Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 474/2017-T
Data da decisão: 2023-07-10  IRC  
Valor do pedido: € 95.962,09
Tema: Tributações autónomas. SIFIDE. Benefício fiscal. Dedução à colecta. Norma interpretativa. Reversão de jurisprudência. Responsabilidade por custas – Reforma da decisão arbitral (anexa à decisão).
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr. José Nunes Barata (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15-11-2017, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A. (doravante designada por “Requerente” ou “A...”), pessoa colectiva número ..., com sede na ..., n.º ..., ..., ...-... Algés, veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente pediu a declaração da ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e, bem assim, a ilegalidade da autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, da A..., relativa ao exercício de 2012, no que respeita aos montantes de taxas de tributação autónoma em IRC de € 95.962,09, com a sua consequente anulação nesta parte por afastamento indevido das deduções à colecta, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à Requerente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, desde 1 de setembro de 2013.

Subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do código do IRC não se aplica às tributações autónomas, a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade da liquidação da tributação autónoma (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação, com o consequente reembolso do mesmo montante e o pagamento de juros indemnizatórios contados da mesma data.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 14-08-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 24-10-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 15-11-2017.

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que suscitou a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral e defendeu a improcedência dos pedidos.

Por despacho de 19-12-2017 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

Posteriormente, em face da entrada em vigor da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, que deu nova redacção ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, atribuindo a esta redacção natureza interpretativa, as Partes foram notificadas para se pronunciarem «sobre as questões que se podem colocar relativamente à eventual aplicação desta norma à situação que é objecto do presente processo, inclusivamente, para além de outras que as Partes entendam pertinentes, sobre as questões de constitucionalidade que se podem suscitar à face das regras sobre a retroactividade de impostos e sobre o alcance e consequências da expressão «ainda que essas deduções resultem de legislação especial», aditada à redacção anterior».

Apenas a Requerente se pronunciou, defendendo, em suma, que é inconstitucional a atribuição de efeito retroactivo à nova redacção.

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Por acórdão de 05-03-2018, foi julgada improcedente a excepção de incompetência, suscitada pela Administração Tributária.

No mesmo  acórdão foi decidido:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da não dedução do montante do SIFIDE à colecta resultante de tributações autónomas e anular a autoliquidação, na parte respectiva, bem como o indeferimento do pedido de revisão oficiosa;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao reembolso à Requerente da quantia de € 95.962,09 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o respectivo pagamento;
  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar os juros à Requerente, a partir de 23-02-2017 e até reembolso da quantia de € 95.962,09.

 

            O Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Constitucional que, pela decisão sumária n.º 274/2020, decidiu:

a) Não julgar inconstitucionais os artigos 135.º da Lei nº 7-A/ 2016, de 30 de março, e 233.º da Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro, na parte em que, atribuindo natureza interpretativa às alterações introduzidas no artigo 88.º, n.º 21, do Código do IRC (pelos artigos 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e 231.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro), determinam que não podem ser deduzidos à coleta resultante da aplicação de taxas de tributação autónoma em sede de IRC os benefícios fiscais apurados no âmbito do SIFIDE, nos exercícios fiscais anteriores a 2016;

    e, em consequência,

b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida em conformidade com o precedente juízo de não inconstitucionalidade.

 

Esta decisão sumária foi mantida pelo acórdão n.º 121/2023 do Plenário do Tribunal Constitucional, proferido em 21-03-2023.

Por email de 07-07-2023, o Tribunal Constitucional informou que a decisão do seu processo 224/18, que tem por objecto o recurso da decisão arbitral proferida no presente processo,  transitou em julgado.

Apesar de o Tribunal Arbitral ter ficado dissolvido com a notificação do arquivamento efectuada em 05-03-2018, por força do preceituado no artigo 23.º do RJAT, o n.º 2 do artigo 80.º da Organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, estabelece que «se o Tribunal Constitucional der provimento ao recurso, ainda que só parcialmente, os autos baixam ao tribunal de onde provieram, a fim de que este, consoante for o caso, reforme a decisão ou a mande reformar em conformidade com o julgamento sobre a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade», o que implica que o tribunal arbitral se reconstitua para este efeito.

 

2. Matéria de facto

No acórdão arbitral de 05-03-2018 foi dada como provada a seguinte matéria de facto.

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. Em 28-05-2013, a Requerente procedeu, à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2012, tendo apurado um montante de tributações autónomas em IRC de € 95.962,09 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. O sistema informático da Administração Tributária e Aduaneira não permite a dedução de montantes de benefícios fiscais à colecta de IRC derivada de tributações autónomas;
  3. O montante de SIFIDE, atribuído/obtido, disponível para utilização pela Requerente no final do exercício de 2012 ascendia a € 5.985.075,28 conforme certificação acompanhada de Declarações da Comissão Certificadora do SIFIDE (documento n.º 3 unto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. A Requerente apresentou as declarações modelo 22 de IRC que constam dos documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  5. A Requerente não tinha dívidas em cobrança coerciva através de processo de execução fiscal nas datas que se referem as certidões que constam do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  6. O montante de € 95.962,09 de tributações autónomas reporta-se às indicadas no documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  7. Em 22-02-2016, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa da autoliquidação relativa ao exercício de 2012, pretendendo que fosse deduzido o montante do SIFIDE à colecta de IRC derivada de tributações autónomas (documento n.º 2 unto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  8. O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho de 31-05-2017, que manifesta concordância com uma informação que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em se refere, além do mais o seguinte:

      III. Revisão Oficiosa:

      1. Factos:

A recorrente vem solicitar a revisão da liquidação de IRC relativa à declaração modelo 22 de 2012 em que procedeu à autoliquidação.

Entregou a declaração modelo 22 do referido exercício, apurando lucro fiscal, ao qual deduziu até ao montante da colecta (167.579,03) benefícios fiscais.

Incorreu em despesas que foram sujeitas a tributação autónoma, no montante de 95 562,09 para 2012 e 10 054,74 de derrama municipal para o mesmo exercício.

Apresentava no mesmo exercício, créditos fiscais disponíveis, que por alegada insuficiência de colecta não foram produzidos, relativos a SIFIDE, no montante de 5.988.163,28.

2. Parecer:

A requerente vem solicitar na sua petição, revisão da situação tributária nos termos do artigo 78º da LGT

  • Vem alegar os seguintes fundamentos:

      Apresentou lucro fiscal, relativamente ao exercício de 2012

      Deduziu parte do valor relativo a benefícios fiscais, reduzindo a colecta a zeros

      Apurou imposto a pagar relativo a tributações autónomas

      Apresenta valor de derrama municipal

      Desenvolve toda uma argumentação, no sentido de que seja considerada a colecta relativa às tributações autónomas para efeitos de dedução, nos termos do artigo 90º do CIRC, designadamente para deduzir o benefício de SIFIDE

      Demonstra a sua tese com base no enquadramento fiscal, na jurisprudência e na diversa doutrina existente, na medida em que as tributações autónomas configuram IRC.

      Pelos factos aduzidos se consubstanciarem em erro imputáveis aos serviços, solicita o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT

 

  • Do n.º 1 do artigo 78.º, da LGT resultam prazos distintos para a dedução do pedido de Revisão Oficiosa

 Em conformidade com o que se encontra previsto na 1ª parte do n.º 1, do artigo 78.º o pedido de revisão oficiosa pode ser deduzido pelo sujeito passivo, com fundamento em qualquer ilegalidade, no prazo da reclamação administrativa, ou seja, no prazo de dois anos após a liquidação.

A liquidação foi efectuada pelo próprio sujeito passivo com a entrega da declaração de rendimentos em 28-05-2013.

O presente pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 22-02-2016.

Pelo que, nos termos da 1ª parte do artigo 78.º da LGT o requerimento apresentado e manifestamente intempestivo.

 Conforme o previsto na parte final do n.º 1, do artigo 78.º, o prazo para solicitar o pedido de revisão oficiosa e de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

 Em conformidade com a parte inicial do n.º 2 da disposição legal em apreço, o facto de se considerar imputável aos serviços o erro na autoliquidação, não prejudica os ónus legais de reclamação ou impugnação.

Pelo que, o sujeito passivo que pretenda a revisão da autoliquidação, com fundamento em qualquer ilegalidade, terá que apresentar o respectivo pedido no prazo de dois anos após a apresentação da declaração de rendimentos, nos termos do artigo 131.º do CPPT e 1ª parte do n.º 2 do artigo 78 º da LGT.

 Equiparando o erro na autoliquidação a erro imputável aos serviços, a revisão do acto tributário constitui um poder dever da AT no prazo previsto na parte final do nº 1 do artigo 78º da LGT, ou seja, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o imposto ainda não tiver sido pago.

Tendo em consideração que a autoliquidação data de 28-5-2013 e o presente pedido foi apresentado em 22-02-2016, o prazo referido de quatro anos não foi ultrapassado, concluindo-se pela sua tempestividade.

 

  • Quanto à questão da dedução do benefício de SIFIDE à colecta das tributações autónomas, nos termos do nº 2 do artigo 90º do CIRC, convém referir a seguinte situação

 Haverá que dissertar sobre esta matéria, já objecto de entendimento por parte da DSIRC.

As Tributações Autónomas têm na sua génese, a não aceitação fiscal de uma percentagem de certas despesas, constituindo uma forma alternativa e mais eficaz de correcção dos custos sempre que se trate de áreas propícias à evasão fiscal (ajudas de custo, despesas de representação, viaturas, etc.).

Ainda que as tributações autónomas tenham a mesma natureza do IRC, não significa que possam ser elegíveis como custo fiscal; essa dedução não era aceite face ao carácter anti-abuso destas tributações, as quais visam desincentivar o recurso ao tipo de despesas que tributam. Através da sua dedução ao lucro tributável, seria eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas.

A actual redacção da alínea a) do nº 1 do artigo 23ºA do CIRC, expressamente refere que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável: “O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre lucros"

O legislador tomou posição quanto a esta questão, não só no que respeita à não consideração das tributações autónomas como gastos, mas também no que se refere à sua natureza jurídico-tributária.

Por outro lado, face à muita doutrina e jurisprudência existente, havia a necessidade de esclarecer que as tributações autónomas não podem ser consideradas gastos.

E inegável que as tributações autónomas tributam despesa e não rendimento, são impostos que penalizam determinados encargos incorridos pelas empresas e apuram-se de forma totalmente independente do IRC.

As tributações autónomas incidem sobre a despesa, constituindo cada acto de despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, independentemente de ter ou não rendimento tributável em sede de IRC no final do período tributário respectivo.

Assim o julgou o Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão 0281/2011 de 06-07-2011 e Acórdão 083012011 da 21-03.2012) entendendo que a cada acto de despesa deve ser aplicada a taxa em vigor na data da sua realização.

O Tribunal Constitucional veio a pronunciar-se sobre a questão das tributações autónomas em sede de recurso para o Plenário, nos termos do nº1 do artigo 79º D da respectiva Lei, fixando jurisprudência, face á divergência entre dois acórdãos do mesmo Tribunal que decidiram de forma divergente.

Apesar de fazer referência à diferença existente entre a tributação dos rendimentos em sede de IRS Ou de IRC (em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano) e tributaçã0 autónoma (em que se tributa a despesa efectuada, em si mesma considerada independentemente do IRC que e devido em cada período de tribulação).

O Tribunal Constitucional não deixa de chamar a atenção para a circunstância de os impostos sobre o rendimento contemplarem elementos de obrigação única (como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC),

No final do Acórdão é possível ler-se: "...a existência do imposto em análise (tributação autónoma) em nada influi no montante do IRC, actuando de forma perfeitamente autónoma relativamente a este, pelo que o seu funcionamento deve ser encarado somente segundo os elementos que o caracterizam"

O Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no seu processo 209/2013T já veio exprimir o seu entendimento de que o Tribunal Constitucional, no referido acórdão, não se debruçou sobre a natureza jurídico-tributária das tributações autónomas, mas unicamente sobre a determinação da natureza do facto tributário que lhes subjaz.

A questão a decidir referia-se a saber se as quantias pagas no quadro das tributações autónomas por um sujeito passivo de IRC deviam ser consideradas um encargo dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável à luz da anterior redacção da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC A decisão foi negativa.

As particularidades e dificuldades do regime das tributações autónomas foram bem patenteadas nas diferentes posições defendidas nos citados Acórdãos do TC e do CAAD, acrescendo que o Acórdão do TC é resultado de um recurso para o Plenário solicitando a fixação de jurisprudência face á divergência entre dois acórdãos do mesmo Tribunal que decidiram de forma divergente quanto a este assunto

A própria designação das tributações autónomas evidencia a autonomia que as mesmas possuem em relação ao IRC.

Por isso, nos parece que, não obstante revestirem a mesma natureza do IRC, as regras aplicáveis as tributações autónomas não devem ser contrárias ao espírito que as determinou. E, por forma a respeitar esse desígnio que as consagrou, é necessário avaliar a intenção do legislador tendo em consideração todos os factores.

Contrariamente ao disposto no artigo 12º e na alínea a) do nº 1 do artigo 23º A do CIRC, nos nºs 1 e 2 do artigo 90º não há qualquer referência a tributações autónomas, o que face à natureza dual do sistema, pode levantar dúvidas quanto à consideração do valor das tributações autónomas para efeitos das deduções previstas no nº 2 do citado artigo 90º do CIRC.

Na medida em que as tributações autónomas correspondem a uma forma de obstar a determinadas situações abusivas, temos de indagar da sua consideração para efeito das referidas deduções.

Nesse sentido, parece-nos que seria contrário ao espírito do sistema, permitir que por força das deduções a que se refere o nº 2 do artigo 90º do CIRC, fosse retirado às tributações autónomas esse carácter anti-abusivo que presidiu à sua implementação no sistema do IRC.

Acresce que esta questão perdeu relevância face a introdução do nº 21 do artigo 88º do CIRC, aditado pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, cuja redacção tem natureza interpretativa.

Dispõe esta norma que “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no artigo 89º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado"

Assim, não devem as tributações ser consideradas para efeitos das deduções referidas no nº 2 do artigo 90º do CIRC.

IV. Conclusões:

Assim, entendemos que não deve ser dado deferimento à presente revisão oficiosa, pelos motivos antes expostos, por não se encontrarem preenchidos os requisitos exigidos para a admissibilidade da revisão dos actos tributários, nos termos do artigo 78º da Não será deferido o valor correspondente às tributações autónomas, por não se encontrarem cumpridos os requisitos para dedução a colecta, previstos no artigo 90º do CIRC.

A questão colocada sobre o pagamento dos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da LGT, deixa de ter substância, uma vez que ficou provado não ter havido erro imputável aos serviços dado o indeferimento proposto.

 

  1. Em 12-08-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;

 

 

3. Reforma da decisão arbitral

 

A Requerente pediu a declaração da ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e, bem assim, a ilegalidade da autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, da A..., relativa ao exercício de 2012, no que respeita aos montantes de taxas de tributação autónoma em IRC de € 95.962,09, com a sua consequente anulação nesta parte por afastamento indevido das deduções à colecta, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à Requerente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, desde 1 de setembro de 2013.

Subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do Código do IRC não se aplica às tributações autónomas, a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade da liquidação da tributação autónoma (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação, com o consequente reembolso do mesmo montante e o pagamento de juros indemnizatórios contados da mesma data.

A questão sobre a qual foi interposto recurso e foi proferida decisão pelo Tribunal Constitucional  foi a da inconstitucionalidade «os artigos 135.º da Lei nº 7-A/ 2016, de 30 de março, e 233.º da Lei nº 114/2017, de 29 de dezembro, na parte em que, atribuindo natureza interpretativa às alterações introduzidas no artigo 88.º, n.º 21, do Código do IRC (pelos artigos 133.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, e 231.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro), determinam que não podem ser deduzidos à coleta resultante da aplicação de taxas de tributação autónoma em sede de IRC os benefícios fiscais apurados no âmbito do SIFIDE, nos exercícios fiscais anteriores a 2016».

A Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, aditou ao artigo 88.º do CIRC um n.º 21 com a seguinte redacção.

 

21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado

 

A Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, alterou esta norma que ficou com a seguinte redacção:

21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.

 

A interpretação do artigo 88.º, n.º 21 (a que corresponde actualmente o n.º 22), do CIRC e a sua aplicação retroactiva a situações anteriores a 2016, relativamente  a «benefícios fiscais apurados no âmbito do SIFIDE, nos exercícios fiscais anteriores a 2016», já foi decidida pelo Tribunal Constitucional na decisão sumária referida, que foi confirmada pelo acórdão do Plenário, pelo que, tendo a decisão transitado em julgado, tem de se considerar assente, por força do preceituado no n.º 2 do artigo 205.º da CRP,  que «não podem ser deduzidos à coleta resultante da aplicação de taxas de tributação autónoma em sede de IRC os benefícios fiscais apurados no âmbito do SIFIDE, nos exercícios fiscais anteriores a 2016».

Assim, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a essa questão.

 

4. Questão subsidiária

 

A questão subsidiária suscitada pela Requerente é a de «caso se entenda que o artigo 90.º do código do IRC não se aplica às tributações autónomas, a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade da liquidação da tributação autónoma (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação, com o consequente reembolso do mesmo montante e o pagamento de juros indemnizatórios contados da mesma data».

A questão da aplicabilidade do artigo 90.º do CIRC às tributações autónomas foi decidida no sentido afirmativo nos pontos 4.1. e 4.2. do acórdão arbitral de 05-03-2018, por se ter entendido que era necessário apreciá-la para decidir a questão da «Dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE à colecta de IRC derivada de tributações autónomas», apreciada no ponto 4.3..

Entendeu-se no referido acórdão arbitral que «quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas».

Por isso, não se verifica o pressuposto de que a Requerente fez depender a questão subsidiária que é o de se entender que «o artigo 90.º do código do IRC não se aplica às tributações autónomas».

Assim, não há que apreciar aqui a referida questão subsidiária.

 

5. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

Em face do decidido pelo Tribunal Constitucional, o pedido de pronúncia arbitral tem de ser julgado improcedente, pelo que, mantendo-se a liquidação impugnada na ordem jurídica, não há fundamento para reembolso, nem para reconhecimento de direito a juros indemnizatórios, que depende da existência de pagamento indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT).

 

            6.  Responsabilidade por custas

 

            No que concerne a responsabilidade por custas, há que ter em conta que o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 12-08-2017, depois de o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017, ter julgado «inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, a norma do artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma do artigo 88.º, n.º 21, 2.ª parte, do Código do IRC – número esse aditado pelo artigo 133.º da citada Lei – segundo a qual, ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC, não podem ser deduzidos os valores pagos a título de pagamento especial por conta nesse mesmo ano, se aplique aos anos fiscais anteriores a 2016», decisão esta que foi confirmada, quanto à inadmissibilidade de normas interpretativas em matéria fiscal, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 395/2017, de 12-07-2017 (e, já depois de apresentado o pedido de pronúncia arbitral, confirmada noutros acórdãos do Tribunal Constitucional, como os n.ºs 644/2017, 92/2018, 107/2018 e 52/2019).

            Isto é, embora como se refere na decisão sumária do Tribunal Constitucional se pudesse entender que existia um «mundo flutuante da jurisprudência arbitral» sobre a questão essencial que é objecto do processo (o que é normal quando se tem em conta que as decisões foram proferidas por muitas dezenas de Árbitros), que impedia os contribuintes de firmarem nela expectativas consistentes de êxito da suas pretensões, também se detecta um «mundo flutuante» na jurisprudência constitucional (apesar do reduzido número de Juízes que o integram), pois a jurisprudência daqueles acórdãos n.ºs 267/2017 e 395/2017 (e outros que se indicaram) é absolutamente contrária à que adoptou na decisão sumária proferida no caso dos autos.

            Por isso, está-se perante uma situação em que houve reversão de jurisprudência constante do Tribunal Constitucional sobre a admissibilidade de leis interpretativas em matéria fiscal, para efeitos da alínea b) do n.º 2 do artigo 536.º do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

            Pelo exposto, sendo a pretensão da Requerente fundada à face do regime legal vigente quanto foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral, na interpretação constante do Tribunal Constitucional, e deixando de o ser por efeito de uma reversão da jurisprudência, verifica-se uma situação enquadrável o n.º 1 do artigo 536.º do CPC, que impõe a repartição das custas em partes iguais.

 

6. Decisão                      

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

– julgar totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral;

– absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira dos pedidos;

–   condenar a Requerente a pagar 50% das custas do processo;

– condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar 50 % das custas do processo.

 

7. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 95.962,09.

 

8. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

           

Lisboa, 10-07-2023

Os Árbitros

(Jorge Lopes de Sousa)

(A. Sérgio de Matos)

(José Nunes Barata)

 

 

 

 

CAAD: Arbitragem Tributária

Processo n.º: 4742017-T

Tema: IRC - Tributações autónomas – SIFIDE - Benefício fiscal - Dedução à colecta.    

 

*Substituída pela decisão arbitral de 10 de julho de 2023.             

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. A. Sérgio de Matos e Dr. José Nunes Barata (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 15-11-2017, acordam no seguinte:

 

 

1. Relatório

 

A…, S.A. (doravante designada por “Requerente” ou “A…”), pessoa colectiva número…, com sede na …, n.º…, …, …-… Algés, veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 10.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente pretende que seja declarada a ilegalidade da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa e, bem assim, a ilegalidade da autoliquidação de IRC, incluindo taxas de tributação autónoma, da A…, relativa ao exercício de 2012, no que respeita aos montantes de taxas de tributação autónoma em IRC de € 95.962,09, com a sua consequente anulação nesta parte por afastamento indevido das deduções à colecta, com todas as consequências legais, designadamente o reembolso à Requerente desta quantia, acrescido de juros indemnizatórios à taxa legal contados, até integral reembolso, desde 1 de setembro de 2013.

Subsidiariamente, caso se entenda que o artigo 90.º do código do IRC não se aplica às tributações autónomas, a Requerente pede que seja declarada a ilegalidade da liquidação da tributação autónoma (e ser consequentemente anulada) por ausência de base legal para a sua efectivação, com o consequente reembolso do mesmo montante e o pagamento de juros indemnizatórios contados da mesma data.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 14-08-2017.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 24-10-2017 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 15-11-2017.

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em que suscitou a excepção da incompetência material do Tribunal Arbitral e defendeu a improcedência dos pedidos.

Por despacho de 19-12-2017 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas.

As Partes apresentaram alegações.

Posteriormente, em face da entrada em face da publicação da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, que deu nova redacção ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, atribuindo a esta redacção natureza interpretativa, as Partes foram notificadas para se pronunciarem «sobre as questões que se podem colocar relativamente à eventual aplicação desta norma à situação que é objecto do presente processo, inclusivamente, para além de outras que as Partes entendam pertinentes, sobre as questões de constitucionalidade que se podem suscitar à face das regras sobre a retroactividade de impostos e sobre o alcance e consequências da expressão «ainda que essas deduções resultem de legislação especial», aditada à redacção anterior».

Apenas a Requerente se pronunciou, defendendo, em suma, que é inconstitucional a atribuição de efeito retroactivo à nova redacção.

            O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos arts. 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

Importa apreciar prioritariamente a questão de incompetência suscitada pela Administração Tributária e Aduaneira.

 

 

2. Questão da incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar pedidos de declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação precedidos de revisão oficiosa sem prévia reclamação graciosa

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende, em suma, que o artigo 2.º, alínea a) da Portaria 112-A/2011, de 22 de Março, através da qual a Autoridade Tributária e Aduaneira ficou vinculada à jurisdição arbitral exclui as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é, em primeiro lugar, limitada às matérias indicadas no art. 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT).

Numa segunda linha, a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD é também limitada pelos termos em que Administração Tributária foi vinculada àquela jurisdição pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, pois o art. 4.º do RJAT estabelece que «a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos».

Em face desta segunda limitação da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, a resolução da questão da competência depende essencialmente dos termos desta vinculação, pois, mesmo que se esteja perante uma situação enquadrável naquele art. 2.º do RJAT, se ela não estiver abrangida pela vinculação estará afastada a possibilidade de o litígio ser jurisdicionalmente decidido por este Tribunal Arbitral.

Na alínea a) do art. 2.º desta Portaria n.º 112-A/2011, excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário».

A referência expressa ao precedente «recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário» deve ser interpretada como reportando-se aos casos em que tal recurso é obrigatório, através da reclamação graciosa, que é o meio administrativo indicado naqueles artigos 131.º a 133.º do CPPT, para que cujos termos se remete. Na verdade, desde logo, não se compreenderia que, não sendo necessária a impugnação administrativa prévia «quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária» (art. 131.º, n.º 3, do CPPT, aplicável aos casos de retenção na fonte, por força do disposto no n.º 6 do art. 132.º do mesmo Código), se fosse afastar a jurisdição arbitral por essa impugnação administrativa, que se entende ser desnecessária, não ter sido efectuada.

No caso em apreço, é pedida a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, na sequência do indeferimento de um pedido de revisão de actos tributários efectuado após o decurso do prazo de dois anos previsto no artigo 131.º do CPPT.

Assim, importa, antes de mais, esclarecer se a declaração de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão do acto tributário, previstos no art. 78.º da LGT, se inclui nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD pelo art. 2.º do RJAT.

Na verdade, neste art. 2.º não se faz qualquer referência expressa a estes actos, ao contrário do que sucede com a autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, que refere os «pedidos de revisão de actos tributários» e «os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação».

No entanto, a fórmula «declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta», utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto de um daqueles tipos. Na verdade, a ilegalidade de actos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme um acto de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

A inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD dos casos em que a declaração de ilegalidade dos actos aí indicados é efectuada através da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau, que são o objecto imediato da pretensão impugnatória, resulta com segurança da referência que naquela norma é feita aos actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais. Com efeito, relativamente a estes actos é imposta, como regra, a reclamação graciosa necessária, nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, pelo que, nestes casos, o objecto imediato do processo impugnatório é, em regra, o acto de segundo grau que aprecia a legalidade do acto de liquidação, acto aquele que, se o confirma, tem de ser anulado para se obter a declaração de ilegalidade do acto de liquidação. A referência que na alínea a) do n.º 1 do art. 10.º do RJAT se faz ao n.º 2 (revogado) do art. 102.º do CPPT, em que se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas, desfaz quaisquer dúvidas de que se abrangem nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) daquele art. 2.º do RJAT tem de ser obtida na sequência da declaração da ilegalidade de actos de segundo grau.

Aliás, foi precisamente neste sentido que o Governo, na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, interpretou estas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, ao afastar do âmbito dessas competências as «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», o que tem como alcance restringir a sua vinculação os casos em que esse recurso à via administrativa foi utilizado.

Obtida a conclusão de que a fórmula utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não exclui os casos em que a declaração de ilegalidade resulta da ilegalidade de um acto de segundo grau, ela abrangerá também os casos em que o acto de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão do acto tributário, pois não se vê qualquer razão para restringir, tanto mais que, nos casos em que o pedido de revisão é efectuado no prazo da reclamação graciosa, ele deve ser equiparado a uma reclamação graciosa. ( [1] )

O mesmo sucede com a decisão do recurso hierárquico, expressamente indicada na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT como termo inicial do prazo de apresentação de pedido de constituição do tribunal arbitral.

A referência expressa aos artigos 131.º a 133.º do CPPT que se faz no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 não pode ter o alcance decisivo de afastar a possibilidade de apreciação de pedidos de ilegalidade de actos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de actos dos tipos aí referidos.

Na verdade, a interpretação exclusivamente baseada no teor literal que defende a Autoridade Tributária e Aduaneira no presente processo não pode ser aceite, pois na interpretação das normas fiscais são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (artigo 11.º, n.º 1, da LGT) e o artigo 9.º n.º 1, proíbe expressamente as interpretações exclusivamente baseadas no teor literal das normas ao estatuir que «a interpretação não deve cingir-se à letra da lei», devendo, antes, «reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada».

Quanto a correspondência entre a interpretação e a letra da lei, basta «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil) o que só impedirá que se adoptem interpretações que não possam em absoluto compaginar-se com a letra da lei, mesmo reconhecendo nela imperfeição na expressão da intenção legislativa.

Por isso, a letra da lei não é obstáculo a que se faça interpretação declarativa, que explicite o alcance do teor literal, nem mesmo interpretação extensiva, quando se possa concluir que o legislador disse menos do que o que, em coerência, pretenderia dizer, isto é, quando disse imperfeitamente o que pretendia dizer. Na interpretação extensiva «é a própria valoração da norma (o seu “espírito”) que leva a descobrir a necessidade de estender o texto desta à hipótese que ela não abrange», «a força expansiva da própria valoração legal é capaz de levar o dispositivo da norma a cobrir hipóteses do mesmo tipo não cobertas pelo texto». ( [2] )

A interpretação extensiva, assim, é imposta pela coerência valorativa e axiológica do sistema jurídico, erigida pelo artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil em critério interpretativo primordial pela via da imposição da observância do princípio da unidade do sistema jurídico.

É manifesto que o alcance da exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos dos tipos referidos nos artigos 131.º a 133.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa.

Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para essa exigência, o facto de estar prevista reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º», regime este que é aplicável aos actos de retenção na fonte por remissão do n.º 6 do artigo 132.º do CPPT. Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação ou retenção na fonte e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária.

Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de autoliquidação ou retenção na fonte é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º e 3 e 6 do artigo 132.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa. ( [3] )

Por outro lado, é inequívoco que o legislador não pretendeu impedir aos contribuintes a formulação de pedidos de revisão oficiosa nos casos de actos de autoliquidação, pois estes foram expressamente referidos no n.º 2 (revogado) do artigo 78.º da LGT. E aos actos de autoliquidação, praticados pelo sujeito passivo, são equiparáveis, por mera interpretação declarativa, os de retenção na fonte que são praticados pelo substituto tributário, que é considerado sujeito passivo (artigo 18.º, n.º 3, da LGT).

Neste contexto, permitindo a lei expressamente que os contribuintes optem pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa de actos de autoliquidação e retenção na fonte e sendo o pedido de revisão oficiosa formulado no prazo da reclamação graciosa perfeitamente equiparável a uma reclamação graciosa, como se referiu, não pode haver qualquer razão que possa explicar que não possa aceder à via arbitral um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto tributário em vez da reclamação graciosa.

Por isso, é de concluir que os membros do Governo que emitiram a Portaria n.º 112-A/2011, ao fazerem referência aos artigos 131.º a 133.º do CPPT, disseram imperfeitamente o que pretendiam, pois, pretendendo impor a apreciação administrativa prévia à impugnação contenciosa de actos dos tipos referidos, acabaram por incluir referência aos artigos 131.º a 133.º que não esgotam as possibilidades de apreciação administrativa desses actos.

Aliás, é de notar que esta interpretação não se cingindo ao teor literal até se justifica especialmente no caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, por serem evidentes as suas imperfeições: uma, é associar a fórmula abrangente «recurso à via administrativa» (que referencia, além da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário) à «expressão nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário», que tem potencial alcance restritivo à reclamação graciosa; outra é utilizar a fórmula «precedidos» de recurso à via administrativa, reportando-se às «pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos», que, obviamente, se coadunariam muito melhor com a feminina palavra «precedidas».

Por isso, para além da proibição geral de interpretações limitadas à letra da lei que consta do artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, no específico caso da alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 há uma especial razão para não se justificar grande entusiasmo por uma interpretação literal, que é o facto e a redacção daquela norma ser manifestamente defeituosa.

Para além disso, assegurando a revisão do acto tributário a possibilidade de apreciação da pretensão do contribuinte antes do acesso à via contenciosa que se pretende alcançar com a impugnação administrativa necessária, a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o desígnio legislativo de «reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes» manifestado no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, é a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de liquidação previamente apreciada em procedimento de revisão.

E, por ser a solução mais acertada, tem de se presumir ter sido normativamente adoptada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, contendo aquela alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 uma fórmula imperfeita, mas que contém uma expressão abrangente «recurso à via administrativa», que potencialmente referencia também a revisão do acto tributário, encontra-se no texto o mínimo de correspondência verbal, embora imperfeitamente expresso, exigido por aquele n.º 3 do artigo 9.º para a viabilidade da adopção da interpretação que consagre a solução mais acertada.

É de concluir, assim, que o artigo 2.º alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, devidamente interpretado com base nos critérios de interpretação da lei previstos no artigo 9.º do Código Civil e aplicáveis às normas tributárias substantivas a adjectivas, por força do disposto no artigo 11.º, n.º 1, da LGT, viabiliza a apresentação de pedidos de pronúncia arbitral relativamente a actos de autoliquidação ou de retenção na fonte que tenham sido precedidos de pedido de revisão oficiosa.

No que concerne à alegação da Autoridade Tributária e Aduaneira de que «o entendimento (...) de que os litígios que tenham por objecto a declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, como sucede na situação sub judice, estão excluídos da competência material dos tribunais arbitrais, se não forem precedidos de reclamação graciosa nos termos do artigo 131.º do CPPT, impõe-se por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP, no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, que vinculam o legislador e toda a actividade da AT».

Na verdade, a Constituição não impõe que a interpretação dos diplomas normativos tenha de cingir-se ao teor literal e, no caso em apreço, como se explicou, devidamente interpretadas as normas do artigo 2.º, n.º 1, do RJAT e do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, conclui-se que a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira aos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD abrange os casos em que actos de autoliquidação foram precedidos de pedidos de revisão oficiosa. Por isso, a interpretação que se fez não aumentou a vinculação da Autoridade Tributária e Aduaneira em relação ao que está regulamentado, antes definiu exactamente os seus termos, que resultam do diploma regulamentar.

Por outro lado, ao interpretar e aplicar as normas jurídicas, este Tribunal Arbitral está a desempenhar a função que lhe está constitucionalmente atribuída (artigos 202.º, n.º 1, 203.º e 209.º, n.º 2, da CRP), pelo que nem se vislumbra como possa existir violação dos princípios da separação de poderes, do Estado de Direito e da legalidade, pois o decidido por este tribunal evidencia, precisamente, a perfeita concretização desses princípios: a Assembleia da República autorizou o Governo a legislar (artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril); o Governo, no uso de poderes legislativos, emitiu o RJAT; a Administração, através de dois membros do Governo, emitiu a Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março; o Tribunal Arbitral interpretou e aplicou os diplomas normativos referidos.

No que respeita ao princípio do direito de acesso, causa perplexidade a alegação da sua violação feita perante um Tribunal Arbitral, um órgão absolutamente independente de ambas as Partes, que lhes deu oportunidade de alegarem o que entenderam conveniente para defesa das suas posições sobre a questão da incompetência, que ponderou as suas razões e aplicou a sua interpretação do regime legal aplicável numa decisão profusamente fundamentada: é precisamente nisto que consiste a essência do direito de acesso à justiça, a possibilidade de obter uma decisão de um órgão independente que, através de um processo equitativo, pondere os argumentos das Partes e aplique às questões suscitadas sua interpretação do regime jurídico aplicável.

Quanto à invocação do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, definido no artigo 30.º, n.º 2, da LGT, em que se refere que «o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributário», tratar-se-á, decerto, de lapso, já que ao decidir sobre a sua competência o Tribunal Arbitral não está a praticar qualquer acto de disposição de crédito. Por outro lado, nem se vê a que crédito se referirá a Autoridade Tributária e Aduaneira, já que no presente processo, em que estão em causa actos de autoliquidação de imposto que foi pago e não está em causa a cobrança de qualquer crédito tributário.

Para além disso, o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários aplica-se à Administração e não aos Tribunais, como entendeu o Tribunal Constitucional, na esteira da generalidade da doutrina. ( [4] )

Improcede, assim, esta excepção de incompetência, derivada de não ter sido apresentada reclamação graciosa da autoliquidação.

Essencialmente neste sentido, relativamente a actos de autoliquidação, pode ver-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27-04-2017, proferido no processo n.º 08599/15.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. Em 28-05-2013, a Requerente procedeu, à entrega da Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC referente ao exercício de 2012, tendo apurado um montante de tributações autónomas em IRC de € 95.962,09 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  2. O sistema informático da Administração Tributária e Aduaneira não permite a dedução de montantes de benefícios fiscais à colecta de IRC derivada de tributações autónomas;
  3. O montante de SIFIDE, atribuído/obtido, disponível para utilização pela Requerente no final do exercício de 2012 ascendia a € 5.985.075,28 conforme certificação acompanhada de Declarações da Comissão Certificadora do SIFIDE (documento n.º 3 unto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  4. A Requerente apresentou as declarações modelo 22 de IRC que constam dos documentos n.ºs 4 e 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
  5. A Requerente não tinha dívidas em cobrança coerciva através de processo de execução fiscal nas datas que se referem as certidões que constam do documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
  6. O montante de € 95.962,09 de tributações autónomas reporta-se às indicadas no documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;
  7. Em 22-02-2016, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa da autoliquidação relativa ao exercício de 2012, pretendendo que fosse deduzido o montante do SIFIDE à colecta de IRC derivada de tributações autónomas (documento n.º 2 unto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);
  8. O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho de 31-05-2017, que manifesta concordância com uma informação que consta do documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido em se refere, além do mais o seguinte:

      III. Revisão Oficiosa:

      1. Factos:

A recorrente vem solicitar a revisão da liquidação de IRC relativa à declaração modelo 22 de 2012 em que procedeu à autoliquidação.

Entregou a declaração modelo 22 do referido exercício, apurando lucro fiscal, ao qual deduziu até ao montante da colecta (167.579,03) benefícios fiscais.

Incorreu em despesas que foram sujeitas a tributação autónoma, no montante de 95 562,09 para 2012 e 10 054,74 de derrama municipal para o mesmo exercício.

Apresentava no mesmo exercício, créditos fiscais disponíveis, que por alegada insuficiência de colecta não foram produzidos, relativos a SIFIDE, no montante de 5.988.163,28.

2. Parecer:

A requerente vem solicitar na sua petição, revisão da situação tributária nos termos do artigo 78º da LGT

  • Vem alegar os seguintes fundamentos:

     ºº Apresentou lucro fiscal, relativamente ao exercício de 2012

     ºº Deduziu parte do valor relativo a benefícios fiscais, reduzindo a colecta a zeros

     ºº Apurou imposto a pagar relativo a tributações autónomas

     ºº Apresenta valor de derrama municipal

     ºº Desenvolve toda uma argumentação, no sentido de que seja considerada a colecta relativa às tributações autónomas para efeitos de dedução, nos termos do artigo 90º do CIRC, designadamente para deduzir o benefício de SIFIDE

     ºº Demonstra a sua tese com base no enquadramento fiscal, na jurisprudência e na diversa doutrina existente, na medida em que as tributações autónomas configuram IRC.

     ºº Pelos factos aduzidos se consubstanciarem em erro imputáveis aos serviços, solicita o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43º da LGT

 

  • Do n.º 1 do artigo 78.º, da LGT resultam prazos distintos para a dedução do pedido de Revisão Oficiosa

ºº Em conformidade com o que se encontra previsto na 1ª parte do n.º 1, do artigo 78.º o pedido de revisão oficiosa pode ser deduzido pelo sujeito passivo, com fundamento em qualquer ilegalidade, no prazo da reclamação administrativa, ou seja, no prazo de dois anos após a liquidação.

A liquidação foi efectuada pelo próprio sujeito passivo com a entrega da declaração de rendimentos em 28-05-2013.

O presente pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 22-02-2016.

Pelo que, nos termos da 1ª parte do artigo 78.º da LGT o requerimento apresentado e manifestamente intempestivo.

ºº Conforme o previsto na parte final do n.º 1, do artigo 78.º, o prazo para solicitar o pedido de revisão oficiosa e de quatro anos após a liquidação, ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços.

ºº Em conformidade com a parte inicial do n.º 2 da disposição legal em apreço, o facto de se considerar imputável aos serviços o erro na autoliquidação, não prejudica os ónus legais de reclamação ou impugnação.

Pelo que, o sujeito passivo que pretenda a revisão da autoliquidação, com fundamento em qualquer ilegalidade, terá que apresentar o respectivo pedido no prazo de dois anos após a apresentação da declaração de rendimentos, nos termos do artigo 131.º do CPPT e 1ª parte do n.º 2 do artigo 78 º da LGT.

ºº Equiparando o erro na autoliquidação a erro imputável aos serviços, a revisão do acto tributário constitui um poder dever da AT no prazo previsto na parte final do nº 1 do artigo 78º da LGT, ou seja, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o imposto ainda não tiver sido pago.

Tendo em consideração que a autoliquidação data de 28-5-2013 e o presente pedido foi apresentado em 22-02-2016, o prazo referido de quatro anos não foi ultrapassado, concluindo-se pela sua tempestividade.

 

  • Quanto à questão da dedução do benefício de SIFIDE à colecta das tributações autónomas, nos termos do nº 2 do artigo 90º do CIRC, convém referir a seguinte situação

ºº Haverá que dissertar sobre esta matéria, já objecto de entendimento por parte da DSIRC.

As Tributações Autónomas têm na sua génese, a não aceitação fiscal de uma percentagem de certas despesas, constituindo uma forma alternativa e mais eficaz de correcção dos custos sempre que se trate de áreas propícias à evasão fiscal (ajudas de custo, despesas de representação, viaturas, etc.).

Ainda que as tributações autónomas tenham a mesma natureza do IRC, não significa que possam ser elegíveis como custo fiscal; essa dedução não era aceite face ao carácter anti-abuso destas tributações, as quais visam desincentivar o recurso ao tipo de despesas que tributam. Através da sua dedução ao lucro tributável, seria eliminado o fundamento da existência das tributações autónomas.

A actual redacção da alínea a) do nº 1 do artigo 23ºA do CIRC, expressamente refere que não são dedutíveis para efeitos de determinação do lucro tributável: “O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre lucros"

O legislador tomou posição quanto a esta questão, não só no que respeita à não consideração das tributações autónomas como gastos, mas também no que se refere à sua natureza jurídico-tributária.

Por outro lado, face à muita doutrina e jurisprudência existente, havia a necessidade de esclarecer que as tributações autónomas não podem ser consideradas gastos.

E inegável que as tributações autónomas tributam despesa e não rendimento, são impostos que penalizam determinados encargos incorridos pelas empresas e apuram-se de forma totalmente independente do IRC.

As tributações autónomas incidem sobre a despesa, constituindo cada acto de despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, independentemente de ter ou não rendimento tributável em sede de IRC no final do período tributário respectivo.

Assim o julgou o Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão 0281/2011 de 06-07-2011 e Acórdão 083012011 da 21-03.2012) entendendo que a cada acto de despesa deve ser aplicada a taxa em vigor na data da sua realização.

O Tribunal Constitucional veio a pronunciar-se sobre a questão das tributações autónomas em sede de recurso para o Plenário, nos termos do nº1 do artigo 79º D da respectiva Lei, fixando jurisprudência, face á divergência entre dois acórdãos do mesmo Tribunal que decidiram de forma divergente.

Apesar de fazer referência à diferença existente entre a tributação dos rendimentos em sede de IRS Ou de IRC (em que se tributa o conjunto dos rendimentos auferidos num determinado ano) e tributaçã0 autónoma (em que se tributa a despesa efectuada, em si mesma considerada independentemente do IRC que e devido em cada período de tribulação).

O Tribunal Constitucional não deixa de chamar a atenção para a circunstância de os impostos sobre o rendimento contemplarem elementos de obrigação única (como as taxas liberatórias do IRS ou as taxas de tributação autónoma do IRC),

No final do Acórdão é possível ler-se: "...a existência do imposto em análise (tributação autónoma) em nada influi no montante do IRC, actuando de forma perfeitamente autónoma relativamente a este, pelo que o seu funcionamento deve ser encarado somente segundo os elementos que o caracterizam"

O Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no seu processo 209/2013T já veio exprimir o seu entendimento de que o Tribunal Constitucional, no referido acórdão, não se debruçou sobre a natureza jurídico-tributária das tributações autónomas, mas unicamente sobre a determinação da natureza do facto tributário que lhes subjaz.

A questão a decidir referia-se a saber se as quantias pagas no quadro das tributações autónomas por um sujeito passivo de IRC deviam ser consideradas um encargo dedutível para efeitos de apuramento do lucro tributável à luz da anterior redacção da alínea a) do nº 1 do artigo 45º do CIRC A decisão foi negativa.

As particularidades e dificuldades do regime das tributações autónomas foram bem patenteadas nas diferentes posições defendidas nos citados Acórdãos do TC e do CAAD, acrescendo que o Acórdão do TC é resultado de um recurso para o Plenário solicitando a fixação de jurisprudência face á divergência entre dois acórdãos do mesmo Tribunal que decidiram de forma divergente quanto a este assunto

A própria designação das tributações autónomas evidencia a autonomia que as mesmas possuem em relação ao IRC.

Por isso, nos parece que, não obstante revestirem a mesma natureza do IRC, as regras aplicáveis as tributações autónomas não devem ser contrárias ao espírito que as determinou. E, por forma a respeitar esse desígnio que as consagrou, é necessário avaliar a intenção do legislador tendo em consideração todos os factores.

Contrariamente ao disposto no artigo 12º e na alínea a) do nº 1 do artigo 23º A do CIRC, nos nºs 1 e 2 do artigo 90º não há qualquer referência a tributações autónomas, o que face à natureza dual do sistema, pode levantar dúvidas quanto à consideração do valor das tributações autónomas para efeitos das deduções previstas no nº 2 do citado artigo 90º do CIRC.

Na medida em que as tributações autónomas correspondem a uma forma de obstar a determinadas situações abusivas, temos de indagar da sua consideração para efeito das referidas deduções.

Nesse sentido, parece-nos que seria contrário ao espírito do sistema, permitir que por força das deduções a que se refere o nº 2 do artigo 90º do CIRC, fosse retirado às tributações autónomas esse carácter anti-abusivo que presidiu à sua implementação no sistema do IRC.

Acresce que esta questão perdeu relevância face a introdução do nº 21 do artigo 88º do CIRC, aditado pela Lei nº 7-A/2016, de 30 de Março, cuja redacção tem natureza interpretativa.

Dispõe esta norma que “A liquidação das tributações autónomas em IRC é efectuada nos termos previstos no artigo 89º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efectuadas quaisquer deduções ao montante global apurado"

Assim, não devem as tributações ser consideradas para efeitos das deduções referidas no nº 2 do artigo 90º do CIRC.

IV. Conclusões:

Assim, entendemos que não deve ser dado deferimento à presente revisão oficiosa, pelos motivos antes expostos, por não se encontrarem preenchidos os requisitos exigidos para a admissibilidade da revisão dos actos tributários, nos termos do artigo 78º da Não será deferido o valor correspondente às tributações autónomas, por não se encontrarem cumpridos os requisitos para dedução a colecta, previstos no artigo 90º do CIRC.

A questão colocada sobre o pagamento dos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da LGT, deixa de ter substância, uma vez que ficou provado não ter havido erro imputável aos serviços dado o indeferimento proposto.

 

  1. Em 12-08-2017, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo;

 

 

3.2. Factos não provados

 

Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.

 

 

3.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e que constam do processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

4. Matéria de direito

 

4.1. Aplicabilidade dos artigos 89.º e 90.º do CIRC ao cálculo das tributações autónomas

 

Os artigos 89.º e 90.º do CIRC estabelecem o seguinte, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, vigente no ano de 2012:

 

 

Artigo 89.º

 

Competência para a liquidação

 

A liquidação do IRC é efectuada:

a) Pelo próprio sujeito passivo, nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º;

b) Pela Autoridade Tributária e Aduaneira, nos restantes casos.

 

Artigo 90.º

 

Procedimento e forma de liquidação

 

1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:

a) Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c) Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

 

2 - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;

b) A correspondente à dupla tributação económica internacional;

c) A relativa a benefícios fiscais;

d) A relativa ao pagamento especial por conta a que se refere o artigo 106.º;

e) A relativa a retenções na fonte não suscetíveis de compensação ou reembolso nos termos da legislação aplicável.

3 – (Revogado)

4 - Ao montante apurado nos termos do n.º 1, relativamente às entidades mencionadas no n.º 4 do artigo 120.º, apenas é de efetuar a dedução relativa às retenções na fonte quando estas tenham a natureza de imposto por conta do IRC.

5 - As deduções referidas no n.º 2 respeitantes a entidades a que seja aplicável o regime de transparência fiscal estabelecido no artigo 6.º são imputadas aos respetivos sócios ou membros nos termos estabelecidos no n.º 3 desse artigo e deduzidas ao montante apurado com base na matéria coletável que tenha tido em consideração a imputação prevista no mesmo artigo.

6 - Quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1.

7 - Das deduções efetuadas nos termos das alíneas a), b) e c) do n.º 2 não pode resultar valor negativo.( [5] )

8 – Ao montante apurado nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 apenas são feitas as deduções de que a administração fiscal tenha conhecimento e que possam ser efectuadas nos termos dos n.ºs 2 a 4.

9 – Nos casos em que seja aplicável o disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 79.º, são efectuadas anualmente liquidações com base na matéria colectável determinada com carácter provisório, devendo, face à liquidação correspondente à matéria colectável respeitante a todo o período de liquidação, cobrar-se ou anular-se a diferença apurada.

10 – A liquidação prevista no n.º 1 pode ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 101.º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

 

 

 

Os referidos artigos 89.º e 90.º do CIRC, bem como outras normas deste Código, como as relativas as declarações previstas nos artigos 120.º e 122.º, são aplicáveis às tributações autónomas.

Na verdade, é hoje pacífico, na sequência de inúmera jurisprudência arbitral e das posições assumidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no CIRC tem a natureza de IRC. De resto, para além da jurisprudência, o artigo 23.º-A n.º 1, alínea a), do CIRC, na redacção da Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, não deixa hoje margem para qualquer dúvida razoável, corroborando o que já anteriormente resultava do teor literal do artigo 12.º do mesmo Código.

Ora, o artigo 90.º do CIRC refere-se às formas de liquidação do IRC, pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, aplicando-se ao apuramento do imposto devido em todas as situações previstas no Código.

Por isso, aquele artigo 90.º aplica-se também à liquidação do montante das tributações autónomas, que é apurado pelo sujeito passivo ou pela Administração Tributária, na sequência da apresentação ou não de declarações, não havendo, com vigência no ano de 2014, qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação.

Assim, no ano de 2014, as diferenças entre a determinação do montante resultante de tributações autónomas e o resultante do lucro tributável restringem-se à determinação da matéria tributável e às taxas aplicáveis, que são as previstas nos Capítulos III e IV do CIRC para o IRC que tem por base o lucro tributável e no artigo 88.º do CIRC para o IRC que tem por base a matéria tributável das tributações autónomas e as respectivas taxas.

Mas, as formas de liquidação que se prevêem no Capítulo V do mesmo Código são de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC.

No entanto, a circunstância de uma autoliquidação de IRC, efectuada nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, poder conter vários cálculos parciais, com base em várias taxas aplicáveis a determinadas matérias colectáveis, não implica que haja mais que uma liquidação, como resulta dos próprios termos daquela norma ao fazer referência a «liquidação», no singular, em todos os casos em que é «feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º», tendo «por base a matéria colectável que delas conste» (seja a determinada com base nas regras dos artigos 17.º e seguintes seja a determinada com base nas várias situações previstas no artigo 88.º).

Aliás, não são apenas as liquidações previstas no artigo 88.º que podem englobar vários cálculos de aplicação de taxas a determinadas matérias colectáveis, pois o mesmo pode suceder nas situações previstas nos n.ºs 4 a 6 do artigo 87.º. ( [6] )

De qualquer forma, sejam quais forem os cálculos a fazer, é unitária autoliquidação que o sujeito passivo ou a Autoridade Tributária e Aduaneira devem efectuar nos termos dos artigos 89.º, alínea a), 90.º, n.º 1, alíneas a), b) e c), e 120.º ou 122.º, e com base nela que é calculado o IRC global, sejam quais forem as matérias colectáveis relativas a cada um dos tipos de tributação que lhe esteja subjacente.

Aliás, se este artigo 90.º não fosse aplicável à liquidação das tributações autónomas previstas no CIRC, teríamos de concluir que não haveria qualquer norma que, em 2012, previsse a sua liquidação, o que se reconduziria a ilegalidade, por violação do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que exige que a liquidação de impostos se faça «nos termos da lei».

Refira-se ainda a nova norma do n.º 21 aditada ao artigo 88.º do CIRC pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, independentemente de ser ou não qualificável como verdadeiramente interpretativa ( [7] ), em nada altera esta conclusão, pois aí se estabelece, no que concerne à forma de liquidação das tributações autónomas, que ela «é efectuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores». Com efeito, se é certo que esta nova norma vem explicitar como é que se calculam os montantes das tributações autónomas (o que já decorria do próprio texto das várias disposições do artigo 88.º) e que a competência cabe ao sujeito passivo ou à Administração Tributária, nos termos do artigo 89.º, é também claro que não se afasta a necessidade de utilizar o procedimento previsto no n.º 1 do artigo 90.º, designadamente nos casos previstos na sua alínea c) em que a liquidação cabe à Administração Tributária e Aduaneira, com «base os elementos de que a administração fiscal disponha», que abrangerão a possibilidade de liquidar com base em tributações autónomas, se a Autoridade Tributária e Aduaneira dispuser de elementos que comprovem os seus pressupostos.

O mesmo se passa com a redacção dada àquele n.º 21 do artigo 88.º pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.

Por isso, quer antes quer depois da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, o artigo 90.º, n.º 1, do CIRC é aplicável à liquidação de tributações autónomas.

 

 

4.2. Aplicabilidade das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC
à colecta de IRC resultante de tributações autónomas

 

Pelo que se referiu, pelo menos até à Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, não havia qualquer disposição legal que indicasse qualquer procedimento especial de liquidação do IRC resultante das tributações autónomas, pelo que, sob pena de inconstitucionalidade por violação do n.º 3 do artigo 103.º, por a liquidação não ser efectuada «nos termos da lei», tinha de ser feita aplicação do procedimento previsto no artigo 90.º do CIRC.

 Sendo a colecta de IRC, quer a resultante do lucro tributável, quer a resultante de tributações autónomas, apurada através do procedimento de liquidação previsto no artigo 90.º do CIRC, são potencialmente aplicáveis a tal colecta as deduções previstas no n.º 2 o mesmo artigo, que se reportam «ao montante apurado nos termos do número anterior», sem qualquer distinção sobre a natureza dos tipos de colecta de IRC que nesse montante estão incluídos.

Por isso, do teor literal do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, não resulta qualquer obstáculo à aplicação das deduções à parte do montante apurado nos termos do n.º 1 derivado de tributações autónomas.

Como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, de 31-05-2017, proferido no processo n.º 466/16, «a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC. Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas».

Na verdade, só com a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, que aditou ao artigo 88.º do CIRC um n.º 21, passou a existir uma norma em que se afasta a possibilidade de aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC ao montante apurado com tributações autónomas, estabelecendo-se o seguinte:

 

21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado.

 

Na parte final desta norma, restringe-se o âmbito de aplicação das deduções previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC à colecta de IRC derivada do lucro tributável.

A Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, veio reafirmar o afastamento da aplicabilidade das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à colecta de IRC resultante de tributações autónomas ao estabelecer o seguinte:

 

21 - A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.

 

A este n.º 21 do artigo 88.º do CIRC foi atribuída natureza interpretativa, pelo artigo 135.º da Lei n.º 7-A/2016 e pelo artigo 233.º da Lei n.º 114/2017, respectivamente.

No entanto, o Tribunal Constitucional, no citado acórdão n.º 267/2017, já afirmou a inconstitucionalidade daquele artigo 135.º na parte em que, por efeito do carácter meramente interpretativo que atribui à 2.ª parte do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, afasta a possibilidade de dedução ao montante global resultante das tributações autónomas liquidadas num dado ano em sede de IRC de deduções permitidas em anos fiscais anteriores a 2016.

Esta decisão do Tribunal Constitucional baseou-se no n.º 3 do artigo 103.º da CRP, que estabelece que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva, de que o Tribunal Constitucional entendeu resultar que «o legislador não pode criar impostos com tal natureza ou introduzir nos impostos existentes modificações que, com efeitos retroativos, os agravem» e que «está em causa a proibição de estatuir consequências jurídicas novas que constituam ex novo ou agravem situações fiscais já definidas, nomeadamente o quantum devido a título de certo imposto e previamente definido em razão da verificação de todos os factos relevantes à luz do direito aplicável antes da estatuição das consequências jurídicas novas».

Por isso, na linha desta jurisprudência, a constitucionalidade da interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º do CIRC, de forma a excluir a possibilidade de deduções à colecta de IRC resultante de tributações autónomas, depende de ela já dever ser efectuada à face do regime anterior àquela lei n.º 7-A/2016, pois é constitucionalmente inadmissível a retroactividade desfavorável aos contribuintes de normas fiscais de que resulte obrigação de pagamento de impostos.

Deve notar-se, porém, desde logo, que a nova redacção dada pela Lei n.º 114/2017 ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, ao afastar a possibilidade de deduções ao montante global das tributações autónomas «ainda que essas deduções resultem de legislação especial» esclarece, com natureza interpretativa (nesta parte sem problemas de constitucionalidade, por se tratar de retroactividade favorável aos contribuintes), que existia legislação especial de que resultava que fossem feitas deduções ao montante das tributações autónomas, vindo assim, reconhecer, com a autoridade legislativa de uma interpretação autêntica, o que já vinha sendo paciente e reiteradamente explicado pela jurisprudência arbitral maioritária (como se justificava e justifica em face das dificuldades manifestadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira no artigo 127.º das suas alegações, em que confessa que, para si, se trata de «incompreensíveis e ininteligíveis teses»).

Por isso, sendo constitucionalmente inadmissível, pelo que referiu o Tribunal Constitucional no acórdão citado, que esta nova lei venha afastar a possibilidade de deduções admissíveis à face da legislação vigente até a entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, a questão que se coloca, para solucionar as questões de legalidade da autoliquidação e da decisão da reclamação graciosa que são colocadas no presente processo, é a de saber se, antes desta lei, já deveria fazer-se a interpretação restritiva que nela veio a ser explicitada, já deveriam fazer-se restrições à aplicação das deduções previstas no n.º 2 do artigo 90.º do CIRC à parte da colecta de IRC resultante de tributações autónomas.

Na verdade, o facto de a letra do n.º 2 do artigo 90.º apontar no sentido da aplicação das deduções à colecta resultante das tributações autónomas essa dedutibilidade, não excluía a possibilidade de interpretação restritiva, se «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer. Também aqui a ratio legis terá uma palavra decisiva. O intérprete não deve deixar-se arrastar pelo alcance aparente do texto, mas deve restringir este em termos de o tornar compatível com o pensamento legislativo, isto é, com aquela ratio. O argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositio (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)». ( [8] )

Como fundamento para uma interpretação restritiva poderia, numa primeira análise, aventar-se o facto de que algumas tributações autónomas, designadamente algumas das que têm por base de incidência «despesas» ou «encargos» ( [9] ), visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes susceptíveis de afectarem o lucro tributável, e, consequentemente, diminuírem a receita fiscal, e a sua força desincentivadora será atenuada com a possibilidade de a respectiva colecta poder ser objecto de deduções.

No entanto, como foi legislativamente reconhecido pela redacção dada ao n.º 21 do artigo 88.º pela Lei n.º 114/2017 (aqui com força interpretativa constitucionalmente irrepreensível à face do artigo 103.º, n.º 3, da CRP), há legislação especial de que resultam deduções à colecta derivada de tributações autónomas, que são necessariamente situações em que legislativamente se deu preferência a satisfação dos interesses que justificam as deduções em relação aos que se visam com as tributações autónomas, o que sucede com as normas sobre benefícios fiscais dedutíveis à colecta de IRC.

 Por outro lado, a natureza de normas antiabuso, destinadas a evitar a fraude e a evasão fiscal, não exclui a possibilidade de deduções à colecta de IRC que com a aplicação dessas normas for determinada, o que é manifesto em relação à colecta proporcionada por correcções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização e também as correcções resultantes da aplicação da norma geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.

Ainda por outro lado, é também evidente que a natureza antiabuso de algumas das tributações autónomas que visam desincentivar despesas e evitar evasão fiscal não poderia servir para justificar a não dedução dos benefícios fiscais a toda a colecta de IRC resultante de tributações autónomas, pois a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC não incide sobre despesas ou encargos, mas sim sobre «lucros», sendo uma forma de tributação de lucro complementar ou alternativa em relação à prevista para a generalidade dos rendimentos. Para além disso, a tributação autónoma prevista no n.º 8 do artigo 88.º não tem subjacente qualquer intenção de desincentivar a realização das operações a que se refere, mas sim impor aos contribuintes especiais deveres probatórios em situações em a tributação mais favorável dos destinatários das despesas pode suscitar dúvidas sobre a realidade e normalidade das operações, pois a tributação autónoma é afastada «se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado».

Para além disso, mesmo em relação a algumas tributações autónomas que incidem sobre despesas, não seria compatível com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da igualdade impor tributação com fundamento numa hipotética intenção legislativa de desincentivar a utilização de motociclos para certas actividades para que eles são indispensáveis, como sucede com os espectáculos com motociclos, ou para que têm evidente adequação, correspondendo a sua utilização a manifesta boa gestão empresarial ( [10] ) e seria especialmente inconcebível incluir no âmbito dessa intenção desincentivadora o próprio pagamento dos «impostos incidentes sobre a sua posse ou utilização», a que se refere a parte final do n.º 5 do artigo 88.º, que até deverá ser assegurado coercivamente pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no caso de o contribuinte se sentir desincentivado a efectuar esse pagamento.

Assim, o entendimento de que todas as tributações autónomas visam tributar despesas ou desincentivar ou sancionar comportamentos, que pode resultar de uma primeira análise aligeirada, depara, numa percepção mais incisiva, com uma incontornável falta de correspondência com a realidade, sendo mais coerente, como explicação global, a ideia de que estamos «perante um mecanismo cujo objetivo último é o de contribuir para a “normalização” da tributação em sede de IRC, isto é, para o funcionamento deste imposto na sua forma mais pura e mais próxima das suas raízes de imposto sobre o lucro obtido pelas pessoas coletivas. Nesse sentido, as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC, que é o de tributar lucros permitindo a dedução das despesas em que os sujeitos passivos têm que incorrer com vista à realização dos rendimentos tributáveis». ( [11] )

            Como também se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais:

«A Exposição de Motivos que consta da Proposta de Lei n.º 46/VIII, que veio dar origem à Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que ampliou enormemente as situações de tributações autónomas, não deixa margem para dúvidas de que se trata de uma amplificação consciente e pretendida das entorses previamente existentes, por se ter entendido que elas eram necessárias, em suma, para compensar outras distorções resultantes de significativa fraude e evasão fiscais e, assim, aumentar a equidade da repartição da carga fiscal entre cidadãos e empresas».

(...)

«as tributações autónomas incidentes directamente sobre certas despesas, no âmbito de impostos que originariamente incidiam apenas sobre rendimentos, são consideradas entorses do sistema de tributação directa do rendimento que se visava com o IRC, mas um valor que legislativamente se considerou ser mais relevante do que a coerência teórica dos impostos, como é a implementação da justiça fiscal, impôs uma opção por essas formas de tributação, por estarem em consonância com os princípios da equidade, eficiência e simplicidade.

 (...)

Mas, esta tributação indirecta não deixa de ser efectuada no âmbito do IRC, como resulta da inclusão das tributações autónomas no respectivo Código, que tem como corolário a aplicação das normas gerais próprias deste imposto, que não contendam com a sua especial forma de incidência.

Assim, se é certo que as tributações autónomas constituem uma forma diferente de fazer incidir impostos sobre as empresas, que poderia constar de regulamentação autónoma ou ser arrumada no Código do Imposto do Selo, também não deixa de ser certo que a opção legislativa por incluir tais tributações no CIRC revela uma intenção de considerar tais tributações como inseridas no IRC, o que se poderá justificar por serem uma forma indirecta, mas, na perspectiva legislativa, equitativa, simples e eficiente, de tributar rendimentos empresariais que escapam ao regime da tributação com directa incidência sobre rendimentos».

 

Na verdade, as tributações autónomas em sede de IRC, em face da crescente amplitude que o legislador lhes tem vindo a atribuir ( [12] ), para serem compagináveis com o princípio constitucional da tributação das empresas incidindo fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104.º, n.º 2, da CRP), devem ser entendidas como formas indirectas de tributar rendimentos empresariais, através da tributação de certas despesas e encargos que revelam capacidade contributiva, ou mesmo, nos casos das tributações autónomas previstas nos n.ºs 8 e 11 do artigo 88.º, como formas complementares de tributar directamente rendimentos, em situações em que eles serão presumivelmente gerados, sem tributação, na esfera jurídica de terceiros.

Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa colectiva tem como corolário a um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que a imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas ou encargos suportados, constitui uma forma de tributar indirectamente o seu rendimento. ([13])

O novo artigo 23.º-A do CIRC, introduzido pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, ao dizer que «não são dedutíveis para efeitos da determinação do lucro tributável os seguintes encargos, mesmo quando contabilizados como gastos do período de tributação: a) O IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que directa ou indirectamente incidam sobre os lucros», deixa entrever que, na perspectiva legislativa, o IRC e as tributações autónomas são impostos que incidem directa ou indirectamente sobre os lucros, pois é esse entendimento que pode justificar que se inclua a expressão «quaisquer outros impostos», que pressupõe que o IRC e as tributações autónomas também são impostos destes tipos, são impostos que directa ou indirectamente incidem sobre os lucros reais ou presumidos.

Por isso, sendo as tributações autónomas previstas no CIRC, em última análise, formas indirectas de tributar o rendimento empresarial, não se vê que haja necessariamente incompatibilidade entre elas e as regras gerais que prevêem a forma de efectuar a liquidação de IRC.

De qualquer modo, uma interpretação restritiva só pode resultar, à face da redacção do CIRC anterior à Lei n.º 7-A/2016, da conclusão de que o texto do n.º 2 do artigo 90.º, em alguma medida, não corresponda ao pensamento legislativo, designadamente se se puder concluir que a razão justifica alguma ou algumas das deduções, apenas se compagina com a sua aplicação à colecta de IRC resultante do lucro tributável.

E, naturalmente, em face da proibição constitucional da aplicação retroactiva do afastamento global da dedutibilidade a situações anteriores à Lei n.º- 7-A/2016, serão de aplicar as deduções quando elas resultam da legislação especial a que se refere a redacção do n.º 21 do artigo 88.º introduzida pela Lei n.º 114/2017.

Na verdade, pelo menos nestes casos em que as deduções resultam de lei especial, estará afastada necessariamente a possibilidade de as afastar por via de uma interpretação restritiva do n.º 2 do artigo 90.º, pois é essa lei especial, precisamente por o ser, que impõe a sua aplicação, já que as leis especiais se sobrepõem às leis gerais nos seus específicos domínios de aplicação.

É a esta luz que importa apreciar cada uma das situações em que a Requerente pretende efectuar dedução à colecta de IRC resultante de tributações autónomas.

 

 

4.3. Dedutibilidade de despesas de investimento previstas no SIFIDE à colecta de IRC derivada de tributações autónomas

 

O SIFIDE - Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial foi criado pela Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, com vigência prevista para os anos de 2006 a 2010, mas foi reformulado pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010 de 31 de Dezembro para vigorar até 2015 como Sistema de incentivos fiscais em investigação e desenvolvimento empresarial II (SIFIDE II).

Posteriormente, foi alterado pelos artigos 163.º e 164.º da Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, e transferido para os artigos 33.º a 40.º do Código Fiscal do Investimento, republicado pelo Decreto-Lei n.º 82/2013, de 17 de Junho.

Os artigos 33.º, 35.º, 36 e 38.º do Código Fiscal do Investimento foram alterados pela Lei n.º 83-C/2013 (artigos 211.º e 212.º), aumentando-se o período de vigência até 2020 (no n.º 1 daquele artigo 36.º).

Depois, o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, aprovou um novo Código Fiscal do Investimento, em que integrou o SIFIDE II.

No caso em apreço, está em causa a dedução em 2012 de investimentos realizados nos anos anteriores desde 2007, o que era viável por força do disposto no artigo 4.º, n.º 3, da Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, e no artigo 4.º, n.º 4, do SIFIDE II, na redacção dada pelo artigo 133.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, que estabelecem que «as despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato».

Sobre o âmbito da dedução, o artigo 4.º, n.ºs 1 a 3, da Lei n.º 40/2005, estabelecem o seguinte, no que aqui interessa:

 Artigo 4.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 83.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas no período de tributação que se inicie em 1 de Janeiro de 2006, numa dupla percentagem: ( [14] )

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período; (Redacção da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março)

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000. (Redacção da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março)

 

2 - A dedução é feita, nos termos do artigo 83.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

3 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas poderão ser deduzidas até ao 6.º exercício imediato.

 

O artigo 4.º, n.ºs 1, 3 e 4, do SIFIDE na redacção da Lei n.º 55-A/2010 estabelece o seguinte, no que aqui interessa.

 

Artigo 4.º

Âmbito da dedução

1 - Os sujeitos passivos de IRC residentes em território português que exerçam, a título principal ou não, uma actividade de natureza agrícola, industrial, comercial e de serviços e os não residentes com estabelecimento estável nesse território podem deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, na parte que não tenha sido objecto de comparticipação financeira do Estado a fundo perdido, realizadas nos períodos de tributação de 1 de Janeiro de 2011 a 31 de Dezembro de 2015, numa dupla percentagem:

 

a) Taxa de base - 32,5 % das despesas realizadas naquele período;

 

b) Taxa incremental - 50 % do acréscimo das despesas realizadas naquele período em relação à média aritmética simples dos dois exercícios anteriores, até ao limite de (euro) 1 500 000.

 

(...)

3 - A dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior.

4 - As despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato.

(...)

 

 

No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira não questionou que a Requerente preencha os requisitos subjectivos e objectivos para poder beneficiar do SIFIDE, tendo indeferido o pedido de revisão oficiosa por entender que as despesas em causa não podem ser deduzidas às quantias que pagou a título de tributações autónomas, por a dedução só poder ser efectuada à colecta de IRC resultante da aplicação da taxa de IRC ao lucro tributável.

Como se referiu, o artigo 90.º do CIRC reporta-se também à liquidação das tributações autónomas.

E, como também se disse, não há suporte legal para afirmar que, na eventualidade de terem de ser efectuados numa declaração vários cálculos para determinar o IRC, seja efectuada mais que uma autoliquidação.

Os referidos diplomas que aprovaram o SIFIDE e o SIFIDE II não referem que os créditos aí previstos são dedutíveis a toda e qualquer colecta de IRC, antes definem o âmbito da dedução aludindo, nos n.ºs 1 dos seus artigos 4.º, «ao montante apurado nos termos do artigo 83.º do Código do IRC, e até à sua concorrência» ( [15] ) e «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência».

O n.º 2 do artigo 4.º daquele primeiro diploma e o n.º 3 do mesmo artigo 4.º do segundo diploma confirmam que é ao montante que for apurado nos termos do artigo 90.º do CIRC que releva para concretizar a dedução ao dizerem, com a actualização resultante da referida renumeração, que «a dedução é feita, nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, na liquidação respeitante ao período de tributação mencionado no número anterior».

Assim, por mera interpretação declarativa, conclui-se que o artigo 4.º, n.º 1, do SIFIDE II, ao estabelecer a dedução «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», implica a dedução ao montante das tributações autónomas que são apuradas nos termos desse artigo 90º.

O facto de os artigos 5.º do SIFIDE I e do SIFIDE II afastarem o benefício quando o lucro tributável seja determinado por métodos indirectos e nas tributações autónomas se incluírem situações em que se visa indirectamente a tributação de lucros (designadamente, não dando relevância ou desmotivando factos susceptíveis de os reduzirem) não tem qualquer relevância para este efeito, pois o conceito de «métodos indirectos» tem um alcance preciso no direito tributário, que é concretizado no artigo 90.º da LGT (para além de normas especiais), reportando-se a meios de determinar o lucro tributável, cuja utilização não se prevê para cálculo da matéria colectável das tributações autónomas previstas no artigo 88.º do CIRC. Por outro lado, se é a necessidade de fazer uso de métodos indirectos que afasta a possibilidade de usufruir do benefício, não se pode justificar esse afastamento em relação à colecta das tributações autónomas, que é determinada por métodos directos.

Por outro lado, o facto de a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE I e do SIFIDE II ser limitada à colecta do artigo 90.º do CIRC, até à sua concorrência, não permite concluir que o crédito fiscal só seja dedutível caso haja lucro tributável, pois o que aquele facto exige é que haja colecta de IRC, que pode existir mesmo sem lucro tributável do exercício, designadamente por força das tributações autónomas e outras componentes positivas do imposto.

Assim, apontando o teor literal dos artigos 4.º do SIFIDE I e do SIFIDE II no sentido de a dedução se aplicar também à colecta de IRC derivada de tributações autónomas a apurada nos termos do artigo 90.º do CIRC, só por via de uma interpretação restritiva se poderá afastar a aplicação do benefício fiscal à colecta de IRC proporcionada pelas tributações autónomas.

A viabilidade de uma interpretação restritiva encontra, desde logo, um obstáculo de ordem geral, que é o de que as normas que criam benefícios fiscais têm a natureza de normas excepcionais, como decorre do teor expresso do artigo 2.º, n.º 1, do EBF, pelo que, na falta de regra especial, devem ser interpretadas nos seus precisos termos, como é jurisprudência pacífica. ( [16] ) No caso dos benefícios fiscais, prevê-se explicitamente a possibilidade de interpretação extensiva (artigo 10.º do EBF), mas não de interpretação restritiva, pelo que, em regra, o benefício fiscal não deve ser interpretado com menor amplitude do que a que, numa interpretação declarativa, resulta do teor da norma que o prevê.

De qualquer modo, como se referiu, uma interpretação restritiva apenas se justifica quando «o intérprete chega à conclusão de que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida em que diz mais do que aquilo que pretendia dizer».

Ora, mesmo relativamente às tributações autónomas que visam desincentivar despesas, o desincentivo de comportamentos é justificado apenas pelas preocupações de protecção da receita fiscal e os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

E, no caso dos benefícios fiscais do SIFIDE I e II, as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspectiva legislativa, de enorme importância, por se entender que a capacidade de investigação e desenvolvimento é factor decisivo para a competitividade das empresas e do país, bem como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, o que se refere com clareza na fundamentação da Proposta de Lei n.º 5/X e no Relatório do Orçamento do Estado para 2011:

 

Proposta de Lei n.º 5/X

 

A capacidade de investigação e desenvolvimento (I&D) das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVII Governo, assim como em relatórios internacionais recentes, nomeadamente nas conclusões do relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) “Tax Incentives for Research and Development”, 2003, e no relatório da Comissão Europeia sobre “Monitoring Industrial Research”, 2004.

(...)

Importa, pois, repor, como previsto no Programa do Governo, os incentivos fiscais de dinamização da I&D empresarial em cooperação com as Universidades e outras Instituições de investigação, que terá um papel fundamental na implementação do Plano Tecnológico. A meta apontada, de triplicar as actividades de I&D pelas empresas a laborar em Portugal, só é possível com um redobrar do apoio público às empresas que efectivamente queiram apostar na inovação científica e tecnológica como eixo central das suas estratégias de competitividade. O apoio sob a forma de incentivo fiscal terá uma importância crescente, não só por ser uma forma mais expedita para as empresas que queiram intensificar os seus investimentos de forma organizada e continuada, como por permitir alavancar os efeitos dos apoios financeiros. Nas medidas de apoio financeiro à I&D em consórcio entre empresas e instituições de investigação do QCA 3 (POCTI e POSI) foi introduzida uma componente de apoio reembolsável, que representa um passo assinalável no envolvimento das empresas nos resultados dos projectos. A reposição do SIFIDE, ao permitir deduzir parte dos reembolsos que irão efectuar às entidades financiadoras, é um justo prémio a um envolvimento que se quer crescente.

 

 

II.2.2.4.4. Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento
Empresarial II (SIFIDE)


Tendo em conta que uma das valias da competitividade em Portugal passa pela aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, a Proposta de Orçamento do Estado para 2011 propõe renovar o SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), agora na versão SIFIDE II, para vigorar nos períodos de 2011 a 2015, possibilitando a dedução à colecta do IRC para empresas que apostam em I&D (capacidade de investigação e desenvolvimento).

Dado o balanço positivo dos incentivos fiscais à I&D empresarial, e considerando também a evolução do sistema de apoio dos outros países, foi decidido rever e reintroduzir por mais cinco períodos de tributação este sistema de apoio. A I&D das empresas é um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, facto, aliás, expressamente reconhecido no Programa do XVIII Governo, assim como em vários relatórios internacionais recentes.

É neste contexto que, no panorama internacional, a OCDE considera desde 2001 Portugal como um dos três países com um avanço mais significativo na I&D empresarial. Sendo o sistema nacional vigente, comparativamente aos demais sistemas que utilizam a dedução à colecta e a distinção entre taxa base e taxa incremental, é um dos mais atractivos e competitivos.

 

Sendo a investigação e desenvolvimento das empresas «um factor decisivo não só da sua própria afirmação enquanto estruturas competitivas, como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo», compreende-se que se tenha dado preferência ao incentivo da aposta na capacidade tecnológica, no emprego científico e nas condições de afirmação no espaço europeu, que, a prazo, se reconduzem à obtenção de maiores receitas fiscais.

A importância que, na perspectiva legislativa, foi reconhecida a este benefício fiscal previsto no SIFIDE I e no SIFIDE II, é decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicado como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC (a que corresponde o artigo 86.º, na redacção anterior à renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho).

             Por isso, é seguro que se está perante benefícios fiscais cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais, inferindo-se daquele artigo 92.º (anterior artigo 86.º) que a intenção legislativa de incentivar os investimentos em investigação e desenvolvimento previstos no SIFIDE I e no SIFIDE II é tão firme que vai ao ponto de nem sequer se estabelecer qualquer limite à dedutibilidade da colecta de IRC, apesar de este regime fiscal, a partir de 2010, ter sido criado e aplicado num período de notórias dificuldades das finanças públicas.

            Assim, não se vê fundamento legal, designadamente à face da intenção legislativa que é possível detectar, para, com fundamento numa interpretação restritiva, afastar a dedutibilidade do benefício fiscal do SIFIDE I e do SIFIDE II à colecta das tributações autónomas que resulta directamente da letra do artigo 4.º, n.º 1, do respectivo diploma, conjugado com o artigo 90.º do CIRC.

            Por outro lado, a eventual limitação da aplicação do benefício fiscal a empresas que apresentassem lucro tributável reconduzir-se-ia a uma fortíssima restrição do seu campo de aplicação, já que, como é facto público, grande parte das empresas, nos períodos de vigência do SIFIDE I e do SIFIDE II, especialmente a partir do agravamento da crise económica em 2008, apresentava prejuízos fiscais, embora pagasse IRC por outras vias.

            Na verdade, segundo a estatística publicada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no ano de 2011, mais de metade das declarações de IRC apresentavam valor líquido negativo e no período de tributação de 2011 apenas 26% dos sujeitos passivos apresentaram IRC Liquidado (Quadro 7), e cerca de 71% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC (Quadro 8), por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.). ( [17] ).

Por isso, a aplicabilidade do benefício fiscal a empresas que, embora apresentassem prejuízos fiscais, pagavam IRC, inclusivamente a título de tributações autónomas, ampliava fortemente o número de empresas potencialmente beneficiárias e, consequentemente, compagina-se melhor com a intenção legislativa subjacente ao SIFIDE I e ao SIFIDE II do que a defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Trata-se, por isso, da solução manifestamente mais acertada e que, por o ser, tem de se presumir ter sido legislativamente consagrada (artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil).

Por outro lado, como se referiu, não se pode olvidar que as tributações autónomas visam proteger ou aumentar as receitas fiscais e que os benefícios fiscais concedidos são, por definição, «medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem» (artigo 2.º, n.º 1, do EBF).

Isto é, no caso em apreço, ao estabelecer um benefício fiscal por dedução à colecta de IRC, o legislador optou por prescindir da receita fiscal que este imposto poderia proporcionar, na medida da concessão do benefício fiscal. Para esta ponderação relativa dos interesses em causa (receita fiscal versus estímulo forte ao investimento) é indiferente que essa receita provenha de cálculos efectuados com base no artigo 87.º ou no artigo 88.º do CIRC. Na verdade, seja qual for a forma de cálculo dessa receita fiscal, está-se perante dinheiro cuja arrecadação o legislador considerou ser menos importante do que a prossecução da finalidade económica referida.

Das duas alternativas que se deparavam ao legislador relativamente ao incentivo aos investimentos previstos no SIFIDE I e no SIFIDE II, que eram, por um lado, manter intactas as receitas provenientes de IRC (incluindo as de tributações autónomas) e não ver incentivado o investimento e, por outro lado, concretizar esse incentivo com perda de receitas de IRC, a ponderação que necessariamente está subjacente ao SIFIDE I e ao SIFIDE II é a da opção pela criação do incentivo com prejuízo das receitas. E, naturalmente, sendo a criação do incentivo ao investimento preferível, na perspectiva legislativa, à arrecadação de receitas, não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.

E, no caso do benefício fiscal do SIFIDEI e do SIFIDE II, as razões de natureza extrafiscal referidas legislativamente que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um factor decisivo na competitividade futura do país, que é fundamental para o próprio incremento das receitas fiscais.

            Por isso, é seguro que se está perante benefício fiscal cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante que a obtenção de receitas fiscais provenientes de IRC, seja qual for a base do seu cálculo, pois o que está em causa sempre prescindir ou não de determinada quantia em dinheiro para criar um incentivo ao investimento.

            Neste contexto, a natureza das tributações autónomas e as soluções legislativamente adoptadas, em geral, em relação a elas, não têm qualquer relevância para a apreciação desta questão, pois esta tem de ser apreciada à face dos específicos interesses que na sua ponderação se entrechocam.

Na verdade, o que está em causa é, exclusivamente, determinar o alcance do SIFIDE I e do SIFIDE II, que estabelece um regime de natureza excepcional, que visou prosseguir determinados interesses públicos, e não contribuir para a decisão de qualquer questão conceitual sobre a natureza das tributações autónomas, matéria sobre a qual não se vislumbra quer no texto da lei, quer nos trabalhos preparatórios, a menor preocupação legislativa.

Pela mesma razão de que o que está em causa é interpretar o alcance do diploma de natureza especial que é o SIFIDE I e o SIFIDE II, não pode ser atribuída relevância, para este efeito, à norma do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, na parte em que se refere que não são «efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado», apesar da pretensa natureza interpretativa que lhe foi atribuída (que implica a sua inconstitucionalidade, por retroactividade prejudicial aos contribuintes, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017).

Com efeito, não há qualquer sinal, nem na Lei n.º 7-A/2016, nem no Relatório do Orçamento para 2016, nem na sua discussão, de que com o aditamento no artigo 88.º do CIRC de uma norma geral proibindo deduções ao montante global apurado de tributações autónomas, se pretendesse interpretar restritivamente a expressão «deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC» que consta de normas especiais de diplomas avulsos, como são o SIFIDE I e o SIFIDE II.

E, na falta de uma intenção inequívoca em sentido contrário, vale a regra de que a lei geral não altera lei especial (artigo 7.º, n.º 3, do Código Civil), que tem a justificação o facto de que «o regime geral não inclui a consideração das condições particulares que justificaram justamente a emissão da lei especial». ( [18] )

De resto, foi o próprio legislador que, recentemente, através da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, veio reconhecer expressa e inequivocamente, com explícita intenção interpretativa declarada no seu artigo 233.º (constitucionalmente admissível na medida em que não for desfavorável aos contribuintes), que existem normas especiais de que resulta que deveriam ser feitas deduções ao montante apurado com as tributações autónomas, ao dar nova redacção ao n.º 21 do artigo 88.º do CIRC com o seguinte teor:

«21. A liquidação das tributações autónomas em IRC é efetuada nos termos previstos no artigo 89.º e tem por base os valores e as taxas que resultem do disposto nos números anteriores, não sendo efetuadas quaisquer deduções ao montante global apurado, ainda que essas deduções resultem de legislação especial.

 

Assim, se é certo que esta norma esclarece que é intenção legislativa que não sejam feitas deduções ao montante global apurado com as tributações autónomas, também o é que nela se reconhece que resultava de legislação especial que fossem feitas deduções, sendo esse, precisamente, o caso das normas que prevêem benefícios fiscais por dedução à colecta de IRC.

Mas, se dessas normas especiais resultava que fossem feitas deduções ao montante das global apurado das tributações autónomas, é manifesto que não é compaginável com o princípio constitucional da proibição da retroactividade das normas que criem impostos (artigo 103.º, n.º 3, da CRP) o afastamento desse resultado por uma lei posterior, a todos os que, ao abrigo dessas leis especiais em que confiaram, criaram as condições para obter as deduções anunciadas legislativamente como resultado para os seus investimentos.

A tese inovadora defendida pela Autoridade Tributária e Aduaneira de que «o próprio funcionamento e objectivo do SIFIDE - de incentivo ao investimento através de uma dedução de uma certa percentagem de um investimento à colecta de um imposto sobre lucros - só se efectiva se houver lucro na medida em que premeia a rendibilidade do investimento» não tem qualquer apoio na letra da lei, antes conflitua com o teor expresso do n.º 6 do artigo 90.º do CIRC em que se estabelece que «quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções referidas no n.º 2 relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo, nos termos do n.º 1». Assim, mesmo que se entenda que os benefícios fiscais não podem ser deduzidos à colecta de tributações autónomas, os investimentos efectuados que não tenham proporcionado lucros serão dedutíveis desde que haja lucro tributável, mesmo que não tenham proporcionado lucros: por exemplo, a circunstância de os investimentos terem sido efectuados numa empresa do grupo que teve prejuízos, não afasta a dedutibilidade dos investimentos previstos no SIFIDE ao lucro tributável do grupo, como resulta do teor expresso do referido no n.º 6 do artigo 90.º do CIRC.

Para além disso, as referidas regras do SIFIDE I e do SIFIDE II visaram incentivar os sujeitos passivos de IRC a efectuarem investimentos nos períodos entre 01-01-2006 e 31-12-2010 e entre 01-01-2011 e 31-12-2015, pelo que, sendo o benefício fiscal de dedução à colecta de IRC a contrapartida anunciada por aqueles diplomas para a adopção do comportamento legislativamente desejado e incentivado, seria incompaginável com o princípio constitucional da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito democrático (artigo 2.º da CRP), não reconhecer a esses comportamentos os efeitos fiscais favoráveis previstos na lei vigente no momento em que eles ocorreram.

Na verdade, a interpretação da lei que aqui se faz, que se consubstancia em as deduções resultarem de lei especial que assegura a sua dedutibilidade à colecta de tributações autónomas, era algo com que os contribuintes tinham razões para razoavelmente contar, como evidencia a já abundante e maioritária jurisprudência arbitral que adopta esta interpretação, com o reconhecimento de constitucionalidade que lhe foi dado pelo Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017 e com a confirmação de que, em boa interpretação da lei, havia deduções a tributações autónomas que resultavam de legislação especial, que veio a ser imperativamente dada pela Lei n.º 114/2017.

Por isso, o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, nas redacções da Lei n.º 7-A/2016 e da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro, bem como os artigos 135.º da primeira e 233.º da segunda, que atribuíram natureza interpretativas às novas redacções, são materialmente inconstitucionais, por violação dos princípios da confiança e da proibição da retroactividade dos impostos, na medida em que sejam interpretados como afastando o direito à dedução à colecta de IRC derivada de tributações autónomas que resulta de investimentos abrangidos pelo SIFIDE I e pelo SIFIDE II, efectuados antes da entrada em vigor da primeira.

Pelo exposto, convergindo os elementos literal e racional da interpretação do artigo 4.º do SIFIDE I e do SIFIDE II no sentido de que as despesas de investimento nele previstas são dedutíveis «ao montante apurado nos termos do artigo 90.º do Código do IRC, e até à sua concorrência», é de concluir que não há fundamento para uma interpretação restritiva quanto a estes benefícios fiscais, pelo que aquelas despesas de investimento são dedutíveis à globalidade dessa colecta, que engloba, para além, da derivada da tributação dos lucros em cada período fiscal, a que resulta de outras componentes da colecta, designadamente de tributações autónomas.

            Procede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão, pois é ilegal a autoliquidação e o indeferimento do pedido de revisão oficiosa.

Estas ilegalidades justificam a anulação da autoliquidação, na parte em causa, e do indeferimento do pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

 

4.4. Questões de inconstitucionalidade suscitadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira faz algumas referências a princípios constitucionais que entende que seriam violados com as deduções à colecta de IRC derivada de tributações autónomas, como os princípios da legalidade, da separação dos poderes, da protecção da confiança e da igualdade, na sua formulação positiva da capacidade contributiva.

 

As normas que prevêem benefícios fiscais implicam sempre um tratamento diferenciado para aqueles que deles beneficiam, mas isso não implica violação do princípio da igualdade, pois, quanto aos benefícios fiscais que dependem de um comportamento do sujeito passivo, quem cria as condições para obter benefícios fiscais não está em situação idêntica a quem não os efectua.

Pelo contrário, o que se reconduzira a violação do princípio da igualdade, para além do princípio da confiança, seria não reconhecer o benefício fiscal a quem adoptou o comportamento previsto na lei para dele usufruir.

No que concerne à avaliação legislativa dos interesses conflituantes subjacente à criação de benefícios fiscais, designadamente saber se se justifica sacrificar o interesse da tributação para atingir outros interesses públicos que se sobrepõem ao interesse da tributação e se o benefício é adequado ao comportamento, ou se deveria ser exigido outro requisito para o conceder (a ideia do prémio a quem obtém lucros que a Autoridade Tributária e Aduaneira propugna e não tem qualquer suporte legal) trata-se de matéria inserida no âmbito da discricionariedade legislativa, em que qualquer intromissão da Autoridade Tributária e Aduaneira (ou dos Tribunais) envolveria violação do princípio da separação dos poderes.

Por isso, nesta matéria, num Estado de Direito (artigo 2.º da CRP), em que a Administração Tributária está subordinada ao princípio da legalidade na globalidade da sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT), o comportamento constitucionalmente imposto à Autoridade Tributária e Aduaneira é acatar a opção legislativa, em vez de a discutir e procurar sobrepor ao critério legislativo a ponderação de interesses que faria a Autoridade Tributária e Aduaneira se fosse a ela que a Constituição atribuísse o poder legislativo.

O mesmo sucede com os Tribunais, que estão sujeitos à Lei (artigo 203.º da CRP), pelo que quem exerce o poder jurisdicional tem de acatar os ditames legislativos que não colidam qualquer norma de hierarquia superior, não podendo sobrepor ao entendimento legislativo manifestado na lei os critérios classificativos pessoais que ele próprio adoptaria se, em vez de ser intérprete, fosse o legislador.

Por outro lado, quanto ao princípio da separação dos poderes, a presente decisão é proferida por um Tribunal, pelo que tem carácter jurisdicional, e, no exercício do poder jurisdicional, é aos Tribunais que incumbe interpretar e aplicar as leis. No caso, este Tribunal interpretou todas as normas em causa, inclusivamente o n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, com o sentido que referiu e não com outro. Por isso, a presente decisão arbitral é uma concretização do princípio da separação de poderes.

De resto, não se vê qualquer razão para duvidar que, legislativamente, não há qualquer obstáculo a que empresas que realizam despesas dos tipos previstos no artigo 88.º do CIRC usufruam de benefícios fiscais, desde que preencham os pressupostos previstos na lei para deles usufruírem.

Na verdade, nunca se defendeu que as empresas possam ficar privadas de benefícios fiscais, pelo facto de adoptarem comportamentos que justificam tributações autónomas ou terem relações com territórios ou países de tributação privilegiada, como, por exemplo, o Luxemburgo, a Irlanda, a Holanda, a Bulgária ou a Zona Franca da Madeira, todos integrados na União Europeia.

Nem se vislumbra qualquer razão para discriminar negativamente as empresas que têm de pagar tributações autónomas, pois estas são uma forma de tributação legalmente prevista, sendo mesmo uma excelente fonte de receita do Estado que lhe permite obter receitas fiscais como se comprova pelo presente processo, em que foram asseguradas receitas fiscais em sede de IRC apesar de o grupo ter prejuízos.

Ainda no que concerne ao princípio da igualdade, não pode deixar de ter-se presente que as tributações autónomas não têm por base a capacidade contributiva das empresas, pois a sua autonomia tributária concretiza-se, precisamente, na imposição de tributação com indiferença pela existência de rendimentos, sendo excepções ao princípio da tributação das empresas com incidência «fundamentalmente sobre o seu rendimento real» (artigo 104.º, n.º 2, da CRP). Por isso, não se vê como seja violado o princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º, n.º 2, da CRP, e muito menos o artigo 103.º, n.º 2, da CRP, que se reporta aos requisitos formais das leis tributárias.

Por isso, a interpretação da Requerente no sentido de que podem ser feitas deduções de benefícios à colecta de IRC derivada de tributações autónomas, que já vinha sendo reiteradamente afirmada pela jurisprudência e foi confirmada pela Lei n.º 114/2017, não é incompaginável com o princípio da igualdade e seria incompatível com o princípio da separação (artigo 2.º da CRP) não acatar a opção legislativa ínsita no SIFIDE quanto a esta dedutibilidade.

Finalmente, refira-se que o princípio da confiança, que visa proteger as legítimas expectativas dos cidadãos contra alterações legislativas com que não poderiam razoavelmente contar, não vale em relação ao próprio Estado, que é o legislador e em que se integra a Autoridade Tributária e Aduaneira.

Neste caso, o que violaria o princípio da confiança seria atribuir eficácia retroactiva às novas redacções do n.º 21 do artigo 88.º do CIRC, afastando a dedução de benefícios à colecta de tributações autónomas nos casos em que tal dedução resulta de leis especiais anteriores.

Pelo exposto, não ocorre violação dos princípios invocados.

 

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

A Requerente pede o reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

 

4.1. Reembolso

 

A Requerente pagou o imposto autoliquidado, como se infere de ter sido determinado imposto a reembolsar.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Por outro lado, como o direito a juros indemnizatórios depende da existência de direito de quantia a reembolsar, dessa competência para decidir sobre o direito a juros indemnizatórios infere-se que ela se estende à apreciação do direito a reembolso.

O n.º 4 do artigo 4.º do SIFIDE estabelece que «as despesas que, por insuficiência de colecta, não possam ser deduzidas no exercício em que foram realizadas podem ser deduzidas até ao sexto exercício imediato».

Por isso, para concluir que há, neste momento, direito a reembolso, é necessário demonstrar que o saldo de SIFIDE que transitou para os exercícios seguintes não foi nestes utilizado.

A Requerente junta as declarações de rendimentos modelo 22 relativas aos anos posteriores a 2012, pelas quais se verifica que não foi deduzido o SIFIDE.

Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira não contesta que estejam reunidos os requisitos para a Requerente usufruir do benefício.

Neste contexto, não havendo controvérsia sobre a matéria, não há obstáculo a que seja reconhecido à Requerente o direito ao reembolso da quantia de € 95.962,09, que poderia ter deduzido à colecta das tributações autónomas na declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2012.

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pede juros indemnizatórios a partir de 01-09-2013.

O n.º 1 do artigo 43.º da LGT apenas reconhece o direito a juros indemnizatórios quando se determinar em processo de reclamação graciosa ou impugnação judicial que houve erro imputável aos serviços.

O pedido de revisão do acto tributário é equiparável a reclamação graciosa quando é apresentado dentro do prazo da reclamação administrativa, que se refere no n.º 1 do artigo 78.º da LGT, como se refere no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06.

Como também se refere no mesmo acórdão, «nos casos de revisão oficiosa da liquidação (quando não é feita a pedido do contribuinte, no prazo da reclamação administrativa, situação que é equiparável à de reclamação graciosa) (...) apenas há direito a juros indemnizatórios nos termos do art. 43.º, n.º 3, da LGT».

Este regime justifica-se pela falta de diligência do contribuinte em apresentar reclamação graciosa ou pedido de revisão no prazo de dois anos previsto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT.

Nestes casos de revisão do acto tributário, o contribuinte não tem direito a juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido, mas apenas a partir da data em que se completou um ano depois de ter apresentado o pedido de revisão do acto tributário, nos termos da referida alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT.

Como decorre da matéria de facto fixada, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 22-02-2016, e foi indeferido em 31-05-2017, mais de um ano depois de apresentado o pedido.

Assim, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios apenas a partir de 23-02-2017, data mais de um ano posterior a formulação do pedido.

Os juros indemnizatórios são devidos à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.º 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

 

5. Decisão                      

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade da não dedução do montante do SIFIDE à colecta resultante de tributações autónomas e anular a autoliquidação, na parte respectiva, bem como o indeferimento do pedido de revisão oficiosa;
  2. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto ao reembolso à Requerente da quantia de € 95.962,09 e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a efectuar o respectivo pagamento;
  3. Julgar parcialmente procedente o pedido de juros indemnizatórios e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar os juros à Requerente, a partir de 23-02-2017 e até reembolso da quantia de € 95.962,09.

 

6. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 95.962,09.

 

7. Custas

 

            Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

 

Lisboa, 05-03-2018

Os Árbitros

 

 

(Jorge Lopes de Sousa)

 

 

 

(A. Sérgio de Matos)

 

 

 

(José Nunes Barata)

 

 

 

 



[1]           Como se entendeu no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12-6-2006, proferido no processo n.º 402/06.

[2]           BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, 4.ª edição, página 100.

[3]           Essencialmente neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07.

[4]           Acórdão n.º 177/2016, de 29-3-2016, processo n.º 126/15.

[5]    O n.º 7 veio a ser revogado pela Lei n.º 82-C/2014, de 31 de Dezembro.

[6]                  O n.º 6 do artigo 87.º do CIRC foi revogado pela Lei n.º 55/2013, de 8 de Agosto, o que não tem relevância para este efeito de demonstrar que fora do âmbito das tributações autónomas havia e há cálculos parciais de IRC com base em taxas especiais aplicáveis a determinadas matérias colectáveis.

[7]           Será materialmente inconstitucional, por violação da proibição constitucional da retroactividade dos impostos, que consta do n.º 3 do artigo 103.º da CRP, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 267/2017, de 31-05-2017.

[8]             BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, página 186.

[9]                  Actualmente apenas em relação a algumas tributações autónomas se poderá encontrar a natureza de normas antiabuso, pois, como ensina CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 7.ª edição, página 543, «é, porém, evidente que o alargamento e agravamento de que tais tributações autónomas têm presentemente uma finalidade clara de obter mais receitas fiscais».

[10]            Como, por exemplo, a distribuição de pizzas ao domicílio nas cidades ou de correio nas zonas rurais, situações que já foram apreciadas em decisões arbitrais proferidas nos processos n. 628/2014-T e 553/2016-T.

[11]            Como bem se refere no acórdão arbitral proferido no processo n.º 210/2013-T, que é citado na página 6 da Informação em que se baseou a decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

[12]            Como adiante se refere, tem-se constatado reiteradamente que a colecta primacial de IRC resultante directamente do lucro tributável é muito inferior à colecta global de IRC.

[13]                Não se pode esquecer, neste contexto da identificação da natureza de um tributo, que, levando a análise ao limite, como ensinava o saudoso Prof. Doutor SALDANHA SANCHES, «o destinatário do imposto é sempre a pessoa singular - a tributação da sociedade comercial é instrumental e a sua tributação é sempre um pagamento por conta do imposto que mais tarde vai ser suportado pelo titular do capital da sociedade».

[14]            Ao artigo 83.º do CIRC na redacção vigente em 2005 corresponde o artigo 90.º após a renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13 de Julho.

[15]            No artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 40/2005 refere-se o artigo 83.º que, como se referiu, corresponde ao artigo 90.º após a renumeração operada pelo Decreto-Lei n.º 159/2009.

[16]                Neste sentido, pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15-11-2000, processo n.º 025446, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 501, páginas 150-153, em que se cita abundante jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo e do Supremo Tribunal de Justiça.

               Este Boletim do Ministério da Justiça está disponível em:

               http://www.gddc.pt/actividade-editorial/pdfs-publicacoes/BMJ501/501_Dir_Fiscal_a.pdf

[17]                Este texto está disponível em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/NR/rdonlyres/70E81137-189A-440E-AF11-88B4A6CC1C9A/0/Notas_Previas_IRC_20092011.pdf.

               De resto, há já vários anos que apenas uma minoria de contribuintes pagava IRC com base no lucro tributável do respectivo exercício, como se pode ver nos documentos estatísticos publicados em http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/dgci/divulgacao/estatisticas/estatisticas_ir/:

      – 29% no período de tributação de 2010, em que cerca de 76% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, ou de outras componentes positivas do imposto (Tributações Autónomas, Derrama, Derrama Estadual, IRC de períodos de tributação anteriores, etc.).;

      – 31% no período de tributação de 2009, em que de 77% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

      – 34% no período de tributação de 2008, em que 79% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores;

      – 36% no período de tributação de 2007, em que 80% dos sujeitos passivos efectuaram pagamentos de IRC por via do Pagamento Especial por Conta, das Tributações Autónomas e do IRC de exercícios anteriores.

 

                

 

[18]                OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito – Introdução e Teoria Geral, página 260.