Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 331/2017-T
Data da decisão: 2018-02-07  IVA  
Valor do pedido: € 205.570,58
Tema: IVA - Aquisição de serviços de intermediação (de sociedades) na contratação de jogadores e de direitos de imagem – caso julgado material.
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Decisão Arbitral

 

 

  • RELATÓRIO

 

  1. A…, NIF…, com sede no …, …, …, …, … (doravante a Requerente) veio requerer a constituição de tribunal arbitral com indicação de árbitro, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artigo 2º, na alínea b) do nº 2, do artigo 6º, e na alínea a) do nº 1 e do nº 2, do artigo 10º, todos do decreto-lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro – Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).
  2. O pedido tem por objeto a apreciação da legalidade – e consequente declaração de ilegalidade – das seguintes liquidações adicionais de IVA e correspondentes juros compensatórios:
    • IVA relativo a 2012/2 (Liq. n.º 2015…) no valor a pagar de 9.200,00€;
    • Juros de mora, relativos à liquidação anterior (Liq. 2015…), de 1.832,16€;
    • IVA relativo a 2011/01 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 7.216,77€;
    • Juros compensatórios de 2011/01 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 7.255,12€;
    • IVA relativo a 2011/02 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 7.216,77€;
    • Juros compensatórios de 2011/02 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 1.229,82€;
    • IVA relativo a 2011/03 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 18.216,77€;
    • Juros compensatórios de 2011/03 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 3.046,44€;
    • IVA relativo a 2011/04 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 7.216,77€;
    • Juros compensatórios de 2011/04 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 1.179,99€;
    • IVA relativo a 2011/05 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 7.716,77€;
    • Juros compensatórios de 2011/05 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 1.238,07€;
    • IVA relativo a 2011/06 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 7.216,77€;
    • Juros compensatórios de 2011/06 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 1.134,12€
    • IVA relativo a 2011/07 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 11.500,00€;
    • Juros compensatórios de 2011/07 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 1.765,64€;
    • IVA relativo a 2011/08 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 67.850,00€;
    • Juros compensatórios de 2011/08 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 10.209,10€;
    • IVA relativo a 2011/09 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 21.850,00€;
    • Juros compensatórios de 2011/09 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 3.213,45€;
    • IVA relativo a 2011/10 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 12.650,00€
    • Juros compensatórios de 2011/10 (Liq. n.º 2015…), no valor a pagar de 1.616,05€.

 

  1. A Requerente indicou como árbitro o Prof. Doutor Rui Duarte Morais.

 

  1. A Requerida (doravante também AT), a 11 de julho de 2017, indicou como árbitro o Dr. Jorge Carita.

 

 

  1. A 13 de julho de 2017, os árbitros designados pelas partes acordaram em indicar para a presidência do tribunal arbitral o Desembargador Manuel Luís Macaísta Malheiros.

 

  1. O Tribunal Arbitral ficou constituído por despacho de 4 de agosto de 2017.

 

 

  1. A Requerida apresentou a sua resposta a 29 de setembro de 2017 e juntou o PA.

 

  1. A reunião a que se refere o art.º 18º do RJAT teve lugar no dia 10 de novembro de 2017, tendo, de seguida, sido produzida a prova testemunhal.

 

 

  1. A Requerente apresentou alegações a 23 de novembro de 2017.

 

  1. A AT apresentou as suas alegações a 23 de dezembro de 2017.

 

Síntese da tramitação anterior

 

  1. O presente pedido resultou de inspeção tributária à atividade da Requerente relativa ao ano de 2011 e a janeiro e fevereiro de 2012, que culminou num relatório final de inspeção que, por sua vez, deu origem às liquidações de IVA e de juros compensatórios acima identificadas;

 

  1. A Requerente deduziu duas reclamações graciosas, uma contra a liquidação de IVA e juros de 2012 a que se referem as alíneas a) e b) e outra contra as demais liquidações de IVA e juros relativas ao ano de 2011;

 

 

  1. As duas reclamações graciosas foram objeto de indeferimento pela AT;

 

  1. A Requerente inconformada deduziu dois recursos hierárquicos;

 

 

  1. Em meados de Março de 2017, os dois recursos hierárquicos (n.º…2016… e …2016…) foram objeto de total indeferimento expresso.

 

  • POSIÇÃO DAS PARTES

 

  1. POSIÇÃO DA REQUERENTE
  1. A Requerente defende que os atos impugnados são inválidos, pelas seguintes ilegalidades cumulativas:

a) Violação do caso julgado (art.º 100.º LGT, art.º 581.º e 619.º do CPC);

b) Errónea apreensão dos factos e incorreta subsunção ao direito aplicável;

c) Violação dos artigos 6.º, 19.º e 20.º, todos do CIVA;

d) Violação dos artigos 35º da LGT e art.º 100.º do CPPT;

e) Ilegalidade das Circulares 17/2011 e 15/2011;

f) Violação do art.º 22.º e 24.º do Dec. Lei n.º 28/98.

 

  1. Para além da questão prévia (violação de caso julgado material), a Requerente indica haver nos presentes autos duas questões a decidir:

Primeira: não-aceitação da dedução do IVA em relação à aquisição de serviços de intermediação (de sociedades) na contratação de diversos jogadores), com base no art.ºs 19.º e 20.º do CIVA - (rec. hierárquico n.º …2016…);

Segunda: não-aceitação da dedução do IVA em relação à aquisição de direitos de imagem de vários jogadores, com base no art.ºs 6.º e 20.º do CIVA: o jogador B… (rec. hierárquico n.º …2016…) e C… e B… (rec. hierárquico n.º …2016…).

 

  1. Relativamente à violação do caso julgado alega a Requerente que:

- o  exato objeto deste processo,  para a mesma Requerente e quase os mesmos jogadores e com argumentos da AT similares, foi já objeto de decisão arbitral – referente a vários outros meses de 2012 – no processo 345/2016T, tendo a sentença arbitral, já transitada em julgado, mandado anular totalmente as liquidações adicionais de IVA;

- nos termos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, as decisões arbitrais têm o valor jurídico das sentenças judiciais, estando, por isso, a AT vinculada à respetiva obediência;

- o presente processo aborda a dedução do IVA, sobre outros períodos temporais (o IVA é mensal) mas em relação ao mesmo tema e mesmos jogadores e contratos (existe apenas no presente processo o jogador D…, que não constava do anterior), pois os pagamentos foram feitos em várias tranches;

- numa sentença de mérito (como no caso em questão do aresto arbitral), forma-se um caso julgado formal (com efeitos dentro do processo) e material (com efeitos fora do processo) – art.º 619.º, n.º 1, do CPC;

- In casu, a sentença do tribunal arbitral faz caso julgado material sobre o presente processo, porque a causa agora em análise é idêntica quanto aos sujeitos, contratos em análise (direitos económicos e de imagem), pedido e causa de pedir – que apenas é desdobrada em vários processos, porque os pagamentos foram feitos em várias tranches ao longo de meses e a AT não juntou toda a matéria no mesmo processo inspetivo (art.º 581.º do CPC);

         - o caso julgado material tem força obrigatória no processo e fora dele, impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material objeto do litígio;

- ainda que a presente matéria não estivesse coberta pelo caso julgado material, a verdade é que o presente processo arbitral teria sempre de deferir tal pretensão, em cumprimento dos princípios da legalidade, justiça, imparcialidade e proteção da confiança, nos termos do art.º 55.º da LGT e art.º 2.º da CRP: o contribuinte não perceberia que uma sentença transitada lhe permitisse a dedução do IVA da mesma operação e depois numa decisão administrativa lhe negassem essa dedução noutra tranche do mesmo negócio;

- as sentenças fundamentadas dos tribunais criam a legítima confiança nos contribuintes de que a lei fiscal dispõe o que aí se indica (legalidade), como forma de uniformização das decisões sobre o mesmo caso (imparcialidade) e prossecução da Justiça (veiculando os entendimentos das decisões judiciais transitadas em julgado);

- a exceção do caso julgado exposta deve, por consequência, determinar a anulação das liquidações em causa. 

 

  1. Relativamente às liquidações de juros compensatórios, a Requerente sustenta ainda que:

- a ilegalidade das liquidações implica, por arrastamento, a anulação dos correspondentes juros compensatórios;

- só são exigíveis juros compensatórios se à omissão ou atraso no pagamento do imposto devido se associar um juízo de censura ou de culpa ao contribuinte nessa conduta (Ac. STA de 16/12/2012, proc. 0587/10 e Ac. STA de 0325/08, de 19/11/2008). Ora, a Requerente atuou dentro da letra da lei, com base numa interpretação legal da lei, mas tida a posteriori como violadora do seu espírito – com base em interpretações erradas mas plausíveis da lei fiscal;

- por isso, não lhe pode ser assacado qualquer comportamento intencional e culposo na errada interpretação e aplicação da lei fiscal (e falta ou atraso no pagamento do imposto). Não se preenche, assim, um dos requisitos para a existência de juros compensatórios, pela boa interpretação do art. 35.º da LGT, tal como trilhada pela jurisprudência dos tribunais superiores acima identificada;

 

  1. A Requerente afirma ainda que procedeu à constituição de garantia idónea, por forma a suspender o presente processo executivo e que

- a procedência deste pedido arbitral implica também a extinção dessa garantia e a indemnização por garantia que se veio a revelar indevida, por existência de erro imputável aos serviços na instauração da liquidação e processo executivo (art. 53.º, n.º 2, da LGT);

-a qual deve consistir no máximo legalmente possível (valor garantido X taxa de juros indemnizatórios prevista na lei, pelo prazo em que a garantia estiver “viva”), atento o dano (material e reputacional) provocado pela instauração e publicidade deste processo de dívidas fiscais (art.º 52.º, n.º 4, da LGT).

 

 

  1. POSIÇÃO DA REQUERIDA

 

  1.  O argumento essencial da AT para rejeitar as deduções é o seguinte: os serviços (pagos pela Requerente) de intermediação na contratação de jogadores não terão sido efetuados em representação da Requerente, mas dos jogadores. Ou seja, segundo a AT a Requerente aceitou suportar encargos de intermediação / representação efetuada em nome dos jogadores, não tendo os serviços sido adquiridos pelo sujeito passivo, mas sim pelos jogadores que impuseram a presença do seu representante nas negociações com a Requerente. Assim, a dedução do IVA não encontra previsão no disposto no n.º 1 do art.º 19.º do CIVA;

 

  1. A AT remete para o Relatório Final da Inspeção para concluir que:

– aí ficou confirmado que, nos contratos de trabalho desportivo celebrados com os jogadores que assinaram o contrato (E…, F…, G…. e D…) , o agente agiu em representação dos jogadores e não da ora Requerente, resultando, assim, dos “acordos” que a Requerente aceitou suportar os encargos de intermediação/representação efetuada em nome dos jogadores;

- os serviços prestados pelo agente foram em representação do jogador, pelo que seria este quem poderia realizar operações ativas tributáveis que, nos termos do artigo 20.º do Código do IVA, poderiam permitir a dedução deste imposto;

- não tendo os serviços sido adquiridos pela A…, conclui-se que também não foram realizadas operações ativas tributáveis associadas aos “inputs” ou operações passivas, aqui controvertidas;

- nos termos da lei, a pessoa que exerce a atividade de empresário desportivo só pode agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual (nº 2 do art.º 22º da Lei nº 28/98, de 26/06, que estabelece o regime jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo (RJCTD) e só pode ser remunerada pela parte que representa (nº 1 do art.º 24º do RJCTD);

- no Regulamento da FIFA, relativo aos Agentes de Jogadores, aprovado pelo Comité Executivo da FIFA, em 29 de Outubro de 2007, é imposta a proibição da “dupla representação, determinando que um agente de jogadores só poderá representar ou gerir os interesses de uma das partes envolvidas na operação e preconiza que a remuneração do agente seja efetuada exclusivamente pelo seu cliente (nº 4 e nº 8 do art.º 19º do Regulamento), 

- sobre o aduzido pela Requerente na sua PI, entende que a Requerente não comprovou que a AT incorreu numa errada perceção dos factos nos moldes aduzidos e que impugna.

            - a AT seguiu o entendimento da Circular 15/2011 (ponto 4): havendo dupla representação, o empresário não pode receber pelo clube, pois assume que só representa o jogador (e nunca o clube);

 

  1. Em relação à exceção invocada pela Requerente (caso julgado material), a AT contesta o pedido por considerar não existir identidade de pedido e de causa de pedir.

 

Segundo a Requerida:

- o caso julgado material visa a relação material que já foi objeto de litígio, o que não é o caso dos presentes autos, porquanto as liquidações ora controvertidas são outras, atinentes a diferentes períodos de tributação de imposto e com origem numa ação inspetiva que decorreu ao abrigo de uma outra ordem de serviço;

- a AT não estava obrigada, por força do disposto no art.º 100º da LGT, com a execução do julgado no processo nº 345/2016-T, a reconstituir a situação que existiria se as liquidações ora controvertidas não existissem, pois o caso julgado daquele acórdão arbitral não contém nos seus limites as situações concretas ora em apreciação;

- ainda que assim não se entenda, a exceção do caso julgado material não poderá prevalecer relativamente à situação do jogador D…, uma vez que a contratação deste jogador não é visada pelo processo arbitral nº 345/2016-T;

 

 

  1. No que respeita à ilegalidade de juros compensatórios que a Requerente invoca, entende que a mesma não poderá prevalecer;

 

  1. A AT considera ainda que não pode haver lugar a condenação a indemnização por garantia indevida no âmbito da pronúncia arbitral;

Segundo a Requerida, caso o presente pedido de pronúncia arbitral venha a ser julgado procedente, a indemnização por garantia indevida deverá ser processada no âmbito da execução do julgado arbitral. O que pressupõe a anulação da liquidação na parte impugnada com o consequente reflexo no processo de execução fiscal e a devida comprovação dos encargos suportados com a garantia que devam ser indemnizados, sempre de harmonia com as disposições legais aplicáveis;

Quanto ao dano que a Requerente refere no art.º 259º da sua PI, e que se impugna por não provado, no caso o que a Requerente denomina de dano “reputacional”, “provocado pela instauração e publicidade deste processo de dívidas fiscais (art.º 52º, n.º 4, da LGT)”, cumpre salientar que esse tipo de danos, além de não constar minimamente comprovado, não tem qualquer enquadramento nas normas de procedimento tributário que especificamente preveem o dever de indemnizar o sujeito passivo, no caso o art.º 53º da LGT,

Constituindo, por conseguinte, matéria que não é susceptível de apreciação pelo Tribunal Arbitral atentas as suas competências especificamente previstas no RJAT.

III – A DECISÃO ARBITRAL N.º345/2016

  1. A sentença arbitral já identificada (proferida no proc. nº 345/2016-T) relativamente a 3 dos quatro jogadores em causa nesse processo, anulou as liquidações aí impugnadas tendo dado por provados os factos a seguir reproduzidos em e) a o) “factos provados”, comuns  a ambos os processos..

 

  1. O tribunal arbitral fundamentou a sua decisão como se segue:   

 

 A Autoridade Tributária e Aduaneira não aceitou a dedução pela Requerente do IVA que suportou nos pagamentos efectuados a agentes que tiveram intervenção nas contratações dos jogadores [

De harmonia com o artigo 2.º da Directiva n.º 2006/112/CE, do Conselho, de 28-11-2006, estão sujeitas ao IVA, para além de outras, as operações de entregas de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade, as aquisições intracomunitárias de bens efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro, as prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade e as importações de bens.

Na mesma linha o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) estabelece no seu artigo 1.º que estão sujeitas a este imposto as transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, as importações de bens e as operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.

Nos termos do artigo 9.º da Directiva «entende-se por "sujeito passivo" qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade» e «entende-se por "actividade económica" qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. É em especial considerada actividade económica a exploração de um bem corpóreo ou incorpóreo com o fim de auferir receitas com carácter de permanência».

O CIVA estabelece que são sujeitos passivos, além de outras, «as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos de incidência real do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) ou do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC)».

O direito à dedução surge no momento em que o imposto se torna exigível (artigo 167.º da Directiva n.º 2006/112/CE e artigo 22.º n.º 1, do CIVA) e, em regra, só pode deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de operações tributadas (artigos 168.º da Directiva n.º 2006/112/CE e 20.º, n.º 1, do CIVA).

A Requerente deduziu o IVA que liquidou em relação aos pagamentos efectuados a título de aquisição de serviços de agências de intermediação na contratação de jogadores.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que

– a Requerente aceitou suportar encargos de intermediação / representação efectuada em nome dos jogadores, não tendo os serviços sido adquiridos pelo sujeito passivo, mas sim pelos jogadores que impuseram a presença do seu representante nas negociações com a A…, pelo que a dedução do IVA não encontra previsão no disposto no n.º 1 do artigo 19.º do CIVA;

– nos termos do art. 2o.º do CIVA “só pode deduzir-se imposto que incida sobre bens ou serviços adquiridos para a realização de operações tributáveis (transmissão de bens ou prestação de serviços) que se encontrem sujeitas e não isentas de imposto”;

– os serviços prestados pelos agentes, são-no na qualidade de representantes dos jogadores - e não da Requerente - pelo que seriam os jogadores que poderiam permitir a dedução do IVA, nos termos do artigo 20.º do CIVA, se acaso preenchessem os demais requisitos;

– tais deduções nunca poderiam ser efetuadas pela Requerente: “donde, não tendo os serviços sido adquiridos pelo A…, conclui-se também que não foram realizadas operações tributáveis associadas aos inputs controvertidos”.

A prova produzida contraria os pressupostos de facto em que assentou esta correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Na verdade, provou-se que a Requerente não possui meios próprios para sondagem do mercado de jogadores de futebol, pelo que contactou vários agentes tendo em vista concretizar a contratação de jogadores com as características que pretendia, o que é seu procedimento habitual, ficando a formalização por escrito dos contratos com os agentes e o pagamento pelos serviços prestados dependente da concretização das contratações dos jogadores.

Não se provou que, em qualquer dos casos em que a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que os serviços não tinham sido adquiridos pela Requerente, tenham sido os jogadores que impuseram a presença dos agentes como representantes seus nas negociações, nem que a Requerente tivesse celebrado qualquer contrato ou efectuado qualquer pagamento relacionado com a representação dos jogadores.

Assim, resulta da prova produzida que houve efectivamente serviços prestados à Requerente pelos agentes, conexionados com a actividade da Requerente, pelo que não se verifica o obstáculo a dedução do IVA que a Requerente suportou ao efectuar os pagamentos daqueles serviços.

   Pelo exposto, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto, nas partes em que assentaram na não aceitação da dedução de IVA suportado relativamente aos pagamentos efectuados a agentes em conexão com as contratações dos jogadores (segue-se a identificação dos jogadores que são os mesmos que estão em causa no presente processo, exceção feita ao jogador D… e respetivo agente].

 

IV - SANEAMENTO

As partes gozam de personalidade e capacidade, são legítimas e estão devidamente representadas (art.ºs 4º e 10º, n.º 2 do RJAT e 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer o pedido (art.º 2º, n.º 1, a) do RJAT).

O processo não enferma de qualquer nulidade.

A Requerente no pedido de pronúncia suscitou uma exceção de que cumpre conhecer.

 

 

  • FACTOS PROVADOS

 

  1. Com base no processo administrativo, nos documentos juntos aos autos e nas declarações das testemunhas, consideram-se provados os seguintes factos com relevância para os autos:

 

a) A Requerente é uma sociedade desportiva que tem por objeto social "a participação na modalidade de futebol e participações desportivas de carácter profissional, a promoção e organização de espetáculos desportivos e o fomento e desenvolvimento de atividades relacionadas com a prática desportiva profissionalizada da respetiva modalidade";

            b) A Requerente é uma sociedade desportiva que se rege pelo regime jurídico especial estabelecido no Decreto-Lei n.º 67/97, de 3 de abril, de acordo com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei n.º 107/97, de 16 de setembro;

            c) No que se refere ao IVA, a Requerente é um sujeito passivo de imposto e dele não isento, nos termos do artigo 2º do Código do IVA, enquadrado no regime normal de tributação com periodicidade mensal.

            d) A Requerente foi objeto de um procedimento inspetivo ao período tributário do ano de 2011 e aos meses de janeiro e de fevereiro de 2012.

            e) A Requerente, tendo em vista aceder a jogadores de futebol em boa relação qualidade/preço, contrata normalmente serviços de profissionais especializados para o efeito (agentes de futebol), com indicação do seu perfil e características;

            f) A Requerente entende que, por o H… ser um clube de considerável êxito desportivo, se for directamente ao mercado contratar jogadores, dirigindo-se a estes ou aos clubes respectivos, faria contratos com preços superiores aos que consegue obter através de agentes, por o interesse na contratação inflacionar o preço;

            g) A Requerente sonda verbalmente vários agentes, por vezes cinco ou seis, tendo em vista a contratação de cada jogador, apenas formalizando contrato de intermediação com o agente que lhe indicar o jogador que vier a ser contratado;

            h) Os serviços do agente são, em geral, contactados verbalmente, por via telefónica, pelo presidente do clube, sendo celebrado contrato escrito, com indicação da remuneração do agente, apenas quando já está praticamente assente a contratação de um determinado jogador;

            i) Os agentes não se limitam a apresentar para contratação jogadores com quem tenham alguma relação;

            j) A Requerente não sabe, quando contacta os agentes, se as empresas têm ou não contratos de representação com jogadores com as características pretendidas, apenas averiguando se os jogadores têm representantes quando ocorre a formalização de contratos com os jogadores;

            k) A Requerente não dispõe de meios próprios de prospecção de jogadores que satisfaçam as suas necessidades e considera que seria demasiado oneroso dispor desses meios, designadamente observadores (olheiros) espalhados pelo mundo;

            l) Consumado cada negócio de contratação de jogadores, com a intervenção do agente, a Requerente paga-lhe a comissão respectiva e indica a sua intervenção no contrato escrito da contratação do jogador;

            m) Há agentes que não representam jogadores, fazendo apenas serviços de prospecção;

            n) Já sucedeu que dois agentes apresentassem o mesmo jogador;

            o) Os pagamentos aos agentes apenas ocorrem quando há contrapartida por serviços prestados;

            p) Foi também nesses termos que interveio o agente e foram efectuados pagamentos pela Requerente relativamente à contratação dos jogadores em causa, incluindo o jogador D… .

            q) A Requerente procedeu à constituição de garantia idónea, por forma a suspender o processo executivo

 

 

         VI - INUTILIDADE SUPERVENIENTE (PARCIAL) DA LIDE

 

  1. A AT na sua resposta alegou a inutilidade superveniente da lide relativamente às liquidações adicionais de IVA relativas aos contratos de aquisição dos direitos de imagem, em virtude de, por despacho de concordância de 14/07/2017, do Subdiretor-Geral em substituição, haver sido sancionada a proposta contida na informação nº 1611, de 13/07/2017, da Direção de Serviços do IVA – Divisão de Administração, revogatória dos “atos tributários de liquidação adicional de IVA impugnados, na parte que respeita à matéria do imposto suportado com a aquisição dos direitos de imagem.”;

A Requerente, na sessão a que se refere o art.º 18.ºdo RJAT, aceitou explicitamente tal inutilidade, pelo que não cumpre mais apreciar tal questão.

 

VII – EXCEÇÃO DE “CASO JULGADO”

 

  1. A Requerente alega que a decisão proferida no âmbito do Proc. n.º 345/2016T, já transitada em julgado, constitui caso julgado relativamente aos presentes autos, nos termos estatuídos no art.º 581º do Código de Processo Civil, uma vez que se verifica a identidade dos sujeitos (A… e Autoridade Tributária), do pedido (anulação de liquidação de IVA) e de causa de pedir. De acordo com a Requerente, entre a decisão proferida no Proc. 345/2016T e os presentes autos, a única diferença está nos períodos temporais sobre os quais incidiram procedimentos inspetivos da AT distintos e na circunstância de nos autos presentes autos se apreciar o caso do contrato do jogador D… que não foi apreciado naquele processo, precisamente pelas questões referidas questões temporais.
  2. Segundo a Requerida, o caso julgado material visa a relação material que já foi objeto de litígio, o que não é o caso dos presentes autos, porquanto as liquidações ora controvertidas são outras, atinentes a diferentes períodos de tributação de imposto e com origem numa ação inspetiva que decorreu ao abrigo de uma outra ordem de serviço.

 

  1. Da análise dos autos não restam dúvidas da existência de caso julgado material, por estarem verificados todos os pressupostos de que o art.º 581º do Código de Processo Civil faz depender a sua existência: identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. Com efeito, os sujeitos são os mesmos (A… e Autoridade Tributária) os pedidos são os mesmos (anulação da não dedução de IVA e anulação da liquidação de juros compensatórios) e a causa de pedir a mesma, pois os contratos são os mesmos. Aquela identidade estende-se também ao caso do contrato do jogador D…, por o seu contrato ser, em tudo, similar aos que foram apreciados no Proc. n.º 345/2016T.

 

  1. A aceitação da existência da exceção de “caso julgado” em situações com estes traços é unânime na jurisprudência, conforme resulta dos arestos que se transcrevem:

 

  • Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 7-12-2011, proferido no Proc. n.º 0419/11: I - Os limites objectivos do caso julgado definem-se por referência ao objecto do processo. II - No processo de anulação de actos tributários o objecto do processo define-se necessariamente por referência a um acto inválido: o pedido imediato do impugnante corresponde à eliminação do acto impugnado da ordem jurídica, e com ela, a cessação da situação lesiva por ele causada; e a causa de pedir, às específicas causas de invalidade invocadas.
    III - Mas o facto do acto ser um elemento essencial da acção impugnatória, não permite concluir que o objecto do processo se identifique com ele, pois, subjacente à pretensão anulatória existe sempre uma relação material constituída pela definição introduzida pelo acto na ordem jurídica e pela lesão que ele causa à posição jurídica subjectiva do impugnante. IV - O caso julgado material estende-se assim ao juízo que o tribunal faz sobre os pressupostos de que depende o exercício do poder consubstanciado no acto ou sobre a ocorrência de factos impeditivos ou extintivos que obstem a esse exercício. V - Por isso, há identidade de objecto se já existir uma sentença transitada em julgado que apreciou os concretos fundamentos de facto e de direito em que se baseia a pretensão anulatória do acto impugnado.

 

  • Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2013, proferido no âmbito do Proc. n.º 3210/07.6TCLRS.L1S1 “I- O caso julgado tem como limites os que decorrem dos próprios termos da decisão, pois como estatui o artº 673º do CPC, «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga». Trata-se de um corolário do conhecido princípio dos praxistas enunciado na fórmula latina «tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat». II- Mesmo para quem entenda que relativamente à autoridade do caso julgado não é exigível a coexistência da tríplice identidade, como parece ser o caso da maioria jurisprudencial e de amplo sector doutrinal, será sempre em função do teor da decisão que se mede a extensão objectiva do caso julgado e, consequentemente, a autoridade deste. III- Ainda que se não verifique o concurso dos requisitos ou pressupostos para que exista a excepção de caso julgado (exceptio rei judicatae), pode estar em causa o prestígio dos tribunais ou a certeza ou segurança jurídica das decisões judiciais se uma decisão, mesmo que proferida em outro processo, com outras partes, vier dispor em sentido diverso sobre o mesmo objecto da decisão.

 

  • Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-09-2015, proferido no âmbito do Proc. n.º 101/14.8TBMGL.C1: I – Sendo o objecto do processo anterior parcialmente idêntico ou conexo com o do subsequente, mesmo não ocorrendo completa identidade do âmbito objectivo, os efeitos do caso julgado material projectam-se, entre as mesmas partes, no segundo, como autoridade do caso julgado material, em que o conteúdo da decisão anterior constitui uma vinculação à decisão de distinto objecto posterior, de modo a evitar que a relação jurídica material já definida possa vir a ser apreciada diferentemente, com ofensa da segurança jurídica II - A eficácia do caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com a que ficou definida na decisão transitada e incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos ou as questões preliminares, enquanto pressupostos, premissas ou antecedentes lógicos daquela decisão.III - Para tanto, importa fixar o sentido e o alcance da decisão proferida na anterior ação, interpretando-a, e, por essa via, também excluir da eficácia do caso julgado os julgamentos sobre questões de facto e de direito que não estejam nela compreendidos, ainda que integrem os fundamentos de tal decisão.IV - O princípio da segurança jurídica, que tem o caso julgado como seu postulado destacado, assume-se como basilar do Estado de Direito Democrático, pelo que o exposto entendimento não constitui um obstáculo arbitrário ou desproporcionado ao direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.

 

  1. O argumento suscitado pela Requerida de que os períodos de tributação são diversos tem de ceder face à identidade do pedido e da causa de pedir, assim como o argumento de que os procedimentos inspetivos tiveram por base ordens de serviço diversas. É que estes dois factos derivam exclusivamente da circunstância de os contratos que deram causa aos autos se prolongarem no tempo por vários períodos de tributação.

 

  1. Resta acrescentar que sobre esta mesma matéria foram proferidas outras decisões arbitrais no âmbito do CAAD, nomeadamente as seguintes: 346/2016T e 347/2016T. Todas seguiram o entendimento expresso na decisão proferida no âmbito do proc. n.º 345/2016T.

 

 

VIII - JUROS COMPENSATÓRIOS

 

 

  1. O Tribunal considerou existente o caso julgado material, que torna ilegais as liquidações de IVA e obvia e consequentemente as liquidações dos correspondentes juros indemnizatórios.

 

 

IX- INDEMNIZAÇÃO PELA GARANTIA INDEVIDAMENTE PRESTADA

 

  1. O direito a indemnização pela prestação de garantia indevida encontra-se consagrado no art.º 53º da Lei Geral Tributária, reconhecendo o tribunal arbitral que a Requerente, em abstrato, goza desse direito, nos termos dos n.ºs 2 e 3 desse mesmo artigo.

Porém, a Requerente não fez prova da verificação de rodos os pressupostos a que a lei condiciona tal obrigação indemnizatória, pelo que a questão terá que ser relegada para execução de sentença.

O tribunal não reconhece à Requerente o direito a indemnização por “dano material e reputacional”, por inexistência de base jurídica para a procedência do pedido.

 

DECISÃO

 

Nestes termos, o tribunal decide:

- Julgar procedente por provado o pedido de pronúncia arbitral;

- Anular as seguintes liquidações de IVA e dos correspondentes juros indemnizatórios:

  1. IVA relativo a 2012/2 (Liq. n.º 2015…) no valor de 9.200,00€;
  2. Juros de mora, relativos à liquidação anterior (Liq. 2015…), de 1.832,16€;
  3. IVA relativo a 2011/01 (Liq. n.º 2015…), no valor de 7.216,77€;
  4. Juros compensatórios de 2011/01 (Liq. n.º 2015…), no valor de 7.255,12€;
  5. IVA relativo a 2011/02 (Liq. n.º 2015…), no valor de 7.216,77€;
  6. Juros compensatórios de 2011/02 (Liq. n.º 2015…), no valor de 1.229,82€;
  7. IVA relativo a 2011/03 (Liq. n.º 2015…), no valor de 18.216,77€;
  8. Juros compensatórios de 2011/03 (Liq. n.º 2015…), no valor de 3.046,44€;
  9. IVA relativo a 2011/04 (Liq. n.º 2015…), no valor de 7.216,77€;
  10. Juros compensatórios de 2011/04 (Liq. n.º 2015…), no valor de 1.179,99€;
  11. IVA relativo a 2011/05 (Liq. n.º 2015…), no valor de 7.716,77€;
  12. Juros compensatórios de 2011/05 (Liq. n.º 2015…), no valor de 1.238,07€;
  13. IVA relativo a 2011/06 (Liq. n.º 2015…), no valor de 7.216,77€;
  14. Juros compensatórios de 2011/06 (Liq. n.º 2015…), no valor de 1.134,12€
  15. IVA relativo a 2011/07 (Liq. n.º 2015…), no valor de 11.500,00€;
  16. Juros compensatórios de 2011/07 (Liq. n.º 2015…), no valor de 1.765,64€;
  17. IVA relativo a 2011/08 (Liq. n.º 2015…), no valor de 67.850,00€;
  18. Juros compensatórios de 2011/08 (Liq. n.º 2015…), no valor de 10.209,10€;
  19. IVA relativo a 2011/09 (Liq. n.º 2015…), no valor de 21.850,00€;
  20. Juros compensatórios de 2011/09 (Liq. n.º 2015…), no valor de 3.213,45€;
  21. IVA relativo a 2011/10 (Liq. n.º 2015…), no valor  de 12.650,00€
  22. Juros compensatórios de 2011/10 (Liq. n.º 2015…), no valor de 1.616,05€.

- Relegar para processo autónomo a questão do pagamento pela Requerida à Requerente de indemnização pela garantia indevida prestada,

 

Valor: € 205.570,58 (duzentos e cinco mil, quinhentos e setenta euros e cinquenta e oito cêntimos).

Custas nos termos legais.

 

Lisboa, 8 de Fevereiro de 2018-02-07

 

Os árbitros

 

Desembargador rf.º Manuel Luís Macaísta Malheiros (Presidente)

 

Prof. Doutor Rui Duarte Morais

 

Dr. Jorge Carita

(vencido conforme declaração junta)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Declaração de Voto

 

Acompanho a decisão deste Tribunal Arbitral relativamente à verificação do caso julgado material suscitada pela Requerente, face nomeadamente à decisão do CAAD proferida no âmbito do Proc. n.º 345/2016-T, que, no entanto, não abrange o imposto referente às despesas efectuadas pela Requerente com a contratação de um do jogador ( D…), cujo contrato não está referenciado nessa decisão já proferida pelo CAAD. A considerar, no entanto, que o apelo à similaridade concretizada nesta decisão, tem um enquadramento jurisprudencial, que me leva, também, nesta sede, a acompanhar a decisão proferida neste processo.

No que já não posso acompanhar a decisão deste Tribunal, é no que diz respeito à matéria aí referenciada por “dupla representação”.

Primeiro, porque tendo o Tribunal decidido:

“Julgar procedente a verificação de caso julgado material suscitada pela Requerente e, em consequência anular as liquidações adicionais de IVA e dos correspondentes juros compensatórios relativas à aquisição de serviços de intermediação na aquisição de jogadores”, e consequentemente, ter julgado procedente por provado e, por esse motivo, o pedido de pronúncia arbitral, já não tinha que se pronunciar sobre qualquer uma das outras restantes ilegalidades que a Requerente entende sofrer o acto de liquidação em causa.

Conclui o Tribunal que, mesmo que não existisse caso julgado, ainda assim assistia razão à Requerente na sua pretensão de anulação dos actos de liquidação em causa, face à não existência de dupla representação no processo de contratação de jogadores e agentes.

É que, caso se pretendesse pronunciar sobre este assunto, entendo que o Tribunal deveria ter melhor aprofundamento a análise das posições em confronto, melhor analisado as decisões jurisprudenciais já tomadas sobre o tema, cuidado da análise com mais detalhe a prova testemunhal proferida, etc., etc., etc. – o que não foi feito, com o devido respeito e que é muito, com a extensão que uma decisão de mérito mereceria.

Foram os seguintes os factos dados como provados:

  1. Para a aquisição de jogadores a Requerente contacta empresários especializados para o efeito (em nome individual ou sob a forma societária) aos quais indica o perfil ou mesmo o nome dos jogadores pretendidos;
  2. Para a aquisição de F… a Requerente solicitou os serviços da sociedade I…, Lda, de que é sócio por J…;
  3. J… era o agente do F…;
  4. J… representou a I…, Lda no contrato de aquisição do jogador F…, tendo o mesmo  J… representado o jogador
  5. Para a aquisição do jogador E… a Requerente solicitou os serviços da sociedade K…, Lda, de que é sócio L…;
  6. L… era o agente do jogador E…;
  7. No contrato de aquisição do jogador E… a sociedade foi representada por M… e o jogador pelo seu agente L…;
  8. Para a aquisição do jogador D… a Requerente solicitou os serviços da N…, Lda, de que é sócio o agente desportivo O…;
  9. O… era o agente do jogador D…;
  10. O… representou a N…, Lda no contrato de aquisição do jogador D…, tendo o mesmo O… representado o jogador;” (sublinhado nosso)

 

Se existe ou não existe dupla representação, tal não pode relevar de uma análise meramente formal das diversas intervenções das partes.

Por isso importaria perguntar:

No caso do jogador F…, será que a Requerente não terá contratado J…?

No caso do jogador L…, será que a Requerente não terá contratado L…?

No caso do jogador D…, será que a Requerente não terá contratado O…?

A tudo isto o Tribunal deveria ter dado uma resposta inequívoca, se se quisesse pronunciar sobre a existência ou não de dupla representação.

Nem nos parece que aproveita à tese do Tribunal, a possibilidade, sempre reconhecida, de se fazer “negócio consigo próprio”, porque não é isso que aqui está em causa.

Vejamos outros aspetos da Decisão e que transcrevemos:

Com efeito, um empresário desportivo em nome individual desenvolve a sua atividade enquanto pessoa singular, não podendo ser confundido com eventual ou eventuais empresas de que seja sócio, que são pessoas com personalidade jurídica de natureza coletiva.

Importa ter em consideração que esta tese, salvo o devido respeito, não é válida para os casos em que o representante do jogador é o gerente da sociedade que representa o clube e não apenas o seu sócio.

Conforme é confirmado pela própria Requerente nas suas alegações (ponto 48), as sociedades vincularam-se por intermédio dos seus representantes, ou seja, um gerente (sócio ou não) ou um procurador com poderes para o acto. Não pode ser de outra maneira.

Apenas no caso do E…, em que a sociedade K… Lda é representada por M…,  e o jogador é representado por L…, sócio da  K…  Lda, parece fazer mais sentido a tese aqui defendida.

Em todos os outros casos, a representação de ambas as partes é feita pela mesma pessoa, porque o representante do jogador é o gerente (para além de sócio) da sociedade representante do Clube (o que consta da documentação retirada do Portal da Justiça, com identificação dos mandatos de gerência perfeitamente válidos).

É curioso que a Requerente fala sempre na contratação de um agente, necessariamente pessoa singular, mas depois aparece sempre uma sociedade invocando essa qualidade e assinando o contrato. É lógico!!! Porque se fosse a pessoa singular a assinar como representante do Clube já não podia haver outra pessoa singular, que seria o mesmo, a assinar pelo lado do jogador.

É para evitar tal estado de coisas, que aparecem as sociedades….

Por outro lado, consta também desta decisão que:

“Nos caso dos autos a AT não logrou provar a imposição por parte de qualquer dos jogadores da presença das respetivos agentes.”

Considero que tal prova por parte da AT não era necessária, porquanto a sua presença é indiscutível…. E é ela própria imposta pelos contratos de exclusividade que esses jogadores têm com aquele agente em concreto.

Devem ser muito raros os casos em que estão em causa verdadeiramente dois agentes – um do clube e outro do jogador – é a lógica do mercado!!!

O agente contratado pelo clube tem todo o interesse que o negócio não saia fora do seu âmbito de intervenção, pois se isso acontecesse, por exemplo, sendo o jogador representado por outro agente, tal implicaria para ele uma significativa redução de proveitos, face à comissão que sempre cobraria o agente do jogador, sabendo-se quão avultadas são tais comissões, cuja discussão por vezes chega a inviabilizar determinados negócios. Tal situação é muitas vezes evitada, sendo imposto pelo agente contratado pelo clube, que o jogador alvo, mesmo tendo representante próprio, mude de representante, passando a pertencer à “carteira” daquele que lhe vai arranjar clube e tem um novo contrato para lhe oferecer.

Concluo, que os argumentos a favor da inexistência da dupla representação, me parecem mais formais que substanciais, razão pelas quais não posso acompanhar o que consta desta decisão, embora apenas para o caso de não ter prevalecido a existência de caso julgado.

 

Lisboa, 7 de fevereiro de 2018.

 

 Jorge Carita