Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 276/2017-T
Data da decisão: 2018-02-26  IRS  
Valor do pedido: € 12.045,77
Tema: IRS - qualificação de rendimentos – contrato de cessão de exploração turística.
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DECISÃO ARBITRAL

 

 

  1. RELATÓRIO

 

  1. A… e B…, contribuintes números … e …, respectivamente, residentes em …, …, Irlanda, doravante designados por Requerentes, apresentaram em 18/04/2017 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, no qual solicitam a anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) do ano de 2012 (2016…), 2013 (2016…) e 2014 (2016…), demonstrações de acertos de contas e juros compensatórios.

 

  1. O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) designou em 12/06/2017 como árbitro Francisco Nicolau Domingos.

 

  1. No dia 03/07/2017 ficou constituído o tribunal arbitral.

 

  1. Cumprindo a estatuição do art. 17.º, n.º 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) foi a Requerida em 03/07/2017 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e remeter o processo administrativo (PA).

 

  1. Em 20/09/2017 a Requerida apresentou resposta, na qual defende a improcedência integral dos pedidos formulados nos autos.

 

  1. Por despacho datado de 29/09/2017 os Requerentes foram convidados a indicar a matéria de facto sobre a qual pretendiam produzir a prova testemunhal requerida no pedido de pronúncia arbitral.

 

  1. Os Requerentes em 13/10/2017 vieram indicar a matéria de facto sobre a qual pretendiam produzir a prova testemunhal.

 

  1. Por despacho de 05/12/2017 o tribunal admitiu a produção de prova relativamente à matéria elencada nos artigos 17.º e 29.º do pedido de pronúncia arbitral e designou o dia 21/12/2017 para realizar a diligência processual.

 

  1. A mandatária dos Requerentes, com o prévio consentimento das juristas da Requerida, veio por requerimento datado de 13/12/2017 e com os fundamentos aí descritos solicitar o adiamento de tal diligência para os dias 10, 11 ou 12 Janeiro de 2018.

 

  1. O tribunal, por despacho datado de 17/12/2017, agendou para o dia 12/01/2018 a data para a realização da diligência e prorrogou por dois meses o prazo para proferir a decisão arbitral, com termo inicial a 4/01/2018.

 

  1. No dia 12/01/2018 foram ouvidas as testemunhas C… e D…, o tribunal concedeu 8 dias para que as partes, querendo, apresentassem as alegações finais escritas sucessivas e designou data limite para proferir a decisão arbitral.

 

  1. As partes não apresentaram alegações finais escritas.

 

 

 

  1. POSIÇÕES DAS PARTES

 

Os Requerentes começam por imputar ao Relatório de Inspecção Tributária (RIT) e consequentes liquidações, o vício formal de falta de fundamentação, visto que não contém todas as razões de facto e de direito que o alicerçam.

Para sustentar essa conclusão afirmam que a Administração Tributária e Aduaneira (AT) entendeu que a sua actuação, especialmente do Requerente marido é passiva e, por essa razão, os rendimentos que declarou como sendo da categoria B de IRS, deverão antes ser tributados como rendimentos da categoria F. Bem como, sendo o Requerente marido, titular da exploração turística do apartamento e tendo cedido a sua exploração à E…, S. A., mantendo na sua esfera o risco da exploração, não se compreende em que medida este exerce de forma passiva a exploração turística.

Para além do mais, defendem os Requerentes que o RIT não passa de um juízo conclusivo, que tem como único suporte uma circular administrativa. Assim, não se indicando na fundamentação factos, mas apenas juízos decisórios, os destinatários dos actos encontram-se impossibilitados de saber se foram tomados em consideração todos os factos que na realidade tiveram lugar e até, com base neles, se puder chegar às conclusões enunciadas. Em suma, padece o RIT de falta de fundamentação.

Alegam ainda que os Serviços de Inspecção Tributária não cumpriram o ónus da prova da verificação dos respectivos indícios ou pressupostos da tributação. Ou seja, a legalidade da sua actuação, perante a veracidade das declarações dos contribuintes, visto que o juízo subjacente à desconsideração das operações resulta de conclusões de carácter genérico, sem uma análise casuística da actividade dos Requerentes.

Nesse sentido, invocam que os Serviços de Inspecção Tributária limitaram-se a apoiar as correcções efectuadas na ideia de que os Requerentes obtêm os seus rendimentos de forma passiva – sendo que a tributação em sede da categoria B não faz qualquer distinção quanto ao modo de obtenção dos rendimentos e, assim, requalificam os rendimentos da categoria B como rendimentos da categoria F, sem um único indício concreto que fundamente essa requalificação.

Em segunda linha, defendem que é manifesto que os rendimentos auferidos pelos Requerentes são rendimentos da categoria B do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e não da categoria F.

            Atendendo às disposições legais – art. 3.º, n.º 1, al. a) e 4.º, n.º 1, al. h) do CIRS - são tributados pela categoria B todos os rendimentos apurados no âmbito das actividades geradoras de rendimentos de actividades comerciais, designadamente, as resultantes das actividades hoteleiras e similares. Assim, deve concluir-se que, para que os ganhos sejam imputáveis às actividades geradoras de rendimentos empresariais ou profissionais, estando o sujeito passivo registado com o respectivo CAE, necessário será apenas que os rendimentos auferidos estejam relacionados com essa actividade. Ou, dito de outro modo, encontrando-se em causa rendimentos decorrentes da exploração turística, actividade exercida pelo Requerente marido, não podem os mesmos ser tributados como rendimentos da categoria F, desfasados da actividade comercial exercida.

            No juízo dos Requerentes, o conceito de «actividade» previsto no art. 3.º, n.º 1, al. a) do CIRS abrange não só os resultados decorrentes da actividade directa de exploração do empreendimento turístico, mas também aqueles que tenham origem na subcontratação de uma entidade para explorar a unidade.

            Ainda defendem que, se o legislador pretendia excluir do âmbito da al. a), do n.º 1, do art. 3.º do CIRS, os rendimentos resultantes da exploração decorrente da contratação de serviços, impunha-se que este determinasse expressamente que só os resultados decorrentes da exploração directa estavam sujeitos a tributação no âmbito da categoria B de IRS, o que não aconteceu, pelo que os rendimentos obtidos pelos Requerentes cabem no art. 3.º, n.º 1, al. a) do CIRS.

            Subsidiariamente ainda alegam que caso se qualifique que os rendimentos auferidos pelos Requerentes devam enquadrar-se na categoria F de IRS, a matéria tributável jamais seria aquela determinada pelos serviços da AT. Com efeito, contrariamente ao vertido no RIT, as despesas de manutenção e conservação referentes aos serviços de limpeza e jardinagem, electricidade, água, gás, gastos com o aluguer de equipamentos, reparações e pinturas, prémios de seguro e custos da administração do prédio são dedutíveis aos rendimentos da categoria F de IRS.

            A Requerida na sua resposta defende que os actos tributários impugnados dever-se-ão manter na ordem jurídica, com os seguintes fundamentos:

  1. Falta de fundamentação

Sustenta que a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, até porque os Requerentes – perante os argumentos utilizados no pedido de pronúncia arbitral – demonstram ter compreendido o quadro fáctico e jurídico em que assentou a decisão da Requerida, porquanto rebatem de forma especificada a sua actuação. Ou, dito de outro modo, os actos não padecem do vício de falta de fundamentação.

      Contudo defende, ainda que se verificasse uma situação de falta de fundamentação, sempre caberia aos Requerentes lançar mão do mecanismo previsto no art. 37.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), pelo que não tendo usado essa faculdade, o pretenso vício ficou sanado.

 

  1. Erro sobre os pressupostos de direito

Não pode obter vencimento o argumento de que os rendimentos aqui em causa são da categoria B de IRS. Com efeito, o uso da palavra «exercício» no art. 3.º do CIRS tem subjacente a prática de actos com um determinado propósito, a obtenção do lucro.

            Assim, o facto de se ter declarado o início de actividade, afirmando a intenção de exercê-la no âmbito da exploração turística, quando os Requerentes se limitaram a adquirir um imóvel, não pode ser considerada como suficiente para a qualificação dos rendimentos como da categoria B de IRS, tal seria dar primazia à forma sobre a substância.

            O mero acto de compra de um imóvel e a sua consequente e imediata cessão de exploração a um terceiro têm de ser subsumidos a simples actos de gestão do património particular, não constituindo em si mesmos, sinais do exercício da actividade de exploração de um imóvel por parte de quem cedeu a exploração.

  1.  Dedução de despesas aos rendimentos da categoria F

Dever-se-á avaliar se aquelas despesas referidas em abstracto (salários de pessoal, limpeza, electricidade, gás e água) e não juntas pelos Requerentes revestem o carácter de despesas de conservação e/ou manutenção que incumbam ao sujeito passivo.

Sucede que, as despesas com salários e com a limpeza, de acordo com a secção 5 e 6 do contrato de cessão de exploração turística, ficaram a cargo da gestora, o que significa que nem sequer são da responsabilidade dos Requerentes. Ou seja, falece a pretensão de dedução.

Para além do mais, as despesas alegadas pelos Requerentes não se devem considerar de conservação, nem tão pouco de manutenção.

            Deste modo, são estas as questões que o tribunal deve conhecer:

  1. Se os actos tributários impugnados padecem do vício de falta de fundamentação;
  2. Se as correcções efectuadas à matéria tributável e as consequentes liquidações são ilegais, por erro na qualificação dos rendimentos;
  3. Se as correcções efectuadas à matéria tributável e as consequentes liquidações são ilegais, por não admitirem a dedução das despesas com salários de pessoal, limpeza, electricidade, gás e água na categoria F de IRS.

 

  1.  SANEAMENTO

A cumulação de pedidos subjacente aos presentes autos é admissível, porquanto se verifica a identidade entre a matéria de facto e a procedência daqueles depende da interpretação dos mesmos princípios e regras de direito, cfr. art. 3.º, n.º 1 do RJAT. Por outro lado, o objecto dos autos integra o mesmo imposto, o IRS.

O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido de pronúncia arbitral, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.

 

4. MATÉRIA DE FACTO

4.1. Factos que se consideram provados

4.1.1. Os Requerentes são proprietários do imóvel inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias de … e … sob o artigo…, letra F, sito no «…».

4.1.2.  O prédio supra descrito é parte integrante do empreendimento turístico denominado «Apartamentos …».

4.1.3. No dia 08/08/2008 foi depositado junto da Direcção-Geral do Turismo o título constitutivo dos «Apartamentos …».

4.1.4. O alvará de utilização turística do empreendimento foi obtido pela F…, S. A., contribuinte n.º … no dia 07/07/2008.

4.1.5. Os Requerentes são sujeitos passivos não residentes em território nacional, tendo como representante legal – G…, contribuinte n.º… .

4.1.6. O Requerente B… no período de 30/06/2008 até 31/08/2012 encontrou-se registado na actividade de exploração de «apartamentos turísticos sem restaurante», a que corresponde o CAE 55123, enquadrado no regime simplificado de tributação em sede de IRS e no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA.

4.1.7. A Requerente A… encontra-se registada para o exercício da actividade de exploração de «apartamentos turísticos sem restaurante», a que corresponde o CAE 55123, desde 24/01/2012 e está enquadrada no regime de contabilidade organizada por opção em IRS e no regime normal de periodicidade trimestral em sede de IVA.

4.1.8. Foi celebrado entre os Requerentes e a F…, S. A. um contrato de cessão de exploração turística da unidade sita nos «Apartamentos …», nos termos do qual a sociedade ficou com o direito de constituir uma sociedade comercial para a gestão turística.

4.1.9. Para tal fim foi constituída a E…, S. A..

4.1.10 De acordo com o conteúdo do contrato de cessão de exploração turística ficou estabelecido que a exploração constituiria uma obrigação da entidade gestora (E…, S. A.).

4.1.11. Os Requerentes obrigaram-se com a celebração do contrato descrito em 4.1.8. a não explorar, arrendar ou por qualquer outro modo disponibilizar a unidade a terceiro, a troco de pagamento, renda, remuneração ou quaisquer outros meios de pagamento, inclusivamente de carácter não pecuniário ou gratuito, reconhecendo e aceitando ainda não divulgar, nem permitir que outra pessoa singular ou colectiva divulgue a unidade como estando disponível para ocupação (secção 3.8.).

4.1.12. A entidade gestora ficou obrigada a executar os serviços referidos em 2.2. do contrato de exploração turística, mais concretamente: i) administrar o Programa de Exploração Turística descrito na secção 3; ii) prestar os serviços de administração da propriedade descritos na secção 4; iii) prestar os serviços de manutenção da propriedade descritos na secção 5 e iv) prestar os serviços de limpeza e arrumação descritos na secção 6.

4.1.13. Nos termos do Programa de Exploração Turística descrito na secção 3 do contrato de cessão da exploração turística, a E…, S. A. ficou obrigada à gestão corrente da actividade, tratando da cobrança dos montantes despendidos pelos clientes pela utilização do apartamento, cobrança de despesas, gestão de reservas e determinação dos preços.

4.1.14. Nos serviços de administração geral, secção 4 do contrato de cessão de exploração turística, encontra-se previsto que a gestora ficou obrigada, designadamente, a realizar os seguintes serviços: i) manutenção e rotina e ii) limpeza e arrumação, necessários à ocupação dos hóspedes.

4.1.15. A gestora (E…, S. A.) ficou ainda directamente habilitada a fazer o pagamento das despesas com o pessoal de limpeza, jardinagem e manutenção da unidade.

4.1.16. Em troca dos serviços de gestão prestados, a E…, S.A. tem o direito a reter 25% da receita bruta da exploração turística ou de qualquer outra percentagem que viesse a ser acordada periodicamente com os Requerentes.

4.1.17. Por despacho do Director de Finanças de Faro de 18/08/2016, foi determinada a realização de uma acção de inspecção interna e de âmbito parcial - IRS, tendo por objecto os anos de 2012, 2013 e 2014.

4.1.18. Da acção de inspecção resultaram correcções ao rendimento tributável em sede de IRS, de natureza meramente aritmética, € 72 535,84 – ano de 2012; € 30 394,28 – ano de 2013 e € 35 051,07 no ano de 2014.

4.1.19. Na sequência da acção inspectiva a AT emitiu as liquidações adicionais de IRS nos seguintes termos:

 

Ano

Número da liquidação

Valor

2012

2016…

€ 5 175,29 de reembolso

2013

2016… (liquidação de imposto) e 2016… (demonstração de acerto de contas)

€ 1 336,58 de montante a pagar

2014

2016… (liquidação de imposto) e 2016… (demonstração de acerto de contas)

€ 5 533,90 de montante a pagar

 

4.1.20. O pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral foi apresentado no dia 18/04/2017.

4.2. Factos que não se consideram provados

Não existem quaisquer outros factos com relevância para a decisão arbitral que não tenham sido dados como provados.

4.3. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada

            A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos utilizados para cada um dos factos alegados.

5. MATÉRIA DE DIREITO

5.1. Questão da falta de fundamentação

Os Requerentes alegam que o RIT não se encontra fundamentado, na medida em que não tiveram acesso ao iter volitivo da decisão da AT.

            Alegam, nomeadamente, que o vício de falta de fundamentação se verifica porque: «…sendo o Requerente marido, titular da exploração turística do apartamento acima descrito e tendo cedido a exploração do mesmo à E…, mantendo, no entanto, na sua esfera o risco da exploração, não se compreende em que medida os Requerentes, ou melhor o Requerente marido exerce de forma passiva a exploração turística».

Antes de mais, vejamos o que propugna a jurisprudência quanto à fundamentação dos actos tributários: «O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n.º 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual. Significa isto que a fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma muito sintética, não pode deixar de ser clara, congruente e encerrar os aspectos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto»[1]. Ou, dito de outro modo, a fundamentação deve incorporar os elementos de facto e de direito que permitam ao destinatário do acto perceber o iter decisório da AT.

Na hipótese sub judice, encontra-se evidenciada em III do RIT uma extensa fundamentação de facto e de direito às correcções à matéria tributável que conduziram à prática das liquidações adicionais de IRS objecto destes autos. Isto é, os actos encontram-se suficientemente fundamentados.

A falta de fundamentação imputada não constituiu qualquer obstáculo para que os Requerentes invocassem a ilegalidade das correcções à matéria tributável e consequentes liquidações, com génese em: i) erro sobre os pressupostos, quanto à subsunção dos rendimentos aqui em causa à categoria F de IRS e ii) relativamente à dedução de outras despesas, caso o tribunal considere que os referidos rendimentos se subsumem à categoria F de IRS.

Em resumo, os actos não padecem do vício de falta de fundamentação, os Requerentes é que não concordam com aquela que foi concretamente utilizada.

5.2. Questão do erro nos pressupostos de direito

            A primeira questão a dirimir consiste no enquadramento dos rendimentos obtidos pelos Requerentes em IRS, isto é, se na categoria B, como estes preconizam, ou na categoria F, como sustenta a Requerida.

            A categoria B de IRS tem um carácter preponderante, na medida em que são tributados diversos rendimentos, como de capitais, prediais e mais-valias, obtidos em resultado de uma actividade geradora de rendimentos empresariais e profissionais.    

Para a doutrina [2] esse carácter predominante significa que: «… todos os rendimentos, de todas as naturezas, que se possam imputar à actividade profissional ou empresarial acabam por ser qualificados como rendimentos da categoria, integrando-se na respectiva conta de exploração para efeitos de cálculo do lucro tributável que constitui, em princípio, a matéria tributável da categoria».

A subsunção a rendimentos empresariais na categoria B do IRS exige que estes não tenham por fonte actos de gestão de um património de natureza privada e o afastamento da possibilidade de inclusão em qualquer outra categoria. Isto é, a preponderância apenas releva se os rendimentos em causa pudessem ser enquadrados na categoria B e noutra categoria de IRS.

A sobredita afirmação permite formular uma questão: qual o conceito de actividade empresarial que permite a subsunção de rendimentos na categoria B de IRS?

O conceito assume uma natureza própria no direito fiscal e exige o exercício de uma actividade empresarial com carácter estável ou habitual, isto é, como meio de vida, ainda que não se exija uma regularidade da mesma. Em segundo lugar, a finalidade lucrativa deve igualmente constituir um atributo dos actos praticados no âmbito dessa actividade[3].

No caso concreto, os Requerentes cederam a exploração da fracção imobiliária a uma entidade terceira que desenvolve a actividade de mediação entre a oferta e a procura, ou seja, é essa pessoa colectiva que assegura a actividade de exploração turística da fracção de que os Requerentes são proprietários. Ou, dito de outro modo, os rendimentos que obtêm são qualificados como prediais, ainda que a cedência de exploração seja uma opção ou constitua uma obrigação legal.

Ainda assim, os Requerentes alegam que a actividade da E…, S.A. é desenvolvida «por conta» dos proprietários, contudo a exploração não é realizada «em nome destes»[4].

Relevante é, repete-se, dizer que os Requerentes limitaram-se a ceder a fracção imobiliária para exploração turística a outra pessoa jurídica, a sociedade E…, S.A., pelo que os rendimentos emergentes do referido acto têm a natureza de rendas, nos exactos termos em que se encontram definidas no art. 8.º, n.º 2, al. a) do CIRS, constituindo rendimentos subsumíveis à categoria F de IRS. Circunstância que impede a aplicação do critério da preponderância da categoria B de IRS.

E não se argumente em sentido contrário com o facto de que os Requerentes se encontrarem registados para o exercício da actividade de «apartamentos turísticos sem restaurante», ou com um concreto regime de IVA, na medida em que a AT tem, regra geral, o prazo de 4 anos para efectivar o direito à liquidação – art. 45.º e 46.º da Lei Geral Tributária (LGT) e art. 92.º do CIRS, na redacção em vigor à data dos factos tributários.

Como também os tribunais apenas estão sujeitos à lei e, como tal, não estão vinculados a qualquer circular administrativa de interpretação normativa que apenas vincula os serviços da AT.

Em suma, também improcede a pretensão anulatória dos Requerentes relativamente a esta questão.

5.3. Questão da consideração das despesas no âmbito do art. 41.º do CIRS

Sustentam, subsidiariamente, os Requerentes que a posição assumida no RIT não considerou a totalidade das despesas por si suportadas com a manutenção e conservação da fonte de rendimento. Alegando, genericamente, que: «…para além das despesas inerentes aos seguros, retribuição da E… e segurança, deverão ser relevados ainda os custos referentes a mulher da limpeza, ordenado do jardineiro, electricidade, água e gás, gastos de reparações e pinturas, os quais serão apurados a final em sede de execução de julgados».

            O art. 41.º, n.º 1 do CIRS, na redacção em vigor à data dos factos tributários, dispunha que: «Aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º deduzem-se as despesas de manutenção e de conservação que incumbam ao sujeito passivo, por ele sejam suportadas e se encontrem documentalmente provadas, bem como o imposto municipal sobre imóveis e o imposto do selo que incide sobre o valor dos prédios ou parte de prédios cujo rendimento seja objecto de tributação no ano fiscal».

            Quanto ao conceito de despesas de manutenção e conservação sustenta a doutrina[5] que: «A lei usa aqui uma definição larga e não estabelece quaisquer limitações, respeitantes à natureza das despesas. Serão, por um lado, despesas de manutenção, como sejam, as despesas de iluminação de vestíbulos e escadas, de funcionamento de elevadores, etc. Serão, por outro lado, despesas de conservação da mais variada natureza, que se destinam a conservar o prédio, a permitir que ele dure e mantenha a sua capacidade de produzir rendimento. A única exigência que a lei faz é que as despesas, de manutenção e conservação, sejam efectivamente suportadas pelo sujeito passivo, ou seja, por quem recebe a renda, e estejam documentalmente provadas (sublinhado nosso)».

            O art. 56.º, n.º 1 e 2 do regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos (RJET), na redacção em vigor à data dos factos, dispunha que: «1. O proprietário de um lote ou fracção autónoma de um empreendimento turístico em propriedade plural deve pagar à entidade administradora do empreendimento a prestação periódica fixada de acordo com o critério determinado no título constitutivo. 2. A prestação periódica destina-se a fazer face às despesas de manutenção, conservação e funcionamento do empreendimento, incluindo as das unidades de alojamento, das instalações e equipamentos comuns e dos serviços de utilização comuns do empreendimento, bem como a remunerar a prestação dos serviços de recepção permanente, de segurança e de limpeza das unidades de alojamento e das partes comuns do empreendimento.». Deste modo, o próprio artigo estabelece uma distinção entre despesas de manutenção, conservação e funcionamento.

 Não se subsumem a despesas de manutenção e conservação aquelas respeitantes a consumos de electricidade, água e gás, as quais não podem ser deduzidas aos rendimentos ilíquidos da categoria F, art. 41.º, n.º 1 do CIRS. Pelo que improcede a pretensão dos Requerentes.

Relativamente às restantes despesas: com o pessoal de limpeza, jardinagem, reparações e pinturas, integram-se no conceito de despesas de manutenção e de conservação.

Mas, como constatamos, apenas podem ser dedutíveis aquelas despesas elegíveis que tenham sido suportadas pelo sujeito passivo. Deste modo, poder-se-á questionar: quem assumiu as despesas que os Requentes pretendem ver deduzidas?

Ora, no caso concreto, de acordo com o contrato de cessão de exploração turística cabe à entidade gestora –E…, S. A. – efectuar os pagamentos relativos às referidas despesas, independentemente de se tratarem de despesas de manutenção ou de conservação, como se alcança das subsecções 4.4., 5.3., 5.4., 5.5. e secção 6 do contrato de cessão de exploração turística.  Ou seja, as despesas não foram suportadas pelos Requerentes. Em bom rigor, estes também não provam que as despesas aqui em apreço são da sua responsabilidade ou que foram por si realizadas.

            Consequentemente, improcede o pedido de consideração de tais despesas para efeitos de dedução ao rendimento ilíquido da categoria F de IRS dos anos de 2012, 2013 e 2014, à luz do art. 41.º, n.º 1 do CIRS, na redacção à data dos factos tributários.

6. DECISÃO

Nestes termos e com a fundamentação acima descrita este tribunal decide julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral, com todas as consequências legais.

7. VALOR DO PROCESSO

Fixa-se o valor do processo em € 12 045,77, nos termos do art. 97.º - A do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do art. 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

8. CUSTAS

Custas a cargo dos Requerentes, no montante de € 918, cfr. art. 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT, na medida em que o pedido improcedeu integralmente.

 

Notifique.

 

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2018

 

 

O árbitro,

 

 

 

 

(Francisco Nicolau Domingos)

 



[1] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 01690/13, de 23/04/2014 e em que foi relator o Conselheiro ASCENSÃO LOPES.

[2] JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 170.

[3] Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no âmbito do processo n.º 1622/15, de 11/01/2017 e em que foi relatora a Conselheira ANA PAULA LOBO.

[4] Neste sentido v. decisão arbitral proferida no processo n.º 275/2017-T, de 29/11/2017 e em que assumiu a função de árbitro o Professor Doutor PAULO NOGUEIRA DA COSTA.

[5] JOSÉ GUILHERME XAVIER DE BASTO, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, p. 350.