DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros que constituem este Tribunal Arbitral acordam no seguinte:
I - RELATÓRIO
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Constituição do tribunal arbitral e tramitação do processo
A…, S.A., NIPC…, com sede em …, … – … …, …, veio, nos termos legais, apresentar pedido de pronúncia arbitral, sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Requerente designou como árbitro o Prof. Doutor Rui Duarte Morais. O dirigente máximo da Administração Tributária designou como árbitro o Prof. Doutor Sérgio Pontes. Os árbitros designados pelas Partes acordaram em designar o Prof. Doutor Tomás Cantista Tavares para árbitro presidente. Todos os árbitros aceitaram a designação nos termos e no prazo legal.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 21-03-2017.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, na qual invocou, a título de exceção, a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral.
Em 2017-07-06, teve lugar a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, onde, nomeadamente, foi discutida a referida exceção, sobre a qual, antes, a Requerente já se havia pronunciado.
Em 31-07-2017, foi proferida decisão arbitral interlocutória que concluiu pelo indeferimento de tal exceção.
Em 08-09-2017, a Requerida informou o Tribunal Arbitral de que havia impugnado a decisão arbitral interlocutória junto do TCA Sul.
Em 11-09-2017, teve lugar a inquirição das testemunhas, cujos depoimentos ficaram gravados – e onde se decidiu a primeira prorrogação da decisão, tendo em conta o recurso para o TCA Sul e a complexidade da matéria.
Por despacho arbitral de 2017-12-29, foi determinado que o prazo para a prolação da sentença seria sucessivamente prorrogado de forma a se aguardar pela decisão do TCAS relativa à impugnação interposta pela Requerida, sem prejuízo do cumprimento do prazo máximo previsto no RJAT (uma vez que a lei não atribuiu à impugnação de uma decisão interlocutória efeito de suspensão do prosseguimento do processo arbitral). A decisão do TCAS não foi, ainda, proferida.
As partes apresentaram alegações escritas, nas quais sustentaram as suas posições iniciais.
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Pedido de pronúncia arbitral
A Requerente pede a anulação da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao ano de 2011, com o nº 2015…, bem como das liquidações de juros daquela decorrentes (liquidações n.º 2015…, 2015… e 2015…), num valor total de € 3.663.018,11 (três milhões seiscentos e sessenta e três mil e dezoito euros e onze cêntimos).
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Objeto do litígio
C.1) Vícios do procedimento de inspeção
A Requerente alega, em primeiro lugar, a existência de um vício procedimental suscetível, no seu entender, de conduzir à anulação da liquidação impugnada, por a duração do procedimento de inspeção ter sido prorrogada sem que a fundamentação de tal decisão lhe tenha sido notificada, nem, antes, lhe ter sido facultado a oportunidade de exercer o seu direito de audição prévia.
A Requerida contrapõe alegando: (i) a existência de uma informação, datada de 01-10-2015, elaborada pela Inspeção, propondo a prorrogação da ação inspectiva por um período de três meses, ao abrigo do artigo 36.º, n.ºs 3 e 4 do RCPITA, da qual consta a indicação dos factos que – no entender daquela - justificavam a necessidade de prorrogação do procedimento; (ii) que tal prorrogação foi superiormente autorizada, com é de lei; (iii) que a Requerente confunde o conteúdo de uma notificação com a fundamentação do ato notificado, sendo que, considerando insuficiente o conteúdo da notificação, lhe competia fazer uso do disposto no artigo 37.º do CPPT, sob pena dos vícios da notificação se considerarem sanados; (iv) que não tem qualquer fundamento defender a obrigatoriedade de audiência prévia relativamente a atos interlocutórios ou meramente preparatórios do ato final da liquidação praticados no decurso de uma ação inspetiva; (v) que o exercício do direito de audição prévia ocorre (apenas) antes da conclusão do relatório final; (vi) mesmo que, por mera hipótese, se considerasse ultrapassado o prazo de 6 meses para a conclusão do procedimento, a consequência não seria a anulação do procedimento inspetivo e, consequentemente, a anulação da liquidação adicional em causa.
C.2) Falta de fundamentação da liquidação impugnada
Alega a Requerente que o Relatório de Inspeção, que fundamenta a liquidação impugnada, é «quase em absoluto, omisso quanto à fundamentação», limitando-se a AT a elencar meros juízos conclusivos, sem que a Reclamante consiga percorrer o iter cognoscitivo e alcançar o porquê de se decidir conforme se decidiu, concluindo que se impunha uma exaustiva e adequada fundamentação. Concretiza apontando como exemplos: (i) o ponto III.2.1III.2 do RIT, em que a AT se teria limitado a efetuar correções aritméticas, retirando alguns valores sem, contudo, explicar a razão por que o fez; (ii) o ponto III.2.2 do RIT, do qual resultou um acréscimo ao lucro tributável de € 4.193.027,80, justificado apenas com a alegação que de acordo com os autos de medição o real grau de acabamento das obras é superior; (iii) o ponto III.3 do RIT, onde a AT anula total ou parcialmente imparidades em créditos «alegando de forma singela e eminentemente conclusiva que por continuarem a existir relações comerciais com os devedores, não há risco de incobrabilidade».
Contrapõe a Requerida afirmando que: (i) a Requerente não demonstrou ter qualquer dificuldade em entender/apreender o itinerário cognoscitivo percorrido pelos serviços de inspeção, tendo formulado um juízo crítico sobre o mesmo ainda em sede de procedimento inspetivo, quando exerceu o seu direito de audição, e na presente ação arbitral; (ii) que a suficiência da fundamentação resulta evidente do facto de a Requerente ter decidido conformar-se com a maioria das correções efetuadas, contestando apenas as respeitantes aos contratos de construção e às perdas por imparidade;
C.3) Correções promovidas pela Inspeção Tributária
As correções promovidas pela Inspeção Tributária, contra as quais a Requerente ora se insurge (pois aceitou as demais) são as seguintes:
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Contratos de construção – rendimentos a acrescer/diferir, no montante de € 4.932.868,00;
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Contratos de construção – grau acabamento, no montante de €4.193.027,80;
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Perdas por imparidade em dívidas a receber, no montante de €2.882.986,50;
C. 4) Relação de prejudicialidade
No art.º 235.º da p.i., a Requerente afirma que «não discute, especificamente, a liquidação na parte em que a mesma está influenciada por correções negativas ao lucro tributável (até porque essas correções decorrem de outras, de sentido positivo, que a AT processou quanto a exercícios anteriores)».
Na realidade, relativamente a exercícios anteriores, a AT não aceitou determinadas imparidades em créditos registadas pela Requerente, tendo procedido a correções (para mais) do lucro tributável de tais exercícios e às consequentes liquidações adicionais, as quais foram impugnadas pela Requerente em processos que ainda correm termos.
No ano exercício ora em causa, a Requerente procedeu à reversão, nuns casos total, noutros parcial, de algumas dessas perdas por imparidade registadas em anos anteriores, considerando os valores constantes da sua contabilidade, ou seja, agiu como se as correções operadas pela AT relativamente aos anos em que tais imparidades haviam sido registadas não tivessem acontecido. Em resultado, fez acrescer ao lucro tributável de 2011 valores superiores aos que a AT considera serem de relevar (porquanto esta entende que parte desses valores deve acrescer ao lucro tributável os exercícios anteriores e não ao do exercício ora em causa).
A AT corrigiu os ganhos que, em 2011, resultaram de tais reversões (diminuindo o lucro tributável) em conformidade com as correções por ela efetuadas relativamente aos exercícios anteriores.
Assim sendo, o valor do lucro tributável de 2011 depende, quanto a este ponto, das decisões que venham a ser tomadas em tais processos de impugnação.
Por essa razão, a Requerida entende que existe uma relação de prejudicialidade ou dependência entre as impugnações judiciais pendentes no TAF de Braga e a presente ação arbitral, o que deveria conduzir à suspensão da presente instância até tais processos serem decididos.
C.5) Contratos de construção – rendimentos a acrescer/diferir, no montante de € 4.932.868,00.
Está em causa saber se, na utilização do método da percentagem de acabamento dos contratos de construção para apuramento dos resultados das obras de caracter plurianual em curso no final do período de 2011, devem ser ou não considerados como rédito do contrato os valores contabilizados pela Requerente a título de “Outros proveitos” e de “Revisão de Preços”.
Na primeira hipótese (se inseridos nos contratos de construção, como advoga o requerente), não são considerados rendimentos do exercício, mas inserem-se nos rendimentos do contrato de construção (segundo as regras do art. 19.º do CIRC); Na segunda hipótese, como defenda a requerida, essas rubricas devem ser considerados como um rendimento total do exercício (segundo as regras do art. 18.º do CIRC), com o que a AT promove um incremento aos rendimentos fiscais do exercício de 2011, no valor de € 4.932.868,00.
A Requerente sustenta ainda que se acaso houver lugar a correção, então os correspondentes gastos também deveriam ser expurgados dos gastos do contrato e de todos os apuramentos atinentes ao caso, por afetarem o cálculo da percentagem de acabamento. A Requerida sustenta não só a legalidade de tal correção como a inexistência dos “erros” apontados pela Requerente.
C.6) Contratos de construção – grau acabamento
Relativamente às obras CO 10/… E CO 11/…, a AT considerou que estava errado o cálculo do grau de acabamento apurado pela Requerente, respetivamente de 52,32% e de 46,56%. A AT concluiu que os rendimentos de tais obras deviam ser reconhecidos na proporção do trabalho executado, aferido por autos de medição: 100% no primeiro caso e 92,71% no segundo.
A conclusão da AT baseia-se no constante dos autos de medição de tais obras. A Requerente entende, ao invés, que o grau de acabamento deveria basear-se nos autos de receção provisória de tais obras, com o argumento de que, após os autos de medição terem sido realizados, “veio a verificar-se a existência de problemas relativamente à execução das obras em causa, de que de correu acentuado acréscimo de gastos com as mesmas” (art.º 198 PI), donde resultou que os valores dos gastos estimados não incorporam esses trabalhos a mais.
C.7) Perdas por imparidade em dívidas a receber
Estão aqui em causa um conjunto de créditos da requerente sobre terceiros (individualizados adiante), objeto de imparidades contabilísticas e fiscais por parte da requerente, mas que a Requerida não aceita, na interpretação que faz do art. 35.º e 36.º, n.º 1, al. c), do CIRC (na redação à data dos factos), por entender que não existem provas objetivas de imparidade nem terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.
II - FACTOS PROVADOS
Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão:
Gerais
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A Requerente foi notificada da decisão de prorrogação do prazo para a conclusão do procedimento inspetivo, constando de tal notificação apenas a disposição legal que o permite mas não as razões determinantes de tal prorrogação.
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A Inspeção tributária elaborou uma informação, datada de 01-10-2015, propondo a prorrogação da ação inspectiva por um período de três meses, ao abrigo do artigo 36.º, n.ºs 3 e 4 do RCPITA, da qual consta a indicação dos factos que justificam a necessidade de prorrogação do procedimento, a saber: a existência de situações de especial complexidade decorrente do elevado volume de operações e da interligação com empresas relacionadas, inclusive com uma sucursal em França.
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Tal prorrogação foi autorizada por despacho do competente Diretor de Finanças Adjunto exarado em tal «Informação».
Quanto aos contratos de construção – rendimentos a acrescer/diferir
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A Requerente utiliza o método da percentagem de acabamento para efeitos do apuramento dos resultados das obras de caracter plurianual em curso no final do período de 2011;
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Tendo em vista a aplicação deste método, a Requerente elaborou um mapa de cálculo designado de mapa das obras em curso, onde determina o grau de acabamento, através da divisão entre os custos totais incorridos e os custos totais estimados; grau este que se consubstancia numa percentagem que é multiplicada pelo rédito total do contrato, determinando-se desta forma, o rendimento do período e, consequentemente, o rendimento a acrescer ao período ou a diferir para períodos seguintes (doc. n.º 4 junto com a PI);
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A Requerente apresentava-se, por vezes, a concursos para execução de obras com preços equivalente ao custo estimado da obra, ou seja, sem estimar qualquer margem de ganho, para, desta forma, conseguir ganhar as obras a que concorria;
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A Requente, apesar de concorrer com preços equivalentes ao custo estimado da obra, tinha por objetivo maximizar o lucro ou minimizar os gastos aquando da execução da obra, estimando, portanto, a ocorrência de um resultado positivo;
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Os custos estimados para concluir as obras constantes do mapa de obras com referência a 31 de dezembro de 2011 é, para diversas obras, superior a esse custo estimado no mapa de obras do período anterior;
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A Requerente incluiu no rédito total do contrato itens designados como “trabalhos a mais”, “outros proveitos” e de “revisão de preços”;
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Os “outros proveitos” incluem débitos a outras entidades que não o cliente, tais como, vendas de sucata, valores debitados a parceiros de obras realizadas em consórcio, relativamente a valores a serem suportados pelo parceiro;
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A inspeção tributária (e a requerida) recalcula o mapa dos contratos de construção relativos a 2011 efetuado pela requerente, no sentido de a coluna dos “outros proveitos” e das “revisões de preço” não devem ser inseridas no mapa dos contratos de construção (ou seja, não se refletem nos rendimentos e margem dos contratos de construção), mas devem ser antes tratadas como um rendimento do exercício, segundo as regras gerais do art. 19.º do CIRC, com o que entende que o rédito tributado em 2011 é superior ao declarado pela requente em € 4.932.868,00 (cfr. os mapas do relatório de inspeção nas folhas 10 a 16, com a identificação de todas e cada uma das obras em causa com “outros proveitos” e “revisão de preços” objeto de correção e o doc. n.º 4 junto com a PI).
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Os montantes que a IT retira ao rédito do contrato de construção (ao custo estimado e ao valor faturado) dizem respeito a situações e trabalhos efetivamente efetuadas e executadas e que se refletiram nos gastos incorridos: os “outros proveitos” e a “revisão de preços” são verdadeiros e correspondem a operações efetivamente realizadas.
Quanto aos Contratos de construção – grau acabamento
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Em 2011, a Requerente, para efeitos de cálculo de acabamento dos contratos de construção, considerou que as obras CO 10/… Unidade de tratamento Mecânico e Biológico de Resíduos Sólidos Urbanos, do cliente B…, S.A. e CO 11/…, Estação de Tratamento de Águas residuais do…, do cliente C…, S.A. tinham um grau de acabamento de respetivamente 52,32% e de 46,56%.
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A requerente efetuou estes cálculos com base na percentagem de acabamento no final desse período (2011), com base na proporção entre os gastos suportados até final de 2011 e a soma desses gastos com os estimados para a conclusão dessas obras.
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Os autos de medição de tais obras em finais de 2011 (assinados por representantes da requerente e dos clientes) indicavam que a obra CO10/… tinha um grau de acabamento de 100% e que a obra CO11/… tinha um grau de acabamento de 92,71%.
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Em ambos os casos, os autos de medição estão errados: as obras estavam menos adiantadas do que a medição dos autos – e fez-se isso para permitir “adiantamento” de faturação – depoimento das testemunhas D… e E… .
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A requerente incorreu em gastos com a obra CO 10/… de 617.178,33€ em 2012 e de 107.777,85€ em 2013 (e foi nesse ano de 2013 que se efetuou o auto de receção provisória dessa obra).
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A requerente incorreu em gastos com a obra CO11/… de 957.399,29€ em 2012 – e foi nesse ano que se efetuou o auto de receção provisória dessa obra.
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A liquidação da AT considerou que estava errado o cálculo do grau de acabamento apurado pela Requerente e concluiu que os rendimentos de tais obras deviam ser reconhecidos na proporção do trabalho executado – tal como indicado nos autos de medição, isto é 100% no caso da obra CO 10/… e 92,71% no caso da obra CO11/… – e acresceu ao lucro tributável do sujeito passivo as quantias de respetivamente, 2.064.257,49€ e de 2.128.770,31€.
Quanto às imparidades
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A AT procedeu a correções positivas às provisões/ajustamentos/perdas por imparidade registada pela Requerente em anos anteriores, tendo procedido às consequentes liquidações adicionais.
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Tais liquidações adicionais são objeto de quatro processos de impugnação judicial que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga.
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Relativamente ao exercício ora em causa, A AT não aceitou imparidades em dívidas a receber registadas pela Requerente relativas aos seguintes clientes[1]:
- F…, Lda. – € 20.260,96
-G…, Lda. - € 274.509,29
-H…, SA - € 312.008,99
-I…, Lda. – €1.989.787,69
-J…, S.A. – € 59.685,69
-K…, S.A. – € 344.782,17
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A Requerente possui um departamento que se ocupa da cobrança de créditos cujo pagamento está em mora, sendo que o respetivo funcionário contactou por diversas vezes, pessoalmente, responsáveis dos quatro primeiros clientes referidos na alínea anterior, em ordem a conseguir o pagamento, mesmo que faseado, das importâncias aí referidas.
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Não obstante a mora no pagamento das quantias referidas e do facto de estes clientes, a maioria dos quais mantinha relações comerciais regulares com a Requerente, terem um historial de práticas de pagamento muito para além dos prazos convencionados, a Requerente continuou a manter relações comerciais com F…, H… e I… .
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O Cliente F… estava envolvido construção de um hotel no … e em decorrência da crise em 2010 começou a ter dificuldades de recebimentos e, consequentemente, de pagamento das suas dívidas.
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O Cliente H… estava envolvido na construção do centro comercial …, obra de grande dimensão, envolvendo valores muito significativos. Tal obra foi suspensa por falta de pagamentos, só tendo sido retomada em pleno em 2013, após a L… ter assumido a sua continuação.
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O Cliente I… estava envolvido na construção de um hotel geriátrico. O dono da obra tinha um contrato com terceiro que iria explorar esse estabelecimento. Houve desinteligências entre o dono da obra e o tal terceiro, que se terão refletido nos pagamentos devidos pelo dono da obra e, consequentemente, na capacidade de a I… solver os seus compromissos.
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A sociedade G… participava, em 25%, no consórcio para construção do …, mas, nomeadamente devido à já referida suspensão desses trabalhos, entrou em grandes dificuldades para conseguir recursos financeiros necessários para efetuar a sua quota-parte em tal obra.
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Em 2011 a Requerente efetuou um adiantamento a G…, LDA. no montante de € 622.737,32, apesar se esta sociedade lhe dever €647.541,01.
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O adiantamento feito pela Requerente visou permitir a compra de materiais e equipamentos necessários ao prosseguimento da já referida construção do…, de forma a evitar os prejuízos que para a Requerente, sua parceira em tal consórcio, decorreriam da não conclusão de tal obra ou de um elevado atraso na sua conclusão.
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Em 2011, a K…, S.A. recusava o pagamento das quantias em causa, faturas pela Requerente.
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O que motivou a instauração, pela Requerente, de uma ação judicial, a qual terminou por acordo, em 31 de Maio de 2012 tendo a requerente aceitado reduzir os montantes peticionados e a K…, S.A., reduzir os montantes de sanções contratuais aplicáveis.
A generalidade dos factos dados como provados consta dos RIT e de documentos juntos aos autos, não impugnados pelas partes, bem como de factos e valores indicados por uma parte e que não foram contraditados pela outra parte.
Os depoimentos das testemunhas M… e D… foram particularmente relevantes no tocantes aos temas “autos de medição” e às decisões de constituição de imparidades, demonstrando ter conhecimento direto dos factos e depondo de forma que o tribunal arbitral considerou esclarecedora e verdadeira.
III - EXCEÇÕES
A exceção da intempestividade do pedido de pronúncia arbitral invocada pela Requerida foi indeferida por decisão interlocutória de 31-07-2017, tendo esta decisão sido impugnada junto do TCA Sul em processo que ainda corre termos.
O tribunal entende que aquele recurso interlocutório não tem efeito suspensivo sobre este processo, pelos seguintes motivos: a) esta solução (não suspensão) é imposta pela razão de ser do processo arbitral fiscal, onde a celeridade é fator determinante, como se desenvolverá se seguida – e cujos corolários se aplicam aqui também; b) o tribunal arbitral não tem notícia, não foi disso notificado, que àquele recurso tenha sido conferido efeito suspensivo, no sentido de se suspender esta decisão arbitral até aquela decisão do TCA Sul; c) por regra, os recursos deste calibre (decisões interlocutórias) não têm automático efeito suspensivo sobre o andamento de todo o processo. No caso concreto o recurso foi processado em separado e não impede que o tribunal arbitral decida, como vai decidir, as questões materiais em litígio, dentro do prazo de um ano a que está vinculado (art. 21.º do RJAT).
IV- SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
A Requerida invoca a existência de uma «questão prejudicial» resultante do facto de a manutenção das correções (negativas) por ela efetuadas no cálculo do lucro tributável de 2011, no tocante à reversão de imparidades em créditos, estar dependente da decisão das impugnações deduzidas pela Requerente relativamente a liquidações adicionais relativas a exercícios anteriores (cfr. d) e e) dos factos provados).
Na realidade, em caso de improcedência de tais ações judiciais, os ajustes negativos feitos pela AT relativamente às reversões de imparidades consideradas pela Requerente em 2011 serão de manter. Mas se tais ações procederem, as correções operadas pela AT relativamente a 2011 deixarão de ter razão de ser, devendo, quanto a este ponto, ser considerados os valores contabilizados pelo sujeito passivo.
A questão é, pois, a de saber se o facto da liquidação ora impugnada poder vir ainda a ter que ser alterada em razão do que vier a ser decidido em outros processos deve determinar a suspensão da presente lide.
O art. 272.º do CPC, subsidiariamente aplicável, determina no seu n.º 1 que o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
A lei confere, claramente, ao julgador uma margem de liberdade na decisão da suspensão da instância, a qual, a nosso ver, só deve ser tomada quando as circunstâncias do caso mostrem que a boa decisão da causa obriga a que a suspensão ocorra.
A sistemática suspensão de processos pela existência de quaisquer relações de dependência de decisões a serem tomadas em outros processos ofenderia, desde logo, o princípio da celeridade processual. Princípio cuja observância assume extraordinária importância no contexto da arbitragem tributária, uma vez que, como é sabido (cfr. Preâmbulo do RJAT), o intuito de conseguir a resolução dos litígios tributários num prazo mais curto que aquele que os tribunais estaduais em regra conseguem lograr foi determinante da criação desta forma alternativa de resolução de litígios.
E veja-se, neste sentido, que a suspensão da instância não deve ser decretada quando uma causa (esta causa) estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superam as suas vantagens (art. 272.º, n.º 1, in fine, do CPC)
É bom de ver que a decisão que este tribunal arbitral é chamado em nada resulta condicionada pelas sentenças a serem proferidas nos outros processos referidos, até porquanto a Requerente teve o cuidado de, precisamente para afastar uma eventual relação de prejudicialidade, afirmar expressamente que «não discute, especificamente, a liquidação na parte em que a mesma está influenciada por correções negativas ao lucro tributável (até porque essas correções decorrem de outras, de sentido positivo, que a AT processou quanto a exercícios anteriores)».
Dir-se-á que, não havendo suspensão, a questão da legalidade da liquidação ora impugnada não ficará encerrada em definitivo com a decisão a ser proferida por este tribunal arbitral, pois que tal liquidação poderá ter que ser, de novo, alterada em razão do que vier a ser decidido em outros processos. É um facto!
Porém, tal pode acontecer em outras situações, nomeadamente as previstas no n.º 2 do art. 3.ºdo RJAT, ou seja, os casos em que um sujeito passivo decide impugnar a mesma liquidação num tribunal estadual e, também, num tribunal arbitral, invocando diferentes factos e fundamentos. Então, só com a execução do decidido em ambos os processos é que a situação tributária em causa (a legalidade da liquidação impugnada) resultará definitivamente estabilizada.
Assim sendo, entende-se não haver razões para a suspensão da presente instância, devendo a AT, em execução do que agora for decidido e, em momentos posteriores, do que vier a ser decidido nos processos que correm termos TAF de Braga, retirar as devidas consequências no que toca às reformas das liquidações ora em causa.
V - SANEAMENTO
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas e estão devidamente representadas.
Não foram suscitadas outras exceções de que cumpra conhecer.
Não se verificam nulidades que obstem ao conhecimento do mérito.
VI -DECIDINDO
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Vício procedimental
Atento o dado como provado em a) b) e c) dos factos provados, temos que a decisão de prorrogação do procedimento inspetivo se mostra fundamentada, muito embora tal fundamentação não tenha sido notificada à Requerente.
Concordamos com a AT quando afirma que, nestas circunstâncias, a Requerente deveria ter requerido “a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos”, tal como dispõe o artigo 37.º do CPPT.
Mais importante será o entendimento da jurisprudência dominante, vazado em numerosos arestos, segundo o qual a ultrapassagem do prazo, legalmente previsto, de duração do procedimento de inspeção não importa quaisquer outras consequências que não as relativas à suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação (o que não está em causa nos presentes autos) – por exemplo, Acórdãos do TCA Sul de 12/5/2009, proc. 02961/09, de 6/12/2007, proc. 01456/06 e de 30/4/2014, proc. n.º 06580/13).
Ou seja, se é inconsequente a ultrapassagem do prazo legalmente previsto para a duração do procedimento inspetivo, por maioria de razão o será uma decisão de prorrogação notificada desacompanhada da respetiva fundamentação.
Partilhamos também o entendimento da AT de que não tem fundamento legal sustentar que existe um direito de audição prévia relativamente a decisões interlocutórias tomadas num procedimento administrativo. Na realidade, a decisão de prorrogação da duração do procedimento inspetivo não consta do elenco do n.º 1 do art.º 60 da LGT, o que bem se compreende porquanto a participação do interessado (apenas nas decisões que diretamente possam afetar os seus direitos e interesses, o que não será o caso da prorrogação - acrescentamos) é assegurada pela sua audição antes da conclusão do relatório de inspeção.
Vai assim indeferida a pretensão da Requerente de ver anulada a liquidação impugnada em razão do invocado vício do procedimento inspetivo.
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Falta de fundamentação da liquidação impugnada
É manifesto que a liquidação impugnada (melhor, as correções ao lucro tributável que a originaram) está fundamentada.
A Requerente compreendeu perfeitamente os factos e argumentos em que a AT se louvou para proceder a correções ao lucro tributável declarado, pois foi capaz de decidir quais as correções com que entendeu conformar-se (a maioria, diga-se) e aquelas que entendeu sujeitar a uma reapreciação de legalidade na presente ação.
Também este tribunal arbitral (um dos destinatários de tal fundamentação) não teve dificuldade em compreender a motivação da AT para as correções a que procedeu.
O que, na realidade, a Requerente contesta é a suficiência da fundamentação não no sentido de permitir compreender o iter cogniscivo seguido pela AT, mas no sentido de os factos em que esta se louva para decidir como decidiu não serem bastantes para permitir aplicação das normas por ela invocadas.
Mas esta não é uma questão de falta de fundamentação (a que agora cumpria apreciar), mas sim da suficiência da fundamentação para permitir lograr determinadas conclusões, o que será apreciado a seguir, nos lugares próprios.
Vai assim indeferida a pretensão da Requerente de ver anulada a liquidação impugnada em razão do vício de falta de fundamentação.
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Contratos de construção – rendimentos a acrescer/diferir, no montante de € 4.932.868,00
Esta parte da decisão, atenta a complexidade da matéria, será dividida em três partes: a circunscrição do objeto do litígio; a explicação do regime contabilístico e fiscal dos contratos de construção e, por fim, a resolução do caso.
Circunscrição do objeto do litígio
Tanto a Requerida como a Requerente estão de acordo com o seguinte: a) a requerente devia aplicar o regime dos contratos de construção às operações em causa, como o fez; b) teria de utilizar, como utilizou, o método da percentagem de acabamento para efeito do apuramento dos resultados das obras de caracter plurianual em curso no final do período de 2011 (cfr. art. 19.º, n.º 1, do CIRC); c) para a concreta aplicação deste regime, o requerente tem de elaborar um mapa com as obras em curso, com várias informações, como os gastos suportados, os gastos estimados totais, e outros eventos – como foi feito pelo requerente; d) todas as obras descritas no mapa são verdadeiras e os valores inseridos estão quantitativamente corretos.
A Requerida alega, apenas, que os serviços inspetivos detetaram a existência, no referido mapa, de algumas situações anómalas, designadamente, a existência de um conjunto alargado de obras em que o custo estimado é igual ao total adjudicado, bem como, obras em que os custos estimados em 2011 são superiores aos custos estimados, para a mesma obra, no período anterior. Em concreto, discorda do critério utilizado na determinação do valor total de rendimentos da obra, o qual, de acordo com o seu entendimento, se afasta das regras constantes do parágrafo 11 da NCRF 19.
Considera, em concreto que as quantias faturadas no âmbito da obra e relativas a “trabalhos a mais” devem ser adicionadas ao valor adjudicado, designado de rédito total da obra – e aqui não há discordância com o requerente,
Mas, ao contrário do advogado pela requerente, que desse rédito deve ser retirado o valor de “Outros proveitos”, que incluem vendas de sucata e valores debitados a parceiros de obras realizadas em consórcio, e de “Revisão de Preços”, devendo ser considerados, segundo a AT, como rendimento do período em que é faturado.
Com base nesta consideração, a Requerida procedeu ao recálculo do mapa das obras em curso, retirando ao “total adjudicado” (rédito total do contrato) as quantias relativas a “outros proveitos” e “revisão de preços” e retirando ao “custo estimado” (custo total estimado do contrato) a referida quantia de “outros proveitos”. Efetuado o recálculo, a Requerida considera que por respeitar a rendimentos que, por força do n.º 1 e alínea c) do n.º 3 do art.º 18.º e do art.º 19.º, do Código do IRC são imputáveis ao exercício de 2011, o rédito é superior ao declarado pela requente em € 4.932.868,00.
O regime contabilístico e fiscal dos contratos de construção
Para a boa resolução desta questão, importa começar por tecer as necessárias notas de enquadramento para, munido desses conhecimentos, se resolver depois o caso concreto.
É sabido que a determinação do lucro fiscal assenta na contabilidade, com a aceitação parcial dos ditames desta ciência: após a aceitação em bloco da lei contabilística (regras de normalização contabilística), a lei fiscal (CIRC) contém parciais e pontuais divergências, expressamente descritas na lei tributária, quando entenda que o interesse fiscal não é salvaguardado (totalmente salvaguardado) com a solução proposta pela contabilidade. É isto o que lapidarmente dispõe o art. 3.º e 17.º, do CIRC.
Uma das questões centrais para a contabilidade e para o IRC é a definição do momento temporalmente relevante para o reconhecimento e mensuração das componentes negativa e positivas do rendimento – até pela razão elementar da anualização das contas do exercício (para efeitos fiscais, contabilísticos e do direito comercial). O legislador fiscal sentiu que esta matéria é tão relevante que, em repetição dos ditames contabilísticos, introduziu um preceito, o art. 18.º do CIRC, onde detalha os princípios gerais (e casos particulares e exceções) da circunscrição do momento fiscalmente relevante para a determinação dos rendimentos e dos gastos.
Essas regras são essencialmente duas: a) os itens positivos e negativos são reconhecidos no momento da realização (“independentemente do recebimento e do pagamento” [art. 18.º, n.º 1, do CIRC]), de acordo com o princípio da periodização económica (acréscimo na atual linguagem contabilística – cfr. parágrafo 22 da estrutura conceptual); b) com isto, as componentes positivas e negativas associadas ao mesmo rédito são reconhecidas no mesmo exercício – conceito de balanceamento. O art. 18.º, n.º 3 do CIRC é elucidativo: “os réditos relativos a vendas consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados […] (al. a); os réditos relativos a prestações de serviços consideram-se em geral realizados, e os correspondentes gastos suportados […] (al. b) – os sublinhados são nossos.
As regras descritas no art. 18º do CIRC – e decalcadas da normalização contabilística – funcionam, em geral, para todas as situações. No entanto, o art. 18.º do CIRC tem ainda o cuidado de regular casos especiais e excecionais, mas sempre na ligação entre os dois referidos conceitos: realização – não realização [e daí, por exemplo, o justo valor e o MEP descritos nos números 8 e 9 deste preceito] e balanceamento [e daí, por exemplo, a regulação dos casos das explorações silvícolas plurianuais e determinação dos resultados de obras efetuadas por conta própria e vendidas fraccionadamente, cfr. o n.º 6 e 7 do art. 18.º do CIRC].
Há, porém, uma situação em que pela sua natureza material não é possível o adequado funcionamento das regras da realização do artigo 18.º do CIRC (e correlativo princípio contabilístico), ainda que readaptadas. É o caso, precisamente, dos contratos de construção, em que, por definição, podem mediar vários anos entre a realização dos gastos (imediatos) e a obtenção dos correspondentes rendimentos (só no futuro). O parágrafo 1 da NCRF 19 (relativa aos contratos de construção) explica, de forma clara, a motivação do tema contabilístico (e fiscal) subjacente aos contratos de construção: “Por força da natureza da atividade subjacente aos contratos de construção, a data em que a atividade do contrato é iniciada e a data em que a atividade é concluída caem geralmente em períodos contabilísticos diferentes”.
Ora, perante um caso especial – impõe-se uma regra contabilística (NCRF 19) e fiscal (art. 19.º do CIRC) especial, cujo objetivo é assegurar o balanceamento (mas fora da regra geral da realização do art. 18.º do CIRC): “o assunto primordial na contabilização dos contratos de construção é a imputação do rédito do contrato e dos custos do contrato aos períodos contabilísticos em que o trabalho de construção seja executado” (NCRF 19, parágrafo 1).
O disposto no artigo 19.º do CIRC aplica-se à tributação e periodização do lucro tributável dos contratos de construção plurianuais, o qual, à data dos factos (2011) estabelecia no seu número 1: «A determinação dos resultados de contratos de construção cujo ciclo de produção ou tempo de execução seja superior a um ano é efetuada segundo o critério da percentagem de acabamento».
E, esclarece o número 2 do mesmo preceito, que, para efeitos fiscais, a percentagem no final de cada período de tributação (2011) “corresponde à proporção entre os gastos suportados até essa data e a soma desses gastos com os estimados para a conclusão da obra”.
Desta disposição retiram-se três importantes elementos interpretativos para a resolução do caso concreto, quer pela análise da norma em concreto, quer, em geral, tendo em conta o modelo de dependência parcial entre a contabilidade e o CIRC.
Primeiro: ainda que a contabilidade (NCRF 19) contenha, que contém, vários métodos para a periodização do rendimento dos contratos de construção – em termos fiscais, apenas vigora o método vazado na contabilidade de proporção entre os gastos suportados até esse ano e a soma desses gastos com os estimados para a conclusão da obra.
Com efeito, a NCRF 19 (parágrafo 30) identifica três possíveis maneiras para consumar a determinação da percentagem de acabamento (e do resultado) nos contratos de construção, a saber: «A fase de acabamento de um contrato pode ser determinada de várias maneiras. A entidade usa o método que permita mensurar com fiabilidade o trabalho executado. Dependendo da natureza do contrato, os métodos podem incluir: a) A proporção em que os custos do contrato incorridos no trabalho executado até à data estejam para os custos estimados totais do contrato; b) Levantamentos do trabalho executado; e c) Conclusão de uma proporção física do trabalho contratado» (cfr. § 30). Dentre estas três formulações para computar a percentagem de acabamento, o legislador fiscal apropriou-se apenas de uma. Optou claramente por uma formulação mais contabilística – proporção entre os gastos suportados até essa data e a soma desses gastos com os estimados para a conclusão do contrato – em detrimento doutras, não verificáveis a posteriori através de dados contabilísticos.
Segundo: seguindo a regra da dependência, as prescrições e conceitos da NCRF 19 relativas e compatíveis com o método descrito no art. 19.º, n.º 2, do CIRC são aplicáveis em termos fiscais.
Terceiro: as soluções da lei fiscal (art. 19.º, n.º 2, do CIRC) e da lei contabilística que o replica visam sempre, como critério geral de interpretação, que se assegure o necessário balanceamento (concordância no mesmo exercício) entre os gastos e os réditos associados ao mesmo contrato de construção, como forma de assegurar que todos os custos e proveitos do contrato estão submetidos a este regime especial de tributação, como forma de apuramento do real resultado de cada exercício.
Em suma: o legislador fiscal, no que ao caso em análise releva, acolhe as regras contabilísticas constantes da NCRF 19, com algumas limitações: i) admite apenas o método da percentagem de acabamento; ii) aceita como forma de determinação dessa percentagem apenas a proporção entre os gastos suportados até à data do Balanço e a soma desses gastos com os estimados para a conclusão do contrato e iii) em tudo o resto, aplicar-se-á a normalização contabilística, se compatível com a conclusão i) e ii) acima referidas.
A resolução do caso
No caso dos autos, a Requerente utilizou o método da percentagem de acabamento imposto pela lei fiscal e a Requerida não coloca em causa a utilização do método, mas antes o seu cômputo – ou seja, se as rubricas “outros proveitos” e “revisão de preços” se inserem (como advoga a requerente) ou não (como defende a requerida) na norma contabilística e fiscal dos contratos de construção.
Ora, adiantemo-lo desde já, a boa interpretação das regras e princípios contabilísticos e fiscais pende para a inclusão dos “outros proveitos” e “revisão de preços” no rédito dos contratos de construção – com o que a liquidação adicional é ilegal, por violação e errada interpretação do art. 19.º do CIRC, dos parágrafos a seguir descritos da NCRF 19 e do fulcral princípio do balanceamento ínsito nos contratos de construção.
O tratamento contabilístico dos contratos de construção, de acordo com a NCRF 19, é uma das matérias contabilísticas em que a utilização do conceito de balanceamento entre réditos e gastos está mais patente, resultando numa total irrelevância da forma a favor da substância. A faturação – forma – é completamente irrelevante para efeitos de registo do rédito, sendo este reconhecido em função da produção efetiva associada ao contrato – substância do trabalho realizado. A totalidade dos gastos e réditos relativos a uma obra cuja execução abranja dois períodos económicos devem ser reconhecidos nos resultados de um e outro período económico em função da respetiva execução.
Para garantir esse balanceamento a norma contabilística procura garantir que todos os custos que de alguma forma se relacionem com o contrato de construção (obra) sejam considerados como custos do contrato e que todos os réditos que apresentem alguma ligação com o contrato sejam, igualmente, considerados como rédito do contrato.
A NCRF 19 (parágrafo 20) exclui quatro tipologias de custos, a saber: “a) Custos administrativos gerais cujo reembolso não esteja especificado no contrato; b) Custos de alienação (custos de vender); c) Custos de pesquisa e desenvolvimento cujo reembolso não esteja especificado no contrato; e d) Depreciação de ativos fixos tangíveis ociosos que não sejam usados num contrato particular”. E exclui-os, estes e só estes, por não apresentarem qualquer relação com o contrato de construção.
Todavia, e isso é muito relevante, a NCRF 19 não exclui qualquer tipologia de rédito – quaisquer tipos de réditos potencialmente associados ao contrato de construção, mas que dele deveriam ficar excluídos (e ser considerados rendimentos do exercício). Bem ao invés: a NCRF 19 (parágrafo 11 e 12), como forma de assegurar o balanceamento entre o rédito e os custos do contrato, ordena a que se considerem como réditos do contrato: i) a quantia inicial acordada; ii) as variações no trabalho; iii) as reclamações e reivindicações e iv) os incentivos.
As normas contabilísticas e de relato financeiro (NCRF) resultam de um processo de push down das normas internacionais de contabilidade (Pacter, 2008)[2], pelo que a sua linguagem pode resultar distinta da utilizada no quotidiano dos negócios em Portugal e da estabelecida noutros textos legais nacionais. O preenchimento desses conceitos passa necessariamente pela análise da NCRF em causa, que habitualmente os define com uma linguagem económica, que o jurista terá de interpretar.
Atente-se, a este propósito, no conceito de “reivindicação” constante do § 14 da NCRF 19: “uma reivindicação é uma quantia que a entidade contratada procura cobrar do cliente ou de outra parte como reembolso de custos não incluídos no preço do contrato. Uma reivindicação pode resultar, por exemplo, de demoras causadas por clientes, de erros nas especificações ou de alterações discutidas nos trabalhos do contrato”.
Enquanto, por exemplo, as variações no trabalho, incluem os trabalhos a mais e os trabalhos a menos (NCRF 19 parágrafo 13), as “reivindicações” incluirão a revisão de preços, pois, no decurso do contrato (obra), podem verificar-se alterações dos custos não consideradas no preço contratado.
A jurisprudência dos tribunais superiores segue linha idêntica: «o que subjaz ao regime de revisão de preços consiste na criação de um mecanismo que visa assegurar o equilíbrio económico-financeiro do contrato, inserido na fase de execução do contrato, pois podendo a execução prolongar-se no tempo, podem modificar-se as circunstâncias económicas gerais em que as partes fundaram a decisão de contratar» (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo 08906/12, de 06 de Maio 2014).
É certo que os termos são divergentes – num lado reivindicação (lei contabilística) e, no outro, revisão de preço (definido pela requerente, segundo a designação de outra fontes legais, por exemplo, do art. 382.º do Código dos Contratos Públicos). Mas o sentido é igual – e é isso que importa: o normalizador contabilístico visou integrar nos custos e no rédito do contrato todos aqueles que apresentem relação com o mesmo, incluindo desta forma a revisão de preços, que mais não é do que o assegurar do equilíbrio económico-financeiro do contrato e, consequentemente, intrinsecamente associada ao contrato.
Em suma: este resultado interpretativo (a revisão de preços subsume-se nos réditos dos contratos de construção – e deve seguir esse regime contabilístico e fiscal) alicerça-se em três argumentos cumulativos.
Em primeiro lugar, no elemento literal: as revisões de preços subsumem-se no conceito de reivindicações da contabilidade (NCRF 19, parágrafo 14), que por sua vez integra o rédito do contrato de construção (e, portanto, não são um custo total do exercício).
Em segundo lugar, no elemento sistemático: o método de apuramento fiscal dos resultados dos contratos de construção do art. 19.º, n.º 2 do CIRC é compatível com as situações factuais (e contabilísticas) de reivindicações e revisão de preços. A lei fiscal incorpora e aceita as revisões de preço.
E, em terceiro lugar, num duplo argumento teleológico: a dependência entre a contabilidade e a lei fiscal também vigora ao nível da identidade dos conceitos e seus conteúdos prescritivos; e, por outro lado, porque a solução que se advoga é a que melhor engloba a ideia de total e completo balanceamento entre todos os rendimentos e todos os custos associados aos contratos de construção, tendo todos o mesmo tratamento contabilístico (inserção no art. 19.º do CIRC), para assim melhor e mais perfeitamente apurar o real resultado de cada exercício (e de cada contrato de construção).
Vejamos agora o tema dos “outros proveitos” que, como ficou provado, incluem débitos relativos a contratos de construção, mas efetuados a outras entidades que não o cliente, como, vendas de sucata e valores debitados a parceiros de obras realizadas em consórcio, relativamente a valores a serem suportados pelo parceiro.
O que se disse anteriormente em relação à revisão de preços também se aplica a estes “outros proveitos”, nomeadamente a sua compatibilidade com a boa interpretação do art. 19.º do CIRC e com o princípio geral do balanceamento e equilíbrio económico-financeiro do contrato. Todos os custos e rendimentos associados aos contratos de construção devem estar dentro do mesmo regime contabilístico e fiscal (art. 19.º do CIRC), desde que os rendimentos estejam ainda relacionados com a construção – ainda que de forma menos direta, como no caso dos “outros proveitos”.
A totalidade dos gastos e rendimentos associados ao contrato (obra) são considerados no método da percentagem de acabamento. É irrelevante na determinação do lucro tributável de um contrato de construção a existência de quantias faturadas a outras entidades que não o dono de obra. Conclusão que resulta da matéria relativa à combinação e segmentação de contratos de construção que, claramente, sobrepõe a substância, a obra, à forma, a documentação. Se no âmbito da construção de uma única obra forem faturadas quantias a entidades distintas, em substância essas faturações são relativas a essa mesma obra, pelo que, devem ser consideradas no método da percentagem de acabamento da mesma.
Consequentemente, a faturação emitida a favor de consorciadas para equilibrar a respetiva participação no consórcio, bem como, a faturação resultante da venda dos resíduos, vulgo sucata, resultantes da execução daquelas concretas empreitadas, devem ser consideradas no cálculo da percentagem de acabamento.
Em suma: o ato tributário, ao excluir do rédito do contrato os “outros proveitos” e “revisão de preços” relacionados com os contratos, não está conforme ao disposto no art. 19.º e 19.º do CIRC – e às regras de normalização contabilística aplicáveis, pelo que se impõe a anulação, nesta parte da liquidação impugnada.
Uma última precisão: o contencioso de anulação (como ocorre na arbitragem tributária) basta-se com a consideração de que a liquidação é ilegal por ter interpretado erroneamente a lei aplicável ao não inserir os “outros proveitos” e “revisão de preços” no tratamento fiscal dos contratos de construção. Não interessa saber, por conseguinte, se valores identificados pela Requerente como “revisões de preço” e “outros proveitos” estão exatos e foram bem calculados, até porque – e este aspeto é relevante – a correção definida pela Autoridade tributária foi de natureza qualitativa (se as revisões de preço e outros proveitos entram ou não nas receitas dos contratos de construção) e não quantitativa (ainda que tais verbas entrassem nos contratos de construção, estariam mal calculadas, porque motivos que fossem, erro de calculo, erro de quantificação …).
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Contratos de construção – grau acabamento, no montante de €4.193.027,80;
Diz o artigo 19.º, do CIRC (na versão e redação à data dos factos, 2011) que a determinação dos resultados de contratos de construção plurianuais é efetuada segundo o critério da percentagem de acabamento (n.º 1), que se apura, no final de cada ano, pela proporção entre, por um lado, os gastos suportados até essa data e, por outro lado, com a soma desses gastos com os estimados para a conclusão do contrato (n.º 2).
A requerente, na sua autoliquidação de 2011, seguindo os seus cálculos com base nas regras da percentagem de acabamento, indicou que a obra CO 10/… tinha um grau de acabamento de 52,32% e que a obra CO 11/… tinha um grau de acabamento de 46,56%.
A AT considerou que estava errado o cálculo do grau de acabamento apurado pela Requerente – com base em autos de medição dessas obras de finais de 2011, onde se indicava que a percentagem de acabamento era num caso de 100% e no outro de 92,71%.
A solução deste caso tem duas vias – que conduzem ao mesmo resultado: uma com a análise da factualidade provada e outra com base no direito aplicável.
É para nós certo que a AT, ao introduzir a prova dos autos de medição, conseguiu, com isso, ilidir a presunção de veracidade de que goza a contabilidade da requerente – e os seus cálculos de percentagem de acabamento dessas obras indicados em 2011, com base nos cálculos contabilísticos dos gastos incorridos e dos gastos estimados (art. 75.º da LGT).
E, perante isso, passou a competir ao sujeito passivo a prova de que os seus registos contabilísticos foram corretos, apesar disso, ou, então, que o indicador introduzido pela Autoridade tributária não tem valia, porque não corresponde, de facto, à realidade.
E a requerente fez essa prova: provou, também por testemunhas, que os autos de medição não correspondiam à realidade; indicou-se nesses documentos extra contabilísticos uma percentagem de acabamento destas obras superiores à realidade, apenas para permitir um adiantamento de faturação, com vantagens financeiras para a requerente mas sem repercussões na contabilização e tributação dos contratos de construção (pelo menos na situação em causa). Esta prática da empresa pode ser censurada noutros locais e para outros efeitos, mas não em termos tributários: o imposto visa tributar o real rendimento do contribuinte, numa opção pelo lucro real. E, na realidade, a percentagem de acabamento destas obras não era de 100% e 92,71%.
Acresce que, e este ponto é muito relevante, a requerida não introduz quaisquer elementos de base contabilística para alterar a percentagem de acabamento indicada pela requerente. A requerida não prova que os gastos reais, apurados na contabilidade, eram superiores aos indicados pela requerente em cada uma destas obras; ou que os gastos estimados eram diversos dos autodeclarados.
Donde, não há fundamentos para recusar os dados do contribuinte – demonstrada que está a razão de ser dos autos de medição, ou seja, que não correspondem à real percentagem de acabamento das obras em causa.
O segundo argumento tem uma base de direito – e é explanado por exaustividade argumentativa, já que a argumentação até agora explanada bastaria para considerar ilegal a liquidação de imposto em relação à percentagem de acabamento destes dois contratos de construção.
A questão formula-se desta forma: se a requerida entendesse, com base nos autos de medição, que percentagem de acabamento era superior à indicada pela requerente (com base nas contas que fez entre os gastos incorridos e os estimados), então, nesse cenário, a correção fiscal (quantitativa e qualitativa) poderia ser baseada na percentagem indicada nos autos de medição ou, ao invés, teria a AT de estabelecer a proporção dos gastos suportados até à data de Balanço e a soma desses gastos com os estimados para a conclusão do contrato? Ou seja, a correção (e definição da percentagem de acabamento) poderia ser feita com uma base física (auto de medição) ou teria de se sustentar numa base contabilística (gastos incorridos versus estimados na e pela contabilidade)?
Como se viu supra, no ponto C, A lei fiscal dá uma resposta clara a esta pergunta: para o CIRC – e independentemente de poderem existir outros métodos na contabilidade – a determinação dos resultados dos contratos de construção (e a questão umbilicalmente ligada da percentagem de acabamento da obra plurianual) só se pode fazer pela «(…) a percentagem de acabamento no final de cada período de tributação corresponde à proporção entre os gastos suportados até essa data e a soma desses gastos com os estimados para a conclusão do contrato» (art. 19.º, nº 2, do CIRC).
O CIRC só aceita que os rendimentos dos contratos de construção sejam calculados com base na contabilidade (custos incorridos e estimados) e por isso seria sempre ilegal a liquidação neste ponto porque se sustenta numa percentagem de acabamento que não decorre da contabilidade (percentagem de acabamento pela contabilidade) mas da percentagem física do acabamento – aferida por autos de mediação.
E percebe-se perfeitamente a razão de ser desta opção do legislador fiscal: se o CIRC se sustenta na contabilidade, se a mesma tem uma presunção de veracidade, não só pela valia científica desta ciência, como pelos mecanismos de controlos na sua utilização para outros efeitos que impelem à realidade (pelo sócio, credor, investidor, etc.) é normal que a aferição da percentagem de acabamento se reconduza aos ditames da contabilidade. Com isso, consegue-se maior aderência à realidade, maior comprovação ao longo do tempo (os registos são guardados) – e note-se que os contratos de construção envolvem situações plurianuais, por natureza. Ou seja e em suma: qualquer outra formulação de apuramento da percentagem de acabamento (por exemplo os autos de medição) teria menor credibilidade e valia e capacidade de controlo e comprovação – e por isso, o CIRC só aceita que a percentagem de acabamento seja definida (e corrigida) com base nos elementos da contabilidade.
A requerida, para que a correção fosse legal, poderia invocar os autos de medição (como pretexto ou pano de fundo da correção), mas depois teria sempre e obrigatoriamente de explicar, por recurso à contabilidade, qual a real e verdadeira percentagem de acabamento das obras, por recurso aos dados da contabilidade. Mas, como é bom de ver, nada disso foi feito, no caso dos autos.
Por todas estas razões, anula-se a liquidação impugnada no que decorre das correções ao grau de acabamento das obras relativas à Unidade de tratamento Mecânico e Biológico de Resíduos Sólidos Urbanos, do cliente B…, S.A. e à Estação de Tratamento de Águas residuais do …, do cliente C…, S.A.
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Perdas por imparidade em dívidas a receber, no montante de €2.882.986,50;
Está em causa a aplicação do artigo 36.º do CIRC que, na redação ao tempo vigente, prescrevia que:
1 – Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade se considere devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
c) Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respectivo vencimento e existam provas objectivas de imparidade e de terem sido efectuadas diligências para o seu recebimento.
Nenhuma controvérsia existe quanto ao facto de, relativamente a todas as imparidades em causa nos presentes autos, se verificar o primeiro dos requisitos legais: mora superior a 6 meses.
Ficou provado que, para além das diligências de cobrança feitas por escrito pela Requerente junto dos clientes em causa, das quais dá conta o RIT, houve diligências feitas pessoalmente por um funcionário da Requerente especialmente incumbido de contactar os devedores desta em situação de mora e, em alguns casos, contactos ao nível da administração, todos visando a regularização de tais créditos.
Assim considera-se que relativamente a todas estas imparidades se mostra cumprido o requisito de “terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento”.
Resta apenas apurar se existiram provas objetivas de imparidade.
Em primeiro lugar, temos que ficou provado que as decisões da Requerente de registo de imparidades eram decididas caso a caso.
Importa começar por salientar que a lei fiscal não especifica quais os factos a serem provados, ou seja, quais são os indícios que devem estar presentes para se considerar verificado o risco de incobrabilidade referido no corpo da norma atrás transcrita.
Assim há que recorrer às normas contabilísticas aplicáveis, em razão do princípio da dependência parcial que preside à aplicação das normas contabilísticas no apuramento do lucro tributável: na medida em que não exista norma fiscal dispondo em sentido diferente, o lucro tributável é quantificado por aplicação das pertinentes normas contabilísticas.
No caso, é de aplicar a NCRF 27 - Instrumentos financeiros – que, no que aqui releva, dispõe o seguinte:
23 - À data de cada período de relato financeiro, uma entidade deve avaliar a imparidade de todos os ativos financeiros que não sejam mensurados ao justo valor através de resultados. Se existir uma evidência objetiva de imparidade, a entidade deve reconhecer uma perda por imparidade na demonstração de resultados.
24 - Evidência objectiva de que um activo financeiro ou um grupo de activos está em imparidade inclui dados observáveis que chamem a atenção ao detentor do activo sobre os seguintes eventos de perda:
(a) Significativa dificuldade financeira do emitente ou devedor;
(b) Quebra contratual, tal como não pagamento ou incumprimento no pagamento do juro ou amortização da dívida;
(c) O credor, por razões económicas ou legais relacionados com a dificuldade financeira do devedor, oferece ao devedor concessões que o credor de outro modo não consideraria;
(d) Torne-se provável que o devedor irá entrar em falência ou qualquer outra reorganização financeira;
(e) O desaparecimento de um mercado activo para o activo financeiro devido a dificuldades financeiras do devedor;
(f) Informação observável indicando que existe uma diminuição na mensuração da estimativa dos fluxos de caixa futuros de um grupo de activos financeiros desde o seu reconhecimento inicial, embora a diminuição não possa ser ainda identificada para um dado ativo financeiros individual do grupo, tal como sejam condições económicas nacionais, locais ou sectoriais adversas.
25 - Outros fatores poderão igualmente evidenciar imparidade, incluindo alterações significativas com efeitos adversos que tenham ocorrido no ambiente tecnológico, de mercado, económico ou legal em que o emitente opere. Um declínio significativo ou prolongado no justo valor de um investimento num instrumento de capital próprio abaixo do seu custo, também constitui prova objetiva de imparidade.
Por estarem em causa situações com contornos diferentes, analisaremos separadamente as imparidades relativas aos Clientes I…, H…, G…, F…, por um lado, e as relativas aos clientes K… e J… por outro.
Relativamente ao primeiro grupo de clientes, a prova produzia convenceu o tribunal arbitral de que estes atravessaram, no período em causa, significativa dificuldade financeira (n.º 24, al. b), da NCRF 27), em grande parte devidas às condições económicas nacionais adversas (n.º 24, al. f), da NCRF 27) (estávamos no “pico” da crise económica e financeira que o país atravessou, com acentuados reflexos no sector da construção civil, o que é facto notório), o que obrigou a Requerente a oferecer ao devedor concessões que o credor de outro modo não consideraria (n.º 24.º, al. c), da NCRF 27), pelo menos no caso da G…, Lda.
Os créditos à G… mereceram a seguinte ponderação acrescida. Em 2011, a Requerente efetuou-lhe um adiantamento de € 622.737,32, quando esta sociedade já lhe devia €647.541,01. Esta operação tem racionalidade empresarial: a G… participava, em 25%, no consórcio para construção do …; a G… entrou em dificuldades para conseguir recursos financeiros necessários para efetuar a sua quota-parte em tal obra (devido, nomeadamente, à suspensão desses trabalhos). A Requerente concedeu este crédito à G… para permitir a compra de materiais e equipamentos necessários ao prosseguimento da já referida construção do…, para assim evitar maiores prejuízos para a Requerente – pela não conclusão de tal obra (ou um elevado atraso na sua conclusão, com penalidades) ou ter de a assumir na íntegra.
Ora, esse crédito (em mora) integra-se numa imparidade contabilística e fiscal: decorre da atividade da requerente, tem racionalidade empresarial (e o Tribunal não se pode imiscuir nas opções de gestão da empresa); atendendo à situação do devedor (em dificuldades) e da obra (suspensa e em dificuldades) havia a possibilidade da requerente não receber esse crédito, verificada por circunstâncias externas do caso (e de poder vir a receber [álea no momento em causa, 2011] se a obra ficasse concluída e o cliente final a pagasse); e este caso insere-se nas imparidades reconhecidas pela NCRF 27, parágrafo 24 c) – com aceitação fiscal: “O credor, por razões económicas ou legais relacionados com a dificuldade financeira do devedor, oferece ao devedor concessões que o credor de outro modo não consideraria”.
Estas concessões não se reconduzem, ao menos para efeitos fiscais, a acordos de pagamento fixando novos prazos, pois então deixaria de haver mora superior a 6 meses. São antes, como sucede no caso dos autos, financiamentos ao devedor com o intuito que este recupere e possa pagar os compromissos que, na altura que se está a considerar, não tem capacidade económica de solver.
Algumas considerações mais:
O facto de a Requerente ter continuado a manter relações comerciais com, pelo menos, a maioria destes clientes, alguns dos quais com um historial de pagamentos para além dos prazos acordados, não afasta necessariamente o risco de incobrabilidade. Como não o afasta a existência de pagamentos parciais dos montantes em dívida. Todo o comércio em que a regra é a concessão de crédito aos clientes, envolve um risco de cobrança; sem a assunção desse risco, pura e simplesmente, não haveria negócios, nomeadamente no sector da construção civil. Continuar ou não a manter relações comerciais com devedores em mora é uma decisão de gestão empresarial em que a AT não se pode imiscuir pois - como é reafirmado por numerosa jurisprudência, ainda que muitas vezes a outros propósitos (v.g. aceitação fiscal de gastos) – vigora entre nós o princípio, com dignidade constitucional, da liberdade de empresa (veja-se, por todos, o recente Acórdão do TCA Sul de 23/3/2017, proc. 06792/13).
O que importa, na decisão de constituição de imparidades, é avaliar se o risco é “normal”, ou se, em determinado momento (quando do encerramento de cada exercício), se tornou “excessivo”. Existindo factos que evidenciem a existência de um risco anormalmente elevado, há que criar imparidades, pois de outra forma a contabilidade não espelharia a realidade patrimonial da empresa (trata-se de uma concretização do princípio contabilístico da (sã) prudência.
Não cabe ao julgador (nem à AT) sobrepor a sua “avaliação do risco” à que foi feita pelo empresário (sujeito passivo). Cabe-lhe tão só avaliar se, considerados os factos – provados - em que o empresário fundou a sua decisão, decidir se a constituição de imparidades, em cada caso concreto, se mostra razoável porque suficientemente fundamentada. O que, no entender deste tribunal arbitral, em razão da prova produzida em audiência, aconteceu, relativamente a estes clientes,
Termos em que se anula a liquidação impugnada no que decorre da não aceitação das imparidades registadas pela Requerente relativamente aos clientes I…, H…, G…, Lda., F…,
Importa agora analisar o caso da Cliente J…, S.A.
Lendo o requerimento inicial (n.º 395 a 400), verifica-se que a Requerente sustenta que «começa a AT por alegar que esta é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos» pelo que, «concluiu que os respetivos créditos não oferecem qualquer risco de incobrabilidade». Seguidamente, a Requerente sustenta a inaplicabilidade às sociedades de direito privado, ainda que com capitais exclusivamente públicos, do disposto no disposto no n.º 3, do artigo 36.º, do CIRC.
Ora, lendo o RIT que na parte onde se encontra a fundamentação desta correção, verificamos que a AT não invoca diretamente a aplicação da referida norma (afirma genericamente «ficando assim por cumprir o estipulado nos artº 35 e 36 do CIRC»), apenas argumenta que, por estar em causa uma empresa de capitais público, não existe um risco objetivo de não cobrança.
Aplicando coerentemente a linha de pensamento que atrás deixámos exposta quanto aos critérios que devem presidir à aceitação do registo de uma imparidade em créditos, verifica-se que a Requerente não alegou quaisquer factos em que tenha baseado a sua decisão de constituição das imparidades relativas a este cliente.
A prova testemunhal, embora com algumas referências a esta questão, não foi concludente.
Pelo que é de manter a correção operada pela AT, ou seja, a não aceitação das imparidades registadas pela Requerente relativamente aos seus créditos sobre a sociedade J…, S.A.
Finalmente, temos os créditos da Requerente sobre a sociedade K… .
A AT fundamenta a decisão de não aceitação das imparidades relativas a este cliente no facto de ser um cliente regular da Requerente «com um prazo de pagamento bastante dilatado».
Ora, como ficou provado, o que estava em causa não era uma questão de incapacidade do devedor cumprir com as suas obrigações para com a Requerente, mas sim a recusa da K… em aceitar, ao menos parcialmente, os valores faturados e, ainda, a pretensão de compensar parte dos montantes que reconhecia estarem em dívida com a aplicação de “multas contratuais”.
Poder-se-ia questionar o reconhecimento pela Requerente de tais quantias como rédito dada a não aceitação, ao menos em parte, de tal dívida por parte da K… .
O certo é que a NCRF 20, no seu ponto 33, é clara: O rédito apenas é reconhecido quando seja provável que os benefícios económicos inerentes à transação fluam para a entidade. Contudo, quando surja uma incerteza acerca da cobrabilidade de uma quantia já incluída no rédito, a quantia incobrável, ou a quantia a respeito da qual a recuperação tenha cessado de ser provável, é reconhecida como um gasto, e não como um ajustamento da quantia do rédito originalmente reconhecido.
O reconhecimento de tal perda (imparidade), nas circunstâncias dadas como provadas, correspondeu áquilo que é exigência da lei contabilística. Não dispondo a lei fiscal em sentido diferente, considera-se aplicável, por força do já referido princípio da dependência parcial do apuramento do lucro fiscal relativamente ao apuramento do lucro contabilística (da aplicação das regras contabilísticas), a imparidade registada pelo sujeito passivo terá de ser aceite também no plano fiscal, pelo que, quanto a este ponto, se mostra ilegal a correção operada pela AT.
Termos em que se anula a liquidação impugnada no que decorre da não aceitação das imparidades registadas pela Requerente relativas à K…, SA.
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Anulação total das liquidações
Muito embora o Tribunal Arbitral não tenha concluído pela ilegalidade de todas as correções à matéria coletável operadas pela AT (e existam numerosas outras correções que não foram objeto da presente impugnação) o Tribunal, por não dispor de elementos que lhe permitam decidir de outro modo (anulação parcial), terá que anular as liquidações impugnadas na sua totalidade, cabendo à AT, como é de lei, extrair as devidas consequências desta decisão arbitral, nomeadamente no tocante à reforma das liquidações impugnadas.
VI – DECISÃO
Anulam-se, por ilegais, a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao ano de 2011, com o nº 2015…, bem como das liquidações de juros daquela decorrentes (liquidações n.º 2015…, 2015… e 2015…).
VII - Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 97.º-A, n.º 1, alínea a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de em € 3.663.018,11
Notifique-se.
Lisboa, 16 de Março de 2018
O Árbitro-Presidente (Tomás Cantista Tavares)
O Árbitro Vogal (Rui Duarte Morais)
O Árbitro Vogal (Sérgio Pontes)
[1] Apenas se enumeram as imparidades cuja desconsideração pela AT é objeto de impugnação no presente processo.
[2] Pacter, P. (2008), An IFRS for Private entities. International Journal of Disclosure and Governance, vol. 6, 1, 4-20.