão final. O mesmo remete para a interpretação e aplicação, à data do período fiscal aqui em causa, da norma constante do artigo 23.º/1 do CIRC, onde se estabelecia o seguinte:
«Consideram-se gastos os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora (…).»
27. Conhecidas que são as posições, a este propósito, manifestadas pela Requerente e pela Requerida, deve sublinhar-se que este preceito deve ser interpretado e aplicado no quadro da lógica jurídica e económica subjacente ao IRC. Trata-se aqui de um imposto sobre os lucros, isto é, sobre o lucro líquido e não sobre as receitas brutas, pelo que as despesas ligadas à geração de rendimento tributável devem ser deduzidas para calcular o lucro líquido que deve ser tributado. Vale aqui o princípio geral de que, relativamente a cada fonte de rendimento, se deduzem os custos incorridos para a sua obtenção.
28. Do teor literal do artigo 23º/1 do CIRC depreende-se claramente que para que um custo seja fiscalmente dedutível é necessário que se esteja diante de gastos efetivos. Este ponto afigura-se incontroverso não estando sequer em discussão. Decorre igualmente do preceito em análise que não é absolutamente necessário que os gastos sejam comprovadamente indispensáveis para a realização de rendimentos sujeitos a imposto. A dedutibilidade também se verifica se os gastos forem comprovadamente indispensáveis para a manutenção da fonte produtora.
29. Daqui resulta uma importante consequência para a decisão do caso concreto: implicado na redação dada ao artigo 23º/1 do CIRC está o entendimento segundo o qual a dedução dos juros dos empréstimos contraídos pela C… não pode prescindir de uma análise da utilização do crédito obtido no quadro da respetiva atividade económica. Assim é, atendendo à ratio legis deste tipo de preceitos, ligada, nomeadamente, aos princípios da separação entre sociedade e sócios (e administradores) e da preservação da base tributária, ambos intimamente relacionados.
30. A garantia destes dois princípios exige a verificação, por parta da AT, da presença de um fundamento empresarial e económico racional e objetivo para as transações e uma atenção redobrada perante a deteção de qualquer desvio significativo relativamente ao padrão das transações habituais. Esta verificação é relevante para efeitos da ilisão da presunção de verdade e boa-fé das declarações dos dados e apuramentos inscritos na contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, a que se refere o artigo 75º/1 da LGT, num quadro de cooperação entre a AT e o contribuinte[1]. Em matéria de distribuição do ónus da prova, pode dizer-se que o contribuinte tem o ónus da produção da informação contabilística adequada, ao passo que a AT tem o ónus da persuasão de que as transações contabilizadas não têm fundamento económico objetivo[2]. Diante daquela presunção de verdade e boa-fé, e como resulta do artigo 74º/1 da LGT, caberá à AT o ónus da prova de qualquer facto constitutivo de quaisquer direitos que lhe possam assistir[3].
31. O STA[4] tem sustentado que “é à Administração Tributária que cabe o ónus da prova dos pressupostos do seu direito a proceder às correções, demonstrando a factualidade que a levou a desconsiderar um custo contabilizado ou a alterar o seu valor, factualidade essa que tem de ser suscetível de abalar a presunção de veracidade das operações constantes da escrita do contribuinte e dos respetivos documentos de suporte, atento o princípio da declaração e da veracidade da escrita vigente no nosso direito (artigo 75.º da LGT e artigo 78.º do CPT), só então passando a competir ao contribuinte o ónus de prova de que esses custos são fiscalmente relevantes, isto é, que foram realmente suportados e que eram indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.”
32. As normas fiscais pretendem harmonizar o normal desenvolvimento da atividade industrial, comercial e agrícola, de acordo com os padrões e critérios geralmente aceites de normalidade e racionalidade económica, com o objetivo constitucional e legal de preservação da base tributária. Se a AT detetar um desvio significativo relativamente ao padrão de normalidade e habitualidade dos gastos deduzidos, tem o dever de questionar esses gastos, passando então para o contribuinte o ónus de demonstrar, com base num critério de preponderância da prova (ónus de persuasão)[5], a verificação dos pressupostos de indispensabilidade dos mesmos, nos termos do artigo 23º do CIRC. Neste sentido, esteve bem a AT ao escrutinar as transações em causa, embora não tenha sido lograda na demonstração do bem fundado das conclusões a que chegou.
33. A interpretação teleológica do artigo 23º/1 do CIRC remete para a apreciação da substância económica dos contratos de suprimentos em presença[6]. E esta supõe necessariamente o reconhecimento, pelas instâncias jurisdicionais de controlo, de uma margem razoável de subjetividade e discricionariedade à AT. No entanto, essa discricionariedade é limitada, nos termos do artigo 55º da LGT e do artigo 266º/2 da CRP, estando sujeita, designadamente, aos princípios da legalidade, racionalidade, proporcionalidade em sentido amplo e segurança jurídica e proteção da confiança dos cidadãos[7]. A mesma está também fortemente condicionada pela justiça do caso concreto, atenta às respetivas particularidades e especificidades factuais.
34. Em abstrato, a ausência de substância económica das transações pode ser suficiente para impedir uma dedução quando a mesma não se conforme com princípios económicos e fiscais geralmente aceites pelo legislador[8]. Pode dar-se o caso de um gasto que reclama a dedutibilidade pretender ocultar uma distribuição de lucros ou um pagamento de salários. Nessa perspetiva puramente abstrata, o simples facto de o credor ser tributado pelo juro recebido ou de o juro poder ser visto como um rendimento negativo do devedor não significa que este possa automaticamente deduzir o juro pago ao credor[9]. A atenção dedicada pela AT a este tipo de transações é inteiramente justificada, do ponto de vista dos princípios da legalidade tributária. No entanto, a resposta à questão da dedutibilidade tem que ser necessariamente procurada e encontrada através de uma análise do caso concreto.
35. Em primeiro lugar, importa indagar se os juros pagos pela C… correspondem, à luz da formulação então constante do artigo 23º/1 do CIRC, a gastos comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto. Esta formulação aponta para a dedutibilidade dos gastos que tenham objetivamente uma ligação ordinária e normal com a atividade empresarial e a inerente produção de lucros tributáveis, de acordo com o princípio da tributação do lucro liquido (Nettoprinzip), consagrado no artigo 23º do CIRC, concretizador da tributação do rendimento real. Pretende-se saber se os gastos incorridos são, de acordo com as práticas empresariais consideradas normais, razoavelmente aptos ou adequados a gerar rendimentos tributáveis, mesmo que a final, por razões conjunturais de diversa índole, a sua realização acabe por não acontecer. Semelhante formulação aponta para o reconhecimento, ao empresário, de uma margem razoável de manobra na decisão sobre os gastos e incorrer, em função de circunstâncias cambiantes, podendo vir a ser dedutíveis como custos fiscais mesmo aqueles gastos que, em concreto, se venham a revelar mal sucedidos e improdutivos.
36. Essa margem de manobra não é ilimitada – nomeadamente à luz dos princípios da separação entre sociedade e sócios e da preservação da base tributária – não abrangendo despesas estranhas ao processo normal de realização de rendimentos sujeitos a imposto, de acordo com os critérios normais da atividade económica. Se fossem avaliados em abstrato e unicamente em função desta perspetiva, talvez não fosse imediatamente claro que os empréstimos obtidos pela C… por contratos de suprimentos pudessem ser considerados adequados e necessários para a obtenção de lucros à luz daquilo que corresponde ao exercício normal da atividade económica. Para além do ganho imediato da dedução dos juros, as transações em análise não criaram qualquer possibilidade razoável de obtenção imediata de lucros. Ou seja, os mesmos poderiam não ser considerados comprovadamente indispensáveis para a realização dos rendimentos sujeitos a imposto. Em todo o caso, caberia à AT tê-lo demonstrado, à luz do artigo 74º/1 da LGT.
37. Diferentemente se passam as coisas diante da indagação, que deve ser feita em segundo lugar, sobre se os juros pagos correspondem a gastos comprovadamente indispensáveis para a manutenção da fonte produtora, nos termos da formulação do artigo 23º/1 do CIRC. O teor literal deste preceito tem subjacente a noção, amplamente reconhecida pelo legislador fiscal, de que na vida das sociedades e dos grupos de sociedades comerciais existem vários tipos de operações, como sejam transformações, fusões, cisões ou liquidações, que, conquanto não gerem em si mesmas qualquer expectativa razoável de realização imediata de rendimentos sujeitos a imposto, ainda assim conservam todo o sentido comercial, do ponto de vista da racionalidade económica e da prossecução do interesse empresarial.
38. No caso dos contratos de suprimentos em presença, e dos juros a cujo pagamento deram lugar, o facto de os mesmos não gerarem em abstrato qualquer expectativa razoável de lucro não quer dizer que, em concreto, se mostram destituídos da racionalidade económica do ponto de vista da manutenção da fonte produtora. É claro que um juízo definitivo sobre essa racionalidade económica não poderá ser obtido unicamente por referência a uma orientação jurisprudencial[10] ou a doutrinas de natureza jurídico-fiscal, devendo antes ter em conta as especificidades factuais do caso concreto. São estas que, quando avaliadas sob o ponto de vista dos padrões normais da atividade económica e do critério do administrador ordeiro e consciencioso, permitirão distinguir, caso a caso, entre gastos incorridos no interesse coletivo da empresa e gastos incorridos no interesse individual de um sócio, de um grupo de sócios ou de terceiros[11].
39. A aferição da normalidade, adequação e necessidade económica de uma dada transação, do ponto de vista de uma sociedade comercial ou de um grupo de sociedades, depende largamente do contexto económico e financeiro em que a mesma é efetuada. Essa aferição não pode ser levada a cabo em abstrato ou num vácuo. Uma mesma transação pode não fazer qualquer sentido comercial num contexto de crescimento económico e ser inteiramente razoável, do ponto de vista empresarial, num quadro prolongado de depressão, recessão, retração ou deflação. Do mesmo modo, um débito do mesmo valor pode ser considerado absolutamente desnecessário, excessivo e desviante quando contraído por uma empresa sobrecapizalizada ou adequado, necessário e normal quando o devedor é uma empresa subcapitalizada. Em determinados quadros económicos, esbatem-se as linhas que distinguem o normal do anormal e o ordinário do extraordinário.
40. No caso concreto, por um lado, no cenário de crise económica e financeira vivido a partir do fim de 2007, facto a todos os títulos público e notório[12], as restrições ao crédito então experimentadas pelas empresas (tal como pelas famílias e pelo Estado), a que correspondia um custo acrescido, tornavam os empréstimos intragrupo uma opção empresarial de financiamento dotada de indiscutível racionalidade económica. Por outro lado, o significativo arrefecimento do mercado imobiliário dificultava consideravelmente a alienação dos imóveis a um preço justo e adequado[13]. Nesse contexto, quem, como a sociedade C…, detivesse ativos imobiliários para alienação e não tivesse necessidade absoluta de os vender a qualquer preço, faria melhor em esperar por um momento economicamente mais propício à transação, sob pena de ter que encaixar perdas significativas, previsivelmente maiores do que os gastos suportados (v.g. IMI) para a manutenção da fonte produtora dos rendimentos.
41. Isso implicaria, necessariamente, recorrer a financiamento externo para cobrir débitos existentes, incluindo o descoberto bancário acumulado, e despesas previsivelmente a realizar no futuro, designadamente as que pudessem resultar de uma espectável reavaliação dos imóveis. Foi exatamente isso que ocorreu. Em causa estava uma empresa que desde a sua constituição não apresentava qualquer proveito. O empréstimo contraído em 2007, no valor de € 490.000,00 foi utilizado para a amortização do empréstimo de € 330 000,00 contraído em 2001, e para pagar o descoberto bancário acumulado, tendo sido necessário um reforço de financiamento de € 150.000,00, em 2009.
42. Vistos neste quadro, os empréstimos contraídos pela C… não podem ser considerados excessivos ou desviantes do ponto de vista de uma gestão realista e prudente, atenta às circunstâncias concretas do presente e às incertezas do futuro. Do mesmo modo, os mesmos não foram utilizados para outros fins que não a satisfação das necessidades de financiamento da C… . Eles permitiram preservar a propriedade sobre os ativos imobiliários até ao momento em que os mesmos pudessem ser transacionados gerando mais-valias (tributáveis). Em qualquer dos casos, a AT não fez prova do contrário, não bastando alegar em abstrato que os empréstimos eram excessivos.
43. As especificidades factuais do caso concreto, encaradas de forma holística e contextual, permitem qualificar a conservação, pela sociedade C…, da propriedade de dois imóveis durante um período considerável de tempo como exercício efetivo de uma atividade económica e ao mesmo tempo ligar os contratos de suprimentos e essa mesma atividade e ao objeto social da C…, do ponto de vista do princípio da especialidade das pessoas coletivas. Ainda assim, tratava-se aí de uma operação de desfecho arriscado, considerando as incertezas que então ainda pairavam sobre a economia nacional.
44. A manutenção de ativos imobiliários em carteira durante um período considerável de tempo por parte de uma sociedade que recorre a financiamento e não está em condições de capitalizar os juros acaba inevitavelmente por gerar encargos financeiros anuais que poderiam vir a resultar numa tributação agravada, relativamente à capacidade contributiva gerada, tendo em conta os limites temporais dos reportes fiscais e a ausência de solidariedade total entre os exercícios. Também isso milita a favor da dedução de juros no caso concreto, já que a justificação deste tipo de deduções anda normalmente associada à assunção de um risco económico[14].
45. O efeito económico dos contratos de suprimentos consistiu, no caso concreto, não no facto de os mesmos serem no imediato potencialmente geradores de lucros, mas na circunstância de permitirem à C… conservar os seus ativos imobiliários e aguardar pela possível inversão da conjuntura económica e financeira então marcada por uma acentuada crise, contribuindo mediatamente para a obtenção de rendimentos no futuro. Neste sentido, as transações em causa ainda se deixam reconduzir àquilo que é o exercício normal da atividade económica de acordo com os padrões geralmente aceites, ainda que num quadro recessivo ou mesmo depressivo. Elas adequam-se à prossecução do interesse coletivo da sociedade, num quadro de luta pela superação de sérias dificuldades económicas encontradas. O conceito de indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora é suficientemente dúctil para abranger despesas ordinárias e extraordinárias em ciclos económicos de crescimento ou retração.
46. Uma análise das especificidades do caso concreto permite concluir que a dedução dos juros pagos pelos empréstimos contraídos pela C… está relacionada com o exercício efetivo de uma atividade económica. Dito de outro modo, os contratos de suprimentos em presença têm uma justificação económica do ponto de vista da sua indispensabilidade para a manutenção da fonte produtora, para efeitos do artigo 23º/1 do CIRC na redação então vigente. Se não fossem os suprimentos, a C… não teria os meios financeiros necessários para adquirir o segundo terreno, para cumprir com as suas obrigações fiscais e para satisfazer os seus compromissos para com os fornecedores, essenciais para a manutenção da sua atividade.
47. Igualmente relevante é o facto as sociedades mãe e filha, ambas residentes em Portugal, integrarem o mesmo grupo de sociedades para efeitos de tributação, estando subordinadas à inerente lógica de consolidação, nos termos do regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS)[15]. Não se está, portanto, diante do risco de planeamento fiscal abusivo através de mecanismos conhecidos no jogo de linguagem da fiscalidade internacional como thin capitalization ou hybrid mismatches (v.g. double deduction; deduction/no inclusion).
48.Os juros foram custo na C… e proveito na D…, que também faz parte do RETGS. A dedução dos pagamentos realizados pelo devedor não era seguida, do lado do credor, de uma nova dedução ou de uma não inclusão na matéria coletável. Em momento algum a AT demonstrou a existência de uma finalidade de obtenção de vantagem fiscal indevida ou de prossecução de outro interesse alheio à empresa[16] ou apresentou motivos que permitam concluir que os custos com os empréstimos foram incorridos na prossecução de um outro interesse que não o interesse empresarial da C…[17].
49. O único objetivo dos contratos de suprimentos em análise consistiu na obtenção de uma maior eficiência económica e financeira, não havendo qualquer vantagem fiscal. Pelo contrário, uma correção efetuada à sociedade C…, sem a correspondente correção à sociedade D…, criaria uma situação de dupla tributação, que não deixaria certamente de concitar princípios como capacidade contributiva, rendimento real, justiça, equidade, boa fé e coerência e não contradição da atuação estadual (non venire contra factum proprium).
50. No caso concreto os contratos de suprimentos servem uma indiscutível finalidade de natureza económica, sendo que esta não coexistiu sequer com objetivos puramente fiscais. Havendo uma inequívoca finalidade económica (business purpose)[18] e não tendo sido provada a existência de qualquer outra finalidade, de índole extra-societária ou de natureza fiscal, que se lhe sobreponha como primeira ou principal, não há razão objetiva para não aceitar a dedutibilidade dos juros pagos, nos termos do artigo 23º/1 do CIRC. Não se verifica aqui a concorrência entre finalidades económicas e fiscais que normalmente conduz à aplicação do teste do principal propósito da transação (principle purpose test - PPT).
A prestação de garantia bancária
51. A Requerente prestou garantia bancária, com o objetivo de suspender o processo executivo instaurado pela AT por não pagamento da liquidação impugnada. É hoje aceite pacificamente na jurisprudência arbitral do CAAD[19] que o processo de impugnação judicial abrange a possibilidade de condenação no pagamento de garantia indevida e é até, em princípio, o meio processual adequado para formular tal pedido, o que se justifica por evidentes razões de economia processual, pois o direito a indemnização por garantia indevida depende do que se decidir sobre a legalidade ou ilegalidade do ato de liquidação.
52. A indemnização total ou parcial do devedor que, para suspender a execução, ofereça garantia bancária ou equivalente, caso a tenha mantido por período superior a três anos encontra-se expressamente prevista no artigo 53º da LGT, embora em proporção do vencimento nos meios processuais que tenham como objeto a dívida garantida. No caso, concreto, é relevante o facto de o objeto do litígio dizer respeito unicamente à desconsideração de gastos no valor de € 18.985,23 e ter um impacto na liquidação de circunscrito a € 5.384,11,
53. Relativamente ao pedido de condenação no pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, o artigo 171.º do CPPT, estabelece que «a indemnização em caso de garantia bancária ou equivalente indevidamente prestada será requerida no processo em que seja controvertida a legalidade da dívida exequenda» e que «a indemnização deve ser solicitada na reclamação, impugnação ou recurso ou em caso de o seu fundamento ser superveniente no prazo de 30 dias após a sua ocorrência». O pedido de constituição do tribunal arbitral tem como consequência passar a ser no processo arbitral que vai ser discutida a «legalidade da dívida exequenda», pelo que, como resulta do teor expresso daquele n.º 1 do referido artigo 171.º do CPPT, é também o processo arbitral o adequado para apreciar o pedido de indemnização por garantia indevida.
54. A jurisprudência arbitral[20] sublinha que a cumulação de pedidos relativos ao mesmo ato tributário está implicitamente pressuposta no artigo 3.º do RJAT, ao falar em «cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos», o que deixa perceber que a cumulação de pedidos também é possível relativamente ao mesmo ato tributário e os pedidos de indemnização por juros indemnizatórios e de condenação por garantia indevida são suscetíveis de ser abrangidos por aquela fórmula, pelo que uma interpretação neste sentido tem, pelo menos, o mínimo de correspondência verbal exigido pelo n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil.
55. No caso em apreço, é manifesto que o erro do ato de liquidação, consubstanciado na desconsideração dos encargos financeiros relativos ao reembolso de suprimentos à D…, é imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois a inspeção tributária e a liquidação foram da sua iniciativa e a Requerente em nada contribuiu para que esse erro fosse praticado.
56. Por isso, a Requerente tem direito a indemnização pela garantia prestada.
57. No entanto, não foram alegados e provados os encargos que a Requerente suportou para prestar a garantia bancária, pelo que é inviável fixar aqui a indemnização a que a Requerente tem direito, o que só poderá ser efetuado em execução deste acórdão.
DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
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Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, declarar a ilegalidade do Despacho de Indeferimento do Recurso Hierárquico e da liquidação adicional de IRC, nº…, de julho de 2013, relativa ao exercício de 2009, objeto dos presentes autos, relativamente à parte em que são desconsiderados os gastos contabilizados pela C… a título de juros de empréstimos no valor de € 18.985,23.
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Condenar a Autoridade Tributária na indemnização por prestação de garantia indevida, no montante que se vier a fixar em execução de sentença;
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Condenar a Autoridade Tributária no pagamento das custas do processo.
Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 5.384,11, nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem a cargo da Requerida em € 612,00, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, nº 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.
Notifique-se.
Lisboa, 12 de março de 2018
O Árbitro
Jónatas Eduardo Mendes Machado
[1] Cfr. artigos 59º da LGT e 48º do CPPT.
[2] Cfr. David J. Herzig, “Something From Nothing: Taxing Assets Accurately”, Michigan State Law Review, 2011, 1057 ss., usando esta terminologia na repartição do ónus da prova entre o contribuinte e a administração fiscal.
[3] Cfr. Decisão Arbitral do Proc. 25/2013-T.
[4] Acórdão do STA de 28/09/2011, proferido no processo 0494/11.
[5] Herzig, Something From Nothing: Taxing Assets Accurately…, cit., 1057 ss.
[6] Cfr., artigo 11º/3 da LGT.
[7] Timothy R. Hicks, “Government Victories Using The Economic Substance Doctrine: A Changing of the Tide in Tax Practice?”, 28Cumberland Law Review, 2007-2008, 101 ss.
[8] Hicks, “Government Victories Using The Economic Substance Doctrine…, cit., 101 ss.
[9] Calvin H. Johnson, “Is An Interest Deduction Inevitable?”, 6 Virginia Tax Review, 1986, 123 ss., 151 ss. e 156 ss.
[10] Cfr. por exemplo, a orientação na decisão arbitral n.º 84/2014-T, do CAAD, cujo entendimento, embora inteiramente correto, não se aplica às especificidades fatuais do presente caso.
[11] Acórdão do STA de 29/3/2006, proferido no processo 01236/05, onde se lê: “A regra é que as despesas corretamente contabilizadas sejam custos fiscais; o critério da indispensabilidade foi criado pelo legislador, não para permitir à Administração intrometer-se na gestão da empresa, ditando como deve ela aplicar os seus meios, mas para impedir a consideração fiscal de gastos que, ainda que contabilizados como custos, não se inscrevem no âmbito da atividade da empresa, foram incorridos não para a sua prossecução mas para outros interesses alheios.” Mais adiante diz-se: Entendemos, pois, que são custos fiscalmente dedutíveis todas as despesas que se relacionem diretamente com o processo produtivo (para o nosso caso, não interessa considerar as de investimento), designadamente, com a aquisição de fatores de produção, como é o caso do trabalho. E que, sob pena de violação do princípio da capacidade contributiva, a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa.”
[12] Nos termos do artigo 5º/2/c) e 412º/1 do CPC, os factos notórios, como tais entendidos os factos de conhecimento geral, podem ser considerados pelo juiz e não carecem de alegação e prova.
[13] Cfr. Pedro Miguel Mendes, “A Evolução do Mercado Imobiliário Português”, E.E.F. Mercados Financeiros, Dezemnbro de 2014, 64 ss., 66, sublinhando que o Global House Prices Index, publicado trimestralmente pelo FMI, e o índice do Preço das Casas, atualizado mensalmente pelo Instituto Nacional de Estatística, davam conta de uma significativa tendência negativa a qual, tendo começado em 2008, se acentuou de forma prolongada a partir de 2010. No mesmo sentido, se pronunciavam os operadores do setor. No site do promotor Casa em Portugal, “Tendências do Mercado Imobiliário em Portugal”, pode ler-se: “Em 2008, os bancos portugueses deixaram de emprestar dinheiro para a aquisição de imóveis, e como resultado, o volume de transações caiu drasticamente (itálico nosso). Em consequência, os preços desceram, não por uma qualquer bolha especulativa (como ocorreu em Espanha, em que os preços tinham subido artificialmente), mas porque a procura interna sofreu um grande recuo (a maioria dos portugueses não consegue adquirir uma habitação sem recorrer a um empréstimo). Os preços continuaram a baixar até 2013, embora de forma menos drástica, visto que não houve necessidade de reajustamentos significativos.” In Casa em Portugal, http://www.casa-em-portugal.pt/conteudo/414605/29/tendencias-do-mercado-imobiliario-portugues, consultado em 8-2-2018.
[14] Leandra Lederman, “W(h)ither Economic Substance?”, 95 Iowa Law Review, 2010, 389 ss., 437 ss.
[15] Artigos 69º ss. do CIRC.
[16] Cfr. a propósito, a Decisão Arbitral no Processo 85/2014 T, do CAAD.
[17] Cfr. a formulação adotada na Decisão Arbitral do Proc. nº 322/2014-T.
[18] Cfr. Decisão Arbitral do Proc. nº 37/2016-T.
[19] Cfr. Decisão Arbitral do Proc. nº 1/2013-T.
[20] Decisão Arbitral do Proc. nº 85/2014-T.