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Decisão Arbitral
RELATÓRIO
A -PARTES
A… com o NIF …, e como cabeça de casal da herança e único herdeiro de seu pai B…, residente na Avenida …, n.º … - …, …-… Lisboa, doravante designada de Requerente ou sujeito passivo.
Autoridade Tributaria e Aduaneira, doravante designada por Requerida ou AT.
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral, foi aceite pelo Presidente do CAAD, e desse modo o Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, no dia 27-06-2017, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira, no dia 27-06-2017, conforme consta da respetiva ata.
O Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou o Árbitro Paulo Ferreira Alves, cuja nomeação foi aceite nos termos legalmente previstos.
Em 11-08-2017, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico, e não manifestaram vontade de recusar a designação do Árbitro.
Em conformidade, com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral singular, quedou regularmente constituído, em data de 20-09-2017.
Em 05-01-2018, foi realizada a reunião a que alude o artigo 18º do RJAT, e inquirição de testemunhas. Ambas as partes apresentaram alegações escritas sucessivas.
O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído, e é materialmente competente, nos termos dos art.ºs 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se legalmente representadas (art.ºs 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
B – PEDIDO
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O ora Requerente, peticiona a declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares do ano de 2014, formalizados pela nota de liquidação n.º 2015…, no valor de 6.489,55€ (seis mil quatrocentos e oitenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos).
C – CAUSA DE PEDIR
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A fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, o Requerente alegou, com vista à declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, já descritos no ponto 1 deste Acórdão, em síntese, o seguinte:
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Em 31 de Outubro de 1974 foi celebrado contrato promessa de compra e venda do prédio rustico inscrito na matriz predial da União das Freguesias de …, … e …, sob o artigo … da Secção A.
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Nos ternos do referido contrato de promessa, ficou estabelecido o preço de Esc.140.000,00 (cento e quarenta mil escudos).
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Que foram devidas e integralmente pagos, nos ternos previstos no contrato que regulou a relação entre as partes, ou seja Esc. 139.000,00 com a promessa de compra e venda e Esc. 1000,00 até 31 de Outubro de 1975.
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Com a assinatura do contrato de promessa de compra e venda do terreno, o ora Requerente tomou posse efetiva do mesmo, passando a atuar como seu legítimo dono e possuidor, que também era.
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Com efeito, logo em 1974, o Requerente iniciou a construção de uma moradia nas suas parcelas de terreno, conforme resulta claro do levantamento obtido junta do Instituto Geográfico Português par referenda a 29 de Agosto de 1977.
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Deve, ainda, ser devidamente salientado que o referido prédio, para habitação própria, foi edificado em regime de autoconstrução em AUGI, a qual foi concluída em 31 de Julho de 1989.
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A partir desse momento o Requerente passou a atuar como verdadeiro proprietário do prédio adquirido - que era - usufruindo do mesmo e modificando-o sem prestar contas a ninguém, dado que, enquanto legítimo proprietário e possuidor, a isso não estava obrigado.
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Por constrangimentos ilegais vários, e que são do conhecimento público, apenas em 18 de Abril de 2012 o Requerente pôde celebrar a escritura pública de compra e venda através da qual foi possível que a verdade jurídica passasse a coincidir com a verdade que emerge dos factos da vida real.
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Ou seja, apenas no ano civil de 2012, e por factos não imputáveis ao Requerente, o mundo jurídico reconheceu a verdade dos factos, ou seja, que o Requerente é proprietário de 285/27720 avos do prédio rústico acima identificado, pelo preço de € 698,32.
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Posteriormente, o Requerente (e o seu já falecido Pai), em 16 de Outubro de 2014 alienaram o referido prédio, pelo valor de € 70.000,00 (Setenta mil euros).
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Por fim, o Requerente por referência ao ano fiscal de 2014 submeteu, tempestivamente, a sua declaração de rendimentos de IRS Modelo 3 onde registou a referida alienação do prédio
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Na sequência da entrega da referida declaração, a Autoridade Tributária e Aduaneira praticou o ato de liquidação de IRS n .º 2015…, que também constitui o objeto do presente pedido de pronúncia arbitral.
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Deve ser salientado que o fez preenchendo o anexo G pela simples razão de que, até ao termimu do prazo legal de entrega da declaração não logrou encontrar os documentos que permitem demonstrar que a referida transação não se encontra sujeita a IRS.
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Foi apenas por essa razão que, posteriormente, e uma vez descobertos os documentos que permitem demonstrar a realidade dos fatos, o Requerente através do seu único Herdeiro) se dirigiu a Autoridade Tributaria e Aduaneira, através da reclamação graciosa que antecede, no sentido de repor a legalidade (documento que será junto com o procedimento administrativo).
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Sustenta o Requerente que, nos termos do disposto no artigo 5º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 442A/88, de 30 de Novembro, a operação em causa, se realizada, não era sujeita a tributação, importando determinar a data de aquisição (para efeitos tributários) do prédio rústico.
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Sustenta o Requerente, que se tal aquisição tiver ocorrido antes de 1989, a posterior venda não será sujeita a imposto, se, por outro lado, a aquisição tiver ocorrido após 1 de Janeiro de 1989, a venda será sujeita a IRS.
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Por tudo o que se deixa exposto, e tendo e consideração que o Requerente (Pai): a) Pagou a totalidade do preço acordado para a compra e venda em data (muito) anterior a 1 de Janeiro de 1989; e, b) entrou imediatamente na posse dos lotes de terrenos adquiridos - tanto assim e que, de imediato, iniciou a construção de casas para habitação.
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Alega o Requerente que da subsunção dos factos a doutrina que emana das referidas instruções administrativas resulta que os lotes de terrenos em causa foram "fiscalmente transmitidos" para o Requerente, na data da celebração do contrato - promessa de compra e venda, com tradição dos bens.
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Defende o Requerente que, sempre sem conceder, o ato de liquidação deverá ser anulado na justa medida em que o valor de aquisição sempre deverá ser corrigido através da aplicação do respectiva quociente de correção monetária, por referência ao ano de 1989, data em que a vivenda entretanto construída foi inscrita na matriz.
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Adicionalmente, o Requerente pugna pela anulação da decisão da reclamação graciosa, por a mesma decisão não se encontrar fundamentada em termos adequados e legalmente exigidos, nos termos do artigo 60º n.º 7, da Lei Geral Tributaria,.
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Termina o Requerente, sustentando que o presente pedido de pronúncia arbitral, nos termos e para efeitos do RJAT, devendo o mesmo ser julgado totalmente procedente porque provado e, consequentemente, declarados ilegais o ato de liquidação de imposto contestados e, bem assim, declarado ilegal o despacho da Senhora Chefe de Divisão (em substituição), sendo, quer o ato de liquidação, quer o referido despacho, anulados em conformidade e reconhecido o direito do Requerente a Juros Indemnizatórios.
D- DA RESPOSTA DA REQUERIDA
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A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
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Quanto ao mais, sempre se dirá que, ao contrário do alegado pelo Requerente, há lugar à tributação das mais-valias auferidas pela alienação do prédio rústico, a 16 de outubro de 2014.
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Como decorre da informação que fundamenta a decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa, o momento que releva, para efeitos da aplicação do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, é o momento da aquisição.
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Perante a escritura pública de aquisição, datada de 18 de abril de 2012, é inegável que a compra e venda ocorreu neste momento, sendo este o momento da aquisição, para efeitos de tributação.
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Defende a Requerida, que a data de aquisição é a data em que foi celebrada a escritura pública de compra e venda do prédio rústico, ou seja, a 18 de abril de 2012.
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O que determina que, no momento em que o Requerente procede à venda do imóvel em causa, a 16 de outubro de 2014, o rendimento daí proveniente, que constitui um incremento patrimonial, está sujeito ao IRS, nos termos dos artigos 9.º e alínea a), do n.º 1, do artigo 10.º, ambos do CIRS.
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Conclui, a Requerida, que a liquidação não padece da ilegalidade invocada pelo Requerente, devendo a mesma manter-se, produzindo todos os seus efeitos legais.
E- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
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Previamente a entrar na apreciação da questão submetida a pronúncia, cumpre apresentar a matéria factual relevante para a respetiva compreensão e decisão, baseada na prova documental e prova testemunhal, e nos factos alegados.
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Assim, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, atendendo à prova efetuada por documentos e por não ter sido suscitado pelas partes a ilisão da autenticidade ou da força probatória dos documentos juntos, o presente Tribunal, dá os documentos juntos, como verdadeiros, idóneos, e autênticos de acordo com o artigo 75.º n.º 1 da LGT.
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Em matéria de facto relevante, dá o presente Tribunal, por assente, os seguintes factos:
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A 31 outubro de 1974, B… celebrou um contrato promessa de compra e venda para aquisição de um prédio rústico (inscrito na matriz com o número de artigo…, secção A), no valor de 140.000$00, tendo pago a título de sinal o montante de 139.000$00.
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O Requerente construiu uma moradia no terreno.
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A 18 de abril de 2012, B… e o ora Requerente celebraram uma escritura pública de compra e venda pela qual adquiriram 285/27720 avos do prédio rústico indicado, pelo montante de € 698,32.
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A 16 de outubro de 2014, B… e o aqui Requerente celebraram um contrato de compra e venda pelo qual alienaram o prédio rústico identificado pelo montante de € 70.000,00.
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A 24 de maio de 2015, B… submeteu a declaração de rendimentos de IRS, referente ao ano de 2014, constando do anexo G, da Modelo 3, o valor de realização de 35.000.00€ em 2014 e o valor de aquisição de 349,16€ em 2012, e despesas e encargo de 3.075,00€
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A Requerente foi notificada do ato de liquidação 2015 … no valor de 6.489,55€, com data limite de pagamento em 31-05-2015.
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A Requerente deduziu o pedido de revisão do ato tributário, por meio de uma reclamação graciosa em 28 de dezembro de 2015.
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Em 16 Janeiro a Requerente foi notificada do projeto de reclamação graciosa e para o exercício do direito de audição.
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Em 31 Janeiro de 2017 a Requerente exerceu o direito de audição.
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A Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento que recaiu sobre a Reclamação Graciosa, através de carta registada (registo dos CTT n.º RD…PT), a 27 de março de 2017.
F- FACTOS NÃO PROVADOS
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Dos factos com interesse para a decisão da causa, constantes da impugnação, todos objeto de análise concreta, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
G- QUESTÕES DECIDENDAS
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Atenta às posições assumidas pelas partes nos argumentos apresentados, constituem questões centrais dirimendas as seguintes, as quais cumpre, pois, apreciar e decidir:
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A alegada pelo Requerente:
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declaração de ilegalidade dos atos tributários de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares de 2014, formalizados pela nota de liquidação n.º 2015…, no valor de 6.489,55€ (seis mil quatrocentos e oitenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos).
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Condenação no pagamento de juros indemnizatórios.
H MATÉRIA DE DIREITO
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Atendendo às posições das partes assumidas nos articulados apresentados, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral consiste em apreciar a legalidade dos atos de liquidação de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, de 2014, formalizados pela nota de liquidação n.º 2014, formalizados pela nota de liquidação n.º 2015…, no valor de 6.489,55€ (seis mil quatrocentos e oitenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos).
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O cerne do presente pedido de pronúncia arbitral, prede-se com a seguinte questão: qual o momento jurídico-fiscal em que se verifica a aquisição do imóvel para efeito de tributação de mais-valias em sede de IRS.
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De acordo com a argumentação do Requerente, o imóvel foi transferido para a esfera do sujeito passivo em 1974, na data em que foi celebrado o contrato de promessa, tendo ainda comunicado em 1989, através de impresso próprio à DGCI (atual AT) a inscrição do imóvel na matriz, para pagamento de Contribuição Autárquica. E como tal não estaria sujeito a tributação por ter sido adquirido antes de 1988, nos termos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro. O Requerente argumenta ainda subsidiariamente, que caso assim não se entenda, o imóvel deve ser considerado como adquirido em 1989, data em que inscreveu em seu nome junto da DGCI para efeitos da Contribuição Autárquica.
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A Requerida contra-argumenta, que o momento da aquisição do imóvel verificou-se com a realização da escritura pública de compra em venda, realizada em 18 de Abril de 2012.
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Cabe ao presente tribunal, efetuar uma pequena ressalva, antes de entrar a fundo na fundamentação de direito. A presente questão e ato impugnado é de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, ficando afasta qualquer valoração das implicações fiscais que possam existir em sede de outros imposto, como é o caso do IMI, IMT ou SISA, ou em sede do tratamento fiscal conferido ao sujeito passivo partes nas operações que envolveram o imóvel aqui em questão. São situações jurídico-factuais que em nada impactam a presente análise, e que deveram ser analisadas em sede própria.
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A Requerente alega que procedeu à construção de uma moradia no terreno.
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Em 1989 a Requerente entregou junto da Direção Geral das Contribuições das Cobranças e Impostos a “DECLARAÇÃO PARA INSCRIÇÃO OU ALTERAÇÃO DA INSCRIÇÃO DE PRÉDIOS URBANOS NA MATRIZ”, a qual registo junto da DGCI (atual AT) o imóvel para efeitos de Contribuição Predial como sendo seu e tendo a AT liquidando o respetivo imposto anualmente.
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O imóvel foi inscrito, como habitação edificada em regime de Autoconstrução em AUGI.
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Assim desde 1989 a Requerente paga a Contribuição Autárquica, que foi entretanto substituída pelo Imposto Municipal sobre Imoveis (IMI).
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A DGCI (atual AT) desde 1989 tem conhecimento da situação e liquidou junto do Requerente o Imposto.
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Assim, é desde a data de inscrição junto da Direção Geral das Contribuições das Cobranças e Impostos, que se deve considerar para efeitos de tributação em sede fiscal.
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Em 1974 vigorava o imposto “SISA”, o qual a semelhança do atual IMT, considerada que para efeitos de incidência, o mesmo incide sobre os contratos de promessa de compra e venda acompanhada da tradição do bem (artigos 2º e 3º do Código do Imposto Municipal de SISA).
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A Requerente comunicou a DGCI (atual AT), em 1989 a inscrição do imóvel em seu nome.
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O Requerente procedeu ao pagamento integral do prédio no âmbito do contrato-promessa, sendo 139.000,00 Esc. pagos com a assinatura do contrato e o remanescente 1.000 Esc, em 31 de Outubro de 1975.
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Em matéria procedimental e processual dever atribuir-se a prevalência da substância sobre a forma, corolário do princípio da verdade material, e com base neste princípio que iremos desenvolver a presente decisão arbitral.
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Correção ou retificação assenta na premissa que as declarações entregues pelo sujeito passivo são verdadeiras, e nos presentes autos não é invocada a sua falsidade.
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Mais se diz que e de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, e especialmente não tendo sido suscitado pelas partes a idoneidade nem veracidade das declarações juntas, o presente Tribunal aceita as declarações juntas como verdadeiras e idóneas, de acordo com o disposto no artigo 75.º n.º 1 da LGT.
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Nos termos do regime jurídico das mais-valias, previsto no artigo 10.º do CIRS, aplicável ao ano de 2014 pela Redacção dada pela lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, o momento do nascimento da obrigação fiscal é a data da alienação onerosa do imóvel, que no presente caso consubstanciou-se em 16 de outubro de 2014, com um contrato de compra e venda pelo qual os Requerentes alienaram o prédio rústico identificado pelo montante de €70.000,00.
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Conforme se pode verificar no artigo 10.º do CIRS, “1 - Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;”.
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Ambas as partes, aceitam que o ato que originou a mais-valia que em apreço, resultou do contrato de compra e venda de 16 de outubro de 2014.
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A questão em apreço prende-se em definir qual o momento em que a aquisição se considera para feitos de tributação em sede de IRS.
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Em primeiro lugar diga-se, que não constitui uma obrigação fiscal em sede de IRS a comunicação da aquisição de um bem imóvel, apenas a sua alienação onerosa.
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O artigo 10.º do CIRS é não claro nesse tema, pois apenas se refere ao momento em que o ganho se verifica, ou seja, o momento em que é alienado.
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Contudo, resulta do artigo 10.º n.º 3 al. a) do CIRS, o seguinte “a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objeto do contrato;”.
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Uma interpretação, lato sensu do artigo 10.º n.º3 al. a) do CIRS, resulta que nos contratos de promessa em que há a tradição ou posse dos bens, considera-se este o momento em que é obtido o ganho.
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Neste mesmo sentido, já estabelece o CMIT e o imposto SISA.
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Mas se efetuarmos uma interpretação à contrarium sensum artigo 10.º n.º 3 al. a), resulta que ao consideramos que o ganho ocorre nos contratos de promessa no momento da tradição ou posse dos bens, também temos de considerar que é nesse momento que o bens é adquirido pelo promitente-comprador.
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Caso assim não o fosse, estaríamos a tratar fiscalmente de forma diferente dois momentos simultâneos e complementares. Ou seja, ao considerar que o ganho é obtido no promitente-vendedor com a tradição ou posse bem, também teremos de considerar que o momento de aquisição pelo promitente-comprador é nesse mesmo momento em simultâneo.
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Existindo um contrato de promessa de compra e venda, cabe ao interessado provar que existiu a tradição ou posse do bem.
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O ónus da prova recai sobre quem o invoca.
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Desta forma e sendo a Requerente invocar que a tradição do bem ocorreu no âmbito do contrato de promessa e não com a celebração da escritura pública, cabe-lhe o ónus da prova desses fatos constitutivos. Se não vejamos:
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No que concerne ao regime jurídico do ónus da prova, estipula o disposto nos artigos 74.º n.º 1 da LGT e 342.º n.º 1 do CC, que o ónus da prova recai sobre quem os invoque.
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Conforme resulta do artigo 74.º da LGT " 1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.", em consonância com o artigo 342.º n.º 1 do CC, " Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado".
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O princípio do inquisitório situa-se a montante do ónus de prova.
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Quanto ao ónus da prova, o mesmo cabe à Requerente, e tem o interesse de entregar toda a prova à AT que considere relevante.
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A Requerente, para provar que existiu a tradição ou posse bem no âmbito do contrato de promessa, juntou os seguintes documentos:
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O contrato de promessa, que é um documento particular e não foi sujeito a registo.
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A inscrição para Contribuição Autárquica em 1989, junto da DGCI.
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Uma análise ao contrato de promessa de 1974, verifica-se que o Requerente procedeu ao pagamento integral do preço, contudo o Requerente não consegui provar, quer por meio de prova documental e testemunhal que existiu a tradição ou posse do bem entre 1974 e 1989.
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Inclusive, se tivesse conseguido demonstrar que com o contrato de promessa se verificou a tradição do bem, a jurisprudência, entende que essas situações não estão abrangidas não sujeição prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro.
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Se não vejamos, sobre a interpretação a conferir ao momento de aquisição para efeitos do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do Acórdão de 30 de janeiro de 2013, proferido no processo n.º 1072/12:
“A questão mais complexa, para efeitos de interpretação do artigo 5º, consiste pois em determinar o momento em que, para efeitos fiscais, se pode considerar que o recorrente adquiriu o direito de propriedade sobre o prédio rústico.
A controvérsia reside aqui: enquanto a sentença julgou que a transmissão da propriedade ocorreu com a justificação notarial, o recorrente entende que se verificou com o início da posse.
O artigo 5º acima transcrito não dá uma resposta directa ao problema, uma vez que faz uma delimitação negativa da incidência objectiva do IRS por referência às alienações onerosas de prédios afectos a fins agrícolas cuja «aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código», mas sem distinguir as modalidades que pode revestir tal aquisição. Como o contribuinte se pode tornar titular do direito de propriedade por aquisição originária ou por aquisição derivada, poder questionar-se se a norma contempla, e em que condições, as duas formas de aquisição de direitos.
Já se referiu que a ratio legis do artigo 5º foi evitar que o novo regime de tributação de ganhos obtidos com a valorização de prédios rústicos tivesse efeitos retroactivos. Com o novo CIRS, todas as transmissões onerosas de imóveis passaram a ser tributadas como rendimentos da categoria G (incrementos patrimoniais), incluindo alienações que até aí não estavam abrangidas pelo revogado Código de Imposto de Mais Valias (CIMV). Para evitar a retroactividade do novo regime, estabeleceu-se que para serem tributadas tais transmissões era necessário que os bens abrangidos fossem adquiridos e alienados dentro da vigência da nova lei, com excepção daqueles que já eram antes tributados por força do CIMV, ou seja, os terrenos para construção, os quais passariam agora a ser tributados nos termos do CIRS.
Mas a racionalidade que inspira a norma transitória é ponto de referência para um outro recorte: não estão sujeitos ao IRS os ganhos das alienações de prédios rústicos que não seriam sujeitas ao imposto de mais-valias se tivessem sido efectuadas antes da entrada em vigor do CIRS. Se em 1/1/89 o alienante não podia transmitir validamente o prédio, também não poderiam existir ganhos que, pela proibição constitucional da retroactividade, tivessem que ficar subtraídos ao novo imposto. Daí que a expressão normativa «aquisição de bens e direitos» tenha que ser interpretada no sentido de aquisição que legitime ao titular poder dispor validamente do bem ou direito adquirido.”
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O referido acórdão debruçou-se sobre uma situação de usucapião, os seus princípios são em tudo aplicáveis ao presente caso, uma vez que a questão em apreço resulta da definição do momento de aquisição.
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De acordo com o referido acórdão, considera-se que o momento da aquisição, é o momento em que o titular pode dispor validamente do prédio rustico, ou segundo o acórdão “Tratando-se de aquisição por usucapião, a não sujeição a IRS dos ganhos obtidos com a alienação do prédio rústico depende da prova de que na data da entrada em vigor do CIRS o alienante já podia invocar a usucapião, ainda que a escritura de justificação notarial tenha sido efectuada em data posterior.”
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Ou seja, depende da capacidade do Requerente provar que anteriormente à entrada do CIRS, o mesmo tinha a capacidade de validamente dispor do prédio rústico.
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Assim, é necessário analisar o enquadramento jurídico do contrato de promessa (1974) e do contrato de compra e venda (2012), para determinar com base nessa análise do regime jurídico dos contratos em apreço, o momento em que estes contratos se verifica a transmissão da capacidade de dispor do prédio rústico para a esfera do Requerente.
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Sobre os contratos de promessa, previstos no artigo 410.º e seguinte do Código Civil, na sua versão pelo diploma DL n.º 47344/66, de 25 de Novembro estabelece que são “ convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, exceptuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa.”.
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Segundo Galvão Telles, “O contrato de promessa é um acordo preliminar que tem por objeto uma convenção futura, o contrato prometido. Mas em si é uma convenção completa, que se distingue do contrato subsequente”. Galvão Telles, Obrigações, 3º ed., pag.80.
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Nada impede que seja entregue o imóvel ao promitente-comprador, e “Havendo entrega do imóvel prometido vender ao promitente-adquirente, este goza da condição jurídica de possuidor e do direito à correspondente defesa da posse, mesmo contra o promitente-vendedor, enquanto o contrato-promessa se não extinguir.” (RP, 14-5-1998: BMJ, 477º-564)
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O contrato de promessa pressupõem uma convenção futura, que no presente caso, é consubstanciada num contrato de compra e venda.
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Quanto ao contrato de compra e venda previstos no artigo 874.º e seguinte do Código Civil, na sua versão pelo diploma DL n.º 47344/66, de 25 de Novembro. O regime jurídico estabelece que “Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço.” e resulta deste contrato que é feita a “A transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito” artigo 879.º.
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No contrato-promessa com entrega de coisa que constitui objeto do contrato prometido, o promitente-comprador não é, em regra, possuidor, mas mero detentor, pois lhe falta o animus ou intenção de exercer o poder de facto em termos de direito real de propriedade ou outro.
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Todavia, essa entrega não constitui a transmissão da propriedade para a esfera do comprador, essa só ópera mediante um contrato de compra e venda nos termos do artigo 874.º do Código Civil.
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Atendendo à posição do STA, que refere que é necessário a capacidade de validamente dispor do prédio, no caso em apreço, é claro que o sujeito passivo apenas adquiriu essa capacidade com a escritura pública de compra e venda em 2012.
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Contudo, não se deve confundir a capacidade de validamente dispor do bem para efeitos da não sujeição prevista no artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de novembro, e o momento de aquisição para efeitos de cálculo de mais valias.
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Com um contrato de promessa, inclusive com o preço pago na sua totalidade, a Requerente não dispunha dessa capacidade, pelo que está abrangida pelo CIRS.
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Contudo, o artigo 10.º do CIRS, prevê que o momento de aquisição/alienação, possa ocorrer com o contrato de promessa com a tradição do bem, pelo que a legislação e a referida jurisprudência, não afasta a possibilidade de se considerar que o momento de aquisição para cálculo das mais-valias se possa verificar em momento anterior em que é adquirida a capacidade de validamente dispor do prédio rustico
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Contudo, e conforme já se referiu, a Requerente não logrou em provar que em 1974 existiu a a tradição ou posse do bem.
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Todavia, em 1989 com a inscrição na Contribuição Autárquica, e até a realização da escritura pública em 2012, as partes não invocaram que tenha existido qualquer alteração de sujeito passivo no pagamento Contribuição Autárquica e IMI, tendo sido sempre o Requerente a pagar o imposto desde essa data.
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Este ato junto da DGCI é clarificador, e prova que a Requerente desde 1989 age como proprietária do bem e assim existiu a a tradição ou posse do bem no âmbito do contrato de promessa.
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Contudo, pode até ser invocado, que neste momento deveria ter sido liquidação imposto devidos a data sobre a transmissão onerosa de bens imoves - SISA, ou a declaração da mais-valia obtida pelo promitente vendedor, no âmbito do IRS a data. Mas, e conforme já se referiu, a apreciação da respetiva legalidade desses atos tem de ser analisada em sede propria e em nada afeta a presente decisão.
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Inclusive, o facto de a Requerente ter liquidado o imposto sobre a transmissão do imóvel apenas em 2012, não constitui um reconhecimento por parte do Requerente para efeitos de IRS que apenas adquiriu o imóvel nessa data.
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Nestes termos, considera-se que existiu a tradição do bem no âmbito do contrato de promessa em 1989 com a inscrição Contribuição Autárquica, foi nesse momento que a própria AT deu relevância fiscal a titularidade do imóvel por parte do Requerente.
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Momento em que a Requerente, consegue provar nos presentes autos que existiu a tradição ou posse do bem.
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A Requerente, desde 1989, está inscrita e comunicou á DGSI, que estava a atuar como proprietário do imóvel, e em nenhum momento desde essa data a DGSI se opôs a essa realidade. Aliás, a posição da AT, entendendo que a transferência da propriedade só ocorreu em 2012, significaria que todas as liquidações de Contribuição Autárquica e IMI desde 1989 a 2012 seriam hipoteticamente ilegais por terem sido tributadas ao ilegítimo titular do imóvel.
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Não tendo conhecimento o presente tribunal, que a DGSI e AT tenham alterado ou revisto a tributação de Contribuição Autárquica e IMI junto da Requerente.
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Pelo que, desde 1989, a DGSI e AT, tinha conhecimento que o Requerente atuava como proprietário do imóvel, faltando unicamente a respetiva escritura pública, ou seja, a respetiva forma.
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A realização da escritura-pública, em 2012, veio apenas confirmar a transmissão do imóvel, que já se encontrava na posse da Requerente.
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O fato de faltar a celebração da escritura pública, não tem um efeito tão relevante para a defesa da posse, por dois motivos.
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Motivo primeiro, deve-se ao princípio da verdade material que tutela as relações jurídico-tributárias. Princípio, bastante patente, na legislação tributária aplicável aos contratos de promessa de compra e venda com tradição do bem. Se não vejamos que nascimento da obrigação tributaria, em sede de recorre ao imposto SISA, IMT e IRS, decorre da tradição do bem e não da escritura pública.
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A incidência objetiva dos referidos impostos não limita que essa transferência seja exclusivamente feita por meio de uma escritura de compra e venda. Inclusive, ambos contemplam expressamente, que o conceito de conceito de transmissão de bens imóveis inclui “as promessas de aquisição e de alienação, logo que verificada a tradição para o promitente adquirente, ou quando este esteja usufruindo os bens” (artigo 2.º n.2 al.a) do CIMT)
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Motivo segundo, a jurisprudência defende, que desde que preencha certos requisitos, o promitente-comprador, tem o direito de defesa sobre o imóvel, seguindo o princípio da verdade material.
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A jurisprudência nacional, em várias ocasiões, tem entendido que em são concebíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excecionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse; nestas situações excecionais, em que o promitente-comprador tem uma posse em nome próprio relativamente ao bem que lhe foi prometido vender.
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Cabe assim verificar, se a situação da Requerente, se preenche os requisitos excecionais elencados pela jurisprudência e doutrina.
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O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, n.º 08884/15 de
10/22/2015, sintetiza muito bem a jurisprudência e doutrina sobre este tema, a qual passamos a citar “No nosso ordenamento jurídico consagrou-se aquilo que se denomina por concepção subjectiva da posse, ou seja, uma concepção que envolve um elemento objectivo e um elemento subjectivo; um corpus e um animus. O primeiro elemento caracteriza-se pelo exercício de poderes de facto sobre uma coisa; o segundo pela existência de uma intenção de, ao exercer tais poderes, estar a agir como titular do direito a que os actos praticados correspondem.
2- São concebíveis situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse; nestas situações excepcionais, em que o promitente-comprador tem uma posse em nome próprio relativamente ao bem que lhe foi prometido vender e que, entretanto, foi penhorado, tal posse fundamentará a procedência dos embargos de terceiro que, com base nela, sejam deduzidos.
3 – Se os embargantes pretendem a defesa da sua posse sobre o prédio penhorado, impõe-se-lhes que aleguem e demonstrem essa posse, seja na vertente material, seja na vertente intencional.
4 – No caso, perante a tradição do bem, o pagamento efectuado e a actuação que se seguiu -concretamente, a construção de uma casa no terreno, a qual passou a constituir a casa de morada de família do Embargante – pode concluir-se que as partes anteciparam os efeitos do contrato definitivo – a transferência da propriedade para o comprador – podendo dizer-se que o promitente-comprador passou a actuar como se fosse o proprietário da coisa.”
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Mais nos diz a jurisprudência no âmbito da decisão do TCA Norte, de 18/01/12 (processo 642/09.9 BEBRG), “A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, no seguimento, sobretudo, da doutrina de Antunes Varela, tem vindo a decidir no sentido de que “são concebíveis (…) situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse”, dando-se como exemplo as situações em que, “havendo sido paga já a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo, (a fim de v.g., evitar o pagamento da sisa ou precludir o exercício de um direito de preferência), a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade” – cf. acórdão STA 10 Fev. 2010, recurso 1117/09, disponível em versão integral no endereço www.dgsi.pt, e que, nestas situações excepcionais em que o promitente-comprador tem uma posse em nome próprio relativamente ao bem que lhe foi prometido vender e que, entretanto, foi penhorado, tal posse fundamentará a procedência dos embargos de terceiro que, com base nela, sejam deduzidos – neste mesmo sentido, acórdão STA 10 Abr. 2002, recurso 26295 e acórdão STA 27 Out. 2010, processo 0453/10, ambos disponíveis no endereço www.dgsi.pt”.
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Para a análise da questão de saber se nos contratos-promessa, em que houve traditio da coisa, é ou não possível ao promitente-comprador exercer a posse em seu nome (ou se nunca passará de um mero detentor precário), recuperamos aqui uma síntese, de doutrina e de jurisprudência, apresentada no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24/11/09, proferido no processo nº 150-D/1996.C1. Aí se deixou dito, além do mais, que: “O contrato-promessa, só por si, não é susceptível de transferir a posse ao promitente-comprador.
Se este obtém a entrega da coisa antes da celebração do negócio translativo, adquire o corpus possessório, mas não adquire o animus possidendi, ficando, pois, na situação de mero detentor ou possuidor precário.
São concebíveis, todavia, situações em que a posição jurídica do promitente-comprador preenche excepcionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse.
Suponha-se, por exemplo, que havendo sido paga já a totalidade do preço ou que, não tendo as partes o propósito de realizar o contrato definitivo, (a fim de v.g., evitar o pagamento da sisa ou precludir o exercício de um direito de preferência), a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade.
Tais actos não são realizados em nome do promitente-vendedor, mas sim em nome próprio, com a intenção de exercer sobre a coisa um verdadeiro direito real.
O promitente-comprador actua, aqui, uti dominus, não havendo, por conseguinte, qualquer razão para lhe negar o acesso aos meios de tutela da posse”.
Retomando ainda esse tema, o escreve ainda o prof. Antunes Varela (in “RLJ, 128, pág. 146”):“... O promitente-comprador investido prematuramente no gozo da coisa, que lhe é concedido na pura expectativa da futura celebração do contrato prometido, não é possuidor dela, precisamente porque, sabendo ele, como ninguém, que a coisa pertence ainda ao promitente-vendedor e só lhe pertencerá a ele depois de realizado o contrato translativo prometido, não pode agir seriamente com a intenção de um titular da propriedade ou de qualquer outro direito real sobre a coisa”.
Por sua vez, ainda a esse propósito, o prof. Vaz Serra (“in R.L.J., Ano 109, págs. 347 e 348”) disserta nos seguintes termos:
“O promitente-comprador, que toma conta do prédio e nele pratica actos correspondentes ao exercício do direito de propriedade, sem que o faça por mera tolerância do promitente-vendedor, não procede com intenção de agir em nome promitente-vendedor, mas com a de agir em seu próprio nome, (…) passando a conduzir-se como se a coisa fosse sua, (…) julga-se já proprietário da coisa, embora não a tenha comprado, pois considera segura a futura conclusão do contrato de compra e venda prometido, donde resulta que, ao praticar na coisa, actos possessórios, o faz com animus de exercer em seu nome o direito de propriedade”.
Por fim, não resistimos ainda em citar, a esse mesmo propósito, o prof. Calvão e Silva (in “Sinal e Contrato-Promessa, 11ª edição, pág. 231, nota 55”) ao afirmar: “Não nos parece possível a priori qualificar-se de posse ou de mera detenção o poder de facto exercido pelo promitente-comprador sobre o objecto do contrato prometido entregue antecipadamente. Tudo dependerá do animus que acompanhe o corpus”.
Do exposto, afigura-se ser de concluir (em abono da segunda corrente de opinião acima referida) que, como regra, o promitente-comprador que obteve a traditio da coisa apenas frui um direito de gozo, que exerce em nome do promitente-vendedor e por tolerância deste – sendo, nesta perspectiva, um possuidor ou detentor precário (artº 1253 do CC –, já que não age com animus possidendi, mas apenas com corpus possessório (relação material) – artº 1251 do CC.
Todavia, pode em circunstâncias excepcionais a tradição da coisa, em contrato-promessa, envolver a transmissão da posse a favor do promitente-comprador (transformando este num verdadeiro possuidor), tudo dependendo do animus que acompanha o corpus, e a forma como ambos são exercidos ou se revelam na concreta realidade.
E isso (a qualificação da posse do promitente-comprador como precária ou como posse em nome próprio) só poderá ser avaliado casuisticamente, ou seja, perante cada realidade concreta. (Neste sentido, vidé ainda, entre muitos outros – a par daqueles que supra já deixámos citados, a favor da 2ª corrente de opinião perfilhada –, o recente Ac. do STJ de 12/3/2009, proc. nº 09A0265, disponível inwww.dgsi.pt/jstj, e que, nesta parte, seguimos de perto, e ainda o Ac. da RC de 17/1/2006, proc. 2774/06, disponível inwww.dgsi.pt/jtrc).”
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Perante a jurisprudência e doutrina elencada, a mesma indica um conjunto de requisitos necessários para preencher excecionalmente todos os requisitos de uma verdadeira posse.
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Que passamos a identificar: a existência de um contrato-promessa em que a coisa é entregue ao promitente-comprador como se sua fosse já e que, neste estado de espírito, ele pratica sobre ela diversos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, e o pagamento da totalidade do preço.
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Veja-mos que o Requerente preenche todos os requisitos supra referidos.
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Predem-se assim concluir, que embora a jurisprudência supra referida seja para situações excecionais, a mesma estabelece que há uma posse do promitente-comprador.
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Atendendo aos argumentos e factos elencados pelo Requerente, em especial, a impossibilidade de efetuar a escritura de compra e venda, ao fato de ter pago a totalidade do valor, ter sido transmitido o bem para a sua esfera e ter construído uma moradia no terreno o qual habitou e principalmente a respetiva comunicação e inscrição do imóvel junto da DGCI em 1989. Não se afigura logico, para efeitos de tributação em sede de mais-valias, decidir que apenas com a escritura de compra e venda é que o Requerente adquiriu a posse do imóvel, quando o artigo 10.º do CIRS, contempla que o momento gerador das mais-valias ocorre com a tradição do bem e não com a escritura pública, quando a própria AT da relevância fiscal a posse com a liquidação de Contribuição Autárquica a partir de 1989.
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Nestes termos, para efeitos de tributação de mais-valias, de acordo com o artigo 10.º do CIRS, considera-se que a data em que se verifica a tradição ou posse do bem, respetivamente o ano de 1989, com base na comunicação do Requerente a DGCI da inscrição do imóvel na matriz efetuado com a entrega do modelo 129, com relevância entre outros no âmbito da Contribuição Autárquica.
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Nestes termos, decide-se pela ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares: n.º 2015…, por não considerar para efeitos do cálculo da mais-valia no âmbito do artigo 10.º do CIRS a data correta de aquisição do imóvel, resultando um imposto superior a legalmente previsto, não tendo assim sido aplicados para efeitos do cálculo da mais-valia ou menos-valia os coeficientes de correção monetária previstos no artigo do 50º CIRS.
J - DOS JUROS INDEMNIZATÓRIOS.
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Peticiona, ainda, a Requerente o pagamento de juros indemnizatórios.
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Perante o exposto, a liquidação do IRS, na parte abrangida pela anulação, que se decretará, resultam de erros de facto e de direito imputáveis exclusivamente à administração fiscal, na medida em que a Requerente cumpriu o seu dever de declaração e foram por aquela cometidos e não poderia a mesma desconhecer entendimentos diferentes.
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Na verdade, estando demonstrado que a Requerente pagou o imposto impugnado na parte superior ao que é devido, por força do disposto nos art.ºs 61.º do CPPT e 43.º da LGT, tem a Requerente direito aos juros indemnizatórios devidos, juros esses a serem contados desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPTRIB), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo artigo 43.º da LGT.
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Dá-se provimento ao pedido da Requerente.
L - DECISÃO
Destarte, atento a todo o exposto, o presente Tribunal Arbitral, decide:
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Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato tributário de liquidação em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, pela nota de liquidação n.º 2015…, no valor de 6.489,55€ (seis mil quatrocentos e oitenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos).
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Julgar procedente o pedido de condenação no pagamento de juros indemnizatórios, sobre o valor liquidado de 6.489,55€ (seis mil quatrocentos e oitenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos).
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Condena a Requerida, a restituir à Requerente essa quantia indevidamente liquidada e paga, acrescida do pagamento de juros indemnizatórios já vencidos relativos ao período que mediou entre a data de pagamento do imposto a calcular sobre a quantia de 6.489,55€ (seis mil quatrocentos e oitenta e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos), tudo nos termos dos n.ºs 2.ºa 5.ºdo art.º 61.º do CPPT e à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.ºdo art.º 43.º da LGT até integral reembolso
Fixa-se o valor do processo em 6.489,55€ € correspondente ao valor da liquidação, atendendo ao valor económico do processo aferido pelo valor da liquidação de imposto impugnada, e em conformidade fixam-se as custas, no respetivo montante em 612,00 € (seiscentos e doze euros), a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).
Notifique.
Lisboa, 1 de Fevereiro de 2018
O Árbitro
Paulo Ferreira Alves
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