Acordam os Árbitros José Pedro Carvalho (Árbitro Presidente), José Nunes Barata e Ricardo Marques Candeias, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte
DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
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No dia 27 de Junho de 2017, A…, LDA, NIPC…, com sede na Rua do …, n.º…, …, …-… …, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IRS (retenção na fonte) n.º 2017 … e da liquidação de juros compensatórios n.ºs 2017 … e 2017 …, no valor total de €259.699,66.
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Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:
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a inaplicabilidade da presunção prevista no artigo 6º, n.º4 do CIRS aos movimentos na conta “sócios” efectuados em 2014;
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a violação dos princípios da prossecução do interesse público, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade pelo facto de a AT não ter analisado a informação bancária para a qual a Requerente concedeu expressa autorização;
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a violação de lei, por erro nos pressupostos de subsunção dos factos à norma de incidência, bem como do artigo 68.º-A da LGT, pelo facto de a AT concluir pela verificação da presunção prevista no artigo 6º, nº4 do CIRS e daí extrair a conclusão de que a Requerente deveria ter procedido, nesse momento, à retenção na fonte de IRS sobre tais lucros presumidos, sabendo que os mesmos não foram nem podiam ser colocados à disposição dos sócios da Requerente
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No dia 28-06-2017, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
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A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
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Em 14-08-2017, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
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Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 31-08-2017.
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No dia 06-10-2017, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se unicamente por impugnação.
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No dia 20-11-2017, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foram inquiridas as testemunhas, no acto, apresentadas pela Requerente.
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Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.
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Foi fixado o prazo de 30 dias para a prolação de decisão final, após a apresentação de alegações da AT prazo esse que foi prorrogado até ao termo do prazo fixado no artigo 21.º/1 do RJAT.
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O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5º. e 6.º, n.º 1, do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
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A Requerente foi constituída em 1997 e é, e era em 2014, uma sociedade por quotas à qual corresponde o CAE – 86220, dedicando-se, desde o início, à prática de actos médicos, designadamente, serviços médicos de oftalmologia, prestados em exclusivo pelo sócio B… .
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Durante largos anos, previamente à constituição da sociedade ora Requerente, o sócio B… exerceu a sua actividade a título individual, passando posteriormente, após a constituição da sociedade, a fazê-lo nos mesmos termos, como único clínico da sociedade.
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A Requerente tem um capital social de € 5.000,00, representado por duas quotas no valor de € 2.500,00 cada, pertencentes a B… e a C… .
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A Requerente está, e estava em 2014, enquadrada no regime geral de determinação do lucro tributável.
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No exercício de 2014, a Requerente apresentou um lucro tributável de €114.310,38.
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No exercício de 2014, a Requerente registou na conta “Sócios/Accionistas” um valor de € 856.405,41.
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Desde a sua constituição, nem sempre a sociedade ora Requerente foi gerida com total observância do princípio da separação entre o património individual e o património da empresa, e constituiu prática corrente da Requerente a realização de pagamentos através das disponibilidades em caixa ou de levantamentos para o efeito, sem exigência de documentos comprovativos, bem como a realização de pagamentos de despesas pessoais do sócio B… .
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Ao longo de vários anos, o processamento da contabilidade da Requerente foi feito do seguinte modo: a conta “resultados transitados e reservas” era registada directamente pela diferença entre o saldo real das contas “caixa/depósitos” e o saldo evidenciado pelos extractos bancários.
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Em resultado disto, o saldo das contas de depósito à ordem evidenciados na contabilidade não traduziam o valor real dos montantes disponíveis nas contas bancárias em causa.
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Do mesmo modo, a conta de “resultados transitados e reservas”, apresentava um saldo artificial, sem que existissem resultados apurados distribuíveis e susceptíveis de integrar a reserva legal.
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Do balanço da Requerente referente ao exercício de 2010 consta que o saldo acumulado das contas de depósito ascendia, no dia 31 de Dezembro daquele ano era de € 524.681,08, e que o saldo das contas de resultados transitados e de reservas, era de € 298.583,07 e de € 69.747,78, respectivamente.
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Do balanço da Requerente referente ao exercício de 2011, consta que o saldo acumulado das contas de depósito ascendia, no dia 31 de Dezembro daquele ano a € 594.310,50, e que o saldo das contas de resultados transitados e de reservas, valores de € 353.649,12 e de € 169.747,78, respectivamente
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Do balanço da Requerente referente ao exercício de 2012, consta que o saldo acumulado das contas de depósito ascendia, no dia 31 de Dezembro daquele ano a € 693.635,52, e que o saldo das contas de resultados transitados e de reservas, era de € 395.477,53 e de € 219.747,78, respectivamente.
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Durante o ano de 2014, a Requerente decidiu regularizar a sua contabilidade tendo para o efeito sido creditado o excesso das referidas contas de depósito por contrapartida de contas “sócios”, fazendo-o num primeiro momento para a conta 25 “Financiamentos obtidos – Outros Part. suprimentos e O.Mu.” e, num segundo momento para a conta 26 “Accionistas/Sócios – adiantamentos por conta de lucros”, do seguinte modo:
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“26.3.10 –C…” – €683.591,68
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“26.3.11 –B…” – €172.903,73
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Do balanço da Requerente referente ao exercício de 2014, consta que no final desse exercício a sociedade apresentava um valor na “conta de sócios” de € 856.405,41, apresentando o saldo das contas de resultados transitados e de reservas, um valor de € 541.477,53 e de € 269.778,62, respectivamente.
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Do balanço da Requerente referente ao exercício de 2015, conta que, após a efectiva distribuição de resultados efectuada nesse exercício, a sociedade apresentava um valor na “conta de sócios" de € 849.805,41, apresentando o saldo das contas de resultados transitados e de reservas, um valor de € 548.867,16 e de € 269.778,62, respectivamente.
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Em 28-09-2015 a Requerente foi notificada para o início da acção inspectiva externa de âmbito parcial, ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2016…, referente ao ano de 2013.
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Do balanço e IES referente ao exercício de 2013, consta que o saldo acumulado das contas de “depósito e caixa” ascendia, no dia 31-12-2013, a € 649.051,85.
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O valor de disponibilidades de depósitos à ordem, de acordo com os respectivos extractos bancários ascendia, no final de 2013, a €34.230,28 (€501,95 junto do D…, e €33.728,33, junto do E…).
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Desde então, e até à data de apresentação do Requerimento inicial, o saldo das referidas contas bancárias não excedeu o montante de € 50.000,00, considerados todos os movimentos próprios da actividade, nenhum dos quais a favor dos sócios.
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No âmbito deste procedimento de inspecção, o gerente da sociedade foi questionado pela AT sobre o destino dos montantes de € 9.852,19 e € 329.652,13, que se encontrava contabilizado nas contas do D… e E… respectivamente, tendo afirmado que não sabia responder a essa questão, sendo certo, porém, que no ano em causa “não tinha saído nenhum dinheiro dessa conta”.
O sócio-gerente declarou ainda o seguinte:
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A situação referida manteve-se no ano de 2015, em que a sociedade apresentava um valor na conta “sócios” de € 849.805,41.
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Em Janeiro de 2016, já no decurso do procedimento inspectivo, a Requerente procedeu à transferência do referido montante para a conta 59 “Outras variações no capital próprio”, anulando, em contrapartida, a conta de resultados transitados e reservas no mesmo valor.
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Em Abril de 2016, foi a Requerente notificada de que o procedimento inspectivo havia sido prorrogado por um prazo de 3 meses, pelo facto de o sujeito passivo ter autorizado o levantamento do sigilo bancário.
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Em 22 de Junho de 2016, a Requerente foi notificada da conclusão do procedimento de acção inspectiva, sem que dele resultasse qualquer acto tributário.
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Na mesma data, a Requerente foi notificada da instauração de um novo procedimento de inspecção externa, de âmbito parcial e com incidência no exercício de 2014, através da Ordem de Serviço nº OI2016…, tendo por base a PIP … onde se refere que “No decurso da OI2015… para o exercício de 2013 constatou-se que o sujeito passivo terá feito, no ano de 2014, adiantamentos por conta de lucros no montante de €856.405,41 sem ter efectuado e entregue a respectiva retenção na fonte de IRS”.
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Da IES respeitante ao exercício de 2014, nomeadamente do balanço, consta que parte do valor que se encontrava contabilizado nas contas bancárias teve como destino a conta de sócios.
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Do balancete analítico em 31-12-2014, na conta “Accionistas/sócios – Adiantamento por conta de lucros”, constavam os seguintes saldos devedores:
- “26.3.10 –C…” – €683.591,68
- “26.3.11 –B…” – €172.903,73
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Da análise dos extractos contabilísticos destas duas contas e dos respectivos documentos de suporte, constava o seguinte:
- A conta “26.3.10 –C…” no exercício de 2014 teve apenas um movimento a débito em 31-12-2014, no montante de €683.501,68, por contrapartida da conta “25.3.22 - Financiamentos Obtidos – Outros Part. Suprimentos e O.Mu. –C…”;
- A conta “26.3.11 –B…”, no exercício de 2014, teve dois movimentos, ambos a débito. O primeiro, em 31-01-2014, no montante de €150.000 por contrapartida da conta “13.1 – Outros depósitos bancários –E…” e, o segundo, no montante de €22.903,73, efectuado em 31-12-2014, por contrapartida da conta “25.3.21- Financiamentos obtidos – Outros Part. Suprimentos e O. Um. –B…”.
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As contas da Requerente do exercício de 2014 (em que os lançamentos em questão constavam) foram aprovadas unanimemente pelos sócios em Assembleia Geral de 31 de Março de 2015.
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O valor creditado no ano de 2014 na conta “Sócios/Accionistas” corresponde exactamente ao saldo da conta e depósitos que vinha sendo acumulado ao longo de vários anos.
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Em 09-11-2016, os Serviços de Inspecção Tributária reuniram com o sócio gerente que declarou:
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Dos documentos contabilísticos constava que o sócio-gerente auferia um salário mensal de €750,00.
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Do livro de actas da sociedade resulta que até 31-12-2014 não foi tomada nenhuma deliberação no sentido da distribuição de lucros.
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A AT entendeu que a Requerente deveria ter procedido à retenção na fonte sobre o montante declarado na conta “Sócios/Accionistas”, propondo a seguinte correcção:
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A Requerente foi notificada do teor do ofício n.º … de 29-11-2016, relativo ao projecto de Relatório de Inspecção Tributária, proposto pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa.
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A Requerente foi, ainda, notificada, nos termos do artigo 60º do RCPITA e artigo 60º da LGT para, querendo, exercer o seu direito de audição, o que não fez.
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Os Serviços de Inspecção Tributária emitiram o Relatório Final de Inspecção Tributária, do qual consta o seguinte:
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A Requerente foi notificada da liquidação n.º 2017… tendo sido apurado um montante de imposto a pagar a título de retenções na fonte, no valor de €239.793,51.
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A Requerente foi notificada da liquidação de juros compensatórios n.º 2017 … n.º 2017…, no valor global de €19.906,15.
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13[1], “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.
Não se deram como provados nem não provados factos contraditórios com, ou contidos nos factos provados, nem alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada, como, por exemplo, o constante dos pontos 48 e 50 do requerimento inicial.
B. DO DIREITO
Em causa, na presente acção arbitral está apreciar a legalidade da aplicação da presunção do artigo 6.º, n.º 4 do CIRS que determina que os lançamentos em conta corrente do sócio, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, se presumem feitos a título de lucros ou adiantamentos de lucros, quando a sociedade não tinha disponibilidade financeira para colocar esses valores à disposição dos sócios.
Com interesse para a decisão da causa, dispõe o artigo 6.º do CIRS aplicável que:
“4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
5 - As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, ato administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direção-Geral dos Impostos.”.
Com relevo, também, para a situação sub iudice, dispõe o artigo 5.º do mesmo Código:
“1 - Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, direta ou indiretamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respetiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias.
2 - Os frutos e vantagens económicas referidas no número anterior compreendem, designadamente: (...)
h) Os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respetivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros, com exclusão daqueles a que se refere o artigo 20.º;”.
Releva, igualmente, o artigo 7.º do mesmo Código, ao dispor:
“1 - Os rendimentos referidos no artigo 5.º ficam sujeitos a tributação desde o momento em que se vencem, se presume o vencimento, são colocados à disposição do seu titular, são liquidados ou desde a data do apuramento do respetivo quantitativo, conforme os casos.(...)
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, atende-se: (...)
2) A colocação à disposição, para os rendimentos referidos nas alíneas h), i), j), l) e r), assim como dos certificados de consignação;”.
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Sobre a matéria ora em causa, foi já proferida abundante jurisprudência, sobretudo do Tribunais Centrais Administrativo do Sul, sublinhando-se a seguinte:
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Acórdão do TCA-Sul de 25-11-2008, proferido no processo 02544/08, e de 13-10-2009, proferido no processo 03221/09, onde se pode ler:
“II) -Concluindo-se que os lançamentos feitos em conta corrente de sócios não resultam de mútuos, de prestação de trabalhos ou do exercício de cargos sociais, têm os mesmos que ter-se, presumidamente, como feitos a título de lucros ou de adiantamento dos lucros (nº 4, in fine, do art. 7º do CIRS).]
III) - As presunções estabelecidas nesse preceito legal podem ser ilididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção - Geral das Contribuições e Impostos.”
E mais adiante:
“o certo é que os impugnantes não contestaram esses movimentos, vindo, no entanto, advogar que não houve qualquer adiantamento por conta de lucros, e, ainda que tivessem existido, teriam que ser registados na conta 25 — Accionista, de acordo com o previsto no POC.(...)
as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, como dispõe a norma do art. 349.º do C.C.
Conforme a indução ou inferência é feita pela própria lei, que do facto conhecido presume a existência do facto desconhecido, sem dependência de apreciação do juiz, ou é feita por este através das regras da vida (id quod plerumque accidit),a presunção diz-se legal, ou natural simples ou judicial) - cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil, 1960-1961, págs. 485 e 486.
A presunção, de que os referidos montantes recebidos pela sociedade, deveriam ser considerados “adiantamento de lucros” aos administradores, é uma presunção legal (estabelecida expressa e directamente na lei), e não uma presunção simples, apenas natural ou judicial, que tenha por base os dados da experiência comum - e que, como se sabe, é admitida só nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal de acordo com o disposto no art. 351.º do C. C.
Por isso, vale a regra constante do n.º2 do art.º350.º do C.C., própria para as presunções legais - as quais, para serem destruídas (nos casos em que a lei o permite) têm de ser ilididas mediante prova em contrário.
No caso de presunção natural, não é necessário fazer a prova do contrário do facto presumido, bastando abalar a convicção resultante da presunção, e não, necessariamente, fazer prova do contrário do facto a que ela conduz - cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos desta Secção do TCA de 16.12.1997 e de 3.2.1998, recursos n.ºs 65 229 e 39/97, respectivamente.
Perante este quadro e face ao que se provou, impunha-se-nos concluir que os recorrentes não lograram ilidir a presunção ou, pelo menos, abalar a convicção decorrente da presunção, como lhes estava legalmente imposto.
Perante os elementos literal, lógico e sistemático dos normativos que regem a tributação dos rendimentos da categoria E, mais especificamente os casos em que podem ser presumidos os rendimentos dessa categoria, as únicas situações em que são consentidas presunções quanto a tais rendimentos são as tipificadas no art° 7°, concretamente e ao que ao caso importa, os nºs 4. Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucros.
As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção - Geral das Contribuições e Impostos.
Analisando o probatório, resultam provados, como início de prova ou facto conhecido fundante do facto presumido, os lançamentos em contas correntes escrituradas na sociedade, pelo que é lícito concluir, como fez a Administração Fiscal, que as verbas em causa foram embolsadas a título de lucros ou de adiantamento de lucros. (...)
Concluindo-se que os lançamentos feitos em conta corrente de sócios não resultam de mútuos, de prestação de trabalhos ou do exercício de cargos sociais, têm os mesmos que ter-se, presumidamente, como feitos a titulo de lucros ou de adiantamento dos lucros (nº 4, in fine, do art. 7º do CIRS).]”
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Acórdão do TCA-Sul de 11-01-2011, proferido no processo 04357/10, onde se pode ler:
“IV) -Concluindo-se que os lançamentos feitos em conta corrente de sócios não resultam de mútuos, de prestação de trabalhos ou do exercício de cargos sociais, têm os mesmos que ter-se, presumidamente, como feitos a título de lucros ou de adiantamento dos lucros (nº 4, in fine, do art. 7º do CIRS).]
V) - As presunções estabelecidas nesse preceito legal podem ser ilididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção - Geral das Contribuições e Impostos.”,
E mais adiante:
“De acordo com o ensinamento de José Guilherme Xavier de Basto, in Incidência real e determinação dos rendimentos líquidos, 2007, págs.221 e seg.), nos termos do art°.7, n°.4, do C.I.R.S., se presume que as quantias escrituradas em quaisquer contas correntes dos sócios de sociedades comerciais, que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, correspondem a lucros ou adiantamento por conta de lucros. Com esta presunção, procede-se a uma qualificação supletiva de quantias cuja origem não esteja expressa nas contas correntes em causa. A lei não se refere expressamente às quantias escrituradas nas contas de sócios a título de suprimentos. O que a lei, com a presunção em análise, quis resolver foi a qualificação das quantias escrituradas cuja "causa" jurídica não foi expressamente declarada.
E o certo é que o impugnante não produziu prova documental no sentido de pôr em causa a liquidação objecto dos presentes autos, pelo que é de aplicar a referida presunção constante do artº 7°, n° 4 do CIRS.
E o certo é que o impugnante não contestou os referidos movimentos, vindo, no entanto, advogar que não houve qualquer adiantamento por conta de lucros, que aquele valor não consubstancia qualquer acréscimo patrimonial susceptível de tributação em sede de I.R.S. .
No entanto, as presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido, como dispõe a norma do art. 349.º do C.C.
Conforme a indução ou inferência é feita pela própria lei, que do facto conhecido presume a existência do facto desconhecido, sem dependência de apreciação do juiz, ou é feita por este através das regras da vida (id quod plerumque accidit),a presunção diz-se legal, ou natural simples ou judicial) - cfr. Anselmo de Castro, Direito Processual Civil, 1960-1961, págs. 485 e 486.
A presunção, de que os referidos montantes recebidos pelo impugnante, como administrador, deveriam ser considerados “adiantamento de lucros”, é uma presunção legal (estabelecida expressa e directamente na lei), e não uma presunção simples, apenas natural ou judicial, que tenha por base os dados da experiência comum - e que, como se sabe, é admitida só nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal de acordo com o disposto no art. 351.º do C. C.
Por isso, vale a regra constante do n.º2 do art.º350.º do C.C., própria para as presunções legais - as quais, para serem destruídas (nos casos em que a lei o permite) têm de ser ilididas mediante prova em contrário.
No caso de presunção natural, não é necessário fazer a prova do contrário do facto presumido, bastando abalar a convicção resultante da presunção, e não, necessariamente, fazer prova do contrário do facto a que ela conduz - cfr. neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos desta Secção do TCA de 16.12.1997 e de 3.2.1998, recursos n.ºs 65 229 e 39/97, respectivamente.
Perante este quadro e face ao que se provou, impõe-se a inelutável conclusão de que o recorrente não logrou ilidir a presunção ou, pelo menos, abalar a convicção decorrente da presunção, como lhe estava legalmente imposto.
Perante os elementos literal, lógico e sistemático dos normativos que regem a tributação dos rendimentos da categoria E, mais especificamente os casos em que podem ser presumidos os rendimentos dessa categoria, as únicas situações em que são consentidas presunções quanto a tais rendimentos são as tipificadas no art° 7°, concretamente e ao que ao caso importa, os nºs 4 e 5. Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamentos dos lucro.
As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção - Geral das Contribuições e Impostos.
Analisando o probatório, resultam provados, como início de prova ou facto conhecido fundante do facto presumido, os movimentos a débito e a crédito da conta " 2551.2- Empréstimos a accionistas", em nome do seu maior accionista e administrador, Sr. I…, o impugnante e ora recorrente, pelo que é lícito concluir, como fez a Administração Fiscal, que as verbas em causa foram embolsadas a título de lucros ou de adiantamento de lucros.
Atenta a clareza do texto legal, a presunção de adiantamentos de lucros poderia actuar porque existiu lançamento em conta-corrente do impugnante e escriturada na sociedade.”
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Acórdão do TCA-Sul de 18-02-2016, proferido no processo 08760/15, onde se pode ler:
“5. O artº.5, nº.2, al.h), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de I.R.S. os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
6. O artº.6, nº.4, do C.I.R.S., consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros. Com esta presunção o legislador quis resolver a qualificação das quantias escrituradas nas contas correntes dos sócios, cuja "causa" jurídica não tenha sido expressamente declarada, assim conduzindo a que tais montantes tenham o tratamento dos lucros distribuídos. Estamos, portanto, perante presunção legal (estabelecida expressa e directamente na lei), sendo incidente sobre o facto gerador do imposto.
7. Estando em causa a pretensa ilisão de uma presunção legal relativa (iuris tantum), impendia sobre o impugnante e ora recorrente, o ónus de produzir prova do contrário (cfr.artº.350, nº.2, do C.Civil), ou seja, de desenvolver actuação probatória dirigida contra o casuístico facto presumido, com o objectivo e de molde a convencer o julgador de que, não obstante a ocorrência do facto (lançamentos em contas correntes dos sócios, escrituradas em sociedades comerciais) que serve de base ao funcionamento da presunção invocada, o facto presumido não se verificou e/ou o direito presumido não existe. Acresce, tratando-se da presunção prevista no artº.6, nº.4, do C.I.R.S., por força do disposto, de forma expressa, no nº.5 do mesmo normativo, a necessidade incontornável de a mesma só poder ser ilidida pelos quatro meios de prova aí, taxativamente, previstos, decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos, consagrando a lei procedimento probatório específico para o efeito no artº.64, do C.P.P.T.”
E mais adiante:
“o artº.6, nº.4, do C.I.R.S., consagra a presunção de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, se presumem feitas a título de lucros ou adiantamento dos lucros. Com esta presunção o legislador quis resolver a qualificação das quantias escrituradas nas contas correntes dos sócios, cuja "causa" jurídica não tenha sido expressamente declarada, assim conduzindo a que tais montantes tenham o tratamento dos lucros distribuídos. Estamos, portanto, perante presunção legal (estabelecida expressa e directamente na lei), sendo incidente sobre o facto gerador do imposto (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/1/2011, proc.4357/10; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 5/2/2015, proc.8216/14; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.337 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.109).
Estando em causa a pretensa ilisão de uma presunção legal relativa (iuris tantum), impendia sobre o impugnante e ora recorrente, o ónus de produzir prova do contrário (cfr.artº.350, nº.2, do C.Civil), ou seja, de desenvolver actuação probatória dirigida contra o casuístico facto presumido, com o objectivo e de molde a convencer o julgador de que, não obstante a ocorrência do facto (lançamentos em contas correntes dos sócios, escrituradas em sociedades comerciais) que serve de base ao funcionamento da presunção invocada, o facto presumido não se verificou e/ou o direito presumido não existe. Acresce, tratando-se da presunção prevista no artº.6, nº.4, do C.I.R.S., por força do disposto, de forma expressa, no nº.5 do mesmo normativo, a necessidade incontornável de a mesma só poder ser ilidida pelos quatro meios de prova aí, taxativamente, previstos, decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos, consagrando a lei procedimento probatório específico para o efeito no artº.64, do C.P.P.T. (cfr.artº.73, da L.G.T; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/1/2011, proc. 4357/10; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.338; Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção no Direito Civil, Almedina, 2ª. Edição, 2013, pág.91 e seg.).
“In casu”, atenta a factualidade provada (cfr.nºs.1 e 3 do probatório), a A. Fiscal fez prova do depósito na conta 2551- Empréstimos da sociedade "A. – I. N., L.da." de montantes relativos ao ano fiscal de 2002 (€ 8.191,48), como ao ano fiscal de 2004 (€ 325.117,28), mais tendo levado em consideração que a tributação em I.R.S., a título de adiantamento por conta de lucros, mediante opção de englobamento de rendimentos por parte do recorrente, tudo nos termos dos artºs.5, nº.2, al.h), e 40-A, nº.1, do C.I.R.S., somente incidiu sobre 50% do valor dos rendimentos auferidos.
Com vista à ilisão da examinada presunção legal o recorrente poderia ter utilizado o mecanismo previsto no citado artº.64, do C.P.P.T., matéria que não encontra apoio no probatório, o qual o apelante não impugnou, conforme supra vincado.
Consequentemente, tendo a Administração Tributária demonstrado a legalidade do seu agir, incumbia ao recorrente o ónus da elisão da identificada presunção, ónus que não cumpriu, de todo em todo (de nada servindo a junção aos autos das declarações identificadas nos nºs.6 a 11 do probatório).”
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Acórdão do TCA-Sul de 04-06-2015, proferido no processo 07453/14, onde se pode ler:
“os impugnantes argumentam nos termos seguintes.
i) Como foi reiterado pela testemunha F… ………., a divergência de €246.500,00, nos valores de caixa em relação ao saldo contabilístico da sociedade G… Lda. é justificada pelo facto dos impugnantes, na qualidade de gerentes da sociedade, terem efectuado, durante os exercícios de 1991 a 1995, diversas despesas, referentes as deslocações no estrangeiro, despesas de representação e promoção, utilizando para o efeito verbas da sociedade, das quais nunca apresentaram os respectivos justificativos.
ii) Após ponderação de várias possibilidades e com vista à regularização do saldo contabilístico da referida sociedade, os impugnantes deliberaram, através da acta n.º 21, de 20 de Janeiro de 2005, que tais verbas consistiriam em adiantamentos por conta de lucros.
iii) Os impugnantes apenas recorreram a esta situação, porquanto, na sua óptica, demonstrou-se ser a única forma de corrigir o saldo contabilístico da sociedade; aliás, esta situação foi expressamente abordada pela testemunha, F… ………….., a qual afirmou que nunca foi intenção dos impugnantes prejudicar o Estado, mas apenas regularizar uma situação que não estava correcta.
iv) Mais referem que não havendo, no caso, qualquer acréscimo patrimonial na sua esfera jurídica, a tributação do montante em causa incorre em violação do princípio da capacidade contributiva.
Do probatório resulta que, por deliberação da sociedade, datada de 20.01.2005, foi reconhecido haver divergência de €246.500,00, na conta de sócios, em favor dos ora impugnantes; mais se determinou que a referida divergência seria computada como levantamentos a título de adiantamento por conta dos lucros que cabem aos sócios, ora impugnantes, com efeitos a partir de 31.12.2004.
Determina o artigo 6.º/4, do CIRS, que «[o]s lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob a forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros. // 5. As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser elididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos».
«O procedimento para fazer a prova requerida para a ilisão está contido no artigo 64.º do CPPT e constitui procedimento contraditório próprio». «Com [a presunção do n.º 4 do artigo 6.º], procede-se a uma qualificação supletiva de quantias, cuja causa não esteja expressa nas contas correntes em causa. (…) O que a lei, com aquela presunção, quis resolver foi a qualificação das quantias escrituradas cuja “causa” jurídica não foi expressamente declarada». Neste sentido, a jurisprudência sublinha que «[c]oncluindo--se que os lançamentos feitos em conta corrente de sócios não resultam de mútuos, de prestação de trabalhos ou do exercício de cargos sociais, têm os mesmos que ter-se, presumidamente, como feitos a título de lucros ou de adiantamento dos lucros (nº 4, in fine, do art. 7º do CIRS).]» [Ac. do TCAS, de 11.01.2011, P. 4357/10]. No caso, os elementos existentes nos autos depõem no sentido de que o montante em causa constitui acréscimo patrimonial dos impugnantes; a afirmação de que a divergência detectada corresponde a quantias despendidas em despesas de representação, por conta sociedade, sem qualquer apoio documental que a justifique e tendo contra si a própria declaração dos sócios beneficiários, que assumem, na acta da deliberação social, que tais quantias foram pagas a título de adiantamento por conta de lucros, não logra rescindir o entendimento assente. É que, recorde-se, mesmo que as despesas de representação pagas com verbas da empresa, nos anos de 1991 a 1995, tenham efetivamente ocorrido, não resulta dos autos que as quantias em causa, no montante total de €246.500,00, tenham sido levantadas para fazer face a essas despesas [alíneas O, P, Q, e R, do probatório].”.
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Acórdão do TCA-Sul de 15-12-2016, proferido no processo 09929/16, onde se pode ler:
“11. A definição de rendimentos de capitais, introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, no artº.5, nº.1, do C.I.R.S., traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias de rendimentos em que opera o I.R.S.
12. O artº.5, nº.2, al.h), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de I.R.S. os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
13. Por sua vez, o artº.7, do C.I.R.S., define o momento da sujeição à tributação dos rendimentos de capitais, ou seja, define o momento em que o imposto se torna exigível.
14. Os valores pagos à entidade bancária decorrentes da assunção de dívida pela sociedade recorrente são considerados rendimentos de capitais a título de lucros e/ou adiantamento por conta de lucros e como tal sujeitos a tributação em sede de I.R.S. Essa tributação é feita através de retenção na fonte, a título definitivo, às taxas liberatórias consagradas no artº.71, do C.I.R.S., cabendo à sociedade ora recorrente proceder à citada retenção na fonte”
E mais adiante:
“A definição de rendimentos de capitais, introduzida pela Lei 30-G/2000, de 29/12, no artº.5, nº.1, do C.I.R.S., traduz e incorpora uma regra de incidência tão ampla que é capaz de englobar qualquer situação, envolvente de valores mobiliários, que não seja tributada noutra das categorias de rendimentos em que opera o I.R.S. (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.3410/09; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.226 e seg.).
O artº.5, nº.2, al.h), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de I.R.S. os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.258 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.112 e seg.).
Por sua vez, o citado artº.7, do C.I.R.S., define o momento da sujeição à tributação dos rendimentos de capitais, ou seja, define o momento em que o imposto se torna exigível, sendo que, no caso concreto, relevam os nºs.1 e 3, al.a), 2), da norma em causa (cfr. José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.332 e seg.).”
Com relevo para o caso, apontam-se ainda os seguintes acórdãos, invocados pela Requerente:
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Acórdão do TCA-Sul de 05-02-2015, proferido no processo 08216/14, onde se pode ler:
“5. O artº.5, nº.2, al.h), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), consagra como rendimentos de capitais sujeitos a incidência de I.R.S. os lucros, incluindo o adiantamento por conta de lucros, colocados à disposição dos respectivos associados.
6. Por sua vez, o artº.7, do C.I.R.S., define o momento da sujeição à tributação dos rendimentos de capitais, ou seja, define o momento em que o imposto se torna exigível.
7. O artº.6, nº.4, do C.I.R.S., consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, de que as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quantias essas que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.”;
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Acórdão do STA de 15-12-2004, proferido no processo 01187/04, onde se pode ler:
“A decisão judicial, proferida em sede de impugnação judicial, segundo a qual o contribuinte não recebeu juros em contrato de mútuo em que foi mutuante constitui base suficiente à ilisão da presunção constante do artº 7º nº 5 do C.I.R.S.”
E, mais adiante:
“Dispõe o artº 7º nº 2 do CIRS que se presume que os mútuos são remunerados.
Por sua vez o nº 5 desta disposição legal estabelece que esta presunção pode ser ilidida com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento da Direcção Geral de Impostos.
Este preceito legal encontra paralelismo no anterior art.º 14º do C. do Imposto de Capitais que, para além de estabelecer idêntica presunção, prescrevia que a mesma só podia ser ilidida “por decisão judicial proferida em acção intentada pelo contribuinte contra o Estado, em que se declare ter ficado provado que não foram recebidos juros antecipadamente, nem eram ou são devidos ou, sendo-o, têm taxa diferente, ou por declaração passada pelo Banco de Portugal em que se confirme a taxa de juro efectivamente praticada ou a sua inexistência”.
Do confronto destas disposições legais resulta, desde logo, não ser agora necessária, como era, decisão judicial proferida em acção cível intentada pelo contribuinte contra o Estado, com vista à ilisão de tal presunção.
Assim sendo nada impede que a decisão judicial a que agora alude o art.º 7º nº 5 do CIRS seja proferida, como no caso foi, em processo de impugnação judicial.
Por outro lado, de tal confronto resulta também que, não se prevendo, no regime anterior, qualquer limitação quanto aos meios de prova de que o interessado pudesse lançar mão para o efeito, não se vê, face ao actual quadro legal, que o processo de formação da dita decisão judicial não se possa apoiar, ao contrário do que afirma a F.P., em prova testemunhal e/ou documental.
De resto, como afirma André Salgado de Matos (CIRS, anot., 1999, fls. 148/149) esta presunção é ilidível, sob pena de inconstitucionalidade, podendo a prova de que não corresponde à realidade ser feita pelo sujeito passivo através de qualquer meio legalmente admissível, nos termos gerais de Direito, nomeadamente os que a F.P., no recurso, entende não serem admissíveis.
Em suma, volvendo ao caso dos autos, não suscita reparos a decisão recorrida, no ponto ora em análise, sendo base adequada à ilisão da dita presunção, pois que é, obviamente, uma decisão judicial, tendo sido proferida em impugnação judicial que é meio adequado para o efeito, com base em meios de prova admitidos nos termos gerais do Direito.”
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Posto isto, cabe, à luz dos entendimentos acima sedimentados, apreciar o fundo da causa.
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Começa a Requerente por alegar que se deverá considerar ilidida a presunção em que assenta o acto tributário objecto da presente acção arbitral.
Conforme resulta pacificamente da jurisprudência acima citada, em consonância com o texto legal, a norma do artigo 6.º, n.º 4, do CIRS aplicável, consagra uma presunção relativa a rendimentos de capitais, segundo a qual as quantias escrituradas em quaisquer contas de sócios de sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, que não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
No caso, resulta dos factos provados que ocorreu a referida escrituração, e que as quantias em questão não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Daí que, sem qualquer dúvida, se verificam os pressupostos da presunção em questão, que, portanto, opera os respectivos efeitos legais, que é uma presunção legal (estabelecida expressa e directamente na lei), e não uma presunção simples, apenas natural ou judicial, que tenha por base os dados da experiência comum - e que, como se sabe, é admitida só nos casos e nos termos em que é admitida a prova testemunhal de acordo com o disposto no artigo 351.º do Código Civil, e em que não é necessário fazer a prova do contrário do facto presumido, bastando abalar a convicção resultante da presunção, valendo a regra constante do n.º 2 do artigo 350.º do Código Civil, própria para as presunções legais - as quais, para serem afastadas (nos casos em que a lei o permite) têm de ser ilididas mediante prova em contrário.
Estando em causa a ilisão de uma presunção legal relativa (iuris tantum), impende então sobre a Requerente o ónus de produzir prova do contrário, ou seja, de desenvolver actuação probatória dirigida contra o facto presumido, com o objectivo e de molde a convencer o julgador de que, não obstante a ocorrência do facto que serve de base ao funcionamento da presunção invocada (lançamentos em contas correntes dos sócios, escrituradas em sociedades comerciais), o facto presumido não se verificou.
Tal prova, estando em causa a presunção prevista no artigo 6.º, n.º 4, do CIRS aplicável, por força do disposto, de forma expressa, no nº. 5 do mesmo normativo, a mesma só pode ser ilidida pelos quatro meios de prova aí, taxativamente, previstos, decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos.
A primeira questão que se coloca, é então a de saber se é possível essa ilisão no próprio processo de impugnação judicial e/ou arbitral, que, consabidamente, foi legalmente configurado como uma alternativa directa àquele.
Face ao decidido no Acórdão do STA de 15-12-2004, proferido no processo 01187/04, invocado pela Requerente e acima citado, não haverá dúvidas que a resposta a tal questão deverá ser afirmativa, concluindo-se que nada impede que a decisão judicial a que alude o art.º 6.º n.º 5 do CIRS aplicável seja proferida em processo de impugnação judicial ou em processo arbitral tributário, e que, não se prevendo qualquer limitação quanto aos meios de prova de que o interessado possa lançar mão para o efeito, o processo de formação da decisão judicial de tais processos se possa apoiar em prova testemunhal e/ou documental
Posto isto haverá, então que apurar, face à matéria de facto dada como provada, se encontra ilidida ou não a presunção em causa.
Antes de tal operação, todavia, torna-se necessário definir concretamente em que se traduz a prova a fazer, para que se possa considerar ilidida a referida presunção.
Como se viu já, o facto presumido consiste em considerar que os lançamentos em contas correntes dos sócios, foram feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
Assim, e desde logo, não relevará para a infirmação da presunção em apreço a inexistência de lucros susceptíveis de distribuição, uma vez que as quantias escrituradas nos termos em questão se presumem também como adiantamento de lucros.
Atendendo a que a jurisprudência atrás citada, incluindo a mencionada pela Requerente, tem considerado que com a presunção ora em análise o legislador quis resolver a qualificação das quantias escrituradas nas contas correntes dos sócios, cuja "causa" jurídica não tenha sido expressamente declarada, dever-se-á considerar que a Requerente não logrou produzir prova suficiente que permita concluir pela não verificação do facto presumido, sendo a situação sub iudice análoga à julgada no acórdão do TCA-Sul de 04-06-2015, proferido no processo 07453/14, acima citado.
Com efeito, a Requerente confessa que desde o início da sua actividade que as disponibilidades financeiras que foi gerando foram utilizadas em proveito pessoal dos seus sócios.
É certo que a Requerente alega, ainda, que também foram aquelas disponibilidades utilizadas para pagamentos a fornecedores e outros terceiros, sem documentação comprovativa.
Todavia, não produziu a Requerente qualquer prova sobre o montante dos valores que foram utilizados em proveito dos sócios, designadamente que tal valor fosse inferior ao decorrente da presunção aplicada pela AT na liquidação contra a qual se insurge.
Por outro lado o certo é que os valores que, no exercício a que se reporta o acto tributário objecto da presente acção arbitral, foram contabilizados nas contas do sócios, resultam da própria contabilidade da Requerente, nada indiciando que, previamente à sua contabilização a favor dos sócios, tais valores não tenham efectivamente ingressado no património da Requerente.
Está-se, assim, precisamente, perante a situação descrita por Xavier de Basto[2], quando refere que a “previsão de presunções deriva da própria natureza dos rendimentos de capitais, alguns deles de relativamente fácil sonegação.”.
Ou seja: da matéria de facto provada não resulta que, efectivamente, não tenha havido uma disposição patrimonial da Requerente a favor dos seus sócios (e, muito menos, que a mesma haja ocorrido a título de mútuo, prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais), subjacente ao lançamento contabilístico nas respectivas contas, quedando, pelo menos, uma dúvida razoável a tal respeito, dúvida essa que, por via do funcionamento das regras do ónus da prova, acima referidas na sequência da jurisprudência transcrita, tem de ser resolvida em desfavor da Requerente.
Questão distinta, e que se analisará adiante, é a de saber se a referida disposição patrimonial ocorreu, ou se deve considerar como tendo ocorrido, no exercício a que se reporta o acto tributário ora em crise.
Daí que, na apreciação da prova de que o movimento contabilístico desencadeante da presunção consagrada no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS aplicável não ocorreu, não seja decisiva a circunstância, em que se focou a Requerente, de as disponibilidades nas contas bancárias (e, notoriamente, em caixa) não conterem os valores contabilizados a favor dos sócios, uma vez que tal relevará, unicamente, para demonstrar que no exercício em causa não ocorreu essa transferência de valores, não sendo todavia apta a demonstrar que em exercícios anteriores não ocorreu tal transferência, conforme, como se viu, a Requerente acaba por reconhecer, e ocorreu também na situação apreciada no supra-citado processo 01187/04, do TCA-Sul.
Também se julga não assumir relevância para a questão em apreço, a circunstância de o lançamento contabilístico que constitui o facto índice da presunção, ter subsequentemente (após o início do procedimento inspectivo) sido anulado contabilisticamente pela Requerente.
Com efeito, embora contabilisticamente se tenha eliminado o registo em causa, o certo é que, enquanto facto o mesmo não deixa de se ter verificado na realidade e a presunção em causa assenta, precisamente, nesse facto. De resto, a própria Requerente, em sede de alegações, que “não está em causa a legitimidade da conclusão extraída pelos Serviços de Inspecção Tributária desse movimento contabilístico”. Assim, sendo incontroversa a verificação dos pressupostos da presunção em apreço, e incontroverso sendo que o que está em causa é apurar se a Requerente logrou ilidir aquela, a circunstância superveniente de o movimento contabilístico em que a mesma assenta ter sido substituído por outro, nada diz relativamente ao acerto quer de um, quer de outro, tanto mais que a Requerente não demonstra, sequer, nos autos o acerto substancial do registo superveniente que operou.
Deste modo, não se mostrando infirmada a presunção em que assenta o acto tributário objecto da presente acção arbitral (e, muito menos, qualquer violação dos da prossecução do interesse público, da proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, na sua aplicação pela AT, tanto mais que apenas com base nos elementos elencados no n.º 5 do artigo 6.º do CIRS poderia a AT não tirar as consequências da referida presunção), deverá improceder o primeiro fundamento do pedido arbitral.
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Alega também a Requerente que a liquidação contra a qual se insurge enferma de erro nos pressupostos de facto, porquanto, no seu entender, mesmo considerando-se que não foi infirmada a presunção em que aquela assenta, os rendimentos de capitais presumidos não teriam sido colocados à disposição dos sócios no exercício a que a mesma se reporta, não estando, consequentemente, a Requerente obrigada a proceder à retenção na fonte liquidada nesse exercício.
Relativamente a esta argumentação da Requerente, diga-se desde logo que a mesma se orienta num sentido desconforme à realidade dos factos apurados.
Com efeito, a Requerente orienta as suas alegações nesta matéria, no sentido de que “não haveria lugar à obrigação de retenção na fonte senão no momento em que efectivamente disponibilizasse aos seus sócios os montantes que lhe foram lançados em conta-corrente.”, assumindo, portanto, que os valores que contabilizou a favor dos seus sócios fossem valores a disponibilizar no futuro (“possibilidade de percepção futura dos lucros pelos sócios”), quando o que se apura, conforme, de resto a própria Requerente confessa, é que tais valores foram sendo disponibilizados ao longo dos exercícios passados (“tal veio a suceder de forma gradual ao longo dos cerca de 20 anos da sociedade, só assim se justificando o valor absurdo acumulado nas referidas contas”).
O que, de resto, tem total correspondência com o lançamento contabilístico efectuado pela Requerente, que constitui fundamento da presunção aplicada pela AT.
Com efeito, como nota a Requerida na sua resposta, o que foi efectuado pela Requerente foi um lançamento a débito na conta de sócios, que significa que o valor já foi entregue ao sócio, e não um lançamento a crédito da conta de sócios, que significaria que o sócio tinha um crédito (por satisfazer) sobre a sociedade, por ainda não ter recebido o que lhe era devido.
Daí que, julga-se, não tenham qualquer cabimento ao caso as alegações da Requerente no sentido de que apenas se geraria a obrigação de retenção na fonte quando, no futuro, disponibilizasse aos seus sócios os valores que inscreveu nas respectivas contas.
O que cumpre aferir, em ordem a verificar o preenchimento dos pressupostos da obrigação de retenção na fonte do imposto liquidado, em causa nos autos, é, não se os valores contabilizados, presumidos como lucros ou adiantamento por conta dos lucros, se devem ter, face às normas dos artigos 5.º/1 e 2/h), e 7.º/1 e 3/2), do CIRS aplicável, como colocados à disposição dos sócios da Requerente no exercício a que se reporta a liquidação ora em crise, ou em exercício anterior, uma vez que resulta efectivamente, e para lá de qualquer dúvida razoável, indiciado nos autos que:
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no exercício de 2014 a Requerente não tinha liquidez para efectuar pagamentos aos sócios no montante contabilizado;
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que utilização pelos sócios dos valores contabilizados nas respectivas contas em 2014, se deu, pelo menos na sua maior parte, ao longo dos exercícios anteriores.
Diga-se desde logo que, estando em causa um facto presumido, se deverá considerar abrangido no âmbito da presunção a respectiva ocorrência aquando da verificação do respectivo facto-índice. Com efeito, a presunção de que, no caso, ocorreu distribuição de lucros ou de valores por conta destes, deverá ter-se por abrangendo não só a ocorrência do facto presumido, como a sua localização temporal, coeva do facto gerador da presunção de tal ocorrência, sob pena de se retirar, por completo qualquer efeito útil à norma que consagra aquela presunção.
Com efeito, se assim não fosse, e se entendesse, com a Requerente, de que à AT incumbe o ónus de “curar de saber se tais "lucros presumidos" foram efectivamente disponibilizados aos sócios da sociedade”, tal equivaleria a impor à AT o ónus de demonstrar a ocorrência do facto presumido, já que não é possível a demonstração de que os lucros presumidos tenham sido efectivamente disponibilizados aos sócios, sem a demonstração de que tenha havido efectiva disponibilização de lucros.
Deste modo, conclui-se que a demonstração de que no exercício em que se dá a contabilização em conta corrente dos sócios não ocorreu qualquer distribuição de lucros ou de montantes por conta deste, se integra no âmbito de infirmação da presunção de que tal operação se deu, nos termos do n.º 4 do artigo 6.º do CIRS.
Posto isto, a situação dos presentes autos, no que a esta matéria diz respeito, é análoga à decidida no processo arbitral 3/2017T[3], onde se julgou que:
“O que está em causa é o tratamento jurídico-tributário das regularizações de caixa, no valor agregado de EUR 595.382,55, e da saída do valor de EUR 116.845,08, com destino às contas de sócios, ambas contabilizadas em dezembro de 2012.
No entendimento da AT, como explanado no RIT e replicado na Resposta apresentada, ocorreram, em dezembro de 2012, quer o facto tributário da distribuição de lucros e reservas no valor de EUR 595.382,55, nos termos da alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, quer o facto tributário presumido (iuris tantum) de serem lucros ou adiantamentos de lucros os lançamentos a seu favor, em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.
No entendimento da Requerente, tais factos tributários existiram efetivamente no mundo jurídico, mas nos exercícios em que os sócios foram fazendo, pelas várias formas acima referidas, apropriações de valores da Requerente, pelo que a liquidação administrativa tomando por base a existência de tais factos tributários em 2012 está viciada de ilegalidade.
Como se viu, o tribunal dá como provada a retirada de valores, não especificados, pelos sócios – rectius, pelos dois sócios que também são gerentes. Tais valores deveriam ter sido sujeitos a tributação em IRS, por retenção na fonte, por referência a cada um dos exercícios em que ocorreram as retiradas. A Requerente não procedeu às retenções na fonte, nem, consequentemente, ao pagamento do imposto devido nos cofres do Estado. (...)
Ora, a deliberação pelos sócios (...) das referidas distribuições gera, ela mesma, o facto tributário previsto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS.
Caso tivesse sido feita pela Requerente a retenção de IRS na fonte ao longo dos exercícios em que os sócios gerentes se foram apropriando de valores gerados pela atividade da Requerente, como deveria ter ocorrido, este facto tributário ulterior, quando das deliberações de distribuição, embora realmente existente, não importaria nova liquidação de imposto. No limite, uma nova liquidação de imposto geraria duplicação de coleta, nos termos do n.º 1 do artigo 205.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), com efeito de ilegalidade do ato tributário.
Inversamente, deliberações de distribuição de lucros (ou reservas), como as adotadas pelos sócios da Requerente em 2012 ou 2103, geram um facto tributário na data em que tais saídas de caixa são contabilizadas, sobre o qual – não tendo havido anteriormente liquidação de IRS, quando das apropriações ou levantamentos – deve haver liquidação, ou por retenção na fonte feita pelo substituto tributário, ou administrativa, na verificação da falta daquela, sem que se gere duplicação de coleta, pois que a Requerente incumpriu a obrigação de retenção na fonte do IRS devido em função de factos tributários que se tinham verificado nos exercícios anteriores.
Não se julga, pois, por verificada qualquer ilegalidade do ato de liquidação objeto do pedido de decisão arbitral, designadamente a de caducidade do direito a liquidar, pelo que improcede o pedido da Requerente.
Aliás, importa acrescentar que repugnaria à própria axiologia da tributação que a obrigação de pagar imposto sobre uma capacidade contributiva gerada pela apropriação pelos sócios gerentes das disponibilidades de caixa da Requerente pudesse ser afastada por uma ‘fórmula’ tão ‘básica’ quanto a da omissão, ao longo de anos bastantes para a caducidade do direito a liquidar, de lançamentos na conta Caixa correspondentes aos atos de apropriação, seguida de uma ou mais regularizações contabilísticas retroativas, feitas em data já para lá do período de exercício do direito a liquidar. E ainda repugnaria mais se essa ‘fórmula’ que se revelasse apta a evadir a tributação fizesse recurso a atas em que falsamente se faz constar a realização, em certos dias e em certas horas de anos já abrangidos pela caducidade do direito a liquidar, de reuniões da Assembleia Geral “com dispensa de formalidades prévias”, nas quais são deliberadas distribuições de resultados desses anos.”
Subscrevem-se aqui os fundamentos do aresto transcrito, considerando-se que o facto tributário presumido se deve situar temporalmente no exercício em que se dá a inscrição contabilística de valores na conta dos sócios, destinada, precisamente, a regularizar retiradas de valores ocorridas em períodos anteriores e não devidamente contabilizadas.
Com efeito, até esse momento a Requerente não tinha, por qualquer modo, formalizado a vontade de atribuir patrimonialmente aos sócios o valor que acabou por contabilizar nas respectivas contas. A inscrição contabilística operada pela Requerente exterioriza o propósito (pelo menos presumido) de tornar definitiva a utilização, até aí precária, pelo sócios, das disponibilidades financeiras por si geradas ao longo dos anos, legitimando tal utilização a título de lucros, ou adiantamento de lucros, já que até essa altura a referida utilização de fundos próprios da sociedade pelos sócios, por carente de título, era abusiva, gerando-se assim naqueles sócios um acréscimo patrimonial equivalente, que se materializa nessa altura.
Ou seja, e em suma: não se demonstra no caso que a utilização de fundos próprios da sociedade em benefício dos sócios no decurso dos anos anteriores ao exercício sub iudice, confessadamente verificada, haja sido anteriormente regularizada (contabilística, jurídica e/ou fiscalmente) pela Requerente (o que implicava, para além do mais, a sua tributação), apenas se verificando tal regularização, presumidamente a título de lucros ou adiantamento de lucros, em 2014, devendo-se, por isso, considerar verificado nesse ano o correspondente facto tributário, não ocorrendo, assim, qualquer violação do artigo 68.º-A da LGT, ao contrário do arguido pela Requerente.
Deste modo, e pelo exposto, julga-se ser de improceder também este fundamento do pedido arbitral.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
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Absolver a Requerida do pedido;
-
Condenar a Requerente nas custas do processo, abaixo fixadas, e tendo em conta o já pago.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 259.699,66, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.896,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa 28 de Fevereiro de 2018
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(José Nunes Barata)
O Árbitro Vogal
(Ricardo Marques Candeias)
[1] Disponível em www.dgsi.pt, tal como a restante jurisprudência citada sem menção de proveniência.
[2] “IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos”, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 338.