Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 239/2017-T
Data da decisão: 2018-02-16  IRS  
Valor do pedido: € 21.156,70
Tema: IRS – Qualificação de Rendimentos – com trato de cessão de exploração turística.
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Decisão Arbitral

 

 

 

1. Relatório

Em 04-04-2017, A…, contribuinte n.º…, e esposa B…, contribuinte n.º…, residentes em…–…, Reino Unido, doravante designados por Requerentes, submeteram ao Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) o pedido de constituição de tribunal arbitral com vista à anulação dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016… e da demonstração de acerto de contas n.º 2016…, do ano de 2012, da liquidação de IRS n.º 2016…, da liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e da demonstração de acerto de contas n.º 2016…, do ano de 2013, e da liquidação n.º 2016… e da demonstração de acerto de contas n.º 2016… do ano de 2014, no valor total de 21.156,70 €.

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Ex.mo Senhor Presidente do CAAD em 05-04-2017 e notificado à Requerida na mesma data.

Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6º n.º 2 alínea a) do RJAT, foi designado como árbitro a Sra. Doutora Suzana Fernandes da Costa, pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, em 05-06-2017, tendo a nomeação sido aceite, no prazo e termos legalmente previstos.

Na mesma data foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos do disposto no artigo 11º, nº 1, alíneas a) e b) do RJAT, conjugado com os artigos 6º e 7º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c), do nº 1, do artigo 11º do RJAT, o Tribunal Arbitral foi constituído em 22-06-2017.

Foi proferido despacho, em 22-06-2017, no sentido de notificar a Requerida para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e, caso quisesse, solicitar a produção de prova adicional e remeter ao tribunal arbitral cópia do processo administrativo dentro do prazo de apresentação da resposta.

Em 01-08-2017, os Requerentes juntaram aos autos os documentos 10 e 11 que tinham protestado juntar aquando da apresentação do pedido de pronúncia arbitral.

Em 09-08-2017, os Requerentes juntaram ainda a tradução do documento 4 junto ao pedido arbitral.

Em 07-09-2017, a Requerida juntou aos autos a sua resposta e o processo administrativo.

Em 12-09-2017, foi proferido despacho a ordenar a notificação dos Requerentes para virem aos autos informar que pontos da matéria de facto pretendiam ver provados pela prova testemunhal. 

Os Requerentes apresentaram, em 25-09-2017, um requerimento a informar a matéria de facto que pretendiam provar com a inquirição de cada uma das testemunhas.

Foi proferido despacho, em 04-10-2017, a agendar o dia 13-11-2017 pelas 14:30 horas para a reunião do tribunal arbitral, prevista no artigo 18º do RJAT, e para a inquirição das testemunhas indicadas pelos Requerentes.

A Requerida veio, em 19-10-2017, remeter requerimento a pedir a alteração da data da reunião para o dia 21-11-2017, pelas 16:00 horas.

Em 20-10-2017, foi proferido despacho a adiar a reunião e a inquirição de testemunhas para o dia 21-11-2017, pelas 16:00 horas.

No dia 21-11-2017, pelas 15:50 horas, teve lugar a reunião do tribunal arbitral. Compareceram a Ex.ma Dra. C… e Ex.ma Dra. D…, na qualidade de mandatárias dos Requerentes, e a Ex.ma Dra. E… e a Ex.ma Sra. Dra F…, juristas em representação da Diretora-Geral da AT.

Foram inquiridas as testemunhas arroladas pelos Requerentes, G…, contabilista certificado, e H…, diretor de operações e ativos.

Foram também notificadas as partes para, por esta ordem e de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 10 dias, sendo que o prazo para a Requerida começaria a contar com a notificação da junção das alegações da Requerente.

Foi ainda designado o dia 21-12-2017 para a prolação da decisão arbitral, e advertidos os Requerentes para, até essa data, procederem ao pagamento da taxa arbitral subsequente e juntarem aos autos o comprovativo.

Na reunião, as ilustres advogadas dos Requerentes juntaram aos autos 14 documentos.

Em 04-12-2017, os Requerentes enviaram as suas alegações.

A Autoridade Tributária e Aduaneira optou por não apresentar quaisquer alegações.

Em 21-12-2017, foi proferido despacho a prorrogar por 30 dias o prazo para a prolação da decisão arbitral, tendo em conta a complexidade da questão.

Em 19-01-2018, foi prorrogado novamente o prazo para a prolação da decisão, por duas semanas, atenta a complexidade da questão.

Em 26-01-2018, os Requerentes enviaram aos autos a decisão do processo n.º 237/2017-T.

Em 05-02-2018, foi proferido novo despacho de prorrogação de prazo, designando-se o dia 16-02-2018 para a emissão da decisão arbitral, atenta a complexidade da questão e por não se encontrar concluída a análise da questão de fundo e jurisprudência existente.

2. Causa de pedir

Os Requerentes começam por referir que, em 16-12-2009, celebraram um contrato promessa de compra e venda com a sociedade I…, SA, pessoa coletiva n.º…, tendo por objeto o imóvel designado “Apartamento…”, inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de … e … sob o artigo…, sob a letra J, sito no empreendimento “…”.

Na mesma data, os Requerentes assinaram também com a mesma entidade, I…, S.A., um contrato de cessão de exploração turística da unidade … acima referida.

Em 08-02-2008, foi depositado junto da Direção Geral do Turismo, o título constitutivo dos “…”.

E em 07-07-2008, foi atribuída pela Câmara Municipal de…, licença de utilização turística ao empreendimento “…”.

Os Requerentes alegam que, desde março de 2010, o Requerente marido passou a exercer a atividade de exploração de apartamentos turísticos, estando registado com o CAE 55123 – apartamentos turísticos sem restaurante, e enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e no regime da contabilidade organizada por opção em sede de IRS (categoria B). Quanto ao ano de 2012, é referido que o Requerente marido estava enquadrado no regime simplificado.

Os Requerentes alegam que a entidade gestora I…, nos termos do contrato celebrado, iria explorar os apartamentos turísticos da unidade … por conta dos respetivos proprietários, prestando-lhes todos os serviços necessários à efetivação dessa exploração.

Referem ainda que a exploração do referido apartamento turístico era efetuada diretamente pelos Requerentes, recorrendo à entidade gestora I… para operacionalizar essa exploração turística, sendo que a entidade gestora aceitou prestar os seguintes serviços:

a) administrar o programa de exploração turística, descrito na secção 3 do contrato;

b) prestar os serviços de administração da propriedade descritos na secção 4 do contrato;

  1. prestar os serviços de manutenção da propriedade descritos na secção 5 do contrato;

d) prestar os serviços de limpeza e de arrumação da unidade descritos na secção 6 do contrato.

Os Requerentes afirmam que a entidade gestora I… ficou obrigada a gerir, em nome dos Requerentes, os aspetos operacionais (gestão corrente) inerentes à exploração turística do apartamento em questão, designadamente tratando da cobrança dos pagamentos devidos, cobrança de despesas, gestão de reservas, determinação das tarifas, etc, conforme consta das cláusulas 3.1 a 3.3 do contrato celebrado.

Refere-se ainda no pedido arbitral que a entidade gestora I… era ainda responsável pelos serviços de administração geral da unidade, que incluem a contabilidade, vendas e marketing, custos das agências de viagens e/ou comissões dos operadores turísticos e respetivas despesas incorridas, despesas com os serviços centrais relacionados com o programa de execução turística e despesas de serviços de receção e outras despesas com ela relacionada, conforme cláusula 4.1. do contrato celebrado.

Em troca dos referidos serviços, os Requerentes referem que a entidade gestora I…  teria direito a uma remuneração descrita na cláusula 2.3. e 7. do contrato celebrado, que seria de 25% da receita bruta da exploração turística, ou qualquer outra percentagem que viesse a ser acordada periodicamente entre a entidade gestora e os Requerentes.

Os Requerentes alegam que competia ao Requerente marido a realização de todas as operações que não estivessem relacionadas com a gestão operacional da exploração turística, e que, designadamente, ele era responsável por todos os encargos e despesas, pendentes ou devidos, relacionados com a unidade, incluindo quaisquer impostos e encargos cobrados por credores ou fornecedores, nomeadamente ao pagamento de quaisquer despesas de operação, encargos com condomínio, custos de gestão e de reservas, todos os prémios de seguro, honorários de auditores, contas telefónicas e outras despesas e todos os custos com serviços básicos, como eletricidade, óleo, gás, água, de acordo com o estipulado na cláusula 4.4. do contrato celebrado entre os Requerentes e a entidade gestora I… .

Os Requerentes também alegam que lhes competia manter a unidade completamente operacional, tendo sido por eles suportada a aquisição de mobília no valor de 44.200 €.

Para os Requerentes, era o Requerente marido que estava munido dos meios de controlo dos resultados da exploração da unidade, estando a entidade gestora I… obrigada a facultar-lhes um relatório mensal das contas, num prazo de 15 dias a contar do fim do mês respetivo, para além de um relatório anual auditado da conta do Requerente marido.

Concluem os Requerentes que a entidade gestora I… atuou sempre por conta e no interesse do Requerente marido enquanto exercia as operações necessárias à concretização da exploração turística do apartamento. 

Para os Requerentes, a atividade de exploração dos apartamentos turísticos é desenvolvida pelos respetivos proprietários, não ocorrendo a transferência do risco de negócio para a entidade gestora I… nem participando esta na atividade exploratória com interesse próprio.

Os Requerentes foram objeto de um procedimento de inspeção tributária aos anos de 2012, 2013 e 2014, no âmbito da qual a AT entendeu que:

a) os rendimentos auferidos derivam apenas da disponibilização a terceiros de imóvel, sendo que os proprietários não tiveram qualquer intervenção na obtenção do licenciamento, pelo que os rendimentos que o Requerente marido auferiu naqueles anos, foram auferidos de forma meramente passiva, em resultado de uma prossecução de uma atividade por parte da entidade gestora I…, pelo que deverão ser classificados como rendimentos da categoria F;

b) apesar do Requerente marido ter suportado todas as despesas de operação do programa de exploração turística, parte desses encargos não são suscetíveis de serem deduzidos aos rendimentos da categoria F e por essa razão devem ser desconsiderados.

Quanto ao relatório de inspeção, os Requerentes apontam-lhe o vício de falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação, uma vez que o referido relatório de inspeção não passará de um juízo conclusivo que não tem qualquer suporte nos factos concretos, nem na lei, mas apenas numa circular, que não está acima da lei.

Assim, para os Requerentes, a AT não sustentou, nas conclusões do relatório de inspeção, de forma clara e inequívoca, os factos em que se baseou para concluir que os rendimentos auferidos pelos Requerentes eram rendimentos da categoria F. E por isso, entendem que os atos tributários que ora impugnam devem ser anulados.

Por outro lado, entendem os Requerentes que os rendimentos obtidos são rendimentos da categoria B, uma vez que são tributados nessa categoria todos os rendimentos apurados no âmbito das atividades geradoras de rendimentos de atividades comerciais, designadamente as resultantes das atividades hoteleiras e similares.

Entendem assim os Requerentes que exercem uma atividade comercial (exploração turística), não podendo os rendimentos obtidos serem tributados na categoria F.

Alegam ainda os Requerentes que a Circular n.º 5/2013 referida no relatório de inspeção, apenas vincula os órgãos da AT e não é considerada fonte de direito fiscal, não tendo portanto qualquer eficácia externa vinculativa, nem estando os sujeitos passivos de modo algum obrigados a cumprir o disposto nas mesmas, nem os tribunais.

Por fim, referem os Requerentes que, caso se entenda que os rendimentos obtidos devem considerar-se como rendimentos da categoria F, devem ser despesas dedutíveis ao rendimento as despesas de manutenção e conservação referentes à limpeza, ordenado do jardineiro, eletricidade, água, gás, gastos com o aluguer de casa com equipamentos, reparações e pinturas, prémios de seguro e custos de administração do prédio. E quanto a esta questão, referem as decisões do CAAD dos processos n.º 435/2014-T, 183/2015-T e 294/2015-T.

Os Requerentes pediram a inquirição de duas testemunhas.

3. Resposta da Requerida

A Requerida, na sua resposta, alega em síntese que os rendimentos auferidos pelos Requerentes derivam da disponibilização a terceiros dos imóveis, os quais, são geridos e mantidos pela empresa I…, que também gere os arrendamentos de curta duração, cobrando os montantes devidos e prestando todos os outros serviços associados. E que a empresa I… disponibiliza aos proprietários os montantes contratualmente acordados.

A Requerida defende que os proprietários, Requerentes, não tiveram qualquer intervenção na obtenção do licenciamento e auferem os rendimentos de forma meramente passiva, em resultado da prossecução de uma atividade comercial por parte da sociedade I… .

Assim, entende a AT que os rendimentos obtidos pelos Requerentes correspondem a rendimentos prediais enquadráveis na categoria F do IRS, independentemente do facto da importância recebida não ser fixa.

Quanto à alegada falta de fundamentação do relatório de inspeção, a AT argumenta que não existe falta de fundamentação, pois entende que a mesma é clara e inequívoca, dado que os Requerente, por via do pedido de pronúncia arbitral, não só demonstram, em face dos argumentos explanados ao longo do articulado, ter cabalmente compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão da Requerida.

A Requerida pugna ainda pelo indeferimento da inquirição das testemunhas arroladas pelos Requerentes, uma vez que, segundo ela, apenas se encontra em apreciação matéria de direito. Para a Requerida, a inquirição das testemunhas não passaria de ato inútil para o desempenho da tarefa de determinação do sentido e alcance em que a lei deve ser aplicada.

 4. Saneador

O presente pedido de pronúncia arbitral foi apresentado tempestivamente, nos termos do artigo 10º n.º 1 alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de janeiro.

O Tribunal é competente quanto à apreciação do pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4º e 10º n.º 1 e 2 do RJAT e artigo 1º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões prévias, com exceção da cumulação de pedidos, que de seguida se decidirá.

Os Requerentes pedem a cumulação de pedidos relativos a diferentes atos tributários de liquidação de IRS dos anos de 2012, 2013 e 20144, uma vez que em todos os anos estão em causa as mesmas circunstâncias de facto e a mesma interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

Neste caso a cumulação de pedidos é admissível, nos termos dos artigos 104º do CPPT e 3º do RJAT, pelo que se admite.

5. Matéria de facto

5. 1. Factos provados:

Analisada a prova documental e testemunhal produzida, consideram-se provados e com interesse para a decisão da causa os seguintes factos:

  1. Em 08-02-2008 foi depositado, junto de então Direção Geral do Turismo, o título constitutivo dos “…”;
  2. Em 07-07-2008 foi atribuída pela Câmara Municipal de … a licença de utilização a tal empreendimento, conforme documento 6 junto com o pedido arbitral.
  3. O Requerente marido encontra-se registado para o exercício da atividade “Apartamentos turísticos sem restaurante”, CAE 55123, desde março de 2010, encontrando-se enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e no regime da contabilidade organizada, por opção em sede de IRS, sendo que no ano de 2012 estava enquadrado no regime simplificado;
  4. Os Requerentes não são residentes em território nacional tendo como seu representante legal a sociedade J…, Lda, pessoa coletiva n.º…, com sede na Rua…, …, …, …, …–…, …;
  5. Em 16-12-2009, os Requerentes celebraram um contrato promessa de compra e venda com a sociedade I…, SA, pessoa coletiva n.º…, tendo por objeto o imóvel designado “Apartamento…”, inscrito na matriz predial urbana na União das Freguesias de … e … sob o artigo…, sob a letra J, sito no empreendimento “…”, conforme documento 4 junto com o pedido arbitral;
  6. Em 16-12-2009, foi celebrado entre os Requerentes e a sociedade I…, SA, um contrato de cessão de exploração turística do supra referido identificado prédio, conforme documento 4 junto com o pedido arbitral;
  7. De acordo com o contrato referido no ponto anterior, os Requerentes reconheceram e aceitaram que “durante toda a vigência do contrato, não explorariam, arrendariam ou por qualquer outro modo disponibilizariam a unidade a terceiro a troco de pagamento, renda, remuneração ou quaisquer outros meios de pagamento (inclusivamente de carácter não pecuniário ou gratuito), mais reconhecendo e aceitando a não divulgar nem permitir que outras pessoa singular ou coletiva divulgue a unidade como estando, entre outras, disponível para ocupação”;
  8. Cabe à entidade gestora (I…) “prestar os serviços descritas nesta Secção 2.2 durante toda a vigência do presente Contrato:

A- Administrar o Programa de Exploração (…) descrito na Secção 3;

B- Prestar os Serviços de Administração da Propriedade descritos na Secção 4;

C- Prestar os Serviços de Manutenção da Propriedade descritos na Secção 5; e

D- Prestar os Serviços de Limpeza e Arrumação da Unidade descrito na Secção 6”.

  1. Em troca dos serviços de gestão a entidade gestora I… terá direito a receber a reterá 25% (vinte e cinco por cento) da Receita Bruta de Exploração Turística, ou qualquer outra percentagem que venha a ser acordada periodicamente entre a gestora e os Requerentes.
  2. Consta do referido contrato que o Requerente marido é responsável por todos os encargos e despesas, pendentes ou devidos, relacionados com a Unidade, incluindo, mas não se limitando a, quaisquer impostos e encargos cobrados por credores ou fornecedores, nomeadamente, incluindo mas não se limitando ao pagamento de quaisquer despesas de operação, encargos de condomínio, custos de gestão e de reservas, todos os prémios de seguro aplicáveis, honorários de auditores, contas telefónicas e outras despesas e todos os custos com serviços básicos (eletricidade, óleo, gás, água). (“Despesas Diretas da Unidade”)”.
  3. O contrato celebrado refere ainda que o Requerente marido aceita que, como condição da participação no Programa de Exploração Turística, terá que mobilar e equipar a Unidade com o pacote standard de mobília, arranjos e equipamento selecionado pela Gestora (…). O custo é de EUR 44.200,00 (acrescido de IVA à taxa legal aplicável) (…)”.
  4. O contrato prevê ainda que a entidade gestora I… está obrigada a facultar aos Requerentes um relatório mensal das contas, num prazo de 15 dias a contar do fim do mês em questão e um relatório anual auditado da sua conta, identificando, para o ano civil anterior todas as receitas da exploração turística de todas as unidades participantes no programa, as quantias alocadas ao Fundo de Reserva, despesas de funcionamento e encargos de condomínio, a retribuição da gestora, a receita líquida de exploração turística, a retribuição dos Requerentes e todas as outras despesas e encargos da responsabilidade dos Requerentes, disponibilizados de acordo com os termos do contrato.
  5. A coberto da Ordem de Serviço nº OI2016…/…/… de 06-10-2016, emanada pela Direção de Finanças de Faro, os Requerentes foram objeto de uma ação inspetiva, em sede de IRS e quanto aos anos de 2012, 2013 e 2014.
  6. Nessa ação inspetiva foi elaborado o relatório da inspeção tributário, em que se refere para além do mais, e com relevo, que:

 “O sujeito passivo (SP) A…, NIF … (consta como SP A na Modelo 3 de IRS nos anos em apreço), encontra-se registado no CAE 55123 – Apartamentos Turísticos sem Restaurante desde 24-03-2010, encontrando-se enquadrado atualmente no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e no regime da contabilidade organizada por opção em sede de IRS. No ano de 2012 o SP encontrava-se enquadrado no regime simplificado.

O SP B é B… NIF … .

Trata-se de SPs não residentes em território nacional e de acordo com o sistema informático a que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) tem acesso, foi nomeado como representante a sociedade J…, Lda NIF … com sede em Rua …,  …, …, … …-… … .

Os SPs são proprietários de um prédio urbano incrito na matriz predial urbana da União de freguesias de … e … sob o artigo … fração “J”, sito no “…”, que adwuiriram a  K… SA NIF … .

Entre os SPs e a sociedade vendedora foi assinado um contrato de cessão de exploração turística da unidade…, nos termos do qual a sociedade K… SA ficou com o direito de constituir uma sociedade comercial para a gestão do “…”, situação que veio a concretizar com a constituição da empresa  I… SA NIF …  (I…).

Deste modo, os novos proprietários asseguraram a exploração turística do imóvel em questão através dos serviços da empresa I…, concedendo à mesma autorização exclusiva para esta explorar turisticamente, por sua conta, os apartamentos de que são proprietários.

Assim sendo, os sujeitos passivos em apreço mandataram a sociedade I… para em nome próprio e por sua conta receber a remuneração relativa à exploração do seu imóvel, ficando a mesma com direito a reter 25% da receita bruta da respectiva exploração.

Os rendimentos auferidos pelos SPs em apreço derivam da disponibilização a terceiros dos imóveis, os quais, são geridos e mantidos pela empresa I…, que também gere os arrendamentos de curta duração, cobrando os montantes e prestando todos os outros serviços associados, como por exemplo limpeza.

Por fim esta empresa disponibiliza ao proprietário os montantes contratualmente acordados.

De salientar que os proprietários não tiveram qualquer intervenção na obtenção do licenciamento.

Desta forma os rendimentos que os SPs auferem advêm de forma meramente passiva, em resultado de uma prossecução de uma atividade comercial por parte da sociedade I… . Os SPs de IRS nao demonstram ter qualquer organização de caráter empresarial para a obtenção do mesmo.

Por isso mesmo, os rendimentos em consideração correspondem a rendimentos prediais enquadráveis da categoria F do IRS (artigo 8º do Código do Imposto sobre o Rendimento das pessoas Singulares)”.

  1. Os Requerentes, notificados do projeto de relatório de inspeção tributária, através do Ofício nº … datado de 06-10-2016, exerceram o seu direito de audiência prévia em 18-10-2016.
  2. Os Requerentes foram notificados do relatório definitivo de inspeção tributária através do Ofício n.º … de 07-11-2016.
  3. Na sequência da ação inspetiva a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu as liquidações de IRS relativas aos períodos de 2012, 2013 e 2014, conforme documentos 1 a 3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral.

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

5.2. Fundamentação da matéria de facto provada:

A factualidade provada teve por base os documentos que foram juntos aos autos, o processo administrativo, a inquirição das testemunhas arroladas pelos Requerentes, e os factos admitidos por acordo das partes.

5.3. Factos não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

6. Matéria de direito:

6.1.Objeto e âmbito do presente processo

As questões que a este Tribunal são colocadas são, fundamentalmente, as seguintes:

  1. a de saber se o relatório de inspeção tributária enferma de vício de falta, incongruência ou insuficiência de fundamentação,
  2. e de apurar se os rendimentos auferidos pelos Requerentes devem ser considerados como rendimentos da categoria B, como preconizam os Requerentes, ou se deverão ser enquadrados na categoria F, tal como defende a AT,
  3. Em caso de improcedência do pedido principal, decidir se os atos de liquidação enfermam de ilegalidade em virtude da não aceitação pela AT da dedução, na categoria F, de todas as despesas suportadas pelos Requerentes com o imóvel gerador de rendimentos em causa.

6.2 Da falta, incongruência ou insuficiência da fundamentação em geral do relatório da ação de inspeção

Os Requerentes referem que “a fundamentação do Relatório Final de Inspeção Tributária (…) não é congruente, nem tão pouco clara”, referindo os artigos 268º, nº3 da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 77º da Lei Geral Tributária (LGT). Para os Requerentes, sobre a administração impende o dever legal de indicar todos os factos, de forma clara e coerente, mas também de indicar e sustentar as suas conclusões com as correspondentes disposições legais.

Segundo os Requerentes, os atos administrativos têm que ser objeto de fundamentação.

O artigo 286º n.º 3 da CRP impõe que “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos”.

O mesmo dever de fundamentação está previsto nos artigos 152º e 153º do Código do Procedimento Administrativo para a generalidade dos atos administrativos, e no artigo 77º da Lei Geral Tributária para os atos administrativos tributários.

Nesse sentido, veja-se o que refere Diogo Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Volume II; Almedina, páginas 352 e seguintes: “a fundamentação de um acto administrativo consiste na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo”.

Quanto ao nº 2 do artigo 77º da LGT, o mesmo impõe que “a fundamentação dos actos tributários pode ser efectuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

Por outro lado, e como corolário da obrigatoriedade da fundamentação dos actos administrativos colocar-se-á o exercício do contraditório que, em última instância terá como virtualidade que o administrado possa afrontar os argumentos contra si produzidos.

Segundo a doutrina e na jurisprudência, a fundamentação legalmente exigível tem de reunir as seguintes características:

- oficiosidade: deve partir sempre da iniciativa da administração, não sendo admissíveis fundamentações a pedido,

- contemporaneidade; deve ser coeva da prática do ato, não podendo haver fundamentações diferidas oi a pedido,

- clareza: deve ser compreensível por um destinatário médio, evitando conceitos polissémicos ou profundamente técnicos,

-plenitude: deve conter todos os elementos essenciais e que foram determinantes da decisão tomada, sendo que esta característica se desdobra no dever de justificação (normas legais e factualidade – domínio da legalidade) e no dever de motivação (domínio da discricionariedade ou oportunidade, quando é preciso uma valoração)

 O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que a fundamentação do ato administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de ato e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do ato para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do ato decidiu como decidiu e não de forma diferente de forma a poder desencadear os mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação.

Nesse sentido, veja-se o Acórdão do STA de 10/09/2014, do processo 01226/13, que afirma que: “I- A Administração Tributária tem o dever de fundamentar os actos de liquidação oficiosa de tributos de harmonia com o  princípio plasmado no art.268º da CRP e acolhido nos arts. 125º do CPA, e 77 da LGT. II. O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bónus pater familiae de que fala o art. 487º, nº 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a optar, de forma esclarecida, por aceitar ou não o acto.”

 Em relação do procedimento de inspeção tributária, decorre do artigo 63º nº 1 do RCPIT que os atos tributários ou em matéria tributária poderão fundamentar-se as suas conclusões “através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório”.

 No presente caso, os Requerentes tiveram conhecimento do projeto do relatório de inspeção tributária, e exerceram o seu direito de audição, de acordo com o artigo 60º da LGT e o artigo 60º do RCPIT. Posteriormente, foram os Requerentes notificados do relatório de inspeção tributária.

Os fundamentos das correções constantes do relatório de inspeção tributária suportam as liquidações do imposto em causa.

Assim, entendemos que os Requerentes tomaram conhecimento do iter cognoscitivo que conduziu à emissão das liquidações em causa nos presentes autos.

Com efeito, considerando o contexto concreto em que foram produzidos os atos de liquidação aqui em apreciação, serão percetíveis para um destinatário médio colocado na posição do destinatário real, os fundamentos constantes do Relatório Final de Inspeção Tributária que os antecederam.

Assim, a fundamentação em causa permitiu aos Requerentes agir através de extenso pedido de pronúncia arbitral, não se evidenciando que os seus direitos de defesa tenham sido colocados em causa ou que a mesma não permitisse perceber o raciocínio adotado pela AT que conduziu às liquidações adicionais dos anos de 2012, 2013 e 2014.

Deste modo, entendemos que está cumprido o dever de fundamentação dos atos tributários de liquidação objeto do presente processo arbitral.

 6.3. Da tributação em sede da Categoria B do Código do IRS e do conceito de atividade

A posição das partes diverge quanto ao enquadramento dos rendimentos auferidos pelos Requerentes em sede de IRS, nos anos de 2012, 2013 e 2014. Ditas divergências já foram evidenciadas em sede de projeto de relatório de inspeção tributária e exercício de direito de audição que lhe seguiu, e resumem-se ao facto de os Requerentes entenderem que os rendimentos por si auferidos deverem ser considerados como rendimentos empresariais e/ou profissionais e como tal enquadráveis na categoria B do CIRS, ao passo que a AT entende que os rendimentos revestem natureza predial e como tal, devem ser qualificados na categoria F do CIRS.

Importa então saber, para efeitos de enquadramentos dos rendimentos na categoria B ou na categoria F, se os mesmos decorrem do exercício de uma atividade comercial ou se resultam da mera cedência de imóvel.

Sobre esta questão, já se pronunciaram, em sentidos divergentes, as decisões recentes do CAAD n.º 211/2017-T de 30-11-2017, n.º 235/2017-T de 20-11-2017, 270/2017-T de 03-01-2018, 271/2017-T de 1-11-2017, 273/2017-T de 03-01-2018 e n.º 275/2017-T de 29-11-2017. 

O artigo 3º n.º 1 alínea a) do Código do IRS refere que “consideram-se rendimentos empresariais e profissionais: “os decorrentes do exercício de qualquer atividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;”.

Já o artigo 4º do Código do IRS refere o que deve considerar-se como atividades comerciais e industriais, agrícolas silvícolas e pecuárias.

Por sua vez, o artigo 8º, na redação em vigor à data dos factos, referia que: “consideram-se rendimentos prediais as rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respectivos titulares”.

E o n.º 2 alínea a) do referido artigo 8º do Código do IRS impõe que “são havidas como rendas: a) as importâncias relativas à cedência do uso do prédio ou de parte dele e aos serviços relacionados com aquela cedência”.

O Acórdão do STA de 11-01-2017, do processo 01622/15, refere que «o conceito de atividade comercial ou industrial há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros».

Tendo em conta estas circunstâncias e os factos provados acima descritos, entendemos, desde já, que os rendimentos auferidos pelos Requerentes constituem rendimentos decorrentes de uma atividade comercial enquadráveis na categoria B do IRS.  

Desde logo, veja-se que a AT considera a inscrição do Requerente marido, desde 2010 e até 2016, na atividade “Apartamentos turísticos sem restaurante”, com o CAE 55123, e enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral em IVA e no regime da contabilidade organizada, por opção em sede de IRS, sendo que no ano de 2012 estava enquadrado no regime simplificado. E só em 2016 é que se iniciou a inspeção tributária ao Requerente marido que culminou com a emissão das liquidações adicionais de IRS dos anos de 2012, 2013 e 2014. Com efeito, a AT assume posições contraditórias quanto ao entendimento sobre o enquadramento dos rendimentos do Requerente marido. Posições essas violadoras, a nosso ver, do princípio da boa fé e da segurança jurídica.

A inscrição de início de atividade, ou a sua alteração, efetuada pelo sujeito passivo, não obriga a AT a aceitá-la nos termos requeridos, se os considerar errados, tal como resulta do campo 10 do próprio impresso de modelo oficial.

Ora, no presente caso, o enquadramento comunicado pelo Requerente marido subsistiu desde sempre até à presente data.

Assim, os Requerentes não só agiram de boa fé e com base numa interpretação plausível da lei fiscal, como agiram em conformidade com indicações expressas da AT que a vinculam, que correspondem à inscrição vigente no Sistema de Gestão de Registo de Contribuintes.

Para a exploração da sua unidade hoteleira, os Requerentes recorreram a uma entidade gestora, por forma a potenciar as receitas e a otimização das despesas.

Tendo em conta que a forma de organização da gestão da exploração turística adotada pelos Requerentes se configura como necessária por potenciar um maior nível de rendimento, mesmo que fosse de aplicar o teor da Circular n.º 5/2013 às liquidações em causa, face à matéria de facto provada, não é liquido que se deva concluir que a exploração da unidade de alojamento não é feita diretamente pelos Requerentes, uma vez que há um controlo muito imediato (quinzenal) dos titulares das unidades de alojamento, sobre a evolução das receitas e das despesas.

Por outro lado, do contrato de gestão não resulta que toda a atividade da exploração turística da unidade de alojamento esteja entregue à entidade gestora.

Os Requerentes comprometeram-se, através do contrato celebrado com a entidade gestora, a que “durante toda a vigência do contrato, não explorariam, arrendariam ou por qualquer outro modo disponibilizariam a unidade a terceiro a troco de pagamento, renda, remuneração ou quaisquer outros meios de pagamento (inclusivamente de carácter não pecuniário ou gratuito), mais reconhecendo e aceitando a não divulgar nem permitir que outras pessoa singular ou coletiva divulgue a unidade como estando, entre outras, disponível para ocupação”.

E por outro lado, consta do referido contrato que o Requerente marido é “responsável por todos os encargos e despesas, pendentes ou devidos, relacionados com a Unidade, incluindo, mas não se limitando a, quaisquer impostos e encargos cobrados por credores ou fornecedores, nomeadamente, incluindo mas não se limitando ao pagamento de quaisquer despesas de operação, encargos de condomínio, custos de gestão e de reservas, todos os prémios de seguro aplicáveis, honorários de auditores, contas telefónicas e outras despesas e todos os custos com serviços básicos (eletricidade, óleo, gás, água). (“Despesas Diretas da Unidade”)”.

O contrato celebrado prevê ainda que o Requerente marido “aceita que, como condição da participação no Programa de Exploração Turística, terá que mobilar e equipar a Unidade com o pacote standard de mobília, arranjos e equipamento selecionado pela Gestora (…). O custo é de EUR 44.200,00 (acrescido de IVA à taxa legal aplicável) (…)”.

O contrato celebrado estipula também que a entidade gestora I… está obrigada a facultar aos Requerentes um relatório mensal das contas, num prazo de 15 dias a contar do fim do mês em questão e um relatório anula auditado da sua conta, identificando, para o ano civil anterior todas as receitas da exploração turística de todas as unidades participantes no programa, asas quantias alocadas ao Fundo de Reserva, despesas de funcionamento e encargos de condomínio, a retribuição da gestora, a receita líquida de exploração turística, a retribuição dos Requerentes e todas as outras despesas e encargos da responsabilidade dos Requerentes, disponibilizados de acordo com os termos do contrato.

Deste clausulado e do contrato no seu todo resulta, a nosso ver, o correto enquadramento dos rendimentos do Requerente marido como rendimentos da categoria B.

6.4. Do princípio da liberdade de configuração jurídica

Em Portugal vigoram o princípio contratual e o princípio da liberdade de configuração jurídica.

Relativamente ao primeiro, as partes de um qualquer contrato civil são livres de fixarem as cláusulas que entenderem, desde que as mesmas sejam licitas e conformes à boa-fé.

Do contrato celebrado entre os Requerentes e a entidade gestora não resulta que os rendimentos tenham que configurar-se como meros rendimentos prediais, nem resulta que a inegável natureza comercial ou empresarial da atividade da I… exclua a natureza empresarial da atividade do Requerente marido.

Resulta do contrato e da matéria de facto provada que os Requerentes não são meros proprietários do imóvel mas antes se envolvem na gestão corrente do mesmo, pagando despesas por exemplo, como despesas de operação, encargos de condomínio, custos de gestão e de reservas, todos os prémios de seguro aplicáveis, honorários de auditores, contas telefónicas e outras despesas e todos os custos com serviços básicos (eletricidade, óleo, gás, água), controlam os resultados obtidos pela I… – enfim, do teor do contrato não resulta que se exclua a natureza empresarial de atividade exercida pelo Requerente marido.

Por outro lado, a lei permite que o contribuinte proprietário de um imóvel opte licitamente pela configuração dos seus rendimentos como prediais ou pela configuração como empresariais e, dentro destes, ainda lhe permite optar pelo regime simplificado ou pela contabilidade organizada.

Como refere Casalta Nabais, in Direito Fiscal, Almedina, 2010, páginas 167 e 168, o princípio da liberdade de configuração jurídica implica que os “os indivíduos, enquanto agentes económicos e sociais, dispõem de liberdade para se organizarem ou estruturarem na forma jurídica que entenderem, designadamente para constituírem ou não pessoas colectivas. Liberdade de configuração jurídica que, como vimos, sendo corolário do princípio do Estado fiscal, constitui uma importante manifestação da liberdade de disposição económica dos indivíduos e suas organizações cujo exercício anda frequentemente associado ao planeamento fiscal que essa liberdade integra”.

Corrigir a posteriori uma opção que o contribuinte toma ao abrigo do princípio da liberdade de configuração jurídica sem que a reclassificação do rendimento resulte de norma expressa viola o referido princípio, bem como o princípio da boa-fé e da segurança jurídica.

É assim manifesto que a situação em causa não se subsume nas alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 8º do Código do IRS, não podendo portanto deixar de ser enquadrada nos artigos 4º n.º 1 alínea h) e 3º n.º 1 alínea a) do Código do IRS, uma vez que, como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24-02-2016, do processo n.º 580/15:

Desde que exista um acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma atividade económica (mesmo que expressa num só ato) traduzida em criação de utilidade económica, resultante de qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro em que, satisfazendo-se as necessidades económicas deste, saia aumentado o património (medição entre a oferta e a procura) haverá uma atividade comercial”.

Pelas razões expostas, procede o pedido de pronúncia arbitral, devendo ser anuladas por vício de violação de lei as liquidações adicionais de IRS dos anos de 2012, 2013 e 2014 aqui em crise.

Fica assim prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados pelos Requerente, designadamente a dedução de outras despesas aos rendimentos no âmbito da categoria F.

6.5. Da não vinculação dos tribunais às orientações administrativas emanadas pela Administração Tributária

 Não desconhecendo este Tribunal a função, alcance, nível de vinculação e destinatários das orientações administrativas, mormente das circulares em matéria tributária de que os autos nos dão conta, sempre se dirá que, prévia à orientação para a AT que delas resulta, particularmente no que respeita à Circular n.º 5/2013 de 2013-07-02, haverá que qualificar os rendimentos auferidos pelos Requerentes no estrito quadro factual em que os mesmos são percebidos, tendo em consideração a natureza e especificidades das operações levadas a cabo por estes.

O mesmo se diga das informações vinculativas (nºs 477 e 1369) que a AR refere que a sociedade K…, S.A terá suscitado sobre o tema aqui em discussão.

Ora, as circulares consistem em orientações administrativas de carater genérico, através das quais os serviços da administração pública procedem a uma interpretação de normas tributárias, sendo necessário referi-las para aplicação a cada situação concreta.  

Acresce que, como plasmado no n.º 1 do artigo 55º do CPPT, as orientações genéricas visam a uniformização da interpretação e aplicação das normas tributárias pelos serviços.

E quando emitidas pelo dirigente máximo do serviço ou pelo funcionário a quem ele tiver delegado essa competência, vinculam a AT (n.º 2), embora o n.º 3 do preceito ressalve a sua aplicação exclusiva à AT que procedeu à sua emissão, não sendo conhecida norma que estabeleça que as referidas circulares se apliquem às relações da AT com os administrados.

Segundo Casalta Nabais (in Direito Fiscal, pág. 201) trata-se “de regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos. Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios (…), quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem a interpretação de preceitos legais (ou regulamentares). É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos atos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos atos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos atos da administração tributária deve ser efetuada através do confronto direto com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o ato”.

Sobre os efeitos das circulares veja-se também SALDANHA SANCHES, J.L.: “A Quantificação da Obrigação Tributária – Deveres de Cooperação, Autoavaliação e Avaliação Administrativa”, 2ª edição, Lex, Lisboa, 2000, páginas 155-167, MARTINS ALFARO: “Orientações Administrativas, Obrigações Acessórias e Regulação da Aplicação das ADT’s”, Revista de Doutrina Tributária, 3º trimestre de 2014, e TABORDA DA GAMA, J.: “Tendo surgido dúvidas sobre o valor das circulares e outras orientações genéricas…”, Estudos em memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches, Volume III, Coimbra Editora, 2011, pág. 157 ss.

Concluímos subscrevendo na íntegra a posição constante do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 09-11-2010, do processo nº 04292/10, que refere que:

“ (…) VII)– Os Tribunais, como órgãos de soberania independentes não estão subordinados  às decisões tomadas em matéria fiscal pela administração, ainda que vinculativas para esta, na medida em que àqueles compete interpretar e aplicar a lei fiscal sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela administração e daí que, sendo proferida decisão judicial em sentido diverso daquele que foi seguido na informação vinculativa, a administração tenha de a respeitar e fazer executar.

 VIII)- É que, se é certo que os tribunais estão apenas sujeitos à lei, pelo que não os vincula qualquer orientação administrativa de que decorra uma certa interpretação da mesma, as circulares administrativas (bem como as informações prévias) não vinculam os contribuintes, mas apenas os respectivos serviços e, face à lei, os procedimentos definidos, “maxime” o “direito circulado” da AF não podem derrogar o princípio da legalidade tributária pelo que, a essa luz, será possível afirmar a desconformidade do conteúdo do acto recorrido com as normas legais referidas e, deste modo, que os pressupostos realmente existentes impunham a decisão administrativa de sinal contrário, sendo certo que o Juiz, mesmo que tivesse conhecimento da informação prévia vinculativa, não estava vinculado àquela decisão administrativa”

7. Decisão

Em face do exposto, determina-se julgar procedente o pedido formulado pelos Requerentes no presente processo arbitral tributário, quanto à ilegalidade dos atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) n.º 2016… e da demonstração de acerto de contas n.º 2016…, do ano de 2012, da liquidação de IRS n.º 2016…, da liquidação de juros compensatórios n.º 2016… e da demonstração de acerto de contas n.º 2016…, do ano de 2013, e da liquidação n.º 2016… e da demonstração de acerto de contas n.º 2016… do ano de 2014, no valor total de 21.156,70 €.

8. Valor do processo:

De acordo com o disposto no artigo 315º, n.º 2, do CPC e 97º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se o valor da ação em 21.156,70 €.

9. Custas:

Nos termos do artigo 22º, n.º 4, do RJAT, e da Tabela I anexa ao Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em 1.224,00 €, devidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Notifique.

Lisboa, 16 de fevereiro de 2018.

Texto elaborado por computador, nos termos do artigo 138º, n.º 5 do Código do Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29º, n.º 1, alínea e) do Regime de Arbitragem Tributária, por mim revisto.

A juiz arbitro

 

(Suzana Fernandes da Costa)